Acessibilidade / Reportar erro

COVID-19: Questões/Lições

Embora pela marcha dos acontecimentos, a pandemia do COVID-19 que ainda avassala a população humana esteja longe de seu fim, ou seja, do controle epidemiológico, já se torna aceitável inferir que suas consequências poderão ser comparáveis, ou até superiores, aos efeitos das duas guerras mundiais, em termos de pessoas atingidas, mortes e sequelas psicossociais. É claro que é ainda bem difícil, ou mesmo impossível, avaliar todo o “pool” de prejuízos físicos, sociais e econômicos, inclusive para o intercâmbio de ideias, bens e serviços dentro e entre áreas geográficas de diferentes escalas (locais, nações e continentes) face às grandes restrições decorrentes das medidas sanitárias impostas para reduzir a propagação da virose ou imediatamente decorrentes da doença, mobilizando centenas de milhões de pessoas e suas famílias para os cuidados assistenciais em seus domicílios, clínicas ou centros hospitalares.

O simples enunciado desses tópicos já põe em evidência efetiva ou potencial, o enorme e até mesmo imensurável balanço de eventos com sinais trocados (negativos e eventualmente positivos), sendo notório que, no quadro de antagonismos que caracterizam a emergência e evolução da pandemia, vislumbra-se,o saldo pesadamente adverso em relação aos objetivos do chamado desenvolvimento humano.11 Assembly, General. Resolution adopted by the General Assembly on 6 July 2017. A/RES/71/313, 2017. [acesso 23 jun 2021]. Disponível em: http://ggim.un.org/meetings/2017-4th_Mtg_IAEG-SDG-NY/documents/A_RES_71_313.pdf
http://ggim.un.org/meetings/2017-4th_Mtg...
Ou seja, o progresso material, o acesso crescente e equitativo ao intercâmbio de princípios e conquistas que, em termos ainda ideais, definem e facultam o estado de bem estar individual e coletivo. Nestas condições seria realizado o pleno desenvolvimento físico e psicossocial geneticamente possível, definido o alcance de atributos econômicos, sociais, políticos, éticos, participativos, criativos e até espirituais, dentro de um padrão de respeito ao ambiente natural (ecologia) e sob uma condição de sustentabilidade, tendo em conta o legado que se deve às gerações futuras.

Voltando ao coronavírus: é claro que a grande demanda de questões e lições se aplica ao setor saúde. De fato, a descoberta de um novo problema nosológico, singularizado por sua elevada capacidade de transmissão, efeitos patogênicos e suscetibilidade praticamente universal, impôs uma sobrecarga a todos os setores que compõe o binômio saúde/doença, abrindo uma crise que parte do próprio conceito e se espalha por todos os espaços, requisitando métodos inovadores de pesquisa, diagnóstico, tratamento e prevenção. São novos e surpreendentes desafios impostos ao dualismo do espaço/tempo. Onde começar, como e quando intervir? Na realidade, dentro de poucas semanas e meses a pandemia se espalhou por todos os cantos do planeta: comunidades locais, estados e continentes, tornando-se uma urgência médico/sanitária global.22 Agência Brasil. Organização Mundial da Saúde declara pandemia de coronavírus, Brasília, 11 jun. 2020. [acesso 23 jun 2021]. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-03/organizacao-mundial-da-saude-declara-pandemia-de-coro-navirus
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/n...
De um momento para outro, abriram-se e foram ocupados modelos e tentativas de tabelas para registro da nova pandemia. Dentro de poucas semanas e meses, dezenas de milhões de pessoas foram afetadas, tanto que até esta semana, 178 milhões de casos passaram a compor as impressionantes estatísticas conhecidas em escala mundial, produzindo 3.873.255 mortes. No Brasil, até a semana passada, o COVID-19 produziu mais de 500.000 mortes, para um total de 17.976.510 casos confirmados.33 DASA ANALYTICS. Dados COVID-19. [acesso 22 jun 2021]. Disponível em: https://dadoscoronavirus.dasa.com.br/
https://dadoscoronavirus.dasa.com.br/...
Com esses indicadores, o Brasil se torna o segundo país do mundo com maior número de óbitos, aproximando-se dos Estados Unidos, que ainda ocupam a primeira colocação. Como nossas médias móveis de casos incidentes e de mortes por semana aumentaram entre 10 e 20%, a projeção é que poderemos em breve ultrapassar os Estados Unidos.

Na realidade, estamos ainda perplexos e desatinados. Bem diferente da história da China onde, após o registro dos primeiros casos pioneiramente descritos e comunicados à Organização Mundial da Saúde (OMS) a partir da província de Wuhan, já se tinha uma proposta de trabalho. Assim, na base de princípios de analogia, foram estabelecidos protocolos de pesquisa e condutas de tratamento, indicando o manuseio de casos em hospitais, ambulatórios e no ambiente familiar. Resumindo: mesmo numa situação de ineditismo, menos de 10 meses depois a pandemia estava praticamente controlada.44 Xumao Zhao, Xinhai LI, Changhong NIE. Backtracking transmission of COVID-19 in China based on big data source, and effect of strict pandemic control policy. Bull Chin Acad Sci. 2020; 35 (3): 248-55.

Graças sobretudo, à OMS, que saiu de um espaço convencional de órgão consultivo de países de todos os continentes, para assumir um protagonismo muito ativo, estruturando cadeias de comunicação que quase diariamente, difundiam boletins técnicos sobre o problema e suas consequências, conferências e debates, de tal forma que face à nova pandemia, nenhum outro problema de saúde em qualquer tempo foi tratado com tal profundidade. Trata-se de fato, de um trabalho de extensão que deve ser reconhecido, inclusive por seu enfoque multiprofissional: epidemiologia, infectologia, pneumologia, psicologia, administração de serviços e outras atividades e agentes.

Infelizmente, estamos diante de novas ameaças. Em vários pontos do mundo foram identificadas novas cepas do coronavírus, como no caso da variante D, presente em 91% dos casos de mutações, passando assim à condição de dominante.55 Lisboa V. Agência Brasil. Covid-19: pesquisa detecta nova variante em 91% dos casos no Amazonas, Rio de Janeiro, 29 jan. 2021. [acesso 23 jun 2021]. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-01/covid-19-pesquisa-detecta-nova-variante-em-91-dos-casos-no-amazonas
https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/n...
Como se comporta a eficácia imunológica das vacinas diante dessas mudanças? É ainda uma questão em aberto. Na realidade, face às incertezas atuais, vários países já estão programando uma dose de vacina de reforço, como é o caso do Reino Unido. Por outro lado, vários outros países já estão adotando regras mais liberais, como o abandono de máscaras e participação em eventos esportivos, o amplo acesso a casas de espetáculos e a estabelecimentos comerciais. Mesmo questionando-se esta liberação, o Brasil já ingressa, talvez precocemente, na adoção destas medidas, como a frequência presencial a escolas públicas e privadas.

Uma observação de fato muito desfavorável: a conduta de omissão, de desinteresse e até de reprovação de agentes governamentais face a pandemia. No Brasil é o caso da longa negociação: seis meses (e ainda não concluída) na compra de vacinas que, se aplicadas antes poderiam ter mudado o curso da pandemia, evitando, dezenas de milhões de casos e, poupado talvez, 150.000 a 200.000 mortes. Considerar o coronavírus como uma “gripezinha”, perder tempo e dinheiro com remédios sem eficácia, desprezar ações protetoras, como isolamento, e promover aglomerações sem motivos justificados é, de fato um grave desserviço à população do país.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Set 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021
Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira Rua dos Coelhos, 300. Boa Vista, 50070-550 Recife PE Brasil, Tel./Fax: +55 81 2122-4141 - Recife - PR - Brazil
E-mail: revista@imip.org.br