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Adequação do conteúdo sobre alimentação de lactentes em websites populares quanto às recomendações do Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos

Resumo

Objetivos:

analisar a adequação das recomendações sobre alimentação e nutrição de lactentes disponíveis em websites populares em relação aos “Doze passos para uma alimentação saudável” descritos no Guia alimentar para crianças brasileiras menores de dois anos.

Métodos:

websites populares foram buscados via plataforma Google para coleta de dados relativos às recomendações sobre alimentação de lactentes. As informações foram categorizadas segundo critérios desenvolvidos em relação à consonância com o Guia em: totalmente de acordo, parcialmente de acordo, em desacordo, contraditórias e ausentes. Os websites foram descritos e apresentados segundo frequência de cada passo e a distribuição segundo as categorias.

Resultados:

foram incluídos 82 websites. Passos mais presentes: 1 (84,1%), 2 (82,9%) e 4 (63,4%); passos menos presentes: 8 (23,2%), 10 (19,5%), 11 (3,7%) e 12 (1,2%). Os maiores percentuais de adequação em relação ao Guia foram os passos 1 e 4 com 46,4% e 53,8%, respectivamente. Os passos 3 (37,9%) e 7 (75,0%) apresentaram os maiores percentuais de desacordo ou contradição.

Conclusões:

identificou-se a presença de informações adequadas na internet, entretanto, estas se misturam com informações ausentes, em desacordo, parcialmente de acordo ou contraditórias, reforçando a importância da disseminação das recomendações do Guia.

Palavras-chave:
Internet; Aleitamento materno; Alimentação complementar; Guias alimentares; Comunicação em saúde

Abstract

Objectives:

to verify the adequacy of recommendations on food and nutrition for infants available on popular websites in relation to the “Twelve Steps for a Healthy Diet” from the Dietary guidelines for Brazilian children under 2 years of age.

Methods:

popular websites were searched via the Google platform to collect data about food recommendations for children under 2 years of age. The data was categorized according to criteria developed with the Guide: totally agree, partially agree, disagree, contradictory and absent. The websites were described according to the frequency of each step and the distribution in the categories.

Results:

82 websites were included. Most frequent steps: 1 (84.1%), 2 (82.9%) and 4 (63.4%); least present: 8 (23.2%), 10 (19.5%), 11 (3.7%) and 12 (1.2%). The highest percentages of adequacy in relation to the Guide were steps 1 and 4 with 46.4% and 53.8%, respectively. Steps 3 (37.9%) and 7 (75.0%) had the highest percentages of disagreement or contradiction.

Conclusions:

there is proper information on the internet, however, these are mixed with missing, in disagreement, partially in agreement or contradictory information, which reinforces the importance of disseminating the recommendations of the Guide

Key words:
Internet; Breastfeeding; Complementary feeding; Dietary guidelines; Health communication

Introdução

Os primeiros dois anos de vida da criança constituem uma fase de intenso crescimento e desenvolvimento em que a alimentação e a nutrição se colocam como importantes elementos por influenciarem não apenas o desenvolvimento físico, mas também cognitivo, de linguagem e socioemocional.11 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: crescimento e desenvolvimento. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2012. [access in 2021 out 10]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/cadernos_ab/caderno_33.pdf
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, 22 Cunha AJ, Leite AJ, Almeida IS. The pediatrician’s role in the first thousand days of the child: the pursuit of healthy nutrition and development. J Pediatr (Rio J). 2015; 91: 44-51. Essas dimensões estão intrinsecamente ligadas com repercussões até a vida adulta.22 Cunha AJ, Leite AJ, Almeida IS. The pediatrician’s role in the first thousand days of the child: the pursuit of healthy nutrition and development. J Pediatr (Rio J). 2015; 91: 44-51.

É comum que os cuidadores de bebês tenham diversas dúvidas sobre como agir e quais decisões tomar em relação à saúde e à alimentação das crianças. As principais dificuldades encontradas sobre a alimentação de crianças de até dois anos relacionam-se com o aleitamento materno (AM), como mitos acerca do leite materno e pega inadequada. Outra dificuldade comum se relaciona à introdução alimentar, quando há inserção de outros alimentos além de leite materno e fórmulas infantis para lactentes, incluindo barreiras para o preparo das refeições e, ainda, tabus sobre quais alimentos a criança pode ou não comer e qual a sua consistência ideal.33 Santos CS. Principais problemas encontrados pelas mães de crianças entre cinco e oito meses relativos à transição alimentar atendidas em um Serviço de puericultura do Recife. [dissertação]. Recife (PE): Universidade Federal do Pernambuco; 2004., 44 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: aleitamento materno e alimentação complementar. 2ª ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2015. [access in 2021 out 10]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_crianca_aleitamento_materno_cab23.pdf
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As dificuldades e dúvidas apresentadas podem ser atenuadas por meio da busca de informações, seja por conhecimentos populares, de consulta a profissionais de saúde ou ainda com o uso da internet. Esse último tem crescido no país todo. Em 2019, 71% dos domicílios brasileiros já tinham acesso à internet, sendo que o tema “saúde” correspondia a 47% das pesquisas virtuais.55 Comitê Gestor da Internet no Brasil. Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR. TIC domicílios: Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nos domicílios brasileiros. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil; 2019. [access in 2021 out 10]. Available from: https://www.cetic.br/media/docs/publicacoes/2/12225320191028-tic_dom_2018_livro_eletronico.pdf
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O tema “crianças”, apareceu entre os 10 tópicos relacionados à saúde mais pesquisados, segundo o Google Trends.66 Google [homepage on the Internet]. Google Trends [access in 2020 Mar 7]. Available from: https://trends.google.com.br/
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Dessa forma, observa-se que a internet é uma importante fonte de informação sobre saúde e saúde infantil, portanto, é desejável que contenha informações confiáveis.

No Brasil, a atual edição do Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos, doravante citado como Guia, foi publicada no ano de 2019.77 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2019. [access in 2020 Mar 7]. Available from: https://www.svb.org.br/images/guia_da_crianca_2019.pdf
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Ele denomina crianças de até dois anos de idade como lactentes, termo utilizado daqui em diante. A publicação desta edição representa uma mudança de paradigma em relação à versão anterior, de 2002, ao adotar em sua elaboração a classificação de alimentos segundo extensão e propósito do processamento, também utilizada no Guia alimentar para a população brasileira (2014),88 Ministério da Saúde (BR). Secretária de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2nd ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014. [access in 2020 Mar 7]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf
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dialogando com as evidências mais atualizadas sobre a relação entre alimentação e saúde.99 Bortolini GA, Moura AL, Lima AM, Moreira H, Medeiros O, Diefenthaler IC, et al. Food guides: a strategy to reduce the consumption of ultra-processed foods and prevent obesity. Rev Panam Salud Publica. 2019; 43:1-6. Ao contrário da versão anterior, as recomendações são apresentadas em formato de texto e ilustrações em linguagem acessível para a população em geral – e não apenas para os profissionais da saúde, o que, somado ao fato de ser o principal documento federal oficial sobre alimentação de lactentes, justifica sua utilização neste trabalho como referencial para a avaliação das informações presentes nos websites. Ao final do documento, os aspectos centrais são resumidos nos “Doze passos para uma alimentação saudável”, de modo a facilitar e resumir a leitura.

Tanto o Guia completo, sua versão resumida ou os Doze passos podem ser encontrados na internet para download em formato digital para leitura e consulta. Em ambos os guias alimentares vigentes no país atualmente (para menores de dois anos e para a população em geral), é reconhecida a busca por informações confiáveis na internet como um desafio contemporâneo.77 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2019. [access in 2020 Mar 7]. Available from: https://www.svb.org.br/images/guia_da_crianca_2019.pdf
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, 88 Ministério da Saúde (BR). Secretária de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2nd ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014. [access in 2020 Mar 7]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf
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Estudo prévio realizou análise semelhante em relação aos “Dez passos para uma alimentação saudável”, presentes na edição anterior do guia,1010 Monteiro GS, Assis M, Leite M, Mendes L. Assessing the nutritional information for children younger than two years old available on popular websites. Rev Paul Pediatr. 2016; 34: 287-92. mas não foi encontrado nenhum estudo similar que considerasse as recomendações do atual documento.

O presente trabalho propõe analisar a adequação das recomendações sobre alimentação e nutrição de lactentes disponíveis em websites populares em relação aos “Doze passos para uma alimentação saudável”, descritos no Guia.

Métodos

Estudo descritivo feito a partir da coleta e análise de informações acerca da alimentação de lactentes disponíveis em websites populares. A ferramenta de pesquisa utilizada foi o Google. Os termos de busca incluídos foram aqueles identificados como usuais em buscas sobre a temática da alimentação de crianças de zero a dois anos, segundo o Google Trends.66 Google [homepage on the Internet]. Google Trends [access in 2020 Mar 7]. Available from: https://trends.google.com.br/
https://trends.google.com.br/...
São eles: “amamentação”, “aleitamento materno”, “leite materno”, “comida bebê”, “bebê comer”, “alimentação bebê”, “introdução alimentar” e “alimentação complementar”.

A relação de websites foi elaborada em março de 2020, em dia e horário programados, por meio de computadores pessoais com navegador em janela anônima, para que pesquisas pessoais não influenciassem o algoritmo de busca do Google. Foram incluídos no estudo os websites encontrados nas duas primeiras páginas da busca a fim de captar as informações com maior probabilidade de acesso por pais e cuidadores de lactentes.1111 Liu Z, Qiu F, Cho J. Analysis of user web traffic with a focus on search activities. Statistics (Ber). 2005; 103-8.

Foram excluídos do estudo links que direcionavam para documentos de órgãos oficiais (por exemplo: Ministério da Saúde (MS), Organização Mundial da Saúde (OMS) e Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP); buscas acadêmicas; websites de vendas e anúncios; imagens; vídeos; definição de termos; websites que falam exclusivamente sobre técnicas de AM e cujo propósito não era explanar conteúdos sobre alimentação infantil; websites que apresentavam apenas links e nenhum conteúdo; e websites indisponíveis. Além disso, os websites que apareceram como resultado de busca para mais de um termo foram considerados uma única vez. A busca seguiu a mesma ordem dos termos apresentada acima.

A construção do banco de dados foi feita por meio da coleta das informações dos websites selecionados, segundo métricas, elaboradas pelas pesquisadoras, a partir dos “Doze passos para uma alimentação saudável”, disponíveis no Guia e apresentados nas Tabelas 1 e 2.77 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2019. [access in 2020 Mar 7]. Available from: https://www.svb.org.br/images/guia_da_crianca_2019.pdf
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As métricas foram desenvolvidas considerando as principais recomendações presentes no respectivo passo. Foram consideradas totalmente de acordo as informações que se alinhavam claramente às recomendações principais dos doze passos; quando as informações presentes nos websites não eram claras ou completas, foi classificado como parcialmente de acordo; quando os websites apresentavam informações incorretas sobre o conteúdo principal do passo, foi classificado como em desacordo e, ao apresentar informações ora corretas, ora incorretas, os websites foram classificados como contraditórios.

Além da classificação dos websites segundo as métricas, também foram coletadas as seguintes informações: vínculo com empresa/indústria de alimentos ou de produtos voltados ao público infantil, vínculo com instituição de ensino/pesquisa, presença de referências bibliográficas, citação a profissional de saúde, data da última atualização, presença de anúncio publicitário e país de origem. Foi considerado vínculo qualquer relação com instituições/empresas de parceria ou dependência apresentada no conteúdo do site. Foram coletados websites em língua portuguesa, mesmo que de outros países que não o Brasil, a fim de abarcar toda informação disponível para acesso dos pais e cuidadores de lactentes.

Tabela 1
Critérios para classificação das informações contidas em websites da internet segundo adequação aos passos 1 a 6 do Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. 2020.
Tabela 2
Critérios para classificação das informações contidas em websites da internet segundo adequação aos passos 7 a 12 do Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. 2020.

Todos os dados foram duplamente coletados, de forma independente, por duas pesquisadoras a fim de melhorar a acurácia da classificação segundo as métricas de adequação das recomendações. As divergências foram resolvidas por uma terceira avaliadora.

Como indicador da qualidade das métricas, foi calculada a concordância inter-avaliadores adotandose a estatística kappa ajustado para prevalência e viés (PABAK) e intervalo de confiança de 95%, por meio do software STATA 14.0. Foram considerados os seguintes pontos de corte: 0 = ruim; 0,01-0,20 = leve; 0,21-0,40 = fraca; 0,41-0,60 = moderada, 0,61-0,80 = substancial, e 0,81-1 = quase perfeita.1212 Sim J, Wright CC. The kappa statistic in reliability studies: use, interpretation, and sample size requirements. Phys Ther. 2005; 85: 257-68. Exceto para um dos passos em que a concordância foi moderada (passo 7; PABAK = 0,6), todos os demais tiveram concordância substancial ou quase perfeita, com PABAK variando de 0,71 a 1,0.

Os dados foram organizados no Excel e analisados no STATA 14.0. Os websites foram descritos segundo presença e tipos de vínculo, presença de referências e de propaganda e segundo data da última atualização. A data da última atualização foi categorizada em: “até nov. 2014”, “dez. 2014 à out. 2019” e “a partir de nov. de 2019” (os pontos de corte adotados se baseiam nas datas de publicação do Guia Alimentar para a População Brasileira, publicado em novembro de 2014, documento que introduziu o processamento de alimentos nas políticas públicas brasileiras e que foi uma das bases para o desenvolvimento do Guia, publicado em outubro de 2019).77 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2019. [access in 2020 Mar 7]. Available from: https://www.svb.org.br/images/guia_da_crianca_2019.pdf
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, 88 Ministério da Saúde (BR). Secretária de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2nd ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014. [access in 2020 Mar 7]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf
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Em seguida, foram apresentados a frequência com que cada passo foi abordado nos websites, bem como a distribuição da classificação segundo as métricas. Optouse por agregar o critério “contraditório” ao critério “em desacordo” devido à baixa ocorrência do primeiro (12 vezes e em apenas cinco passos). Por fim, analisou-se a proporção de adequação dos websites segundo variáveis descritivas para os três passos mais frequentemente abordados (passos 1, 2 e 4).

Resultados

Foram encontrados 209 websites. Desses, foram excluídos 127, dos quais 35,4% eram websites de vendas, 22,0% direcionavam a vídeos, 11,8% se tratava de websites duplicados e 30,8% relativos aos demais critérios de exclusão. Foram analisados 82 websites populares, dentre os quais incluíam blogs, websites de empresas alimentícias e de produtos infantis, websites de revistas e outros. A grande maioria dos websites analisados era brasileira, exceto três espanhóis e um português.

A Tabela 3 apresenta as características dos websites estudados. Com relação ao vínculo com instituições e empresas, a maioria (70,7%) não apresentava tal relação. Dentre os websites em que havia declaração de vínculo, a maior parte era com indústrias de alimentos ou produtos infantis (20,7%). Grande parte apresentou alguma referência para o conteúdo disponível (74,4%), seja bibliográfica ou profissional.

Tabela 3
Caracterização dos websites populares que contêm informações sobre alimentação de lactentes, identificados em buscas na plataforma Google (N=82). 2020.

Os passos 1, 2 e 4, relacionados principalmente com o aleitamento materno e o início da alimentação complementar, foram os passos mais frequentemente abordados, estando presentes em 84,1%, 82,9% e 63,4% dos websites, respectivamente. Por outro lado, os menos presentes foram os passos 8 (presente em 23,2% dos websites), que aborda a importância de experiências positivas no momento da refeição junto a família; 10 (19,5%), sobre a higiene dos alimentos durante o seu preparo e consumo; 11 (3,7%), sobre o planejamento para refeições feitas fora de casa; e o 12 (1,2%), que discute a proteção da criança contra a publicidade infantil.

Tabela 4
Adequação das informações presentes em websites populares (n=82) em relação aos "Doze passos para uma alimentação saudável" do Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos, 2020.

Enquanto os passos 1, com 46,4%, e 4, com 53,8%, foram os que tiveram maiores percentuais de adequação total, os passos 3, sobre a importância de priorizar a água ao invés de outras bebidas, e 7, que aborda a necessidade de cozinhar a mesma comida para a criança e a para família, apresentaram os maiores percentuais de desacordo/contradição, com 37,9% e 75,0%, nessa ordem.

A Tabela 5 apresenta os percentuais de adequação total dos passos 1, 2 e 4 nos websites incluídos na pesquisa segundo as variáveis descritivas. Em relação aos passos 1 (100,0%), 2 (57,1%) e 4 (80,0%), verificou-se maior percentual de adequação em websites que apresentavam vínculo com órgão oficial e/ou instituição de pesquisa quando comparados a não ter nenhum tipo de vínculo. Apesar de não haver significância estatística, os websites que possuíam vínculo com a indústria alimentícia ou de venda de produtos infantis apresentaram menor adequação ao conteúdo do Guia.77 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2019. [access in 2020 Mar 7]. Available from: https://www.svb.org.br/images/guia_da_crianca_2019.pdf
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No passo 1, observou-se maior proporção de adequação quando os websites não apresentavam anúncios publicitários de quaisquer tipos; no passo 4, a adequação foi maior quando os websites possuíam referência profissional ou bibliográfica em relação à ausência de tais referências.1212 Sim J, Wright CC. The kappa statistic in reliability studies: use, interpretation, and sample size requirements. Phys Ther. 2005; 85: 257-68.

Tabela 5
Percentual de adequação das informações contidas nos websites populares em relação aos passos 1, 2 e 4 do Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos, segundo características dos websites. 2020.

Discussão

Neste estudo enontrou-se que os passos 1, 2 e 4 foram os mais presentes nos sites analisados, sendo que o 1 e o 4 tiveram os maiores percentuais de adequação total. Já os passos 11 e 12 foram as recomendações menos abordadas nos websites deste estudo. As recomendações dos passos 7 e 3 foram aquelas com maior percentual de inadequação/contradição em relação ao Guia.77 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2019. [access in 2020 Mar 7]. Available from: https://www.svb.org.br/images/guia_da_crianca_2019.pdf
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A alta difusão do passo 1 pode ser interpretada à luz do sucesso de um conjunto de ações de promoção do aleitamento materno implementadas no Brasil a partir dos anos 1980.1313 Silva KB, Oliveira MI, Boccolini CS, Sally EO. Illegal commercial promotion of products competing with breastfeeding. Rev Saúde Pública. 2020; 54: 10., 1414 Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ). (UFRJ). Aleitamento materno: Prevalência e práticas de aleitamento materno em crianças brasileiras menores de 2 anos 4: ENANI 2019. [Internet]. Rio de Janeiro (RJ): UFRJ; 2021. Coordenador geral, Gilberto Kac. [access in 2022 Fev 15]. Available from: https://enani.nutricao.ufrj.br/wp-content/uploads/2021/11/Relatorio-4_ENANI-2019_Aleitamento-Materno.pdf
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Só entre 1986 e 2006, a prevalência de aleitamento materno exclusivo (AME) aumentou de 2,9% para 37,1%, mantendo-se estável em 2013.1414 Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ). (UFRJ). Aleitamento materno: Prevalência e práticas de aleitamento materno em crianças brasileiras menores de 2 anos 4: ENANI 2019. [Internet]. Rio de Janeiro (RJ): UFRJ; 2021. Coordenador geral, Gilberto Kac. [access in 2022 Fev 15]. Available from: https://enani.nutricao.ufrj.br/wp-content/uploads/2021/11/Relatorio-4_ENANI-2019_Aleitamento-Materno.pdf
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Em 2019, o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI) revelou que a prevalência de AME entre crianças menores de quatro meses foi de 59,7% no Brasil e em menores de seis meses foi de 45,8%, no dia anterior à pesquisa. Já para o aleitamento continuado no segundo ano de vida (entre crianças de 12 a 23 meses de vida), a prevalência foi de 43,6% no país.1414 Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ). (UFRJ). Aleitamento materno: Prevalência e práticas de aleitamento materno em crianças brasileiras menores de 2 anos 4: ENANI 2019. [Internet]. Rio de Janeiro (RJ): UFRJ; 2021. Coordenador geral, Gilberto Kac. [access in 2022 Fev 15]. Available from: https://enani.nutricao.ufrj.br/wp-content/uploads/2021/11/Relatorio-4_ENANI-2019_Aleitamento-Materno.pdf
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Observa-se que a maior disseminação de informações corretas sobre aleitamento materno pode contribuir para o aumento de sua prevalência.99 Bortolini GA, Moura AL, Lima AM, Moreira H, Medeiros O, Diefenthaler IC, et al. Food guides: a strategy to reduce the consumption of ultra-processed foods and prevent obesity. Rev Panam Salud Publica. 2019; 43:1-6.

O segundo passo também foi bastante frequente, apresentando um importante percentual de adequação parcial. A adequação parcial se deve ao fato de que, em mais da metade dos websites, a indicação dos grupos de alimentos a serem inseridos na alimentação era limitada ou ausente. Essa incompletude do conteúdo pode levar à disseminação de informações errôneas e aumentar o risco de oferta de alimentação pouco diversa e de baixa qualidade nutricional.1515 Oliveira LP, Assis AM, Pinheiro SM, Prado MS, Barreto ML. Complementary feeding in the first two years of life. Rev Nutr. 2005; 18: 459-69. No ENANI-2019 foi possível observar baixa prevalência de diversidade alimentar mínima para crianças de seis a 11 meses (46%),1616 Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Alimentação Infantil I: Prevalência de indicadores de alimentação de crianças menores de 5 anos: ENANI 2019. [Internet]. Rio de Janeiro (RJ): UFRJ; 2021. Coordenador geral, Gilberto Kac. [access in 2022 Fev 16]. Available from: https://enani.nutricao.ufrj.br/wp-content/uploads/2021/12/Relatorio-5_ENANI-2019_Alimentacao-InfantiL.pdf
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o que ressalta a importância de que a diversidade da alimentação seja estimulada em materiais e meios de comunicação em saúde.

O passo 3 obteve baixa presença nos websites e alta proporção de desacordo e contradição. A primeira versão do Guia (2002)1717 Ministério da Saúde (BR). Organização Pan Americana da Saúde (PAHO). Guia alimentar para crianças menores de dois anos. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2002. [access in 2022 Fev 16]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/10_passos.pdf
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indicava a oferta de suco de frutas natural aos 12 meses de idade do bebê, o que pode explicar, em partes, essa indicação ainda presente nos websites. A prevalência de consumo de bebidas adoçadas por crianças brasileiras entre seis e 23 meses no dia anterior à pesquisa foi de 24,5%, com aumento para 37,8% na faixa etária de 18-23 meses, o que reitera a importância da difusão dessa informação completa e correta.1616 Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Alimentação Infantil I: Prevalência de indicadores de alimentação de crianças menores de 5 anos: ENANI 2019. [Internet]. Rio de Janeiro (RJ): UFRJ; 2021. Coordenador geral, Gilberto Kac. [access in 2022 Fev 16]. Available from: https://enani.nutricao.ufrj.br/wp-content/uploads/2021/12/Relatorio-5_ENANI-2019_Alimentacao-InfantiL.pdf
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O passo 4 esteve bastante presente nos websites, sendo que mais da metade apresentou informação totalmente adequada ao Guia.77 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2019. [access in 2020 Mar 7]. Available from: https://www.svb.org.br/images/guia_da_crianca_2019.pdf
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A alta adequação pode ser explicada por se tratar de uma informação que é recomendada pelos órgãos competentes há quase 20 anos, apresentada pelo MS na primeira versão do Guia (2002)1717 Ministério da Saúde (BR). Organização Pan Americana da Saúde (PAHO). Guia alimentar para crianças menores de dois anos. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2002. [access in 2022 Fev 16]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/10_passos.pdf
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e pela Organização Pan-Americana da Saúde/OMS (OPAS/OMS), desde 2001.1818 Organização Pan Americana da Saúde (PAHO). Guiding principles for complementary feeding of the breastfed child. Washington (DC); 2003. [access in 2022 Fev 16]. Available from: https://iris.paho.org/handle/10665.2/752
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Observa-se, também no estudo ENANI-2019, que a prevalência de consumo de comida de sal na consistência adequada no dia anterior à entrevista foi de 67,8% no país.1616 Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Alimentação Infantil I: Prevalência de indicadores de alimentação de crianças menores de 5 anos: ENANI 2019. [Internet]. Rio de Janeiro (RJ): UFRJ; 2021. Coordenador geral, Gilberto Kac. [access in 2022 Fev 16]. Available from: https://enani.nutricao.ufrj.br/wp-content/uploads/2021/12/Relatorio-5_ENANI-2019_Alimentacao-InfantiL.pdf
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As recomendações do passo 5 estiveram presentes apenas em pouco mais de um terço dos websites. Alguns documentos anteriores, como a primeira edição do Guia (2002)1717 Ministério da Saúde (BR). Organização Pan Americana da Saúde (PAHO). Guia alimentar para crianças menores de dois anos. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2002. [access in 2022 Fev 16]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/10_passos.pdf
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e diretrizes da OMS,1919 World Health Organization (WHO). Infant and young child feeding: model chapter for textbooks for medical students and allied health professionals. Geneva: WHO; 2009. [access in 2022 Fev 16]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/44117/9789241597494_eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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aconselham apenas que se evite o consumo de açúcar. É possível que essa dissonância entre as recomendações possa ter relação com a baixa frequência dessa recomendação nos websites e configura um preocupante cenário, uma vez que a oferta precoce de açúcar dificulta a aceitação de hortaliças e aumenta a chance de excesso de peso, podendo ter repercussões até a vida adulta.77 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2019. [access in 2020 Mar 7]. Available from: https://www.svb.org.br/images/guia_da_crianca_2019.pdf
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O passo 6 é uma recomendação inédita, o que pode explicar, ao menos em parte, a baixa presença dessa informação nos websites estudados. O inquérito nacional ENANI-2019 revelou a necessidade da difusão dessa recomendação e de políticas públicas que garantam uma alimentação complementar baseada em alimentos in natura e minimamente processados, uma vez que 80,5% das crianças entre seis e 23 meses de idade consumiram pelo menos um alimento ultraprocessado no dia anterior à pesquisa.1616 Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Alimentação Infantil I: Prevalência de indicadores de alimentação de crianças menores de 5 anos: ENANI 2019. [Internet]. Rio de Janeiro (RJ): UFRJ; 2021. Coordenador geral, Gilberto Kac. [access in 2022 Fev 16]. Available from: https://enani.nutricao.ufrj.br/wp-content/uploads/2021/12/Relatorio-5_ENANI-2019_Alimentacao-InfantiL.pdf
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Em relação ao passo 7, a alta inadequação das informações presentes nos websites pode ser explicada por divergir das recomendações tanto da edição anterior do Guia (2002), quanto da Sociedade Brasileira de Pediatria,2020 Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Posição da Sociedade Brasileira de Pediatria diante do Guia de Alimentação do Ministério da Saúde. Rio de Janeiro (RJ): SBP; 2019. [access in 2022 Fev 16]. Available from: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/ALIMENTACAO_COMPLEMENTAR_MS.pdf
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que orientam o preparo separado da comida do bebê e a não adição de sal na comida da criança, nessa ordem. É importante destacar que para compartilhar a comida com a criança a família deve seguir as recomendações para uma alimentação saudável presentes no Guia alimentar para a população brasileira.77 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2019. [access in 2020 Mar 7]. Available from: https://www.svb.org.br/images/guia_da_crianca_2019.pdf
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, 88 Ministério da Saúde (BR). Secretária de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2nd ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014. [access in 2020 Mar 7]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf
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O passo 8 foi pouco presente nos websites estudados, o que pode ser explicado por ser uma recomendação inovadora e não presente na primeira edição do Guia (2002).1717 Ministério da Saúde (BR). Organização Pan Americana da Saúde (PAHO). Guia alimentar para crianças menores de dois anos. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2002. [access in 2022 Fev 16]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/10_passos.pdf
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Sobre o passo 9, a edição anterior do Guia (2002) já traz instruções de atenção aos sinais de fome dos bebês, mas também estabelece quantidades rígidas em cardápios fechados para estes, isso pode justificar a distribuição entre adequação total ou parcial nessa recomendação. As recomendações do passo 10, por sua vez, podem ter sido pouco frequentes por estarem já mais inseridas no senso comum; mas devem ser lembradas a fim de garantir a segurança sanitária da alimentação dos lactentes.

Os passos 11 e 12 estavam presentes em poucos websites, apenas três e um, respectivamente, o que preocupa, pois, a alimentação fora de casa é um cenário oportuno para a influência da publicidade de alimentos, da qual as crianças devem ser protegidas. Progressos na regulação da publicidade de alimentos em prol do consumidor infantojuvenil tardaram a serem conquistados, como pode se observar na Lei nº 11.265/2006,2121 Presidência da República (BR). Casa Civil. Lei nº 11.265, de 3 de janeiro de 2006. Regulamenta a comercialização de alimentos para lactentes e crianças de primeira infância e também a de produtos de puericultura correlatos. Brasília (DF): DOU de 4 de janeiro de 2006. [access in 2022 Fev 16]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/111265.htm
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dirigida à comercialização de alimentos e produtos voltados para crianças de até seis anos, conhecida como NBCAL. Tal Lei vinha sendo debatida há alguns anos, mas somente foi regulamentada com a publicação do Decreto nº 9.579 em 2018.2222 Presidência da República (BR). Decreto nº 9.579, de 22 de novembro de 2018. Consolida atos normativos editados pelo Poder Executivo federal que dispõem sobre a temática do lactente, da criança e do adolescente e do aprendiz, e sobre o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente e os programas federais da criança e do adolescente, e dá outras providências. Brasília (DF): DOU de 23 de novembro de 2018. [access in 2022 Fev 16]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/D9579.htm
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Propagandas voltadas para o público infantil podem influenciar as escolhas alimentares tanto dos pais e cuidadores quanto das crianças, sendo, assim, prejudiciais à saúde dessas, que se tornam duplamente suscetíveis.2323 Ueda MH, Porto RB, Vasconcelos LA. Food advertising and children’s food choices. Psicol Teor Pesq. 2014; 30: 53-61.

Além do supracitado, os passos 5, 6, 11 e 12 são os mais potencialmente afetados pelas estratégias político-corporativas da indústria alimentícia, podendo refletir nas informações disponíveis nos websites. De acordo com Mialon e Gomes,2424 Mialon M, Gomes F. Public health and the ultra-processed food and drink products industry: corporate political activity of major transnationals in Latin America and the Caribbean. Public Health Nutr. 2019; 22: 1898-908. a maior parte das estratégias político-corporativas adotadas pela indústria de ultraprocessados estão na dimensão informacional, ou seja, buscam modular a opinião pública a respeito de sua imagem e de seus produtos. O controle e mitigação efetivos dessas práticas podem ser adquiridos apenas por meio de regulação com políticas públicas embasadas em produção científica sem confito de interesses, tendo como objetivo a promoção da saúde e bem-estar das populações.2525 Moodie R, Stuckler D, Monteiro C, Sheron N, Neal B, Thamarangsi T, et al. Profits and pandemics: prevention of harmful effects of tobacco, alcohol, and ultra-processed food and drink industries. Lancet. 2013; 381: 670-9.

Observou-se neste estudo que o nível de adequação nos passos 1, 2 e 4 foi maior quando os websites não apresentavam propaganda, tinham vínculo com instituições de pesquisa ou órgãos oficiais ou possuíam algum tipo de referência. Esse conjunto de resultados apoiam a hipótese de que a publicidade de alimentos exerce influência sobre a qualidade das informações disponíveis. Informações incompletas ou incorretas sobre a alimentação de lactentes podem provocar prejuízo ao mecanismo de fome e saciedade, desnutrição e excesso de peso.2626 Pizzatto P, Dalabona CC, Correa ML, Neumann NA, César JA. The knowledge of mothers and guardians of children about breastfeeding and complementary feeding. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2020; 20 (1): 181-91.

São reconhecidas barreiras para que evidências científicas cheguem à população.77 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2019. [access in 2020 Mar 7]. Available from: https://www.svb.org.br/images/guia_da_crianca_2019.pdf
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, 88 Ministério da Saúde (BR). Secretária de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira. 2nd ed. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014. [access in 2020 Mar 7]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf
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Em estudo anterior, também foi observada importante discordância das informações presentes em websites populares com as recomendações do MS, o que reitera os desafios da comunicação das recomendações oficiais atuais.1010 Monteiro GS, Assis M, Leite M, Mendes L. Assessing the nutritional information for children younger than two years old available on popular websites. Rev Paul Pediatr. 2016; 34: 287-92. Profissionais de saúde e canais de informações oficiais têm o papel de exercer a ponte entre ciência e sociedade, porém há desigualdades no acesso a serviços de saúde e fontes seguras de informação.2727 Barata RB. Como e por que as desigualdades sociais fazem mal à saúde. Rio de Janeiro (RJ): Editora Fiocruz; 2009.

A disseminação e a implementação do Guia são importantes componentes desse acesso à informação de qualidade.77 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2019. [access in 2020 Mar 7]. Available from: https://www.svb.org.br/images/guia_da_crianca_2019.pdf
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O plano de implementação deve incluir a produção e distribuição de materiais educativos, a inclusão das diretrizes em políticas públicas, protocolos de uso para aconselhamento nutricional na Atenção Primária à Saúde (APS) e também educação permanente para profissionais de saúde.2828 Gabe KT, Tramontt CR, Jaime PC. Implementation of food-based dietary guidelines: conceptual framework and analysis of the Brazilian case. Public Health Nutr. 2021; 24 (18): 6521-33.s Nesse sentido, o Ministério da Saúde promove um curso online com as recomendações do Guia intitulado: “Amamenta e alimenta Brasil: recomendações baseadas no Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de 2 anos”.

Assim, percebe-se: a urgência de se ampliar a regulação dos conteúdos divulgados online, a importância da educação permanente para os profissionais de saúde, a necessidade de implementação adequada das recomendações oficiais para menores de dois anos e de ampliação da divulgação científica. Tais ações têm potencial de contribuir para que as informações divulgadas na internet estejam alinhadas ao atual Guia.77 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2019. [access in 2020 Mar 7]. Available from: https://www.svb.org.br/images/guia_da_crianca_2019.pdf
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O presente estudo possui algumas limitações. Primeiro, não foram avaliadas redes sociais (como Twitter, Facebook, Instagram e YouTube), pois os diferentes tipos de linguagem exigiriam métodos de análise distintos do definido neste estudo. Ademais, foram avaliadas apenas as duas primeiras páginas das pesquisas no Google, o que restringiu o volume de informações avaliadas. No entanto, foram as páginas mais acessadas.1111 Liu Z, Qiu F, Cho J. Analysis of user web traffic with a focus on search activities. Statistics (Ber). 2005; 103-8. É importante destacar, ainda que somente 3,7% dos websites coletados foram atualizados após a publicação do Guia.77 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2019. [access in 2020 Mar 7]. Available from: https://www.svb.org.br/images/guia_da_crianca_2019.pdf
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Destaca-se que o documento foi escolhido como referencial teórico para avaliar as informações presentes online e não para verificar a extensão de sua disseminação.

Como pontos altos, destaca-se a utilização do Google Trends para certificação de que os termos de busca eram apropriados ao propósito do estudo e o fato da coleta de dados duplicada ter sido feita simultaneamente e em curto período, evitando atualizações nos websites que comprometessem a qualidade dos dados coletados. Além disso, a concordância inter-avaliadores avaliada pela estatística kappa demonstrou que os critérios de adequação foram apropriados aos objetivos deste trabalho.

Identificou-se que há informações adequadas em websites populares da internet em relação aos Doze passos descritos no Guia. Entretanto, essas se misturam a informações ausentes, parcialmente de acordo, em desacordo ou contraditórias. Os cuidadores de lactentes devem estar atentos ao buscarem informações na internet e, quando possível, consultar profissionais e canais oficiais para garantir o acesso a informações confáveis e de qualidade. Os resultados deste trabalho reforçam a importância do desenvolvimento de ferramentas para disseminação das recomendações disponíveis no Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    19 Nov 2021
  • Revisado
    06 Jul 2022
  • Aceito
    17 Ago 2022
Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira Rua dos Coelhos, 300. Boa Vista, 50070-550 Recife PE Brasil, Tel./Fax: +55 81 2122-4141 - Recife - PR - Brazil
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