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Satisfação dos professores de Contabilidade no Brasil

RESUMO

A proposta deste trabalho foi identificar a predominância de satisfação dos professores de Contabilidade no Brasil ao longo da sua trajetória profissional. A pesquisa classifica-se como descritiva e utilizou abordagem quantitativa para análise dos dados. Obtiveram-se 641 respostas válidas de docentes de todas as regiões do Brasil. Os resultados evidenciam que o sentimento de satisfação predomina nos docentes dos cursos de Ciências Contábeis, pois a maioria dos docentes “gosta da profissão” e, em geral, “sente-se satisfeita com a profissão”. Identificou-se que os níveis de satisfação são maiores entre os indivíduos com mais tempo de experiência, de forma que, nos primeiros anos no trabalho (um a três anos), os docentes têm menores índices de satisfação; já na última fase (acima de 35 anos), estão concentrados os maiores níveis de satisfação. O fator que mais impulsiona a satisfação é a realização pessoal (trabalho docente e relação com os alunos). Também foi possível identificar que sentimentos positivos em relação à docência predominam (67,3%) quando comparados aos negativos (32,7%). Esses resultados mostram a necessidade de maior atenção nos primeiros anos da carreira a fim de ser evitado o “choque de realidade” e também a necessidade de outros estudos que investiguem como se caracterizam as fases do ciclo de vida do professor de Contabilidade.

Palavras-chave:
docência; formação profissional; professor de contabilidade; ciências contábeis; ensino superior.

ABSTRACT

The aim of this study was to identify the prevalence of satisfaction among accounting professors in Brazil throughout their careers. The research is classified as descriptive and used a quantitative approach to data analysis. 641 valid responses were obtained from professors from all regions of Brazil. The results show that a feeling of satisfaction prevails among accounting course professors, as most of them “like the profession” and, in general, "are satisfied with it”. It was found that levels of satisfaction are higher among individuals with more experience, in that in their first years in the job (one to three years), professors have lower satisfaction rates; the highest levels of satisfaction are found in the final stage (over 35 years). The main factor that influences satisfaction is personal fulfillment (teaching work and relationship with students). It was also possible to identify that positive feelings about teaching predominate (67.3%) compared to negative ones (32.7%). These results show the need for greater attention to be paid in the early years of the career in order to avoid a "reality clash". They also show the need for other studies to investigate how the phases in the life cycle of accounting professors are characterized.

Keywords
teaching; professional qualification; accounting professors; accounting; higher education

1. INTRODUÇÃO

A satisfação no trabalho é tema relevante quando se pensa no desempenho profissional em qualquer área, inclusive na educacional. Contudo, pouco se sabe sobre os níveis de satisfação, os fatores a ela associados e os sentimentos predominantes entre os professores no ensino superior. As mudanças recentes tornam o tema ainda mais importante.

A aprovação da Lei nº 9.394/1996 - Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional - ( Brasil, 1996Brasil. (1996). Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF: Diário Oficial da União. Retrieved from http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm.
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) possibilitou grandes mudanças no ensino superior brasileiro. Ampliaram-se as vagas nos ensinos público e privado, surgiram novas modalidades, como o ensino a distância, além da constituição de mecanismos de regulamentação da qualidade do ensino, com o intuito de avaliar e acompanhar as políticas educacionais.

Na década de 1980, as matrículas no ensino superior eram, aproximadamente, 300 mil. Em 2013, o Censo da Educação Superior apontou 7.305.977 alunos matriculados; desses, 74% são de instituições privadas e 26% de públicas ( Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [INEP], 2013Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2013). Censo do Ensino Superior. Retrieved from http://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/apresentacao/2014/coletiva_censo_superior_2013.pdf.
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). No curso de Ciências Contábeis não foi diferente. Em 1991 existiam, aproximadamente, 97 mil alunos matriculados. Em 2013, esse número subiu para 328.031 alunos. O curso de Ciências Contábeis passou a ocupar, em 2013, o quarto lugar em número de matrículas no ensino superior brasileiro, com aproximadamente 4,5% das matrículas totais.

Todavia, o curso de Ciências Contábeis vem apresentando, sucessivamente, baixos índices de desempenho acadêmico, tanto no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), bem como no Exame de Suficiência promovido pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC). Os resultados do ENADE, nas edições de 2006, 2009 e 2012, giram em torno de 34%, figurando entre os cursos com os menores níveis de rendimento. Da mesma forma, entre a primeira edição do Exame de Suficiência de 2011 e a primeira de 2015, o rendimento médio dos candidatos foi de 43% ( Conselho Federal de Contabilidade, 2015Conselho Federal de Contabilidade. (2015). Exame de Suficiência: Resultado do 1º Exame de 2015 é publicado no DOU. Jornal do CFC, 18(126). Retrieved from http://portalcfc.org.br/wordpress/wp-content/uploads/2013/01/jornal126_abr_mai_FIM_web.pdf.
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).

Nesse cenário, os docentes têm o desafio de se atualizarem, de compreenderem a diversidade dos alunos e de se diversificarem quanto às formas de ensino, para que tenham mais chances de alcançar a heterogeneidade presente em sala de aula e, assim, cumprir seu papel no processo ensino-aprendizagem.

Além disso, tornam-se necessários estudos que incluam a atuação do docente no processo de formação dos futuros profissionais, bem como os fatores que possam intervir na sua satisfação no trabalho. Assim, a presente investigação foi orientada pela seguinte questão: qual a predominância de satisfação dos professores de Contabilidade no Brasil ao longo das fases da sua trajetória profissional?

A satisfação no trabalho pode ser definida como um sentimento sensível que resulta da análise do ambiente de trabalho e suas experiências com ele ( Ferreira, 2011Ferreira, A. C. M. (2011). Satisfação no trabalho de docentes de uma instituição pública de ensino superior: reflexos na qualidade de vida (Master’s Degree). Universidade Federal de Goiás, Goiânia.). Ramos (2009Ramos, S. I. V. (2009). (In)satisfação e stress docente. Estudo Geral, [3]1-41. Retrieved on March 2, 2016, from Retrieved on March 2, 2016, from https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/8522
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) indica que a satisfação profissional pode ser entendida como um estado emocional positivo em relação à profissão. Freitas (2011Freitas, M. F. P. (2011). Satisfação profissional dos enfermeiros especialistas (Master's Degree). Instituto Politécnico de Viseu, Viseu.) entende que a satisfação é um componente-base para qualquer organização e que colabora para o desenvolvimento da instituição.

Uma das principais teorias sobre satisfação profissional é a Teoria dos Dois Fatores proposta por Herzberg (1987Herzberg, F. (1987). One more time: how do you motivate employees? Harvard Business Review, Watertown, USA. Retrieved from http://synchronit.com/downloads/freebooks/herzberg.pdf.
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), que teve por base a Teoria da Motivação Humana, de Maslow (1943Maslow, A. H. (1943). A theory of human motivation. Revista Psychologica, 50, 370-396. ). Herzberg (1987Herzberg, F. (1987). One more time: how do you motivate employees? Harvard Business Review, Watertown, USA. Retrieved from http://synchronit.com/downloads/freebooks/herzberg.pdf.
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) propõe que a satisfação é movida pelo “enriquecimento de cargos”, que significa oferecer oportunidades para o crescimento psicológico do empregado, mantendo-o satisfeito com seu trabalho. Pedro e Peixoto (2006Pedro, N., & Peixoto, F. (2006). Satisfação profissional e auto-estima em professores dos 2º e 3º ciclos do ensino básico. Revista Análise Psicológica, 24(2), 247-262.) justificam a utilização dessa teoria no ambiente educacional pelo fato de essa ser direcionada somente à satisfação profissional, podendo medir, de forma eficiente, se os docentes estão ou não satisfeitos com o ambiente organizacional. Esse ambiente abrange todos os componentes importantes na organização, como condições de trabalho e relações econômicas e políticas ( Megginson, Mosley & Pietri, 1986Megginson, L. C., Mosley, D. C., & Pietri, P. H., Jr. (1986). Administração: conceitos e aplicações. Tradução de Auriphebo Berrance Simões. São Paulo, SP: Harba.).

Estudos realizados com base na teoria de Herzberg (1987Herzberg, F. (1987). One more time: how do you motivate employees? Harvard Business Review, Watertown, USA. Retrieved from http://synchronit.com/downloads/freebooks/herzberg.pdf.
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) com relação ao nível básico de ensino em Portugal, por diferentes autores, têm demonstrado que a satisfação profissional dos professores é baixa, que o mal-estar docente é persistente e que tais evidências poderiam afetar o desempenho discente ( Jesus, Abreu, Santos & Pereira, 1992Jesus, S. N., Abreu, M. V., Santos, E. J. R., & Pereira, A. M. S. (1992). Estudo dos' factores de mal-estar na profissão docente. Revista Psychologica, 8, 51-60.; Pedro & Peixoto, 2006Pedro, N., & Peixoto, F. (2006). Satisfação profissional e auto-estima em professores dos 2º e 3º ciclos do ensino básico. Revista Análise Psicológica, 24(2), 247-262.). No Brasil, alguns poucos estudos no ensino superior evidenciam maiores níveis de satisfação ( Assunção, Domingos, Cabral, Santos & Pessoa, 2014Assunção, R. R., Domingos, S. R. M., Cabral, A. C. A., Santos, S. M., & Pessoa, M. N. M. (2014). Satisfação e comprometimento organizacional afetivo: um estudo com docentes universitários do curso de ciências contábeis. Revista de Administração da UFSM, 7(3), 453-468.; Moretti, 2010Moretti, G. J. S. (2010). O perfil e a satisfação no trabalho dos professores dos cursos de graduação em Administração das instituições de cursos superiores privadas da cidade de Ribeirão Preto-SP (Master’s Degree). Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto.; Traldi & Fiuza, 2012Traldi, M. T. F., & Fiuza, G. D. (2012). Comprometimento, bem-estar e satisfação dos professores de administração de uma universidade federal. Revista Eletrônica de Administração, 2, 290-316.).

Na área contábil, esses estudos são escassos. Entretanto, a compreensão do predomínio da satisfação dos docentes de Contabilidade ao longo da trajetória profissional poderia contribuir com reflexões sobre ações institucionais para aprimorar o ambiente de trabalho e favorecer o processo de formação profissional.

Além desta introdução, este artigo contém três seções. Na segunda seção são apresentadas as teorias relativas à satisfação no trabalho, com ênfase na teoria de Herzberg (1987Herzberg, F. (1987). One more time: how do you motivate employees? Harvard Business Review, Watertown, USA. Retrieved from http://synchronit.com/downloads/freebooks/herzberg.pdf.
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) e as fases da vida profissional docente, com enfoque em Huberman (2000Huberman, M. (2000). O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa, A. (Org). Vida de professores (2a. ed.). Porto: Porto Editora .). Na terceira seção são apresentados os procedimentos metodológicos: coleta de dados, composição do instrumento, amostra e testes estatísticos utilizados. Na quarta seção são apresentados os resultados: estatística descritiva, escores de satisfação em cada fase do ciclo de vida, fatores identificados e sentimentos experimentados pelos docentes. Por fim, na quinta seção são apresentadas as considerações finais.

2. UM OLHAR SOBRE SATISFAÇÃO PROFISSIONAL DOCENTE

Para Ferreira (2011Ferreira, A. C. M. (2011). Satisfação no trabalho de docentes de uma instituição pública de ensino superior: reflexos na qualidade de vida (Master’s Degree). Universidade Federal de Goiás, Goiânia., p. 16), “desde as primeiras décadas do século XX, a satisfação do homem em seu trabalho constituiu-se um fator de preocupação crescente”, pois é possível compreender que a falta de satisfação no trabalho pode causar frustrações para os trabalhadores e perdas para os empregadores e para quem recebe o serviço prestado.

Bergamini (1997Bergamini, C. W. (1997). Motivação nas organizações (4a. ed.). São Paulo, SP: Atlas.) evidencia que é comum, em muitas organizações, haver funcionários insatisfeitos com o que fazem, que estão na empresa somente pela remuneração para, por meio dela, serem felizes fora do trabalho, o que torna a satisfação um problema para os dois lados, empregado e empregador. Segundo Ferreira (2011Ferreira, A. C. M. (2011). Satisfação no trabalho de docentes de uma instituição pública de ensino superior: reflexos na qualidade de vida (Master’s Degree). Universidade Federal de Goiás, Goiânia.), o motivo de tal preocupação é que essa falta de satisfação pode causar desarmonia no ambiente de trabalho, fazendo com que a produtividade seja reduzida.

Em termos conceituais, Anitha (2011Anitha, R. (2011). A study on job satisfaction of paper mill employees with special reference to Udumalpet and PalaniTaluk. Journal of Management and Science, 1(1), 36-47.) indica que a satisfação no trabalho é uma atitude geral do quanto um empregado gosta do trabalho, sendo essa satisfação importante para a qualidade total da organização, uma vez que possibilita maiores rendimentos para o empregador e para o empregado. Para Ferreira (2011Ferreira, A. C. M. (2011). Satisfação no trabalho de docentes de uma instituição pública de ensino superior: reflexos na qualidade de vida (Master’s Degree). Universidade Federal de Goiás, Goiânia., p. 74), estar satisfeito no ambiente organizacional pode ser entendido como “um estado emocional agradável ou positivo resultante da avaliação de algum trabalho ou de experiências no trabalho”. O autor ainda complementa que:

(...) a satisfação no trabalho é um estado emocional prazeroso, proveniente da avaliação do trabalho em relação aos valores do indivíduo, relacionados ao trabalho. A insatisfação no trabalho é um estado emocional não prazeroso, oriundo da avaliação do trabalho como ignorando, frustrando ou negando os valores do indivíduo, relacionados ao trabalho. ( Ferreira, 2011Ferreira, A. C. M. (2011). Satisfação no trabalho de docentes de uma instituição pública de ensino superior: reflexos na qualidade de vida (Master’s Degree). Universidade Federal de Goiás, Goiânia., p. 74 apudLocke, 1976Locke E. A. (1976). The nature and causes of job satisfaction. In: Dunnette, M. D. (1976). Handbook of industrial and organizational psychology. Chicago (IL): Rand McNally, p. 1297-349.).

Muitos autores apontam a satisfação no trabalho como um estado “positivo” do funcionário acerca de seu emprego ( Alves, 1991Alves, F. C. (1991). Estudo da satisfação/insatisfação dos professores efectivos do 3º ciclo do ensino básico e do ensino secundário do distrito de Bragança (Master’s Degree). Universidade de Lisboa, Lisboa., 1994Alves, F. C. (1994). (In)satisfação docente. Revista Portuguesa de Pedagogia, 27, 29-60.; Gursel, Sunbul & Sari, 2002Gursel, M., Sunbul, A. M., & Sari, H. (2002). An analysis of burnout and job satisfaction between Turkish head teachers and teachers. European Journal of Psychology of Education, 17, 35-45.; Seco, 2000Seco, G. M. S. B. (2000). A satisfação na actividade docente (Doctoral Thesis). Universidade de Coimbra, Coimbra.). Outros abordam a satisfação como sucesso profissional ( Frase & Sorenson, 1992Frase, L. E., & Sorenson., L. (1992). Teacher motivation and satisfaction: impact on participatory management. NASSP Bulletin, 76, 37-43.; Jesus, 1993Jesus, S. N. (1993). A motivação dos professores: estudo exploratório sobre a influência da formação educacional e da prática profissional. Jornal de Psicologia, 11, 27-30., 1995Jesus, S. N. (1995). A análise da motivação para a profissão docente segundo o modelo da discrepância motivacional: um estudo preliminar. Revista Portuguesa de Educação, 8, 163-180.; Pinto, 1996Pinto, F. C. (1996). Mal-estar na docência: o fundo da questão. Revista O Professor, 50(3), 3-8.; Sánchez & García, 1997Sánchez, A. M., & García, J. L. (1997). El clima de las instituciones educativas y la satisfacción laboral de los profesores. Revista de la Escuela de Ciencias de la Educación, 176, 419-436.). Todas essas abordagens mostram que a satisfação profissional está ligada à situação em que o funcionário se encontra na empresa, se esse se considera “feliz” com a função que desempenha e como é valorizado.

Um estudo precursor sobre a temática satisfação profissional foi realizado por Maslow (1943Maslow, A. H. (1943). A theory of human motivation. Revista Psychologica, 50, 370-396. ), estabelecendo as bases da Teoria da Motivação Humana. Segundo Maslow, as necessidades humanas apresentam hierarquização piramidal em que o nível mais baixo (a base da pirâmide) é composto pelas necessidades mais básicas (fisiológicas), enquanto os outros níveis (necessidades de segurança, necessidades sociais, de autoestima e de autorrealização) vão se tornando mais difíceis de serem alcançados à medida que se escala para o topo da pirâmide. Seguindo esse raciocínio, Bohrer (1981Bohrer, R. S. (1981). Motivação: abordagem crítica da teoria de Maslow pela propaganda. Revista Administração de Empresas, 21(4), 43-47., p. 44) salienta que “um indivíduo só irá ser motivado por um nível superior de necessidades quando os níveis anteriores já estiverem satisfatoriamente preenchidos para ele”.

Assim, qualquer ameaça a essas necessidades pode causar frustrações ao indivíduo. Maslow (1943Maslow, A. H. (1943). A theory of human motivation. Revista Psychologica, 50, 370-396. ) esclarece que um homem frustrado pode ser considerado um indivíduo doente. O autor complementa que é tarefa da organização criar uma ponte entre as necessidades básicas e a realização do trabalhador na empresa.

Nesse sentido, Ferreira, Demutti e Gimenez (2010Ferreira, A., Demutti, C. M., & Gimenez, P. E. O. (2010). A teoria das necessidades de Maslow: a influência do nível educacional sobre a sua percepção no ambiente de trabalho. Anais do Seminários de Administração, São Paulo, SP, Brasil, 13. , p. 7) salientam que “ainda que todas as necessidades básicas estejam, pelo menos, parcialmente satisfeitas, um indivíduo pode sentir-se descontente por não estar utilizando toda a sua capacidade”. Ainda de acordo com esses autores, outra fragilidade da teoria é a rigidez dos níveis, pois, para um indivíduo alcançar níveis superiores, os inferiores necessitariam estar totalmente satisfeitos. No entanto, isso muitas vezes não ocorre. Às vezes, uma pessoa pode aspirar a uma necessidade de níveis superiores mesmo sem a satisfação plena dos níveis inferiores. Bergamini (1997Bergamini, C. W. (1997). Motivação nas organizações (4a. ed.). São Paulo, SP: Atlas.) complementa que a pesquisa elaborada por Maslow não teve apoio empírico e nenhum teste que a validasse na prática, visto ter sido realizada por meio de observações.

Apesar das críticas, a teoria de Maslow (1943Maslow, A. H. (1943). A theory of human motivation. Revista Psychologica, 50, 370-396. ) foi suporte para outras, como a Teoria dos Dois Fatores ( Ferreira et al., 2010Ferreira, A., Demutti, C. M., & Gimenez, P. E. O. (2010). A teoria das necessidades de Maslow: a influência do nível educacional sobre a sua percepção no ambiente de trabalho. Anais do Seminários de Administração, São Paulo, SP, Brasil, 13. ), proposta por Herzberg (1987Herzberg, F. (1987). One more time: how do you motivate employees? Harvard Business Review, Watertown, USA. Retrieved from http://synchronit.com/downloads/freebooks/herzberg.pdf.
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), a qual salienta que as necessidades básicas apresentadas por Maslow (1943Maslow, A. H. (1943). A theory of human motivation. Revista Psychologica, 50, 370-396. ) não são geradoras de motivação e sim de “movimento”. Basicamente, o movimento seriam todas as atitudes tomadas pela organização (como aumento de salário, gratificações, benefícios, troca de função etc.) que fazem o indivíduo executar determinada tarefa, ou seja, o que Herzberg (1987Herzberg, F. (1987). One more time: how do you motivate employees? Harvard Business Review, Watertown, USA. Retrieved from http://synchronit.com/downloads/freebooks/herzberg.pdf.
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) denominou de fatores extrínsecos.

Desenvolvida para o contexto do trabalho profissional, a teoria de Herzberg (1987Herzberg, F. (1987). One more time: how do you motivate employees? Harvard Business Review, Watertown, USA. Retrieved from http://synchronit.com/downloads/freebooks/herzberg.pdf.
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) estabelece que a satisfação é movida pelo “enriquecimento de cargos”, que seria oferecer oportunidades para o crescimento psicológico do empregado. Para satisfazer um funcionário, é necessário se atentar às necessidades de estima e autorrealização. O enriquecimento pode ocorrer com a matização do trabalho ou com a elevação da escala de trabalho. Herzberg (1987Herzberg, F. (1987). One more time: how do you motivate employees? Harvard Business Review, Watertown, USA. Retrieved from http://synchronit.com/downloads/freebooks/herzberg.pdf.
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) apresenta dois grupos de fatores para a motivação no trabalho: fatores higiênicos e fatores motivacionais, os quais são ilustrados na Figura 1.

Figura 1
Fatores higiênicos e motivacionais: Teoria de Herzberg

Para Herzberg (1987Herzberg, F. (1987). One more time: how do you motivate employees? Harvard Business Review, Watertown, USA. Retrieved from http://synchronit.com/downloads/freebooks/herzberg.pdf.
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), os fatores higiênicos são extrínsecos, previnem a insatisfação, mas o empregado não tem controle sobre eles. Além disso, esses fatores atuam na análise das variáveis alheias ao trabalho, no que diz respeito ao que é externo para o indivíduo (salário, seguridade etc.), o que está no seu ambiente de convívio. Bergamini (1997Bergamini, C. W. (1997). Motivação nas organizações (4a. ed.). São Paulo, SP: Atlas.) assevera que aumento de salário e recompensas elevam o grau de produtividade em curto período de tempo, mas esse aumento não é duradouro.

A falta dos fatores higiênicos pode desmotivar os trabalhadores, como, por exemplo, o empregado não acha sua remuneração suficiente, as condições de trabalho não são boas, as relações interpessoais entre colegas e chefia não são boas, a incerteza de sua empregabilidade em alguns meses etc. Esses fatores higiênicos somente inibem a insatisfação por algum tempo e não geram motivação. Bergamini (1997Bergamini, C. W. (1997). Motivação nas organizações (4a. ed.). São Paulo, SP: Atlas.) complementa que, quanto mais dinheiro envolvido em recompensas, maior poderá ser o estrago na empresa caso tais valores sejam retirados dos funcionários, pois esses podem entender como punição, o que pode trazer grandes conflitos e insatisfação.

Já os fatores motivacionais intrínsecos geram satisfação nos empregados e conseguem, por maior período de tempo, “controlar” a insatisfação dos empregados. Esses fatores estão relacionados diretamente com a função desempenhada pelo empregado, pois, havendo mais responsabilidades, ele pode se sentir mais satisfeito ( Herzberg, 1987Herzberg, F. (1987). One more time: how do you motivate employees? Harvard Business Review, Watertown, USA. Retrieved from http://synchronit.com/downloads/freebooks/herzberg.pdf.
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). Para o autor, algumas atividades na organização podem motivar os funcionários, dentre elas: liberdade de cargo, prestar contas do próprio trabalho, dar mais autoridade ao funcionário. Entretanto, nem toda organização e nem todo trabalho pode ser enriquecido.

Pedro e Peixoto (2006Pedro, N., & Peixoto, F. (2006). Satisfação profissional e auto-estima em professores dos 2º e 3º ciclos do ensino básico. Revista Análise Psicológica, 24(2), 247-262.), com suporte na teoria de Herzberg (1987Herzberg, F. (1987). One more time: how do you motivate employees? Harvard Business Review, Watertown, USA. Retrieved from http://synchronit.com/downloads/freebooks/herzberg.pdf.
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), realizaram estudo com o objetivo de analisar o índice de satisfação profissional dos professores dos ciclos básicos 2 e 3, em Portugal. Os resultados da pesquisa indicam índice de satisfação profissional médio de 2,34, em uma escala de 5 pontos. O fator “dimensão sociopolítica”, que relaciona itens relativos a questões salariais e profissionais, foi o mais fortemente associado à insatisfação, destacando-se as variáveis “salário do professor”, “atitude dos pais e da sociedade face aos professores”, “comportamento/disciplina dos alunos em sala de aula”, “segurança e estabilidade no trabalho” e “processos para progressão na carreira”.

Os autores analisaram, também, a relação do ciclo de vida dos docentes com a satisfação profissional e identificaram que o grupo com tempo entre 7 e 15 anos de magistério apresenta valor mais elevado de satisfação (3,15 pontos) e os professores ingressantes, que se encontram no primeiro grupo, de 1 a 6 anos, apresentam menor valor (2,21 pontos).

No Brasil, Taveira e Silva (2015Taveira, I. M. R., & Silva, J. S. (2015). A relação entre a satisfação dos professores e o desempenho dos alunos de Macaé. Anais do Congresso Nacional de Administração e Contabilidade, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 6.) pesquisaram a relação entre satisfação no trabalho docente e o desempenho apresentado pelos alunos na Prova Brasil (Avaliação Nacional do Rendimento Escolar) na cidade de Macaé, estado do Rio de Janeiro. O estudo foi realizado com 77 professores de 6 instituições de ensino fundamental. Para a realização do trabalho, foi utilizado o questionário de Siqueira (2008Siqueira, M. M. M. (2008). Medidas do comportamento organizacional: ferramentas de diagnóstico de gestão. Porto Alegre, RS: Artmed. ) - Escala de Satisfação no Trabalho (EST) - para identificar a satisfação dos professores. Os resultados comprovam que há correlação positiva entre satisfação e desempenho dos alunos na Prova Brasil. Utilizando escala de 7 pontos, a pesquisa ainda mostrou os seguintes índices de satisfação: 3,90 e 3,16 pontos em relação a salários, 3,36 e 3,17 pontos em relação à promoção, 4,20 e 4,90 pontos em relação à chefia, 4,18 e 4,27 pontos em relação à natureza do trabalho e 5,11 e 5,19 pontos em relação aos colegas de trabalho.

Traldi e Fiuza (2012Traldi, M. T. F., & Fiuza, G. D. (2012). Comprometimento, bem-estar e satisfação dos professores de administração de uma universidade federal. Revista Eletrônica de Administração, 2, 290-316.) realizaram pesquisa com o objetivo de identificar os níveis de comprometimento organizacional, bem-estar e satisfação de 76 professores que lecionavam, pelo menos, uma disciplina para alunos do curso de Administração de uma universidade. Os resultados referentes à satisfação profissional indicam que, em uma escala de 0 a 5 pontos, os docentes estão satisfeitos com a “chefia” em 4,23 pontos, com os “colegas” em 4,02 e com a “natureza do trabalho” em 3,42. Os autores justificam os resultados relativamente altos em virtude da entrada de uma nova gestão na universidade, a qual investiu em melhorias no ambiente e nas condições de trabalho. Os resultados apontam que, quanto maior o comprometimento efetivo dos profissionais, maiores os níveis de bem-estar e satisfação.

Moretti (2010Moretti, G. J. S. (2010). O perfil e a satisfação no trabalho dos professores dos cursos de graduação em Administração das instituições de cursos superiores privadas da cidade de Ribeirão Preto-SP (Master’s Degree). Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto.) teve o objetivo de levantar o perfil e o grau de satisfação no trabalho dos professores do curso de Administração das instituições de ensino privado da cidade de Ribeirão Preto, estado de São Paulo, utilizando o instrumento EST. A amostra foi composta por 127 questionários respondidos. O autor analisou os seguintes fatores referentes à satisfação: colegas, salário, chefia, natureza do trabalho e promoções. Os autores enfatizam que, em geral, os docentes estão satisfeitos com os colegas (5,51), chefia (5,48) e natureza do trabalho (5,23), mas insatisfeitos com salário (3,94) e promoções (3,85), na escala de 1 a 7 pontos. Os autores ainda relatam que, em relação à satisfação profissional, não há diferença significativa entre gênero. Também foi evidenciado que o aumento da faixa salarial não afeta o nível de satisfação.

Assunção et al. (2014Assunção, R. R., Domingos, S. R. M., Cabral, A. C. A., Santos, S. M., & Pessoa, M. N. M. (2014). Satisfação e comprometimento organizacional afetivo: um estudo com docentes universitários do curso de ciências contábeis. Revista de Administração da UFSM, 7(3), 453-468.) analisaram a relação entre grau de satisfação e nível de comprometimento organizacional afetivo dos docentes universitários do curso de Ciências Contábeis. A amostra foi composta por 42 professores de duas universidades (Universidade Federal do Ceará e Universidade de Fortaleza), correspondente a 65% dos docentes dos cursos de Ciências Contábeis. Por meio do teste Mann Whitney U, investigaram-se as variáveis trabalho, relacionamento, salário, perspectiva e autonomia. Os resultados demonstraram que há correlação positiva e moderada entre satisfação profissional e comprometimento organizacional efetivo. Ainda, foi evidenciado que as variáveis “salário” e “autonomia” não apresentaram significância, logo não estão relacionadas ao grau de satisfação dos docentes. As variáveis “trabalho” e “habilidades e relacionamento”, por sua vez, são fatores que apresentaram relação positiva com satisfação, estando ligados à satisfação dos professores. Também foi constatado que não houve diferença significativa na satisfação entre docentes da universidade pública e da universidade privada pesquisadas ( Assunção et al., 2014Assunção, R. R., Domingos, S. R. M., Cabral, A. C. A., Santos, S. M., & Pessoa, M. N. M. (2014). Satisfação e comprometimento organizacional afetivo: um estudo com docentes universitários do curso de ciências contábeis. Revista de Administração da UFSM, 7(3), 453-468.).

Assim, fazer um diagnóstico amplo da satisfação predominante entre os docentes dos cursos de Ciências Contábeis no Brasil, bem como sua tendência ao longo das fases do ciclo de vida profissional são lacunas nas quais este estudo se coloca. Entender o trajeto que o docente percorre ao longo de sua vida profissional tem sido tema de estudo de alguns autores ( Araújo, Lima, Oliveira & Miranda, 2015Lima, F. D. C., Oliveira, A. C. L., Araújo, T. S., & Miranda, G. J. (2015). O choque com a realidade: dormi contador e acordei professor... Revista Electrónica Iberoamericana Sobre Calidad, Eficacia y Cambio en Educación, 13, 49-67.; Gonçalves, 1995Gonçalves, J. A. (1995). A carreira das professoras do ensino primário. In: Nóvoa, A. (Org.). Vida de professores. Porto: Porto Editora., 2009Gonçalves, J. A. (2009). Desenvolvimento profissional e carreira docente - fases da carreira, currículo e supervisão. Sísifo: Revista de Ciências da Educação, 8, 23-36.; Huberman, 1989Huberman, M. (1989). Le cycle de vie professionnelle des enseignants secondaires: résumé d'une recherche démentielle. Genève: Cahiers de la Section des Sciences de l'Education: pratiques et théorie, 54., 2000Huberman, M. (2000). O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa, A. (Org). Vida de professores (2a. ed.). Porto: Porto Editora .; Jesus & Santos, 2004Jesus, S. N., & Santos, J. C. V. (2004). Desenvolvimento profissional e motivação dos professores. Revista Educação, 1, 39-54.; Lima, Oliveira, Araújo & Miranda, 2015Lima, F. D. C., Oliveira, A. C. L., Araújo, T. S., & Miranda, G. J. (2015). O choque com a realidade: dormi contador e acordei professor... Revista Electrónica Iberoamericana Sobre Calidad, Eficacia y Cambio en Educación, 13, 49-67.; Veenman, 1984Veenman, S. (1984). Perceived Problems of Beginning Teachers. Review of Educational Research, Catholic University of Nijmegen, 54(2), 143-178.).

Estudo clássico sobre o tema foi desenvolvido por Huberman (1989Huberman, M. (1989). Le cycle de vie professionnelle des enseignants secondaires: résumé d'une recherche démentielle. Genève: Cahiers de la Section des Sciences de l'Education: pratiques et théorie, 54., 2000Huberman, M. (2000). O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa, A. (Org). Vida de professores (2a. ed.). Porto: Porto Editora .), cujo objetivo foi identificar as etapas percorridas pelos docentes durante sua carreira. A investigação foi feita com professores do ciclo básico. O ciclo de vida do professor inicia-se pela fase de ingresso na carreira, que tem duração de um a três anos. Nessa etapa, dois fatores são importantes: o aspecto da “descoberta”, “que traduz o entusiasmo inicial, a experimentação, a exaltação por estar, finalmente, em situação de responsabilidade”, e a “sobrevivência”, em que o “choque da realidade” pode estar presente, pois, nesse período, o docente se descobrirá em sala de aula, podendo entrar em contradição com todas as suas “crenças” e expectativas de antes do início da carreira ( Huberman, 2000Huberman, M. (2000). O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa, A. (Org). Vida de professores (2a. ed.). Porto: Porto Editora ., p. 39).

A segunda fase demonstrada pelo estudo de Huberman (2000Huberman, M. (2000). O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa, A. (Org). Vida de professores (2a. ed.). Porto: Porto Editora .) é a fase da estabilização, que trata de um tempo de escolha em que o docente se compromete definitivamente com a profissão. Sua duração é dos quatro aos seis anos de atuação no trabalho. Repara-se que, nessa fase, o profissional tende a assegurar-se no emprego, adquirir seus títulos, ocupar cargo administrativo, o que faz com que suas responsabilidades com a instituição aumentem.

A terceira fase estabelecida por Huberman (2000Huberman, M. (2000). O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa, A. (Org). Vida de professores (2a. ed.). Porto: Porto Editora .) é a de diversificação ou questionamento (pôr-se em questão), sendo essa a fase mais longa do ciclo de vida. Essa fase tem início aos sete anos da carreira docente e estende-se até os 25 anos. Huberman (2000Huberman, M. (2000). O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa, A. (Org). Vida de professores (2a. ed.). Porto: Porto Editora ., p. 41) afirma que, na fase de diversificação, “as pessoas lançam-se, então, numa pequena série de experiências pessoais, diversificando o material didático, os modos de avaliação, a forma de agrupar os alunos, as sequências do programa, etc.”. Entretanto, ao sair da fase de estabilização, o docente pode, em vez de entrar na fase de diversificação, situar-se na fase de questionamentos. Os sintomas dessa fase vão “desde uma ligeira sensação de rotina até uma ‘crise’ existencial efectiva face à prossecução da carreira” ( Huberman, 2000Huberman, M. (2000). O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa, A. (Org). Vida de professores (2a. ed.). Porto: Porto Editora ., p. 42). Ainda nessa fase, o docente faz uma análise da sua vida e da sua carreira, questionando suas metas e objetivos a serem alcançados.

A quarta fase vai depender do caminho percorrido na fase anterior. Se o docente viveu a diversificação, na quarta fase entrará na serenidade, que se caracteriza pelo distanciamento gradual dos alunos, o que ocorre de forma tranquila ( Huberman, 2000Huberman, M. (2000). O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa, A. (Org). Vida de professores (2a. ed.). Porto: Porto Editora .). Em contrapartida, caso o professor tenha, anteriormente, passado pelo questionamento, nessa etapa da vida profissional certamente viverá o conservadorismo, quando o profissional sente-se angustiado, insatisfeito, lamentando-se da vida, da carreira e resistindo a mudanças. A duração dessa fase vai dos 25 aos 35 anos de carreira ( Huberman, 2000Huberman, M. (2000). O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa, A. (Org). Vida de professores (2a. ed.). Porto: Porto Editora .).

Após todas essas fases, inicia-se a última etapa, a fase do desinvestimento. Ferreira (2008Ferreira, M. A. M. (2008). Ciclo de vida, desenvolvimento profissional e gestão escolar - uma abordagem biográfica (Master's Degree). Universidade Aberta, Lisboa., p. 33) entende que essa fase “é um fenômeno que se pode considerar de ‘desinvestimento’ nos planos pessoal e institucional, um recuo perante as ambições ou ideais presentes à partida”. Para Huberman (2000Huberman, M. (2000). O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa, A. (Org). Vida de professores (2a. ed.). Porto: Porto Editora ., p. 50), “é o momento de as pessoas encararem a sua própria vida como ‘inevitável’, como uma vida única, que ‘teria de’ acontecer assim e que é preciso aceitar como tal”. Nessa fase, considerada como o fim da carreira docente, inicia-se o processo de desinvestimento, de saída da carreira.

Como verificado, o percurso de uma carreira docente não é uma sequência de eventos, mas, sim, um processo ( Huberman, 2000Huberman, M. (2000). O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa, A. (Org). Vida de professores (2a. ed.). Porto: Porto Editora .) que tem início na pós-graduação, quando ocorre (ou deveria) a formação inicial para a docência, e se estende até o final da atuação.

Pedro e Peixoto (2006Pedro, N., & Peixoto, F. (2006). Satisfação profissional e auto-estima em professores dos 2º e 3º ciclos do ensino básico. Revista Análise Psicológica, 24(2), 247-262.) apontam que as fases de vida podem ser relacionadas com motivação docente, pois, em determinadas fases abordadas por Huberman (2000Huberman, M. (2000). O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa, A. (Org). Vida de professores (2a. ed.). Porto: Porto Editora .), os docentes podem estar mais ou menos desmotivados. A esse respeito, os estudos de Araújo et al. (2015Araújo, T. S., Lima, F. D. C., Oliveira, A. C. L., & Miranda, G. J. (2015). Problemas percebidos no exercício da docência em contabilidade. Revista Contabilidade & Finanças, 26(67), 93-105.) e Lima et al. (2015Lima, F. D. C., Oliveira, A. C. L., Araújo, T. S., & Miranda, G. J. (2015). O choque com a realidade: dormi contador e acordei professor... Revista Electrónica Iberoamericana Sobre Calidad, Eficacia y Cambio en Educación, 13, 49-67.) revelam que, no âmbito dos cursos de Ciências Contábeis no Brasil, a fase inicial da profissão docente tem sido a mais problemática, afetada, principalmente, pela desmotivação discente, heterogeneidade das classes, quantidade de trabalhos administrativos atribuídos aos docentes, salas de aula muito numerosas e falta de tempo.

Entende-se, portanto, que este trabalho se diferencia dos anteriormente discutidos, uma vez que visa a identificar a predominância de satisfação dos professores de Contabilidade no Brasil ao longo de sua trajetória profissional. Ao se colocar diante dessa lacuna, pode trazer contribuições relevantes para a literatura e o ensino na área contábil.

3. ASPECTOS METODOLÓGICOS

Este estudo é descritivo, com objetivo de identificar a predominância de satisfação dos professores de Contabilidade no Brasil ao longo de sua trajetória profissional. A abordagem do problema de pesquisa é quantitativa. A coleta de dados foi realizada por meio do questionário testado e validado por Pedro e Peixoto (2006Pedro, N., & Peixoto, F. (2006). Satisfação profissional e auto-estima em professores dos 2º e 3º ciclos do ensino básico. Revista Análise Psicológica, 24(2), 247-262.), no qual se fizeram alguns ajustes, observando-se a realidade do ensino de Contabilidade no Brasil, como a inserção dos termos “docente em Contabilidade” e “atividade docente”, e mudança na escala, adotando-se pontuação de 1 a 10. Essas mudanças foram necessárias para uso do instrumento no contexto do ensino superior em Contabilidade, bem como para a aplicação da análise fatorial exploratória (AFE), conforme sugerem Fávero, Belfiore, Silva e Chan (2009Fávero, L. P. L., Belfiore, P. P., Silva, F. L., & Chan, B. L. (2009). Análise de dados: modelagem multivariada para tomada de decisões. Rio de Janeiro, RJ: Elsevier.). A versão final foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Uberlândia.

O questionário é dividido em quatro blocos:

  1. caracterização dos respondentes (gênero, idade, tempo de docência, titulação, região de origem, dependência administrativa);

  2. nível de satisfação geral (com quatro afirmações em que os participantes deveriam responder em uma escala de “discordo plenamente” a “concordo plenamente”, com valores próximos a 1 para discordo e próximos a 10 para concordo);

  3. fatores relacionados com a satisfação, que são embasados na Teoria dos Dois Fatores - higiênicos e motivacionais;

  4. sentimentos percebidos na docência, havendo opção de escolha de três sentimentos experimentados na docência dentre 12 sentimentos apresentados (6 positivos e 6 negativos).

Para a coleta de dados, foi criado um banco de dados dos possíveis respondentes. Esse processo foi realizado em três etapas. Primeiro, fez-se o levantamento de todas as instituições que ofertam o curso de Ciências Contábeis no Brasil. Essa investigação foi realizada na plataforma e-MEC (http://emec.mec.gov.br/), sistema eletrônico de acompanhamento de processos do ensino superior em que há informações de reconhecimento de cursos, autorização etc. A plataforma disponibiliza a relação de todas as instituições e de todos os cursos cadastrados. Por meio de busca avançada (cursos de Ciências Contábeis no Brasil em atividade), foi possível obter a planilha com 1.292 cursos.

Na segunda etapa, visitaram-se os sites das instituições informadas na planilha obtida na plataforma e-MEC. O banco de dados foi composto por diversas informações, tais como: nome da instituição, site da instituição, nome do coordenador do curso, endereço eletrônico do coordenador do curso, bem como os endereços eletrônicos dos docentes vinculados à instituição (essa informação era disponibilizada preponderantemente nas instituições públicas). Após as buscas, totalizaram-se 1.076 endereços de coordenadores de curso e 2.849 de docentes.

Posteriormente, o instrumento de coleta de dados foi alojado na plataforma Google Docs, onde ficou disponível no período de 26 de maio a 26 de julho de 2015, quando foram enviados os convites aos participantes. O envio foi feito de duas formas: primeiramente, enviaram-se mensagens eletrônicas para os coordenadores dos cursos, solicitando que respondessem à pesquisa e repassassem a mensagem aos demais docentes de suas respectivas instituições. Na sequência, realizou-se o envio de mensagens individuais aos 2.849 docentes anteriormente identificados. As mensagens foram enviadas por mala-direta eletrônica, com especificação do nome dos docentes.

Gall, Gall e Borg (2007Gall, M. D., Gall, J. P., & Borg, W. R. (2007). Educational research: an introduction (8a. ed.). Boston, MA: Pearson.) salientam que um problema recorrente no uso de questionários para captação de dados é a taxa de retorno das respostas, que é considerada baixa. Por isso, algumas estratégias são recomendadas. Nesse caso, as mensagens eletrônicas foram enviadas três vezes, com apelos diferentes (exemplos: a relevância da pesquisa para a docência, o compromisso de retornar com os resultados e menção à baixa taxa de respostas nos envios anteriores), pois, segundo os autores, esse procedimento aumenta a taxa de retorno. A frequência de envio teve intervalo de 20 dias. Nesse período, receberam-se 652 respostas e, desse total, 11 respondentes não aceitaram participar da pesquisa ou deixaram o questionário em branco. Assim, a amostra final compôs-se por 641 respostas.

Após o recebimento das respostas, iniciou-se a análise dos dados, que foi realizada em três etapas: na primeira, foi realizada a estatística descritiva da amostra (gênero, idade, tempo de docência, titulação, região de origem e dependência administrativa). Na segunda etapa, realizaram-se testes de comparações múltiplas de proporções para comparar as proporções de satisfação e insatisfação dos docentes da amostra (tabelas 2 e 5), bem como o teste de associação entre nível de satisfação e fases. Os p-valores dos testes de associação são apresentados nas figuras 3, 4, 5 e 6. Ambos os testes seguem distribuição qui-quadrado.

Biase e Ferreira (2009Biase, N. G., & Ferreira, D. F.(2009). Comparações múltiplas e testes simultâneos para parâmetros binomiais de k populações independentes. Revista Brasileira de Biometria, 27, 301-323.) recomendam, para comparar duas proporções ou mais, o teste de qui-quadrado de comparações múltiplas assintóticas de proporções binomiais, pois esse teste apresenta resultados confiáveis e não depende das pressuposições (aditividade, independência das observações, normalidade dos resíduos, homogeneidade das variâncias). O teste de independência (ou associação) do qui-quadrado pressupõe que: (i) nenhuma célula da tabela tem frequência esperada inferior a 1 e (ii) não mais que 20% das células têm frequência esperada inferior a 5. A não verificação dos pressupostos leva a recorrer a simulações de Monte Carlo. Portanto, neste trabalho, aplicou-se o teste de qui-quadrado baseado na amostragem de Monte Carlo (n = 10.000) ( Siegel & Castellan, 1988Siegel, S., & Castellan, N. J. (1988). Nonparametric statistics for the behavioral sciences. New York, NY: McGraw-Hill.).

Na terceira etapa, realizou-se a AFE para agrupar, em fatores, as perguntas do bloco 3 do questionário. A AFE tem o objetivo de explicar a correlação ou a covariância em um grupo de variáveis. O teste fatorial permite avaliar o quanto cada fator está associado a cada variável, bem como analisar o quanto os fatores encontrados explicam a variabilidade dos resultados obtidos por meio da soma das variâncias das variáveis originais ( Fávero et al., 2009Fávero, L. P. L., Belfiore, P. P., Silva, F. L., & Chan, B. L. (2009). Análise de dados: modelagem multivariada para tomada de decisões. Rio de Janeiro, RJ: Elsevier.).

Ainda, de acordo com Fávero et al. (2009Fávero, L. P. L., Belfiore, P. P., Silva, F. L., & Chan, B. L. (2009). Análise de dados: modelagem multivariada para tomada de decisões. Rio de Janeiro, RJ: Elsevier., p. 237), para aplicação da análise fatorial, a amostra deve ter “um mínimo de 5 vezes mais observações do que o número de variáveis que compõem o banco de dados”. Como foi obtida amostra de 641 respondentes e o questionário possuía 25 itens, a amostra tem 25,64 vezes o número de itens, satisfazendo, portanto, esse pressuposto. Por fim, para analisar o nível de confiabilidade do instrumento de coleta de dados e dos fatores apurados, foi utilizado o alfa de Cronbach, apresentado na última linha da Tabela 3, conforme sugerem Hair, Anderson, Tatham e Black (2005Hair, J. F., Jr., Anderson, R. E., Tatham, R. L.,& Black, W. C. (2005). Análise multivariada de dados (5a. ed.). Porto Alegre, RS: Bookman.).

Para verificar se há correlação entre os fatores encontrados na análise fatorial e as variáveis relacionadas à satisfação geral do docente, utilizou-se o coeficiente de correlação que, segundo Martins e Teófilo (2007Martins, G. A., & Theóphilo, C. R. (2007). Metodologia da investigação científica para ciências sociais aplicadas. São Paulo, SP: Atlas.), indica a força de uma associação entre duas variáveis, o que é evidenciado na Tabela 4. Considerando que os dados não apresentaram normalidade, foi utilizado o teste de correlação não paramétrica de Spearman.

Cabe ressaltar que o termo “correlação” possibilita apenas fazer afirmações sobre associações, nunca sobre causa e efeito, pois não é possível observar de forma direta o efeito de um fator, uma vez que o mesmo indivíduo não pode, ao mesmo tempo, ser exposto e não exposto ao fator. Na realidade, o que se observa são dois grupos, um exposto ao fator e outro não. Então, a partir desses grupos é possível realizar a associação por meio de medidas como coeficientes de correlações.

4. ANÁLISE DOS RESULTADOS

Inicialmente, é apresentado o perfil dos respondentes. Esse aspecto é importante, uma vez que estudos anteriores abordaram públicos distintos deste do presente estudo. A amostra foi composta por 641 docentes em Ciências Contábeis no Brasil, conforme demonstrado na Tabela 1.

Tabela 1
Perfil dos respondentes

O perfil dos respondentes é composto por 63,2% de docentes masculinos e 36,8% de femininos. Embora o gênero masculino seja predominante na pesquisa, pode-se notar o crescente ingresso de mulheres nas fases iniciais da vida profissional docente em Contabilidade, ocorrendo inversão no gênero predominante entre os ingressantes, conforme demonstra a Figura 2. Esse resultado corrobora a tendência identificada por Araújo et al. (2015Araújo, T. S., Lima, F. D. C., Oliveira, A. C. L., & Miranda, G. J. (2015). Problemas percebidos no exercício da docência em contabilidade. Revista Contabilidade & Finanças, 26(67), 93-105.).

Figura 2
Gênero por fase do ciclo de vida

No tocante ao tempo de atuação na docência, analisado conforme as fases do ciclo de vida profissional proposto por Huberman (2000Huberman, M. (2000). O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa, A. (Org). Vida de professores (2a. ed.). Porto: Porto Editora .), foi verificado que 8,7% da amostra são ingressantes na carreira, pois têm até 3 anos de atuação, 17,5% são docentes em fase de estabilização na profissão, com 4 a 6 anos de experiência na docência, a maior parte dos docentes investigados, 62,7%, estão atravessando a fase intermediária, com 7 a 25 anos, 8,4% têm entre 26 e 35 anos de experiência e 2,7% estão na fase denominada por Huberman (2000Huberman, M. (2000). O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa, A. (Org). Vida de professores (2a. ed.). Porto: Porto Editora .) de desinvestimento, com mais de 35 anos de atuação.

Em relação à titulação dos respondentes, observou-se predominância de mestres, com 50,4% do total, seguido de doutores (ou pós-doutores), com 38%, e especialistas, com 11,6% dos participantes. Foi interessante observar que 88,4% da amostra detêm titulação stricto sensu, o que pode estar associado à quantidade maior de respondentes de instituições públicas (58,3%).

Tendo o maior número de instituições do curso superior em Ciências Contábeis, a região Sudeste apresentou também o maior número de respostas (34%), seguida da região Sul, com 32%. A região Nordeste apresentou 18,3%, a região Centro-Oeste, 10,1%, e a região Norte, 5,9% do total de respondentes.

Identificou-se, também, que 58,3% dos docentes lecionam em instituições de ensino superior (IES) públicas, 35,7% em IES privadas e 4,4% atuam em IES de ambas as naturezas. Esses resultados não seguem as proporções de matrículas em IES públicas e privadas no Brasil, pois os dados do Censo Nacional da Educação Superior de 2013 ( Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [INEP], 2013Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2013). Censo do Ensino Superior. Retrieved from http://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/apresentacao/2014/coletiva_censo_superior_2013.pdf.
http://download.inep.gov.br/educacao_sup...
) revelam que 26,5% das matrículas do ensino superior estão em IES públicas e 73,5% em IES privadas. A maior participação de docentes de IES públicas na pesquisa pode ser justificada, dentre outros aspectos, pela facilidade de acesso ao endereço eletrônico dos docentes.

Com intuito de identificar possíveis vieses decorrentes da amostra predominante de IES públicas, realizaram-se testes de diferença de médias entre os índices de satisfação, porém não foram identificadas diferenças estatisticamente significantes entre os níveis de satisfação de docentes de IES privadas e públicas.

4.1 Satisfação Geral dos Docentes

No que se refere à satisfação dos docentes em Ciências Contábeis, os participantes deveriam atribuir respostas com base em uma escala de 1 a 10 pontos, cujas respostas próximas do nível 1 significavam discordância do respondente quanto à afirmação e respostas próximas de 10 significavam concordância com a afirmativa. Para realizar o teste de comparações entre proporções, dividiram-se as respostas de 1 a 5 em proporção 1 (P1), que corresponderiam à discordância da afirmação, e de 6 a 10 em proporção 2 (P2), que apontariam a concordância da afirmação. A Tabela 2 apresenta os resultados obtidos.

Tabela 2
Satisfação geral dos docentes

No nível de significância de 5%, pelo teste de comparações entre proporções, quando os docentes foram indagados em relação à questão “gostar da profissão”, as respostas se concentram quase totalmente na proporção 2, demonstrando que a maioria dos professores gosta da profissão. Quando questionados em relação a “sentir-se satisfeito com o trabalho”, mais de 90% dos respondentes estão satisfeitos com a carreira docente.

Esses resultados expõem as primeiras evidências da pesquisa de que os professores de Contabilidade estão predominantemente satisfeitos com a profissão, convergindo para os estudos realizados no ensino superior em pesquisas anteriores ( Ferreira, 2011Ferreira, A. C. M. (2011). Satisfação no trabalho de docentes de uma instituição pública de ensino superior: reflexos na qualidade de vida (Master’s Degree). Universidade Federal de Goiás, Goiânia.; Ferreira, Machado & Gouveia, 2012Ferreira, J. B., Machado, M. L., & Gouveia, O. (2012). A (in)satisfação dos académicos no ensino superior. Educação, Sociedade & Culturas, 37, 129-139.; Moretti, 2010Moretti, G. J. S. (2010). O perfil e a satisfação no trabalho dos professores dos cursos de graduação em Administração das instituições de cursos superiores privadas da cidade de Ribeirão Preto-SP (Master’s Degree). Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto.), que identificaram satisfação positiva dos professores, diferentemente do estudo realizado no ensino básico, que aponta insatisfação do corpo docente ( Pedro & Peixoto, 2006Pedro, N., & Peixoto, F. (2006). Satisfação profissional e auto-estima em professores dos 2º e 3º ciclos do ensino básico. Revista Análise Psicológica, 24(2), 247-262.).

No nível de significância de 5%, pelo teste de comparações entre proporções, quando os professores foram indagados quanto a “sentir-se desanimado com a profissão”, 56% (361 docentes) discordam de tal afirmação, confirmando a tendência identificada na questão anterior. Entretanto, destaca-se que 44% dos docentes questionados, às vezes, sentem-se desanimados com a profissão, indicando que, mesmo entre aqueles que se sentem satisfeitos com a docência, existem momentos de desânimo.

Por fim, quando questionados em relação à questão “mudar-se de emprego”, apenas 14% dos investigados (90 docentes) mudariam. É interessante observar que 61% desses professores eram do sexo masculino, 39% doutores e 44% mestres, 70% não exerciam outra atividade além da docência, 68% estavam na terceira fase do ciclo de vida e 83% possuíam vínculo com instituições públicas. Em síntese, o perfil do professor que mudaria de emprego é: masculino, situado na metade da carreira profissional, titulado e com dedicação exclusiva em instituições públicas.

É notório que a proporção da insatisfação quanto à profissão dos docentes em Contabilidade é bem menor que a proporção relativa à satisfação. Esse resultado é coerente com as respostas das duas primeiras questões e confirma a tendência de satisfação entre os docentes investigados.

Para completar a análise, investigou-se o nível de satisfação geral docente ao longo das fases do ciclo de vida profissional proposto por Huberman (2000Huberman, M. (2000). O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa, A. (Org). Vida de professores (2a. ed.). Porto: Porto Editora .). As figuras 3, 4, 5 e 6 apresentam as questões de satisfação geral em relação às fases da vida profissional, bem como os p-valores do teste qui-quadrado, que verificam se o nível de satisfação independe das fases.

Figura 3
Gosto da minha profissão

Pode-se observar que aproximadamente 80% dos professores que estão nas fases 1, 2 e 3, ao serem questionados se gostam da profissão, atribuíram notas 9 ou 10, apontando que, de fato, gostam da profissão. Nas fases posteriores, esse percentual cresce ainda mais. Na fase 4, por exemplo, 83% dos docentes atribuíram notas 9 ou 10 e, na fase 5, todos os professores marcaram nota 9 ou 10. Pelo teste do qui-quadrado, no nível de significância de 10%, há evidências que o “gostar” da profissão aumenta com o tempo de experiência do docente (p = 0,0956).

Nota-se, na Figura 4, que 64% dos docentes da fase 1 atribuíram notas maiores de satisfação (9 ou 10) e que houve tendência de crescimento nas outras fases da vida profissional. Na última fase (5), 93% da amostra elegeram as notas 9 ou 10 quanto à satisfação no trabalho. Pelo teste do qui-quadrado, no nível de significância de 10%, há evidências que, à medida que o docente vai adquirindo maior experiência na profissão, maior é sua satisfação (p = 0,0854).

Figura 4
Sinto-me satisfeito com a profissão

Os docentes também foram investigados quanto a “sentir-se desanimado com a profissão”. A Figura 5 apresenta os resultados.

Figura 5
Sinto-me desanimado com a profissão

Ao contrário das figuras 3 e 4, pode-se visualizar, na Figura 5, aumento das notas menores ao longo das fases, principalmente a nota 1, evidenciando que, no início de carreira, há mais desânimo diante das dificuldades. Nesse caso, no nível de significância de 10% pelo teste de qui-quadrado, não há evidências de associação entre professores desanimados com o decorrer do tempo de docência (p = 0,3667).

A última questão investigada, “se pudesse, mudaria de profissão”, é apresentada na Figura 6.

Figura 6
Se pudesse, mudaria de profissão

Pela Figura 6, é possível notar que 66% dos docentes que se encontram nas duas primeiras fases discordaram da afirmação, tendo eles assinalado as notas 1 ou 2. Já em relação aos docentes das outras fases, mais da metade optou por discordar da afirmativa e, na última fase (5), 93% da amostra discordam totalmente da afirmação. No entanto, no nível de significância de 10% pelo teste de qui-quadrado, não há evidências de associação da afirmação com o decorrer do tempo de docência.

Assim, no tocante à satisfação, os resultados identificados sugerem que é positiva e crescente ao longo das fases da vida profissional. Muito embora os estudos de Huberman (1989Huberman, M. (1989). Le cycle de vie professionnelle des enseignants secondaires: résumé d'une recherche démentielle. Genève: Cahiers de la Section des Sciences de l'Education: pratiques et théorie, 54., 2000Huberman, M. (2000). O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa, A. (Org). Vida de professores (2a. ed.). Porto: Porto Editora .) sugiram que possa haver satisfação e insatisfação em praticamente todas as fases da carreira - por exemplo, na primeira fase: descoberta/entusiasmo x choque de realidade, na terceira, diversificação x questionamento, na quarta, distanciamento sereno x conservadorismo, e na quinta fase, desinvestimento sereno x desinvestimento amargo - há que se destacar que, nas fases mais avançadas da trajetória profissional, o docente certamente leva em conta o investimento já feito na carreira vis-à-vis às oportunidades de mudança nesse momento. Pode-se dizer que tais fases sejam de certa acomodação ou de aceitação, “de aceitar como tal” ( Huberman, 2000, p. 50Huberman, M. (2000). O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa, A. (Org). Vida de professores (2a. ed.). Porto: Porto Editora .).

4.2 Fatores Relativos à Satisfação Profissional

No terceiro bloco do questionário, apresentaram-se aos docentes 25 questões para as quais deveriam informar o grau de concordância, em escala de 1 a 10 pontos. Respostas próximas a 1 significam “não me satisfaz” e, próximas de 10, “me satisfaz plenamente”.

Para simplificação do número de itens integrantes do questionário, foi realizada a AFE. De acordo com Fávero et al. (2009Fávero, L. P. L., Belfiore, P. P., Silva, F. L., & Chan, B. L. (2009). Análise de dados: modelagem multivariada para tomada de decisões. Rio de Janeiro, RJ: Elsevier.), esse teste tem o objetivo de analisar a associação de cada variável a um fator e o quanto esse fator pode explicar os resultados encontrados na amostra. Ao realizar a análise fatorial, encontrou-se o resultado do teste Kaiser Meyer Olkin (KMO) de 0,92. Figueiredo e Silva (2010Figueiredo, D. B., Filho, & Silva, J. A., Jr. (2010). Visão além do alcance: uma introdução à análise fatorial. Opinião Pública, 16(1), 160-185.) discorrem que esse teste pode variar entre 0 e 1 e que quanto mais próximo de 1, melhor, ou seja, o KMO obtido nesta pesquisa satisfaz o teste.

De acordo com a Tabela 3, geraram-se cinco fatores, os quais explicam 62,77% da variância total dos dados. Observam-se também que todos os itens obtiveram cargas fatoriais superiores a 0,40 ( Fávero et al., 2009Fávero, L. P. L., Belfiore, P. P., Silva, F. L., & Chan, B. L. (2009). Análise de dados: modelagem multivariada para tomada de decisões. Rio de Janeiro, RJ: Elsevier.). Além disso, de acordo com Hair et al. (2005Hair, J. F., Jr., Anderson, R. E., Tatham, R. L.,& Black, W. C. (2005). Análise multivariada de dados (5a. ed.). Porto Alegre, RS: Bookman.), o limite inferior, geralmente aceito para o alfa de Cronbach, é 0,70, o qual também foi atingido.

Tabela 3
Análise fatorial (rotação varimax)

Os fatores apurados nesta pesquisa são semelhantes aos apurados por Pedro e Peixoto (2006Pedro, N., & Peixoto, F. (2006). Satisfação profissional e auto-estima em professores dos 2º e 3º ciclos do ensino básico. Revista Análise Psicológica, 24(2), 247-262.):

  • fator 1  - relações interpessoais e institucionais, que agrupou os itens relativos à relação do docente com a instituição de ensino;
  • fator 2  - sociopolítica, que aglutinou itens relativos a questões salariais e profissionais;
  • fator 3  - condições de trabalho, com itens relativos às próprias condições de trabalho docente;
  • fator 4  - alunos, que contemplou os itens relativos a questões atinentes aos alunos;
  • fator 5  - realização pessoal, que agrupou itens relativos ao trabalho docente e à relação com os discentes.

Os três primeiros fatores (1, 2 e 3) carregaram itens relativos aos fatores higiênicos, que são extrínsecos, previnem a insatisfação e segundo os quais o empregado não tem controle. A falta desses fatores pode desmotivar os trabalhadores, conforme a teoria de Herzberg (1987Herzberg, F. (1987). One more time: how do you motivate employees? Harvard Business Review, Watertown, USA. Retrieved from http://synchronit.com/downloads/freebooks/herzberg.pdf.
http://synchronit.com/downloads/freebook...
). Já os dois últimos fatores contemplaram itens relacionados a fatores motivacionais abordados por Herzberg (1987Herzberg, F. (1987). One more time: how do you motivate employees? Harvard Business Review, Watertown, USA. Retrieved from http://synchronit.com/downloads/freebooks/herzberg.pdf.
http://synchronit.com/downloads/freebook...
). Esses fatores são intrínsecos, geram satisfação nos empregados e estão relacionados diretamente à função desempenhada pelo funcionário.

O próximo passo é analisar se, de fato, os fatores apurados estão associados à satisfação dos respondentes. Assim, foi realizado o teste de correlação de Spearman. Os resultados são apresentados na Tabela 4.

Tabela 4
Testede correlação entre fatores motivacionais e nível de satisfação docente

Pode-se notar, por meio da Tabela 4, que há correlação positiva e significativa entre todos os fatores encontrados na pesquisa e as duas questões relacionadas à satisfação geral dos docentes, no nível de significância de 5%. Da mesma forma, identifica-se correlação negativa e significativa entre os cinco fatores e as duas questões relativas à insatisfação, também no nível de 5%. Esses resultados evidenciam que esses fatores estão relacionados com os níveis de satisfação dos docentes do curso de Ciências Contábeis e corroboram os resultados obtidos anteriormente ( Pedro, 2011Pedro, N. (2011). Auto-eficácia e satisfação profissional dos professores: colocando os construtos em relação num grupo de professores do ensino básico e secundário. Revista de Educação, Lisboa, Portugal, 18(1), 23-47.; Pedro & Peixoto, 2006Pedro, N., & Peixoto, F. (2006). Satisfação profissional e auto-estima em professores dos 2º e 3º ciclos do ensino básico. Revista Análise Psicológica, 24(2), 247-262.). Em outras palavras, no âmbito dos cursos de Ciências Contábeis no Brasil, permanecem válidos os pressupostos da Teoria dos Dois Fatores, uma vez que tanto os fatores higiênicos, que são extrínsecos e previnem insatisfação, quanto os fatores motivacionais, que são intrínsecos e geram satisfação, estão significativamente correlacionados à satisfação docente.

Os fatores que apresentaram os maiores coeficientes de correlação foram o fator 5 (realização pessoal) e o fator 1 (relações interpessoais e institucionais). O primeiro está ligado aos fatores motivacionais e o último aos fatores higiênicos. Esse resultado é parcialmente convergente aos de Pedro e Peixoto (2006Pedro, N., & Peixoto, F. (2006). Satisfação profissional e auto-estima em professores dos 2º e 3º ciclos do ensino básico. Revista Análise Psicológica, 24(2), 247-262.), que apresentaram em seu estudo que o fator relações interpessoais e institucionais é o mais associado à satisfação docente. O resultado também corrobora o que é proposto pela Teoria dos Dois Fatores de Herzberg (1987Herzberg, F. (1987). One more time: how do you motivate employees? Harvard Business Review, Watertown, USA. Retrieved from http://synchronit.com/downloads/freebooks/herzberg.pdf.
http://synchronit.com/downloads/freebook...
), segundo a qual os fatores motivacionais, como realização pessoal, associam-se de maneira positiva à satisfação.

Quando se invertem as questões, ou seja, quando se analisam os fatores associados à insatisfação, os coeficientes são todos negativos. Os fatores que mais se correlacionam são fator 4 (alunos), fator 5 (realização pessoal) e fator 1 (relações interpessoais e institucionais), estando os dois primeiros fatores ligados aos fatores motivacionais e o último a fatores higiênicos. Isso significa que quanto menos realizado o docente, mais insatisfeito.

Considerando que estudos anteriores já identificaram associação entre satisfação docente e desempenho acadêmico ( Taveira & Silva, 2015Taveira, I. M. R., & Silva, J. S. (2015). A relação entre a satisfação dos professores e o desempenho dos alunos de Macaé. Anais do Congresso Nacional de Administração e Contabilidade, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 6.), torna-se importante que os gestores educacionais fiquem atentos aos cinco fatores acima referenciados, uma vez que todos apresentaram correlação significativa com as questões de satisfação e insatisfação, notadamente os fatores que apresentaram os maiores coeficientes (F1 e F5).

Também se realizaram testes de correlação entre as questões relativas à satisfação e insatisfação e às variáveis de controle: gênero, fase do ciclo de vida, região, instituição pública e privada, idade e titulação do docente, porém nenhuma delas apresentou nível de significância.

4.3 Sentimentos Experimentados Pelos Docentes

A Figura 7 apresenta a proporção de sentimentos positivos e negativos citados pelos docentes na amostra investigada em relação à docência em Ciências Contábeis.

Figura 7
Sentimentos experimentados pela amostra

É possível notar que a proporção de sentimentos positivos seja visivelmente maior que os negativos e apenas o sentimento de “preocupação” destaca-se entre os negativos. Os sentimentos frustração, ansiedade e desânimo também são relevantes, mas aparecem em menores proporções que preocupação.

Também é interessante observar que os três sentimentos positivos mais representativos (entusiasmo, satisfação e realização) tenham sido numericamente maiores nas instituições privadas que nas públicas (19,8%, 17,4% e 15,7% contra 17,5%, 17,3% e 14,1%, respectivamente). Além disso, o sentimento de preocupação também apareceu com mais intensidade nas instituições públicas que nas privadas (15,9% e 13,8%, respectivamente).

A Tabela 5 apresenta o teste de proporção dos sentimentos positivos versus negativos informados pelos 641 professores componentes da amostra.

Tabela 5
Sentimentos experimentados

No nível de significância de 5%, pelo teste de comparações de proporções, os resultados confirmam a predominância de satisfação entre os docentes pesquisados, pois os sentimentos mais expressivos são os positivos (67,3%). Os sentimentos negativos, que remetem à insatisfação profissional, foram menos elegidos pelos docentes (32,7%). Esses resultados são divergentes daqueles encontrados na pesquisa de Pedro e Peixoto (2006Pedro, N., & Peixoto, F. (2006). Satisfação profissional e auto-estima em professores dos 2º e 3º ciclos do ensino básico. Revista Análise Psicológica, 24(2), 247-262.), realizada em Portugal, com docentes do ensino básico, segundo a qual os sentimentos negativos estão entre os mais citados pelos professores da amostra: nervosismo (39,7%), preocupação (34,2%) e segurança (32,9%).

Em síntese, os resultados apurados em relação ao nível de satisfação dos docentes, bem como sua evolução ao longo da vida profissional, os resultados dos testes de correlação entre os fatores apurados na análise fatorial e nível de satisfação, bem como a análise dos sentimentos positivos e negativos experimentados pelos docentes apontam, todos, para a mesma direção: a satisfação docente em Ciências Contábeis no Brasil predomina em relação à insatisfação.

É importante destacar que entre os docentes insatisfeitos predominam as características: masculino, situado na metade da carreira profissional, titulado e com dedicação exclusiva em instituições públicas. Além disso, pode-se notar que, no tocante à satisfação, esses docentes atribuíram notas visivelmente menores que os demais para os seguintes itens: apoio da instituição na resolução de problemas, responsabilidade exigida dos professores, reconhecimento social, atitude da sociedade face aos professores, tempo disponível para família/amigos e grau de realização pessoal.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os diversos resultados apurados na pesquisa indicam a predominância da satisfação geral dos docentes de Contabilidade, pois a maioria “gosta da profissão” e, “em geral, sente-se satisfeito com a profissão”. Alguns estudos apontam que docentes de áreas distintas, como Enfermagem, Administração e ensino básico, também estão satisfeitos com a profissão ( Ferreira, 2011Ferreira, A. C. M. (2011). Satisfação no trabalho de docentes de uma instituição pública de ensino superior: reflexos na qualidade de vida (Master’s Degree). Universidade Federal de Goiás, Goiânia.; Ferreira et al., 2012Ferreira, J. B., Machado, M. L., & Gouveia, O. (2012). A (in)satisfação dos académicos no ensino superior. Educação, Sociedade & Culturas, 37, 129-139.; Moretti, 2010Moretti, G. J. S. (2010). O perfil e a satisfação no trabalho dos professores dos cursos de graduação em Administração das instituições de cursos superiores privadas da cidade de Ribeirão Preto-SP (Master’s Degree). Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto.).

Observando as fases da vida profissional docente, a pesquisa identificou que, à medida que a quantidade de anos de experiência aumenta, há aumento na satisfação percebida pelos docentes ( Figuras 3 a 6), visto que a primeira fase tem os menores níveis satisfação e a última fase apresenta os maiores níveis. A literatura já aponta que a primeira fase é crítica e que requer cuidados. De acordo com Huberman (2000Huberman, M. (2000). O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa, A. (Org). Vida de professores (2a. ed.). Porto: Porto Editora .), os problemas são maiores nessa fase, pela inexperiência e falta de preparo dos docentes.

Essa tendência está alinhada com a Teoria dos Dois Fatores de Herzberg (1987Herzberg, F. (1987). One more time: how do you motivate employees? Harvard Business Review, Watertown, USA. Retrieved from http://synchronit.com/downloads/freebooks/herzberg.pdf.
http://synchronit.com/downloads/freebook...
), pois, com o passar do tempo, os mesmos docentes adquirem mais experiências e se tornam mais seguros para enfrentar os problemas advindos da docência, o que pode tornar os professores mais satisfeitos.

A análise de correlação apontou que todos os fatores gerados pela AFE estão correlacionados de forma significante com as questões relativas à satisfação geral da pesquisa. O fator 5 (realização pessoal), que está associado aos fatores motivacionais, é o que mais se correlaciona com a satisfação profissional. Isso indica que, para os docentes investigados, a realização pessoal é muito importante para a satisfação no exercício da docência. Esse achado converge para aquele encontrado na teoria de Herzberg (1987Herzberg, F. (1987). One more time: how do you motivate employees? Harvard Business Review, Watertown, USA. Retrieved from http://synchronit.com/downloads/freebooks/herzberg.pdf.
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), em que os fatores motivacionais elevam a satisfação do docente.

Outra evidência que a satisfação dos docentes é maior que a insatisfação se refere à análise dos sentimentos positivos e negativos experimentados pelos professores na profissão. Ao nível de significância de 5%, pelo teste de comparações de proporções, foi possível identificar que os sentimentos mais expressivos são os positivos (67,3%). Já os sentimentos negativos, que remetem à insatisfação profissional, foram menos elegidos pelos docentes (32,7%). A esse respeito, é importante destacar que mais de 70% da amostra estão em fases mais avançadas da vida profissional (fases 3, 4 e 5).

Esses resultados mostram que, apesar de o ensino de Contabilidade no Brasil passar por mudanças significativas em virtude da expansão de matrículas e da adesão aos padrões internacionais de Contabilidade, entre os docentes predomina a satisfação com a profissão. Em outras palavras, apesar dos problemas, a docência em Contabilidade parece atrativa.

Os resultados também mostram aumento da presença feminina nos últimos anos, especialmente entre os docentes ingressantes na profissão. Esse fato, aliado ao aumento de professores com titulação stricto sensu, aponta para uma mudança no perfil docente em Ciências Contábeis em um futuro próximo.

Este trabalho contribui para a complementação das pesquisas acerca da satisfação profissional docente da área contábil, visto que, no Brasil, tais investigações ainda são escassas. Além disso, ao identificar que a fase mais crítica da satisfação docente é a inicial, o estudo chama a atenção para novos estudos sobre o ingresso na carreira docente, a fim de melhor elucidar as questões que afligem os ingressantes na profissão.

Destaca-se, também, a importância da avaliação contínua dos fatores relativos à satisfação docente por parte dos gestores educacionais, uma vez que a literatura já apresenta indícios que a satisfação dos professores pode estar relacionada ao desempenho acadêmico dos estudantes ( Taveira & Silva, 2015Taveira, I. M. R., & Silva, J. S. (2015). A relação entre a satisfação dos professores e o desempenho dos alunos de Macaé. Anais do Congresso Nacional de Administração e Contabilidade, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 6.). Os cursos de Ciências Contábeis vêm apresentando, consistentemente, baixos índices no ENADE e no Exame de Suficiência do CFC.

Por fim, cabe destacar as limitações deste estudo. Enfatiza-se que o uso das fases de vida propostas por Huberman (1989Huberman, M. (1989). Le cycle de vie professionnelle des enseignants secondaires: résumé d'une recherche démentielle. Genève: Cahiers de la Section des Sciences de l'Education: pratiques et théorie, 54.) pode não retratar exatamente o ciclo de vida profissional dos professores de Contabilidade no Brasil. A composição da amostra, embora tenha sido expressiva, é predominantemente de IES públicas e não se sabe exatamente sua representatividade no universo de docentes na área contábil brasileira, em virtude da ausência de tal informação. Destaca-se, também, que pode haver algum viés decorrente da não ocorrência de respostas, uma vez que indivíduos com menores graus de satisfação com a profissão poderiam estar menos interessados em pesquisas dessa natureza.

Propõe-se, para complementar a presente pesquisa, a análise qualitativa com os docentes do curso de Contabilidade para verificar, de fato, quais variáveis os tornam mais ou menos satisfeitos, realizando-se, portanto, um estudo mais profundo. Outra questão é expandir o estudo para a área de negócios, ampliando a análise. Pode-se, ainda, investigar se a satisfação docente influencia o desempenho acadêmico dos alunos de Ciências Contábeis.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2017

Histórico

  • Recebido
    18 Mar 2016
  • Aceito
    12 Fev 2017
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