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Barbarizações do conflito social: Lutas por reconhecimento ao início do século 21

Barbarizations of social conflict: Struggles for recognition in the early 21st century

Resumo:

Em alguns de seus trabalhos Talcott Parsons descreveu o estabelecimento das sociedades modernas como um processo de diferenciação de diversas esferas de reconhecimento recíproco. Neste texto eu uso a teoria social do reconhecimento de Parsons para examinar características de conflitos sociais recentes. Começo expondo a descrição que Parsons fez das lutas por reconhecimento ocorridas nas sociedades altamente industrializadas de sua época. Depois tomo a concepção de Parsons sobre conflitos por reconhecimento normativamente orientados para indicar tendências que levaram a uma gradual erosão das estruturas de pacificação social postuladas por Parsons nas últimas décadas do século 20. Descrevo as consequências iniciais dessa desintegração como uma “barbarização” dos conflitos sociais. Por barbarizado entendo um estágio da sociedade em que as lutas por reconhecimento social escalaram e se tornaram anômicas, uma vez que não podem mais ser resolvidas nas esferas sistêmicas estabelecidas de negociação. Este texto revela a importância do conceito de reconhecimento para a teoria social ao acompanhar Parsons na análise de transformações estruturais que atualmente emergem em resposta a conflitos sociais. Resumo do editor.

Palavras-chave:
Reconhecimento; Lutas sociais; Exclusão; Integração/desintegração social

Abstract:

In several of his analyses, Talcott Parsons describes the establishment of modern societies as a differentiation process across spheres of mutual recognition. In this paper, I use Parsons’ social theory of recognition to examine features of recent social conflicts. I begin with Parsons’ description of the struggles for recognition that took place during his lifetime in the highly industrialized societies of the west (1). I then use Parsons’ view of normatively ordered recognition conflicts to point out societal trends that led, in the final third of the twentieth century, to a gradual undermining of the pacification structures postulated by Parsons (2). An initial outcome of this apparent disintegration I describe as a “barbarization” of social conflict. By this I mean a state of society where struggles for social recognition escalate and become anomic because resolution can no longer be found in the existing systemic spheres of negotiation (3). This paper shows the importance of the term recognition to social theory by following Parsons’ theory in analyzing structural transformations that are currently emerging in response to social conflicts. Editors abstract.

Keywords:
Recognition; Social struggles; Exclusion; Social integration/desintegration

Em algumas de suas análises, Talcott Parsons, como se fosse um descendente sociológico de Hegel, descreveu o estabelecimento das sociedades modernas como um processo de diferenciação de diversas esferas de reconhecimento recíproco. Em sintonia com William I. Thomas e George H. Mead, a categoria “reconhecimento”, que assumiu um papel chave nestes trabalhos, deve assinalar quais são os impulsos motivacionais que movem os membros de uma sociedade a assumirem obrigações sociais: cada pessoa está, como diz Parsons, interessada primariamente na manutenção de uma forma de “autorrespeito”, que por seu turno depende do reconhecimento de parceiros de interação que sejam, por seu lado, reconhecidos. Por conseguinte, segue o autor, “uma das piores agressões” para o sujeito é “perder o respeito de pessoas cujo respeito se esperava” (Parsons, 1964bPARSONS, Talcott. Die Motivierung des wirtschaftlichen Handels. In: Talcott Parsons. Beiträge zur soziologischen Theorie. Neuwied: Luchterhand, 1964b. p. 136-159., p. 146; cf. 1964a, p. 184ss). Porque os membros da sociedade, consequentemente, não temem nada a mais do que a perda do reconhecimento de seus respectivos contrapartes, na concepção de Parsons eles são em grande medida motivados a se orientar por normas tornadas socialmente vinculantes, pois somente o cumprimento das obrigações, e das expectativas internamente associadas a elas, assegura-lhes no longo prazo o respeito social de seus parceiros de interação.

A partir deste ponto de vista acerca do sistema motivacional humano, que se diferencia notadamente da orientação usual de Parsons pela teoria freudiana da personalidade,1 1 A teoria clássica da motivação, advinda do período intermediário de sua obra, com sua forte orientação no conceito freudiano de pulsão, se encontra em Parsons (1979). decorre para ele mais do que meramente uma explicação modificada da disposição individual ao cumprimento de obrigações sociais. Antes, junto com a teoria da motivação, altera-se nestas partes de sua obra, fortemente influenciadas pelo interacionismo simbólico, também a concepção acerca da especificidade das esferas institucionalizadas de ação e a descrição dos conflitos sociais. Com respeito aos domínios funcionais normativamente integrados das sociedades, neste contexto, prevalece em Parsons a ideia de que os valores e normas que em cada domínio servem como fontes morais de integração concomitantemente devem prover parâmetros à luz dos quais os participantes podem se reconhecer reciprocamente. Já que as obrigações e responsabilidades que perpassam os subsistemas da ação socialmente organizada são cumpridas sobretudo devido a impulsos da busca por reconhecimento social, esses subsistemas devem ser compreendidos como esferas de ação diferenciadas e cristalizadas em torno de normas de respeito recíproco. Com isto Parsons se submete à difícil tarefa de ter que interpretar aqui todas as esferas funcionais que ele, de resto, trata apenas como corporificações institucionais de padrões valorativos compartilhados pela sociedade concomitantemente também como subsistemas de reconhecimento recíproco; e algumas de suas análises, segundo minha impressão, podem ser entendidas como passos para a implementação de um tal programa, porque elas empreendem a tentativa de examinar o moderno sistema econômico, a esfera do direito moderno e o subsistema da família como relações de reconhecimento recíproco, estabilizadas em ordens legítimas. Minha tese é que nestas partes não ortodoxas de sua teoria Parsons se encontra no caminho de volta de Weber para Hegel, passando por Durkheim; tal como o autor da Filosofia do direito, também ele quer conceitualizar a ordem normativa das sociedades modernas de acordo com o modelo de um sistema funcional que opere por meio de uma divisão do trabalho entre esferas de reconhecimento integradas moralmente.

O que há de realmente notável nesta vertente não oficial dos trabalhos de Parsons é, obviamente, que ele, quase imperceptivelmente, se vê forçado a corrigir sua imagem geralmente harmônica da sociedade moderna através de uma atenção maior aos persistentes conflitos sociais. Principalmente o artigo acerca do teorema de Marx sobre a luta de classes (Parsons, 1964cPARSONS, Talcott. Soziale Klassen und Klassenkampf im Lichte der neueren soziologischen Theorie. In: Talcott Parsons. Beiträge zur soziologischen Theorie. Neuwied: Luchterhand, 1964c. p. 206-222.), publicado em 1949, revela bem como para ele, concomitante com a crescente atenção dada à necessidade de reconhecimento dos membros da sociedade, aumentou também sua sensibilidade para a propensão dos subsistemas sociais ao conflito: de acordo com a presente concepção de Parsons, assim vimos, esses subsistemas devem conter em suas normas de integração social sempre também parâmetros segundo os quais os membros podem prestar mutuamente respeito e reconhecimento. Esses parâmetros de valoração obviamente só em casos raros são formulados de modo tão apartidário e, até certo ponto, tão neutro que no longo prazo permaneçam invulneráveis a dúvidas e questionamentos críticos dos participantes. Tão logo no entanto climas de insegurança normativa desta natureza se transformam em sentimentos de indignação moral, a qualquer momento podem desencadear-se conflitos sociais nos quais aqueles que até o momento eram prejudicados pelos padrões valorativos dominantes procuram lutar por uma reinterpretação das normas subjacentes que seja favorável a eles. No momento em que Parsons percebe a busca individual por reconhecimento como fonte motivacional de toda disposição para assumir papéis, para ele o conflito se transforma em um componente endêmico de toda esfera de ação normativamente institucionalizada. Com isto certamente não quero dizer que o teórico dos sistemas Parsons, marginalmente à sua teoria oficial, já teria percebido na dinâmica específica de cada esfera uma luta por reconhecimento. De todo modo, porém, muitas de suas reflexões e observações apontam numa direção em cujo final se encontra a convicção de que em nenhuma esfera de ação normativamente integrada seria possível imobilizar o conflito social, pois seus membros sempre introduzem novas oportunidades para uma interpretação melhorada, mais justa, das normas de reconhecimento.

Se nos ativermos a esta vertente menos conhecida, periférica, da teoria dos sistemas de Parsons, então temos diante de nós os primeiros fragmentos da versão sociológica de uma teoria do reconhecimento orientada em Hegel. O ponto de partida desta análise da sociedade, fundada no conceito de reconhecimento, é constituído pela noção de que os membros de uma sociedade apenas reunirão motivação suficiente para o cumprimento de tarefas e responsabilidades socialmente necessárias quando a observância das normas de ação correspondentes abrir-lhes concomitantemente como recompensa a perspectiva da satisfação de seu autorrespeito. Por isso todas as áreas funcionais da sociedade devem encarnar normativamente de tal modo os valores abrangentes, generalizadamente aceitos, que permitam aos membros, uma vez cumpridas satisfatoriamente as obrigações vistas à luz dos parâmetros estabelecidos, oferecerem-se mutuamente reconhecimento e respeito. No entanto, estas esferas institucionais de reconhecimento funcionalmente especializadas oferecerão uma razão para conflitos sociais sempre que alguns dos participantes acreditarem identificar motivos para a suposição de que aqueles parâmetros normativos prejudicam suas próprias contribuições ou sequer lhes oferecem qualquer chance de conquista do respeito. Em situações assim, como diz Parsons, deve se espalhar uma forma de “indignação moral” que se sustenta no desapontamento pelo fato de que a promessa de reconhecimento inerente àquele sistema de ação foi socialmente descumprida (Parsons, 1964bPARSONS, Talcott. Die Motivierung des wirtschaftlichen Handels. In: Talcott Parsons. Beiträge zur soziologischen Theorie. Neuwied: Luchterhand, 1964b. p. 136-159., p. 144). A consequência da resistência daí resultante é um conflito social que, bem no sentido de Hegel, pode ser interpretado como uma luta por reconhecimento.

Quero tomar como base o conceito de sociedade assim esboçado, apoiado sobre a noção de “reconhecimento”, quando, a seguir, eu me dedicar a esboçar alguns traços do conflito social no passado mais recente. Para tanto, quero tomar como ponto de partida a imagem que Parsons traçou das lutas por reconhecimento que em sua época ocorriam nas sociedades ocidentais altamente industrializadas. De acordo com sua concepção, estes conflitos normativos poderiam permanecer dentro das fronteiras do sistema diferenciado de ordenação porque teria sido possível compensar desapontamentos massivos em uma esfera de ação por meio de reparação de respeito em uma outra esfera (1). Este diagnóstico de conflitos por reconhecimento normativamente ordenados deverá então me servir, no segundo passo, como o pano de fundo para poder apontar para algumas das tendências sociais que no último terço do século 20 levaram a uma gradual erosão destas regras compensatórias de pacificação. O aumento na generalização das normas de reconhecimento específicas a cada esfera aqui vai de mãos dadas com sua simultânea obliteração e dessimbolização, de modo que em largas porções da população cresce a incerteza acerca de como as formas normativamente fundadas de respeito social poderiam ser alcançadas (2). No último passo de minhas reflexões quero apresentar o resultado preliminar destes fenômenos de dissolução ao descrever manifestações de uma “barbarização” do conflito social. Com esta caracterização eu me refiro a uma situação social na qual a busca por reconhecimento social se exacerba e torna anômica, já que ela não encontra mais satisfação normativamente justificada nas esferas de ação sistemicamente previstas para tal (3). Falar aqui de uma “barbarização”, obviamente, somente é adequado até que a presente intransparência tenha se tornado clara a tal ponto que possam ser divisadas novas formas de uma luta coletivamente organizada.

1

Em minha subsequente tentativa de descrever a maneira como Parsons analisou os conflitos normativamente regulados no “capitalismo industrial” de sua época abstrairei completamente do marco mais amplo da teoria dos sistemas, em que ele enquadrou suas investigações tardias (Parsons, 1951PARSONS, Talcott. The social system. New York: Free Press, 1951.). Isso porque em seus escritos me interessa exclusivamente como podem ser descritos os mecanismos de um confinamento dos conflitos sociais latentes quando estes são observados sob a perspectiva, marginal para ele, da busca pelo reconhecimento social. De um tal ponto de vista, os quatro complexos institucionais do moderno sistema social, a saber, a economia, a democracia parlamentar, o direito e a família, assumem para Parsons cada qual a dupla função: de uma performance de serviços mantenedores do sistema concomitante com a satisfação normativamente regulada de expectativas de reconhecimento. Cada uma das instituições mencionadas deve, então, encarnar os valores generalizadamente aceitos na modernidade de tal forma que permita aos membros individuais da sociedade executarem as tarefas deles esperadas dentro da divisão do trabalho com a perspectiva normativamente estabelecida de serem recompensados com uma forma determinada, institucionalmente específica, de reconhecimento. No caso ideal, do qual Parsons parte inicialmente, isto significaria que todos os quatro complexos institucionais seriam integrados através de normas que, de modo simbolicamente articulado e tão transparente quanto possível, produziriam uma conexão sistemática entre o cumprimento individual dos deveres e a aquisição social de respeito. Em instituições deste tipo, as relações de interação entre os membros seriam reguladas normativamente de tal modo que em cada uma delas seria reciprocamente confirmado aquele status normativo que é atribuído ao indivíduo devido às suas contribuições funcionais graças a um medium generalizado do reconhecimento. Para Parsons, do ponto de vista da integração social através do reconhecimento recíproco, três componentes dos ordenamentos sociais são pois de fundamental importância: em primeiro lugar, estes devem se apoiar em normas derivadas de valores generalizados que produzem uma relação compreensível entre a observância de papéis individuais e reconhecimento social; em segundo lugar, esta relação deve ser estabelecida duradouramente em um medium generalizado de reconhecimento; e em terceiro lugar, o medium correspondente deveria, então, ser expresso através de um símbolo generalizado e tão claramente reconhecível quanto possível. Nós veremos que para Parsons, em caso de falha ou por distorções, todos os três componentes constituem-se em fontes de conflito social.

Em sua análise do capitalismo industrial moderno, o complexo institucional do direito moderno representa para Parsons, de certa forma, a esfera de reconhecimento menos problemática, mais pobre em conflitos. Os sistemas modernos do direito honram a promessa do universalismo moral que lhes é inerente através de uma generalização e uma concretização sucessiva do status de cidadão, possivelmente sempre impulsionada mas não permanentemente acompanhada por lutas sociais. Se um grupo até então excluído for incluído na relação de direito positivada, protegida pelo estado, se um fator de discriminação for compensado através de igualdade jurídica, então nesta esfera podem prosperar, com expectativas confiáveis de legitimidade, relações recíprocas de respeito igualitário que, no mais, possuem na adjudicação de direitos subjetivos um meio de expressão simbólica marcante (Parsons, 1972PARSONS, Talcott. Das System moderner Gesellschaften. München: Juventa, 1972., p. 118-119). O sistema do direito moderno representa uma estrutura institucional “relacional”, relativamente robusta, na qual graças à generalização de suas normas fundamentais os sujeitos são sucessivamente incluídos na medida em que eles, mediante a aceitação do princípio simbolicamente articulado, aprendem a estimar-se como pessoas iguais e livres. Porque aqui a reciprocidade do respeito normativamente possibilitada é, acima de tudo, estritamente simétrica ou igualitária, ou seja, uma gradação de hierarquias sociais não é absolutamente permitida, conflitos e tensões só podem se desenvolver ali onde a inclusão é negada ou discriminações não são identificados como tais. Bem diferente, entretanto, é a situação na segunda estrutura institucional da sociedade moderna que Parsons procura analisar como uma ordem legítima do reconhecimento recíproco. Segundo sua concepção, também o sistema de economia capitalista é uma instituição relacional na qual o cumprimento de tarefas funcionalmente exigidas está vinculado à aquisição normativamente regulada de reconhecimento social. Aqui, porém, diferente do sistema do direito, subsiste tanto uma insegurança intrínseca relativa ao medium de reconhecimento subjacente quanto também uma gradação necessária do respeito em consequência da aplicação deste medium – e ambos levam, pelo menos segundo Parsons percebe naquelas passagens mencionadas de seus escritos, a uma suscetibilidade estrutural desta instituição aos conflitos e tensões sociais.

Para Parsons, o sistema econômico é marcado antes de qualquer outra coisa pelo mesmo processo de uma generalização e diferenciação de suas normas constitutivas pelo qual também o desenvolvimento do sistema do direito moderno é impelido (Parsons, 1972PARSONS, Talcott. Das System moderner Gesellschaften. München: Juventa, 1972., p. 100ss, 124ss). Como um todo, o sistema da economia capitalista mediado pelo mercado se apoia motivacionalmente no fato de que será atribuída aos seus membros a respectiva medida de reconhecimento que corresponder à intensidade meritocrática de suas contribuições individuais para a produção através da divisão do trabalho. À luz deste princípio meritocrático –para Parsons, ao lado do princípio do direito igualitário, uma segunda norma de reconhecimento nas sociedades modernas– cada adulto, (primariamente apenas os de sexo masculino), se sente intrinsecamente obrigado a contribuir com sua parte para a reprodução material de acordo com suas capacidades e aptidões (cf. Parsons, 1964bPARSONS, Talcott. Die Motivierung des wirtschaftlichen Handels. In: Talcott Parsons. Beiträge zur soziologischen Theorie. Neuwied: Luchterhand, 1964b. p. 136-159., p. 144-145). O processo de uma sempre crescente diferenciação e subdivisão dos papéis profissionais agora torna necessário, porém, que também o princípio normativo do mérito seja cada vez mais generalizado; pois apenas se este for formulado de modo tão abstrato e generalizado quanto possível, de modo portanto a não comparar valorativamente atividades individuais de trabalho umas com as outras, mas agrupamentos funcionais completos, cada indivíduo pode identificar ali aproximadamente a medida de reconhecimento para sua atividade altamente especializada. A moeda na qual deverá ser pago para o indivíduo o respeito devido, que de acordo com Parsons no sistema econômico é graduado, consiste na atribuição de um determinado status, mensurado principalmente pelo tamanho do salário. Daí que, para o autor, o “dinheiro” desempenha aqui o mesmo papel de um meio simbólico para a manifestação pública do reconhecimento adquirido que o “direito subjetivo” assume no complexo institucional do direito moderno (cf. Parsons, 1964PARSONS, Talcott. Beiträge zur soziologischen Theorie. Neuwied: Luchterhand, 1964., p. 200-201).

Agora, na parte de seus escritos mais fortemente ligada à teoria da interação Parsons é realista o bastante para não renegar nesta esfera de reconhecimento da modernidade as causas de tensões e conflitos permanentes. São duas circunstâncias, tratadas separadamente, que ele identifica aqui como fontes para potenciais conflituosidades entre os grupos participantes. De um lado, segundo sua perspectiva uma prática adequada do princípio do mérito estabelecido no sistema econômico exigiria que as oportunidades educacionais no começo da vida fossem aproximadamente as mesmas para todos os participantes, de modo a possibilitar a cada um deles um desdobramento relativamente desimpedido de suas próprias capacidades e aptidões. Apesar de todo o seu otimismo quanto às reformas educacionais do pós-guerra (cf. Parsons, 1972PARSONS, Talcott. Das System moderner Gesellschaften. München: Juventa, 1972., p. 120ss), uma tal aproximação das condições de partida parece a Parsons altamente improvável, porque, de acordo com sua concepção, as diferenças específicas no estilo de educação entre as classes sempre de novo se solidificariam em prejuízo das crianças das classes mais baixas. Nesta medida, para ele, a circunstância da desigualdade das chances iniciais se mostra um espinho permanente no sistema de reconhecimento baseado no principio do mérito e mediado no mercado. A mesma dúvida Parsons também levanta com relação às possibilidades de “institucionalização de parâmetros justos de concorrência” (Parsons, 1964cPARSONS, Talcott. Soziale Klassen und Klassenkampf im Lichte der neueren soziologischen Theorie. In: Talcott Parsons. Beiträge zur soziologischen Theorie. Neuwied: Luchterhand, 1964c. p. 206-222., p. 215). De acordo com suas convicções, a progressiva diferenciação de papéis profissionais e o simultâneo esvaziamento de determinados campos de atividade tornam cada vez mais difícil estabelecer parâmetros “objetivos” de julgamento no sentido do princípio do mérito, que deem aos envolvidos razões compreensíveis para seu respectivo nivelamento e, com isso, para o grau de seu reconhecimento no mundo econômico. Daí que Parsons conta com processos de uma crescente incerteza nesta esfera, que ele considera compensáveis apenas através de medidas simbólicas sobre as quais ele diz, de modo um pouco enigmático, que elas deveriam “atenuar as implicações sobre certos fatores humanos” (Parsons, 1964cPARSONS, Talcott. Soziale Klassen und Klassenkampf im Lichte der neueren soziologischen Theorie. In: Talcott Parsons. Beiträge zur soziologischen Theorie. Neuwied: Luchterhand, 1964c. p. 206-222., p. 218). De todo modo, Parsons parte do prognóstico empírico de que dentro da esfera econômica de reconhecimento não será possível pacificar os conflitos sociais num futuro previsível devido à desigualdade nas condições de partida e à crescente incerteza quanto ao conteúdo do princípio do mérito. Aqui se encontram pretextos suficientes para sempre de novo motivar grupos sociais a provocarem uma disputa acerca da interpretação adequada das normas de reconhecimento subjacentes.

No entanto, Parsons não crê que com esta reflexão isolada sobre a esfera econômica seja possível chegar a uma imagem adequada dos conflitos ali latentes; para isso é necessário incluir na análise também os outros subsistemas sociais, porque destes poderia advir um efeito compensatório sobre o foco incendiário da concorrência meritocrática, fonte constante de incertezas. Ainda que tivesse sido mais óbvio neste momento pensar primeiro nos efeitos compensatórios do sistema moderno e igualitário de direito, em sua análise de tais mitigações Parsons se concentra quase que exclusivamente na esfera de reconhecimento da família moderna: dela, o último refúgio da solidariedade direta em nossas sociedades, advêm efeitos que, segundo sua avaliação, estão habilitados a compensar através de outras formas de reconhecimento os prejuízos no respeito regularmente sofridos na esfera da economia.

Também a família nuclear moderna, que no capitalismo industrial do presente permanece como remanescente das relações de parentesco institucionalizadas em tempos passados, representa, para Parsons, uma esfera normativamente integrada do reconhecimento recíproco. Como nos sistemas do direito e da economia, aqui também as relações dos indivíduos uns com os outros são reguladas através de normas que, mediante o cumprimento das tarefas e obrigações funcionalmente previstas, permitem atribuir-se reciprocamente estima. No entanto, diferentemente da esfera da ação econômica, na qual as contribuições individuais são hierarquicamente valorizadas em função do princípio do mérito, aqui na família moderna esta reciprocidade assume inicialmente uma forma estritamente simétrica: os membros devem uns aos outros exatamente a mesma “ajuda e apoio” (Parsons, 1964aPARSONS, Talcott. Ansatz zu einer analytischen Theorie der sozialen Schichtung. In: Talcott Parsons. Beiträge zur soziologischen Theorie. Neuwied: Luchterhand, 1964a. p. 180-205., p. 190) enquanto eles cumprirem apropriadamente aqueles papéis que na divisão do trabalho para a realização das funções familiares foram previstos para eles. Do sistema do direito, no qual também vigem normas igualitárias, por outro lado, a instituição da família se distingue porque aqui o dever de reconhecimento igualitário é acompanhado por uma distribuição estruturalmente desigual de autoridade e propriedade: devido à sua ocupação profissional fora de casa, apenas o homem tem à sua disposição um ganho salarial próprio, de modo que, a despeito de toda a simetria no respeito solidário, a ele é devido um grau maior de poder decisório nas questões centrais. Esta microfísica de uma estrutura de reconhecimento que, superficialmente, se apoia no respeito simétrico mas no fundo permite reconhecimento desigual, para Parsons constitui a chave para explicar os desempenhos compensatórios que a família assume face às evidentes perdas de respeito sofridas na esfera econômica.

Para Parsons, em seu papel como pai dentro da família moderna, o homem desempenha uma função constitutiva tão poderosa na sociedade quanto em nosso passado recente talvez somente Jacques Lacan lhe tenha atribuído. De todo modo, somente é possível esclarecer esta surpreendente semelhança entre ambos os pensadores quando se tem em vista que eles coincidem em analisar o “pai” não primariamente sob o ponto de vista de seu papel concreto como pessoa de referência, mas sob o de seu papel generalizado como portador de tarefas simbólicas da integração social. De acordo com Parsons, que comparativamente se revela o sociólogo mais produtivo, nas atividades padronizadas do pai dentro da família se condensam tantos significados sociais num nível generalizado, intersubjetivamente compreensível, que aqui seja possível falar da emergência de um objeto simbólico mais amplo: assim como o “direito subjetivo” no sistema do direito moderno e como o “dinheiro” na concorrência meritocrática da economia capitalista, o pai representa de modo visível para todos e supra individual as normas integrativas da relação de reconhecimento da família (Parsons, 1979aPARSONS, Talcott. Das Vatersymbol: Eine Bewertung im Lichte der psychoanalytischen und soziologischen Theorie. In: Talcott Parsons. Sozialstruktur und Persönlichkeit. Frankfurt am Main: Fachbuchhandlung für Psychologie, 1979a. p. 46-72., p. 46-72). Esta função simbólica, destacada de sua identidade concreta, o pai de família individual desempenha na medida em que através da exploração da autoridade a ele atribuída por meio de sua renda da atividade profissional, faz valer perante seus próprios filhos os valores dos outros complexos institucionais da sociedade: a criança internaliza, na aquisição de padrões procedimentais específicos às funções de seu pai, passo a passo tanto as normas de desempenho do sistema econômico externas à casa quanto as normas de igualdade da sociedade civil fundadas em sanções, de modo que ao final de sua socialização familiar ela tenha se tornado um membro da sociedade consciente de suas regras.

Para a nossa questão acerca da função compensatória da família, na explanação de Parsons é de significado capital que ele vê a concretização do papel simbólico do pai ligado à pressuposição de um reconhecimento que lhe é dado por todos os membros restantes da família: pelo desempenho profissional e socializatório que ele realiza para o bem da família, o pai obtém por parte dos filhos e da mãe uma forma de reconhecimento admirador que vai muito além do respeito passível de ser adquirido fora da família (Parsons, 1979aPARSONS, Talcott. Das Vatersymbol: Eine Bewertung im Lichte der psychoanalytischen und soziologischen Theorie. In: Talcott Parsons. Sozialstruktur und Persönlichkeit. Frankfurt am Main: Fachbuchhandlung für Psychologie, 1979a. p. 46-72., p. 65). Assim seria bem possível dizer que para Parsons a possibilidade da contenção dos conflitos sociais no capitalismo industrial depende quase que completamente da institucionalização bem sucedida do símbolo paterno: enquanto os homens, como chefes de família, possuírem a chance de exercer de modo bem sucedido as funções vinculadas a este símbolo dentro de suas famílias, através do reconhecimento aqui adquirido eles serão compensados pelos prejuízos no respeito que eles sempre sofrem reiteradamente devido a inevitáveis discriminações na concorrência meritocrática na economia. Não são as compensações financeiras do estado social implementadas por meio de uma materialização do direito moderno nem a garantia estatal de condições de vida que asseguram sua existência que evitam o perigo da inflamação e do transbordamento explosivo dos conflitos sempre latentes na esfera da economia; antes, Parsons acredita objetivamente que os sentimentos de indignação moral aqui ardentes possam ser canalizados e aplacados quando os homens economicamente ativos na esfera privada do lar forem pagos por sua funções sustentadoras da ordem com a moeda do reconhecimento direto e interpessoal. O equilíbrio, a própria harmonização da relação entre as esferas institucionais do reconhecimento que Parsons distingue nas sociedades desenvolvidas de seu tempo, pressupõe um complicado sistema de compensação do reconhecimento social: enquanto as mulheres, como se diz de modo lapidar, alocam sua busca por estima e valorização sociais principalmente nas áreas “exteriores às esferas profissionais relevantes”, a saber, naquelas ligadas à apresentação de “cuidados de beleza, joias e charme pessoal” (Parsons, 1964aPARSONS, Talcott. Ansatz zu einer analytischen Theorie der sozialen Schichtung. In: Talcott Parsons. Beiträge zur soziologischen Theorie. Neuwied: Luchterhand, 1964a. p. 180-205., p. 194), assim como na execução das tarefas domésticas, a busca frequentemente frustrada dos homens por reconhecimento na concorrência meritocrática é satisfeita através da tortuosa via de uma corporificação do símbolo paterno que a todos integra. Não é necessário qualquer grande esforço empírico para mostrar que no começo do século 21 o complexo social do reconhecimento se afastou muito desta situação delineada por Parsons.

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Em qualquer uma das esferas de reconhecimento distinguidas por Parsons sobre as quais hoje se lance o olhar, todas elas mudaram significativamente desde então frente às condições por ele descritas. Com as mudanças políticas, culturais e econômicas ocorridas no último terço do século 20 também se deslocaram imperceptivelmente as interpretações normativas que nos três complexos institucionais do direito, da economia e da família emprestam aos princípios constitutivos seu respectivo sentido atual e praticamente relevante. Aquilo que há 50 anos ainda poderia parecer uma interpretação completamente autoevidente destas regras implícitas de reconhecimento perdeu, neste meio tempo, todo poder de persuasão social e apenas eventualmente é expressado por intelectuais ávidos por atenção midiática, como se fosse por divertimento.2 2 Especialmente embaraçoso: Bolz (2006). Já Parsons havia indicado em algumas passagens dos estudos aqui referidos que, sob determinadas condições, não se poderia excluir a ocorrência de desenvolvimentos sociais que pudessem afetar consideravelmente o complexo de reconhecimento social assentado sobre compensações. Nessas indicações não estava diante dos seus olhos um reforço da luta de classes resultante dos prejuízos estruturais na concorrência meritocrática, que ele considerava um fenômeno “endêmico” mas latente e estável no capitalismo industrial. Antes, ele tinha em mente o surgimento de novas aspirações por reconhecimento social que ele associava à regressão da autoridade paterna na família, ao crescente isolamento da dona de casa frente à sociedade civil e ao crescimento do significado da identidade étnica.3 3 Quanto à primeira e à segunda tendências comparar Parsons (1979b, p. 267ss; quanto à terceira tendência comparar Parsons (1964d, p. 248ss). Como bem sabemos hoje, nenhuma destas possibilidades de desenvolvimento, principalmente tendo o sistema familiar como palco, mencionadas sempre de modo truncado e esparso por Parsons, deixou de ocorrer nas últimas décadas. Mas elas eram apenas pequenas engrenagens em um processo de mudança muito mais amplo, ainda não intuído por ele, que nesse meio tempo emprestou ao conjunto da rede de relações institucionalizadas de reconhecimento uma nova face. Eu quero indicar brevemente as mudanças essenciais ocorridas em cada uma das três instituições de reconhecimento recíproco tratadas por ele, para então tratar a pergunta sobre quais consequências daí resultaram para a forma e a substância das lutas sociais.

  1. Para o sistema do direito ancorado no princípio da cidadania igualitária, Parsons conta com um desenvolvimento que de modo geral transcorreria linearmente, que asseguraria a um círculo sempre crescente de pessoas direitos de acesso a e de participação em cada vez mais subsistemas (Parsons, 1972PARSONS, Talcott. Das System moderner Gesellschaften. München: Juventa, 1972., p. 118-119); assim para praticamente todos os membros adultos das sociedades modernas, espelhados nos direitos à liberdade, à associação e à participação, se tornaria gradualmente possível gozar de um autorrespeito rudimentar, fundado na consciência da autonomia privada reciprocamente admitida e amplamente protegida pelo estado. Com o que Parsons não contou em seu esquema relativamente otimista de progresso são dois desenvolvimentos que talvez não sejam contrários, mas pelo menos intervenientes, que hoje fazem parecer muito mais difícil de conceber a relação jurídica igualitária como uma jorrante e desimpedida fonte de autorrespeito para todos os cidadãos e cidadãs. De um lado, justamente em função das vitoriosas lutas das minorias culturais por direitos iguais, a importância ativa e legitimadora dos direitos de cidadania se desgastou amplamente, de modo que eles frequentemente são interpretados não mais como marcos simbólicos de um respeito recíproco, mas privativamente como instrumentos de salvaguarda dos benefícios individuais. Esta furtiva mudança de significados ainda foi reforçada nas duas últimas décadas porque, ademais, nas fronteiras internas e externas das comunidades jurídicas europeias e norte-americanas cresceu continuamente o círculo daqueles que, como imigrantes, requerentes de asilo ou imigrantes ilegais, requerem ou lutam por admissão jurídica, sem poderem ter à disposição um status jurídico suficientemente protegido pelo estado. Quanto mais os habitantes de sociedades de bem-estar e garantidoras dos direitos fundamentais tomam consciência da necessidade de apoio destes grupos excluídos, quanto menos eles podem cerrar seus olhos frente à condição de necessidade e às demandas morais destes grupos, tanto mais fortemente aquilo que outrora talvez poderia servir como uma fonte de reconhecimento hoje parece ter adquirido um novo significado como mero meio de proteção contra demandas de terceiros tidas como inaceitáveis. Portanto, o sistema jurídico nas sociedades altamente desenvolvidas do Ocidente oferece hoje uma imagem altamente espantosa, nesta feição imprevisível por Parsons: uma imagem cujo centro é ocupado por um grande círculo de cidadãs e cidadãos com seus direitos bem ou pelo menos satisfatoriamente garantidos, que obtêm consciência de sua inclusão social mas cada vez menos dos direitos que lhes foram assegurados, confrontado com um crescente círculo de excluídos que nada desejam ou procuram conquistar mais fortemente do que a simples admissão nesta relação jurídica de reconhecimento. Enquanto uns parecem procurar cada vez mais as condições de seu autorrespeito fora da esfera do direito, que a rigor deveria garantir-lhes uma forma primeira, elementar, de reconhecimento social, os outros se esforçam com crescente exasperação para serem pelo menos admitidos nessa esfera.

  2. Também no segundo subsistema conceitualizado por Parsons como esfera de reconhecimento o desenvolvimento ocorreu de modo diferente do que ele havia assumido em suas análises. Para a área da concorrência orientada pelo mérito no mercado de trabalho ele assumiu que ocorreria uma mudança estrutural de longo prazo, que apontaria na direção de uma crescente inclusão dos membros da sociedade, uma diferenciação permanente de papéis profissionais e um crescimento incessante das qualificações. De acordo com sua concepção, cada vez mais membros masculinos da população economicamente ativa deveriam poder exercer atividades profissionais cada vez mais diferenciadas e em um nível de qualificação cada vez mais exigente (Parsons e White, 1979PARSONS, Talcott; WHITE, Winston. Über den Zusammenhang von Charakter und Gesellschaft. In: Talcott Parsons. Sozialstruktur und Persönlichkeit. Frankfurt am Main: Fachbuchhandlung für Psychologie, 1979. p. 230-296., p. 258-262). Com o que Parsons não contou neste panorama novamente bem otimista foi com uma série de tendências estritamente contrárias que nesse meio tempo fazem parecer questionável em si supor que na esfera da ação econômica ainda haveria espaço e chances suficientes para a obtenção de autorrespeito individual. Parsons não apenas ignorou manifestamente em sua análise todos os sinais precoces cuja compreensão poderia ter tornado claro que no futuro, devido a novas concepções acerca dos papéis sociais, também as mulheres procurariam mais intensamente o acesso ao mercado de trabalho. Ele tampouco percebeu que, sob a pressão por acumulação mais rápida de capital dentro dos setores da produção e dos serviços, sempre emergiriam amplos campos de atividade que seriam executados sem nenhuma ou com pouca qualificação profissional. Se a esses desenvolvimentos, dos quais Parsons a princípio deveria ter tomado conhecimento, ainda acrescentarmos aqueles que ele não poderia ter suspeitado, então a relação social do reconhecimento recíproco na esfera da economia se apresenta hoje completamente diferente do que em seus confiantes prognósticos. O princípio do mérito, para ele a garantia normativa de uma concorrência justa por reconhecimento profissional e status social, foi ideologicamente remodelado através de usurpações da parte de classes bem sucedidas a curto prazo no mercado capitalista a ponto de se tornar irreconhecível. Como uma consequência de processos de desregulamentação e desprofissionalização, o próprio trabalho social perdeu amplamente seu caráter de fonte de renda contratualmente assegurada e confiável nas áreas subalternas e menos qualificadas. O número dos desempregados permanentes parece crescer a um nível ainda maior após cada distensionamento conjuntural da situação econômica, de modo que, olhando numa perspectiva de longo prazo, o círculo daqueles que podem simplesmente participar de uma concorrência meritocrática normativamente ordenada começa a se tornar cada vez mais apertado. Contudo, como nenhum destes desenvolvimentos levou claramente a que o desejo por reconhecimento social através de um trabalho valorizado pela sociedade desaparecesse ou que pelo menos se tornasse menor, uma multidão continuamente crescente de membros da sociedade se encontra diante da exigência cotidiana de encontrar simplesmente o acesso a oportunidades regulares de um tal autorrespeito. A luta por prestígio profissional e reconhecimento mediado pelo desempenho, que Parsons tinha em mente, em boa medida não transcorre mais dentro da própria esfera da economia, mas em formas completamente diferentes, compensatórias, diante de suas portas em grande medida fechadas.

  3. Finalmente, na família nuclear moderna, a terceira esfera de reconhecimento que Parsons distinguiu em suas análises, alguns dos desenvolvimentos esboçados por ele objetivamente ocorreram, contudo sob condições de uma concomitante mudança de forma que ele certamente nem mesmo em seus sonhos mais ousados poderia ter imaginado. De modo geral, nas últimas décadas, cumpriu-se o que Parsons havia previsto em seus prognósticos como um processo da crescente perda de função da família e uma simultânea concentração em seus papéis de cuidado e amparo emocional: quanto mais tarefas econômicas e socializatórias a família cederia a instâncias externas, isto é, quanto mais fortemente ela pudesse se amparar em outras instituições para assegurar o cuidado, a educação e a segurança financeira de seus membros, esta a convicção de Parsons, tanto mais rápida e exclusivamente as relações dos membros da família entre si assumiriam um caráter puramente emocional e focado em necessidades (Parsons e White, 1979PARSONS, Talcott; WHITE, Winston. Über den Zusammenhang von Charakter und Gesellschaft. In: Talcott Parsons. Sozialstruktur und Persönlichkeit. Frankfurt am Main: Fachbuchhandlung für Psychologie, 1979. p. 230-296., p. 267-273). A emergência de um tal ambiente “puro” do reconhecimento, baseado somente no amor e em cuidado mútuos, era considerada por Parsons como um progresso inequívoco, que se solidificaria, principalmente, numa atitude diferenciada com relação às crianças. Estas ficariam cada vez menos sob a pressão de expectativas de uma postura meramente conformista; antes, cresceria continuamente a compreensão acerca de suas respectivas necessidades específicas, de modo que em geral elas logo seriam tratadas dentro da família como “pessoas” autônomas (ibidem, p. 270-271). Com o que Parsons no entanto não contou nesta previsão – certamente não falsa – de uma democratização mais ampla das relações intrafamiliares e da educação foi que, com a unilateralização emocional concomitante à transformação do papel da mulher, também o entendimento sobre o casamento e a família se alterariam fundamentalmente. Tão logo as tarefas das mulheres dentro da família começaram a se esvaziar devido ao apoio de instituições externas de socialização e cuidado elas se deslocaram em larga escala ao fronte da entrada no mercado de trabalho, conseguiram alcançar aqui uma autonomia nova, historicamente nunca existente antes, e em razão disso puderam empreender os primeiros passos para o questionamento da divisão sexualmente específica do trabalho até então estabelecida. As consequências deste processo de transformação, que no tempo de Parsons havia se iniciado timidamente, mas que desde então se tornou irreversível, ainda não são completamente conhecidas uma vez que lado a lado do solapamento da divisão tradicional do trabalho na família nuclear ao mesmo tempo ocorreram mudanças em sua autocompreensão tradicional: o estreito vínculo motivacional, eticamente apoiado, entre inclinação sexual e casamento, casamento e vida conjunta, vida conjunta e criação das crianças, que ainda havia há 50 anos, entrementes se decompôs em seus componentes individuais, de modo que se pode falar de uma diversificação “pós-moderna” das formas familiares.4 4 Cf. Lüscher, Schultheis e Wehrspaun (1990); cf. também o panorama que tentei fornecer (Honneth, 1994). Neste processo de “desinstitucionalização da família nuclear” (Hartmut Tyrell), porém, com certeza se perdeu aquilo que em suas análises Parsons havia visto como o núcleo institucional de seu ancoramento na sociedade: a função “simbólica” do pai, a quem, completamente independente de seus modos e procedimentos específicos, deveria caber a tarefa objetiva de representar e implementar dentro da família os princípios de valor externos ao domicílio. Mesmo se esta função tivesse permanecido, como tem sido repetidamente afirmado no sentido de que esse seu papel mediador de autoridade permaneceria incontornável para a socialização infantil, ela há muito tempo não é mais executada exclusivamente por homens, mas em crescente medida também por mulheres. Com isso, portanto, o desnível de poder entre os sexos dentro da relação simétrica de reconhecimento da família, da qual Parsons havia falado, se dissolve definitivamente e em seu lugar passou a valer como norma o princípio do tratamento igualitário abrangente. As consequências desta realocação de poder para a função compensatória que a família deveria ter face aos fracassos e humilhações no mundo do trabalho são inegáveis: para seu papel paterno em casa, os homens hoje não podem mais contar com aquele adicional em valorização e respeito que deveria compensá-los por todas as perdas de reconhecimento que eles tiveram que suportar face às injustiças da concorrência meritocrática. O refinado sistema de compensação do reconhecimento social que Parsons ainda queria tomar como fundamento de suas análises também se fragmentou neste ponto: com a dissociação entre o “símbolo paterno” e o sexo masculino, os homens perderam a chance de adquirir, dentro de suas famílias, a dose extra de reconhecimento intersubjetivo com a qual eles até então podiam ser compensados por suas experiências de desrespeito na esfera da economia.

De modo geral portanto, a rede de esferas institucionalizadas de reconhecimento oferece hoje um panorama significativamente modificado frente ao diagnóstico de Parsons. Se quiséssemos recorrer a padrões generalizados de desenvolvimento a fim de descrever a nova situação, então seria plausível falar de um processo de crescente exclusão do sistema de reconhecimento e de uma concomitante perda de sentido de seus princípios basilares. No atual capitalismo, uma parcela crescente da população parece estar excluída de toda possibilidade de acesso às esferas da economia de mercado e do sistema jurídico enquanto esferas capazes de assegurar o respeito, ao passo que a outra parcela, que obteve esse acesso, parece poder extrair cada vez menos reconhecimento social da remuneração obtida pelo trabalho, já que os princípios lá vigentes se tornaram mais ou menos obscuros ou opacos. Porém esse panorama geral somente se completa quando adicionalmente se leva em consideração que hoje entre a família e a esfera da economia também não é mais possível aquele tipo de transferência de reconhecimento que Parsons assinalara naquela época. A parcela masculina da população economicamente ativa pode compensar cada vez menos a perda de reconhecimento na concorrência meritocrática através de um adicional de valorização dentro da família. Na última parte de minhas considerações me interessa agora analisar quais consequências decorrem destas mudanças concomitantes para a situação do conflito social na atualidade. Eu quero sugerir a descrição da atual e ainda confusa condição tentativamente com o conceito de “barbarização”.

3

Por conflitos sociais Parsons pretendia entender mais do que meras disputas que se desenrolam dentro da esfera pública política sob a forma de debates e controvérsias temáticas focalizadas. Se bem que em tais contendas, levadas a cabo discursivamente, poderia refletir-se aquilo que moralmente movimenta e inflama os membros da sociedade, devido às suas diversificadas limitações elas só raramente podem fornecer uma informação segura sobre os campos de batalha e frontes objetivos. Para Parsons, os conflitos sociais surgem ali onde as pessoas acreditam ser prejudicadas ou tolhidas em demandas que elas consideram justificadas à luz de princípios generalizadamente aceitos. Tão logo estes desapontamentos tenham ultrapassado um determinado limiar e, além disso, tenham sido articulados conjuntamente com outros companheiros de sofrimento, eles podem assumir a forma de tentativas, inicialmente apenas vagamente coordenadas, de atribuir às próprias demandas um peso maior, seja por meio de repetida afirmação, seja por meio de reinterpretação dos princípios vigentes. Mesmo que Parsons não tenha utilizado a expressão de modo explícito, aqui se pode designar tais disputas sociais como “lutas por reconhecimento”, independentemente de seu poder de implementação e visibilidade pública. Seu espectro abrange desde microconfrontações cotidianas, nas quais uma pessoa insiste frente a outra em demandas não satisfeitas com base em suas relações de comprometimento recíproco, até clamores militantes de coletivos inteiros que se sentem logrados quanto a direitos que, devido às normas implicitamente validadas, a rigor lhes seriam devidos. Comum nestas diferentes formas do conflito social é em todos os casos o seu ponto de partida em uma indignação moral, que resulta da experiência de não ser reconhecido da maneira como os princípios institucionalmente ancorados, segundo a própria interpretação, fazem parecer justificado. Por isso a luta por reconhecimento comumente se consuma na forma de uma disputa pela interpretação e implementação de uma promessa de reconhecimento historicamente ainda não cumprida. Não são reivindicadas demandas aleatórias, não são feitas exigências arbitrárias por reconhecimento, mas somente aquelas que possam ter validade mediante fundamentação intersubjetiva à luz de convicções e normas compartilhadas.

Para sua época, como vimos, Parsons supunha que, devido a um sistema de compensações estabelecido de modo bem sucedido, tais lutas por reconhecimento sempre se materializariam apenas dentro de fronteiras pacificadas, criadas com a diferenciação das diversas esferas. Como praticamente todos os membros da sociedade teriam sido incluídos segundo previsto nos respectivos sistemas de ação e, se fosse o caso, poderiam contar com o afluxo de reconhecimento a partir dos outros subsistemas, para Parsons eles pareciam suficientemente providos com autorrespeito alimentado pela sociedade, de modo que o perigo de contendas maiores, ameaçadoras da ordem, seria extremamente pequeno. Claro que não passou desapercebido a Parsons que dentro da esfera econômica o significado e as condições de aplicação do princípio do mérito ainda eram controversos, que dentro da família nuclear moderna a autoridade paterna se encontrava sob crescente pressão por legitimação e que no sistema do direito se disputava ferozmente quanto ao manejo e recorte dos direitos subjetivos. Contudo, em sua avaliação nenhum destes destes conflitos internos poderia ultrapassar o limiar da indignação moral ou mesmo da rebelião pública, uma vez que o suprimento básico da população com reconhecimento institucionalmente mediado em princípio estava garantido. De uma situação assim representada, porém, como se mostrou, nós nos afastamos muito desde então. Um número crescente de pessoas, que forma uma espécie de “subclasse” composta de subempregados, pessoas que interromperam seus estudos e estrangeiros “ilegais”, não possui qualquer acesso ao sistema do direito ou à esfera econômica – e, no pior dos casos ambas esferas de reconhecimento estão simultaneamente fechadas para eles. Outro grupo, igualmente crescente, de membros da sociedade, composto principalmente por pessoas subocupadas e mães em famílias monoparentais, que até dispõem de chances de participação em todas as três esferas institucionais de reconhecimento, mas dificilmente podem obter desta participação uma forma estável de autorrespeito, porque as relações de trabalho são excessivamente inconstantes e fragmentadas, as situações familiares arruinadas ou pobres em suas relações. E somente um terceiro, cada vez mais diminuto grupo de pessoas pode participar irrestritamente nos subsistemas do direito, da economia e da família, sem todavia entender o reconhecimento neles obtido como uma inclusão social, pois os recursos correspondentes do status são utilizados cada vez mais intensamente para fortalecer as barreiras direcionadas contra os outros grupos.5 5 Quanto a esta tripartição entre “vencedores”, “perdedores” e os “sem direito à participação”, ver o requintado artigo “Barbaridade” moderna, de Claus Offe (1996). Porém, apesar de todas estas profundas mudanças, devido às quais as esferas estabelecidas de reconhecimento recíproco se tornaram extremamente porosas em suas periferias e excluem cada vez mais pessoas dos benefícios do autorrespeito socialmente fundado, não ocorreu nada daquilo que, de acordo com as análises de Parsons, a rigor deveria ter acontecido: a indignação moral em vista da massiva denegação do reconhecimento social não se materializou; de um aumento das rebeliões públicas nem de longe há alguma evidência; antes, a luta por reconhecimento parece estar paralisada externamente e ter se deslocado para o interior dos sujeitos, seja na forma de um crescente temor de fracassar, seja na forma de uma raiva fria e impotente. O que, em meio a todos estes silêncios opressivos, ocasionalmente interrompidos apenas na superfície midiática, restou então dos conflitos por autorrespeito social? Que forma assumiu neste meio tempo a luta por reconhecimento?

A busca por autorrespeito na e através da sociedade não cessa simplesmente tão logo num momento histórico nenhuma esfera normativamente regulada para sua preservação e satisfação confiáveis esteja mais disponível. Mas ela perde efetivamente, assim creio que se pode dizer, qualquer chance de uma codificação intersubjetivamente inteligível, não pode se apoiar em qualquer princípio legitimador, tornou-se estranhamente apátrida e se dedica à procura de formas alternativas de objetificação. Durkheim teria descrito uma tal situação social, na qual os princípios morais institucionalizados perdem cada vez mais nitidamente sua função de oferecer aos membros da sociedade possibilidades legítimas de reconhecimento recíproco, como uma condição de “anomia”. Nós também podemos falar hoje de uma patologia social: para aqueles que são tolhidos do acesso às esferas estabelecidas de reconhecimento esta situação significa não dispor mais de nenhuma via para alcançar autorrespeito a partir da participação na vida social. Uma parcela da luta por reconhecimento, a saber, aquela que é levada a cabo desde baixo, pelos membros da assim chamada “subclasse”, transcorre pois hoje na forma barbarizada de uma mera batalha pela visibilidade pública ou pelo respeito compensatório. Uma vez que não se está mais incluído nas arenas oficiais, socialmente sancionadas de aquisição de respeito, a alternativa é conquistar diante de suas portas o reconhecimento social com meios não normatizados. Destituídos de toda justificabilidade social, despidas de toda simbolização compartilhada, do ponto de vista dos observadores tais formas da luta por reconhecimento frequentemente assumem as formas mais bizarras. Elas podem ser encontradas nas tentativas, hoje massivamente empreendidas, de desnudar a própria invisibilidade em instantes de uma presença obscena na mídia, são corporificadas em contraculturas do respeito nas quais vigem regras de reconhecimento sui generis e desacopladas da sociedade, e podem ser suspeitadas até mesmo quando jovens nos banlieues querem despertar atenção social através de ações violentas.6 6 O Banlieue é um subdistrito administrativo nas grandes cidades francesas localizado fora do centro da cidade, isto é, em sua periferia. É um espaço que pode ser rico, pobre ou de classe média, guardando algumas especificidades que o diferenciam tanto da periferia, como se conhece no Brasil, quanto do subúrbio, como nos Estados Unidos, por exemplo (N. T.). De certo modo, pode parecer equivocado descrever tais esforços compensatórios da aquisição de reconhecimento ainda como formas de uma luta por reconhecimento, pois efetivamente lhes falta um direcionamento normativo e quase sempre um agente moral como destinatário. Mas se com Parsons concedermos que os membros da sociedade dependem de formas socialmente legitimadas de reconhecimento social, então devemos também dar o próximo passo e sobriamente constatar que eles procuram valer-se de meios dessimbolizados completamente diferentes de conquista do autorrespeito quando são excluídos das esferas institucionalizadas de reconhecimento social.

Mas não foi apenas nos estratos dos “supérfluos” e excluídos que se alteraram consideravelmente as formas de expressão do conflito social frente à situação social analisada por Parsons. Também nos dois outros grandes grupos que hoje ainda estão mais ou menos integrados nas esferas estabelecidas de reconhecimento social prevalecem atualmente certas tendências a uma barbarização, a uma desnormatização da luta por respeito e reconhecimento que antes era moralmente canalizada. Os “vencedores” da mudança estrutural neoliberal do capitalismo nas últimas décadas foram bem sucedidos na ressignificação semântica dos parâmetros centrais das esferas do direito e da economia a tal ponto que estes, em seu significado normativo, estão adaptados quase exclusivamente às respectivas chances de aquisição daquele grupo. Com essa reinterpretação, o princípio do direito subjetivo perdeu seu sentido de meio de inclusão e de garantidor do reconhecimento recíproco, e se tornou quase exclusivamente um instrumento de defesa frente a demandas que ameaçam o status quo. Dispor de direitos significa cada vez menos poder desfrutar de uma atribuição reciprocamente concedida de liberdade individual, mas serve antes de mais nada e acima de tudo para poder afastar com meios legítimos as demandas de outras pessoas (Neckel e Dröge, 2002NECKEL, Sighard; DRÖGE, Kai. Die Verdienste und ihr Preis: Leistung in der Marktgesellschaft. In: Axel Honneth (Org.). Befreiung aus der Mündigkeit: Paradoxien im gegenwärtigen Kapitalismus. Frankfurt am Main: Campus, 2002. p. 93-116.). Com o princípio do mérito, que segue se constituindo no fundamento normativo para a concorrência por respeito e status na vida econômica capitalista, ocorreu algo semelhante: inicialmente erguido como um bastião moral dos estratos burgueses contra a riqueza imerecida, adquirida pela aristocracia sem ser fruto de seu desempenho, e nesse meio tempo utilizada com sucesso também pelo movimento operário com o objetivo de melhorar seu nível salarial e a proteção de seus membros, e, finalmente, empregado pelo movimento das mulheres para conquistar uma maior valorização social do trabalho doméstico, durante os últimos anos este princípio do reconhecimento foi reinterpretado de tal modo através de campanhas ideológicas que ele parece honrar não mais capacidades e esforços objetivos, mas somente o sucesso profissional monetário e o tamanho efetivo do salário (Günther, 2002GÜNTHER, Klaus. Zwischen Ermächtigung und Disziplinierung: Verantwortung im gegenwärtigen Kapitalismus. In: Axel Honneth (Org.). Befreiung aus der Mündigkeit: Paradoxien im gegenwärtigen Kapitalismus. Frankfurt am Main: Campus, 2002. p. 117-139.; cf. Garland 2008GARLAND, David. Kultur der Kontrolle: Verbrechensbekämpfung und soziale Ordnung in der Gegenwart. Frankfurt am Main: Campus, 2008., espec. cap. 7 e 8). Também aqui, na esfera da concorrência econômica por status, a diretriz fundamental entrementes perdeu todo o significado de uma regra moral e não é mais garantia social de uma demanda por reconhecimento do próprio mérito, orientada por um princípio, mas um ponto de apoio numa luta defensiva frente a exigências que vêm de baixo. O que este esvaziamento semântico dos princípios institucionalmente ancorados de reconhecimento significa para aqueles que até têm à disposição todos os direitos de cidadania, mas cuja posição econômica se tornou precária nesse meio tempo, pode ser ilustrado mediante uma nova comparação com a situação inicial analisada por Parsons: enquanto anteriormente –a saber, sob as condições de um complexo de esferas de reconhecimento recíproco bem ordenado– aqueles agrupamentos possuíam a chance de validar demandas por status através do recurso a normas comumente aceitas, hoje esta possibilidade da justificação moral de suas exigências lhes foi amplamente roubada. Resta apenas a obstinada defesa dos próprios interesses, sem no entanto ter à disposição os meios legítimos para transformá-los em demandas publicamente exigíveis.

Portanto, para onde quer que olhemos, quaisquer que sejam os setores da vida social a que nos voltemos, por todos os lados começam a se disseminar tendências a uma barbarização do conflito social. As esferas institucionalizadas do reconhecimento recíproco parecem muradas em suas fronteiras externas e, em seu interior, destituídas de qualquer princípio generalizado e garantidor do respeito. Cada vez mais membros da sociedade dependem de vias compensatórias, não públicas, para a aquisição de autorrespeito; cada vez menos pessoas podem revindicar um reconhecimento intersubjetivamente compartilhado para suas aspirações e performances. Bárbaro é, portanto, o conflito social hoje porque a luta por reconhecimento perdeu a tal ponto os seus fundamentos morais na últimas décadas, que ela se metamorfoseou em um cenário de crescimento descontrolado da autoafirmação.

  • Tradução do alemão: Luiz Gustavo da Cunha de Souza e Emil A. Sobottka
  • 1
    A teoria clássica da motivação, advinda do período intermediário de sua obra, com sua forte orientação no conceito freudiano de pulsão, se encontra em Parsons (1979)PARSONS, Talcott. Sozialstruktur und Persönlichkeit. Frankfurt am Main: Fachbuchhandlung für Psychologie, 1979..
  • 2
    Especialmente embaraçoso: Bolz (2006)BOLZ, Norbert. Die Helden der Familie. München: Fink, 2006..
  • 3
    Quanto à primeira e à segunda tendências comparar Parsons (1979b, p. 267ss; quanto à terceira tendência comparar Parsons (1964dPARSONS, Talcott. Über wesentliche Ursachen und Formen der Aggressivität in der Sozialstruktur westlicher Industriegesellschaften. In: Talcott Parsons. Beiträge zur soziologischen Theorie. Neuwied: Luchterhand, 1964d. p. 223-255., p. 248ss).
  • 4
    Cf. Lüscher, Schultheis e Wehrspaun (1990)LÜSCHER, Kurt; SCHULHEIS, Franz; WEHRSPAUN, Michael (Orgs.). Die “postmoderne” Familie: Familiale Strategien und Familienpolitik in einer Übergangszeit. Konstanz: UVK, 1990.; cf. também o panorama que tentei fornecer (Honneth, 1994HONNETH, Axel. Strukturwandel der Familie. In: Axel Honneth. Desintegration: Bruchstücke einer soziologischen Zeitdiagnose. Frankfurt am Main: Fischer, 1994. p. 90-99.).
  • 5
    Quanto a esta tripartição entre “vencedores”, “perdedores” e os “sem direito à participação”, ver o requintado artigo “Barbaridade” moderna, de Claus Offe (1996)OFFE, Claus. Moderne “Barbarei”: Der Naturzustand im Kleinformat? In: Max Miller; Hans-Georg Soeffner (Orgs.). Modernität und Barbarei: Soziologische Zeitdiagnose am Ende des 20. Jahrhunderts. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1996. p. 258-289..
  • 6
    O Banlieue é um subdistrito administrativo nas grandes cidades francesas localizado fora do centro da cidade, isto é, em sua periferia. É um espaço que pode ser rico, pobre ou de classe média, guardando algumas especificidades que o diferenciam tanto da periferia, como se conhece no Brasil, quanto do subúrbio, como nos Estados Unidos, por exemplo (N. T.).

Referências

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  • HONNETH, Axel. Strukturwandel der Familie. In: Axel Honneth. Desintegration: Bruchstücke einer soziologischen Zeitdiagnose. Frankfurt am Main: Fischer, 1994. p. 90-99.
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  • PARSONS, Talcott. The social system New York: Free Press, 1951.
  • PARSONS, Talcott. Beiträge zur soziologischen Theorie Neuwied: Luchterhand, 1964.
  • PARSONS, Talcott. Ansatz zu einer analytischen Theorie der sozialen Schichtung. In: Talcott Parsons. Beiträge zur soziologischen Theorie Neuwied: Luchterhand, 1964a. p. 180-205.
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  • PARSONS, Talcott. Soziale Klassen und Klassenkampf im Lichte der neueren soziologischen Theorie. In: Talcott Parsons. Beiträge zur soziologischen Theorie Neuwied: Luchterhand, 1964c. p. 206-222.
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  • PARSONS, Talcott. Das System moderner Gesellschaften München: Juventa, 1972.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2014

Histórico

  • Recebido
    18 Jul 2012
  • Aceito
    13 Dez 2013
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