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Tempestividade da perda por redução ao valor recuperável do goodwill em empresas brasileiras

RESUMO

O objetivo deste artigo foi examinar a tempestividade da perda por redução ao valor recuperável do goodwill percebida pelo mercado de capitais brasileiro. Apesar de muito estudada internacionalmente, a tempestividade do impairment do goodwill ainda não foi empiricamente investigada no Brasil, visto que estudos anteriores focam nas determinantes dessa perda, em sua divulgação ou no comportamento do gestor. Essa questão é relevante principalmente pelo contexto de normatização do International Accounting Standards Board (IASB), que tem discutido possibilidades de alteração no tratamento do goodwill. Também é importante para investidores, já que a falta de tempestividade afeta a utilidade da informação contábil para esses usuários. O estudo fornece indícios de que a discricionariedade do teste de impairment é usada de modo oportunista, alterando o momento do reconhecimento da perda no goodwill. Isso demonstra a necessidade de um esforço conjunto entre agentes de monitoramento e órgãos normatizadores para direcionar o uso da discricionariedade, além de mudanças no comportamento dos gestores. Também indica que a atual regra de contabilização do impairment falha em fornecer informações tempestivas, na medida em que fornece um efeito de proteção contra perdas. Foram utilizadas empresas não financeiras listadas na B3 S.A. - Brasil, Bolsa, Balcão que tinham goodwill reconhecido no período 2010-2020. A análise considerou duas variáveis dependentes, aplicando uma regressão logística para explicar o reconhecimento ou não do impairment no goodwill e um modelo tobit para predizer seu valor. Para exame da tempestividade, utilizou-se o retorno anual contemporâneo e defasado das ações. Os achados sugerem que a perda por impairment do goodwill não é reconhecida oportunamente e que os gestores atrasam seu registro em pelo menos um a dois anos, com indícios mais fortes para o reconhecimento tardio em dois anos. Também, o valor da perda pode ser influenciado por retornos ocorridos até três anos antes de seu registro.

Palavras-chave:
perda por redução ao valor recuperável; goodwill; tempestividade; mercado de capitais; discricionariedade

ABSTRACT

This article aimed to examine the timeliness of goodwill impairment perceived by the Brazilian capital market. Despite it being widely studied internationally, the timeliness of goodwill impairment has not yet been empirically investigated in Brazil, given that previous studies focus on the determinants of this loss, on its disclosure, or on manager behavior. This question is relevant primarily due to the context of standardization of the International Accounting Standards Board (IASB), which has discussed possibilities for altering the treatment of goodwill. It is also important for investors, since a lack of timeliness affects the utility of accounting information for these users. The study provides indications that the discretion of the impairment test is used opportunistically, altering the moment of recognition of a goodwill loss. This shows the need for a joint effort between monitoring agents and standard-setting bodies to guide the use of discretion, as well as changes in manager behavior. It also indicates that the current rule for recording impairment fails in providing timely information, as it provides a shielding effect against losses. The study used non-financial companies listed on the B3 S.A. - Brasil, Bolsa, Balcão that had goodwill recognized in the 2010-2020 period. The analysis considered two dependent variables, applying a logistic regression to explain the recognition or not of goodwill impairment and a tobit model to predict its value. To examine timeliness, the current and lagged annual returns on shares were used. The findings suggest that losses through goodwill impairment are not recognized in a timely manner and that managers delay recording them by at least one to two years, with stronger indications of late recognition in two years. In addition, the loss amount can be influenced by returns occurring up to three years before its recording.

Keywords:
impairment losses; goodwill; timeliness; capital market; discretion

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é examinar a tempestividade da perda por redução ao valor recuperável do goodwill percebida pelo mercado de capitais brasileiro.

Em combinações de negócios, um goodwill deve ser reconhecido no intangível sempre que a adquirente transferir uma contraprestação maior que o valor justo dos ativos líquidos da adquirida [International Financial Reporting Standards 3 (IFRS 3)]. Após 2004 - período até quando o goodwill era amortizado -, o International Accounting Standards Board (IASB) determinou que esse ágio fosse testado somente pelo seu valor recuperável no mínimo anualmente, seguindo a International Accounting Standard 36 (IAS 36) - Impairment of Assets. Para o IASB, essa abordagem forneceria informações mais úteis aos investidores do que a sistemática de amortização, o que foi corroborado por estudos que indicam a maior relevância da abordagem do impairment para o mercado de capitais (AbuGhazaleh et al., 2012AbuGhazaleh, N. M., Al-Hares, O. M., & Haddad, A. E. (2012). The value relevance of goodwill impairments: UK evidence. International Journal of Economics and Finance, 4(4), 206-216. https://doi.org/10.5539/ijef.v4n4p206
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; Horton & Serafeim, 2010Horton, J., & Serafeim, G. (2010). Market reaction to and valuation of IFRS reconciliation adjustments: First evidence from the UK. Review of Accounting Studies, 15(4), 725-751. https://doi.org/10.1007/s11142-009-9108-5
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; Knauer & Wöhrmann, 2016Knauer, T., & Wöhrmann, A. (2016). Market reaction to goodwill impairments. European Accounting Review, 25(3), 421-449. https://doi.org/10.1080/09638180.2015.1042888
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).

Em contrapartida, a sistemática do teste de redução ao valor recuperável para o goodwill concede ampla discricionariedade aos gestores, a qual pode ser usada oportunisticamente para manipular seu reconhecimento ou para comunicar informações privadas ao mercado (Li & Sloan, 2017Li, K. K., & Sloan, R. G. (2017). Has goodwill accounting gone bad? Review of Accounting Studies, 22(2), 964-1003. https://doi.org/10.1007/s11142-017-9401-7
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; Ramanna & Watts, 2012Ramanna, K., & Watts, R. L. (2012). Evidence on the use of unverifiable estimates in required goodwill impairment. Review of Accounting Studies, 17(4), 749-780. https://doi.org/10.1007/s11142-012-9188-5
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). Nesse sentido, estudos apresentam evidências de que a discricionariedade é exercida de forma oportunista pelos gestores para atrasar o reconhecimento do impairment, fazendo com que essa perda não seja reconhecida de forma oportuna, especialmente em países onde o enforcement público é fraco (Albersmann & Quick, 2020Albersmann, B. T., & Quick, R. (2020). The impact of audit quality indicators on the timeliness of goodwill impairments: Evidence from the German setting. Abacus, 56(1), 66-103. https://doi.org/10.1111/abac.12184
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; Filip et al., 2021Filip, A., Lobo, G. J., & Paugam, L. (2021). Managerial discretion to delay the recognition of goodwill impairment: The role of enforcement. Journal of Business Finance & Accounting, 48, 36-69. https://doi.org/10.1111/jbfa.12501
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; Glaum et al., 2018Glaum, M., Landsman, W. R., & Wyrwa, S. (2018). Goodwill impairment: The effects of public enforcement and monitoring by institutional investors. The Accounting Review, 93(6), 149-180. https://doi.org/10.2308/accr-52006
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).

Condizente com essa falta de tempestividade, o próprio IASB, ao publicar um documento sobre a revisão pós-implementação da IFRS 3 em 2015, identificou que a redução do valor do goodwill nem sempre é reconhecida em tempo hábil e que o teste de impairment para esse ativo é caro e complexo. Por isso, o órgão iniciou um projeto de pesquisa sobre goodwill e impairment que resultou na divulgação do discussion paper DP/2020/1 (IASB, 2020International Accounting Standards Board. (2020). DP business combinations - Disclosures, goodwill and impairment. https://www.ifrs.org/projects/work-plan/goodwill-and-impairment/#published-documents
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) sobre Business Combinations - Disclosures, Goodwill, and Impairment. Esse DP discute, dentre outras questões, a efetividade, o custo e a complexidade do teste de impairment do goodwill e se a amortização deveria ser reintroduzida.

Com relação à efetividade, a questão central é que as perdas seriam reconhecidas tarde demais, longo tempo depois dos eventos que as causaram. Essa falta de tempestividade poderia ocorrer devido ao otimismo dos gestores ou por limitações da própria norma. De um lado, os gestores podem usar avaliações otimistas nas premissas do teste de redução ao valor recuperável a fim de não reconhecer a perda no goodwill durante um período, atrasando seu reconhecimento (Filip et al., 2021Filip, A., Lobo, G. J., & Paugam, L. (2021). Managerial discretion to delay the recognition of goodwill impairment: The role of enforcement. Journal of Business Finance & Accounting, 48, 36-69. https://doi.org/10.1111/jbfa.12501
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). Por outro, a própria norma pode atrasar o registro da perda, pois o teste aplicado a uma unidade geradora de caixa (UGC) fornece um efeito de proteção contra perdas no goodwill, devido ao excesso de seu valor recuperável (headroom).

Assim, a questão empírica é se as perdas por redução ao valor recuperável refletem de maneira tempestiva o declínio no valor do goodwill. Essa questão é importante para órgãos normatizadores, contribuindo para a atual discussão no IASB sobre o impairment do goodwill. Também é relevante para investidores, pois o reconhecimento oportuno da perda no goodwill pode melhorar a utilidade da informação contábil, já que a tempestividade é uma característica qualitativa de melhoria. Enfim, o estudo ainda contribui para as decisões dos gestores na medida em que fornece evidências que podem encorajá-los a encerrar investimentos ruins mais cedo (Albersmann & Quick, 2020Albersmann, B. T., & Quick, R. (2020). The impact of audit quality indicators on the timeliness of goodwill impairments: Evidence from the German setting. Abacus, 56(1), 66-103. https://doi.org/10.1111/abac.12184
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).

Esta pesquisa preenche uma lacuna em relação à tempestividade do impairment do goodwill no contexto brasileiro, já que estudos nacionais se concentram nas determinantes dessa perda (Alves & Silva, 2020Alves, K. R. C. P., & Silva, C. A. T. (2020). Determinantes do reconhecimento da perda pelo impaiment test. Revista Ambiente Contábil, 12(2), 112-135. https://doi.org/10.21680/2176-9036.2020v12n2id19759
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; Pacheco et al., 2017Pacheco, T., Pacheco, T., Campagnoni, M., & Rover, S. (2017). Explicações para o reconhecimento das perdas por impairment do goodwill. Sociedade, Contabilidade e Gestão, 12(3), 1-24. https://doi.org/10.21446/scg_ufrj.v12i3.14163
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; Vogt et al., 2016Vogt, M., Pletsch, C. S., Morás, V. R., & Klann, R. C. (2016). Determinants of goodwill impairment loss recognition. Revista Contabilidade & Finanças, 27(72), 349-362. https://doi.org/10.1590/1808-057x201602010
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), em sua divulgação (Barbosa et al., 2014Barbosa, J. D. S., Consoni, S., Scherer, L. M., & Clemente, A. (2014). Impairment no goodwill: uma análise baseada na divulgação contábil. Revista de Educação e Pesquisa em Contabilidade (REPeC), 8(2), 159-179. https://doi.org/10.17524/repec.v8i2.1028
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; Feitosa et al., 2017Feitosa, M. N., Gomes, D. A. C., Santiago, W. de P., & Santos, I. O. (2017). Impairment no goodwill: evidenciação contábil das empresas do Novo Mercado. Revista Mineira de Contabilidade, 18, 16-26.; Souza et al., 2014Souza, M. M. de, Borba, J. A., & Lunkes, R. J. (2014). Evidenciação das exigências pertinentes ao impairment do goodwill nas empresas de capital aberto brasileiras no período de 2008 a 2011. Revista de Administração, Contabilidade e Economia da Fundace, 5(1), 1-16. https://doi.org/10.13059/racef.v5i1.62
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) ou no comportamento do gestor (Cappellesso et al., 2017Cappellesso, G., Rodrigues, J. M., & Prieto, M. de F. (2017). Redução ao valor recuperável do goodwill: evidências do gerenciamento de resultados em sua determinação. Advances in Scientific and Applied Accounting, 10(3), 286-303. https://asaa.anpcont.org.br/index.php/asaa/article/view/360
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; Garcia et al., 2020Garcia, I. A. S., Lucena, W. G. L., & Gomes, A. K. de L. J. (2020). Cognitive dissonance or agency theory, what explains the loss of impairment of goodwill? Contabilidade, Gestão e Governança, 23(2), 200-217. ; Moura et al., 2019Moura, G. D. de, Fank, D. R. B., Mazzioni, S., Angonese, R., & Silva, G. (2019). Habilidade gerencial e perdas do valor recuperável do goodwill. Revista de Educação e Pesquisa em Contabilidade (REPeC), 13(2), 197-218. https://doi.org/10.17524/repec.v13i2.2002
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). Também, avança o estudo de Cappellesso et al. (2018), que identificam que o mercado não reage ao reconhecimento dessa perda, mas não identifica uma razão para isso.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

Seguindo o IASB, o Brasil adotou a abordagem do teste de redução ao valor recuperável do goodwill a partir de 2009, com a emissão do Comitê de Pronunciamentos Contábeis 15 (CPC 15) - Combinação de Negócios. Dessa forma, as empresas devem realizar o teste de impairment no mínimo anualmente e sempre que houver evidências internas e externas de desvalorização, reconhecendo a perda quando o valor contábil exceder o valor recuperável da UGC à qual pertence o goodwill (seguindo o CPC 01 - Redução ao Valor Recuperável de Ativos).

Isso implica em elevado grau de discricionariedade nesse teste, principalmente porque a estimação do valor recuperável da UGC do goodwill envolve um modelo de avaliação que requer premissas não verificáveis (Ramanna, 2008Ramanna, K. (2008). The implications of unverifiable fair-value accounting: Evidence from the political economy of goodwill accounting. Journal of Accounting and Economics, 45(2-3), 253-281. https://doi.org/10.1016/j.jacceco.2007.11.006
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; Ramanna & Watts, 2012Ramanna, K., & Watts, R. L. (2012). Evidence on the use of unverifiable estimates in required goodwill impairment. Review of Accounting Studies, 17(4), 749-780. https://doi.org/10.1007/s11142-012-9188-5
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). Especificamente, uma vez que não é possível avaliar o valor justo do goodwill separadamente, o valor recuperável normalmente será o valor em uso, o qual envolve julgamento em diversos pontos, como nos ativos que compõem a UGC, nas evidências de desvalorização e na estimação do fluxo de caixa futuro, da taxa de crescimento e da taxa de desconto (Carlin & Finch, 2009Carlin, T. M., & Finch, N. (2009). Discount rates in disarray: Evidence on flawed goodwill impairment testing. Australian Accounting Review, 19(4), 326-336. https://doi.org/10.1111/j.1835-2561.2009.00069.x
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; Niyama et al., 2015Niyama, J., Rodrigues, A. M., & Rodrigues, J. (2015). Some thoughts on creative accounting and International Accounting Standards. Revista Universo Contábil, 11(1), 69-87. https://doi.org/10.4270/ruc.2015104
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).

Tal discricionariedade pode ser usada de forma eficiente pelos gestores, a fim de comunicar informações privadas sobre o desempenho futuro da empresa, ou de forma oportunista, alterando o momento ou o valor da perda por redução ao valor recuperável do goodwill (Abughazaleh et al., 2011Abughazaleh, N. M., Al-Hares, O. M., & Roberts, C. (2011). Accounting discretion in goodwill impairments: UK evidence. Journal of International Financial Management and Accounting, 22(3), 165-204. https://doi.org/10.1111/j.1467-646X.2011.01049.x
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; Ramanna & Watts, 2012Ramanna, K., & Watts, R. L. (2012). Evidence on the use of unverifiable estimates in required goodwill impairment. Review of Accounting Studies, 17(4), 749-780. https://doi.org/10.1007/s11142-012-9188-5
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). Com relação ao momento do reconhecimento, as empresas podem atrasar, acelerar ou não reconhecer a perda por impairment do goodwill, afetando a tempestividade dessa informação para os investidores (Glaum et al., 2018Glaum, M., Landsman, W. R., & Wyrwa, S. (2018). Goodwill impairment: The effects of public enforcement and monitoring by institutional investors. The Accounting Review, 93(6), 149-180. https://doi.org/10.2308/accr-52006
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; Ramanna, 2008Ramanna, K. (2008). The implications of unverifiable fair-value accounting: Evidence from the political economy of goodwill accounting. Journal of Accounting and Economics, 45(2-3), 253-281. https://doi.org/10.1016/j.jacceco.2007.11.006
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; Ramanna & Watts, 2012Ramanna, K., & Watts, R. L. (2012). Evidence on the use of unverifiable estimates in required goodwill impairment. Review of Accounting Studies, 17(4), 749-780. https://doi.org/10.1007/s11142-012-9188-5
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).

Os gestores têm incentivos para atrasar ou evitar o impairment do goodwill, a fim de superestimar temporariamente o valor desse ativo, do lucro ou dos preços das ações, principalmente porque essa perda sinalizaria uma estratégia de investimento falha e um declínio no desempenho da empresa (Bartov et al., 2020Bartov, E., Cheng, C. S. A., & Wu, H. (2020). Overbidding in mergers and acquisitions: An accounting perspective. The Accounting Review, 96(2), 55-79. https://doi.org/https://doi.org/10.2308/TAR-2018-0260
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; Gu & Lev, 2011Gu, F., & Lev, B. (2011). Overpriced shares, ill-advised acquisitions, and goodwill impairment. The Accounting Review, 86(6), 1995-2022. https://doi.org/10.2308/accr-10131
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; Sun, 2016Sun, L. (2016). Managerial ability and goodwill impairment. Advances in Accounting, 32, 42-51. https://doi.org/10.1016/j.adiac.2016.02.002
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). Assim, para atrasar o reconhecimento dessa perda, os gestores podem usar sua discricionariedade de modo a inflar o valor recuperável da UGC do goodwill, seja por meio de avaliações otimistas sobre a taxa de crescimento e de desconto, ou por meio do gerenciamento do fluxo de caixa (Carlin & Finch, 2009Carlin, T. M., & Finch, N. (2009). Discount rates in disarray: Evidence on flawed goodwill impairment testing. Australian Accounting Review, 19(4), 326-336. https://doi.org/10.1111/j.1835-2561.2009.00069.x
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; Filip et al., 2021Filip, A., Lobo, G. J., & Paugam, L. (2021). Managerial discretion to delay the recognition of goodwill impairment: The role of enforcement. Journal of Business Finance & Accounting, 48, 36-69. https://doi.org/10.1111/jbfa.12501
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).

Diversos estudos encontram evidências condizentes com os gestores atrasando ou evitando o reconhecimento da perda por impairment do goodwill. Isso é observado, por exemplo, por Beatty e Weber (2006Beatty, A., & Weber, J. (2006). Accounting discretion in fair value estimates: An examination of SFAS 142 goodwill impairments. Journal of Accounting Research, 44(2), 257-288. https://doi.org/10.1111/j.1475-679X.2006.00200.x
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), Li e Sloan (2017Li, K. K., & Sloan, R. G. (2017). Has goodwill accounting gone bad? Review of Accounting Studies, 22(2), 964-1003. https://doi.org/10.1007/s11142-017-9401-7
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), Li et al. (2011Li, Z., Shroff, P. K., Venkataraman, R., & Zhang, I. X. (2011). Causes and consequences of goodwill impairment losses. Review of Accounting Studies, 16(4), 745-778. https://doi.org/10.1007/s11142-011-9167-2
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) e Ramanna e Watts (2012Ramanna, K., & Watts, R. L. (2012). Evidence on the use of unverifiable estimates in required goodwill impairment. Review of Accounting Studies, 17(4), 749-780. https://doi.org/10.1007/s11142-012-9188-5
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) no contexto americano da Statement of Financial Accounting Standards 142 (SFAS 142). Já no âmbito das normas internacionais de contabilidade, pesquisas realizadas na Alemanha (Albersmann & Quick, 2020Albersmann, B. T., & Quick, R. (2020). The impact of audit quality indicators on the timeliness of goodwill impairments: Evidence from the German setting. Abacus, 56(1), 66-103. https://doi.org/10.1111/abac.12184
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), Austrália (Ji, 2013Ji, K. (2013). Better late than never, the timing of goodwill impairment testing in Australia. Australian Accounting Review, 23(4), 369-379. https://doi.org/10.1111/auar.12036
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) e Coreia do Sul (Choi & Nam, 2020Choi, J. S., & Nam, J. A. (2020). Does managerial discretion affect the value relevance of goodwill impairment information under IFRS? Korean evidence. Asia-Pacific Journal of Accounting and Economics, 27(1), 1-23. https://doi.org/10.1080/16081625.2020.1686813
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) também fornecem evidências de que a perda por impairment do goodwill não é reconhecida de forma totalmente oportuna pelas empresas.

Estudos que analisam conjuntamente múltiplos países convergentes às IFRS também indicam essa falta de tempestividade no declínio do goodwill. Glaum et al. (2018Glaum, M., Landsman, W. R., & Wyrwa, S. (2018). Goodwill impairment: The effects of public enforcement and monitoring by institutional investors. The Accounting Review, 93(6), 149-180. https://doi.org/10.2308/accr-52006
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) verificam que, embora as empresas com pior desempenho econômico tenham maior probabilidade de reconhecer o impairment do goodwill, não o fazem totalmente em tempo hábil. Para os autores, isso pode refletir tanto os incentivos econômicos dos gestores para retardar o impairment quanto as deficiências na aplicação das normas de contabilidade e auditoria em nível nacional. Condizente com isso, Filip et al. (2021Filip, A., Lobo, G. J., & Paugam, L. (2021). Managerial discretion to delay the recognition of goodwill impairment: The role of enforcement. Journal of Business Finance & Accounting, 48, 36-69. https://doi.org/10.1111/jbfa.12501
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) e Glaum et al. (2018Glaum, M., Landsman, W. R., & Wyrwa, S. (2018). Goodwill impairment: The effects of public enforcement and monitoring by institutional investors. The Accounting Review, 93(6), 149-180. https://doi.org/10.2308/accr-52006
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) constataram que empresas de países com alto enforcement têm mais chances de reconhecer a perda no goodwill de forma tempestiva do que empresas situadas em países com baixo enforcement.

No Brasil, entretanto, as pesquisas não avaliam diretamente a tempestividade do impairment do goodwill sob o ponto de vista do mercado de capitais, mas apresentam evidências de que a decisão de reconhecer essa perda está associada a incentivos gerenciais ligados ao timing do reconhecimento. Por exemplo, estudos nacionais observam que o big bath, um tipo de manipulação para adiantar possíveis resultados ruins, é uma determinante do reconhecimento da perda por impairment, o que indicaria que os gestores podem acelerar a perda no goodwill a fim de apresentar maiores resultados no futuro (Alves & Silva, 2020Alves, K. R. C. P., & Silva, C. A. T. (2020). Determinantes do reconhecimento da perda pelo impaiment test. Revista Ambiente Contábil, 12(2), 112-135. https://doi.org/10.21680/2176-9036.2020v12n2id19759
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; Cappellesso et al., 2017Cappellesso, G., Rodrigues, J. M., & Prieto, M. de F. (2017). Redução ao valor recuperável do goodwill: evidências do gerenciamento de resultados em sua determinação. Advances in Scientific and Applied Accounting, 10(3), 286-303. https://asaa.anpcont.org.br/index.php/asaa/article/view/360
https://asaa.anpcont.org.br/index.php/as...
; Pacheco et al., 2017Pacheco, T., Pacheco, T., Campagnoni, M., & Rover, S. (2017). Explicações para o reconhecimento das perdas por impairment do goodwill. Sociedade, Contabilidade e Gestão, 12(3), 1-24. https://doi.org/10.21446/scg_ufrj.v12i3.14163
https://doi.org/10.21446/scg_ufrj.v12i3....
).

De modo semelhante, Vogt et al. (2016Vogt, M., Pletsch, C. S., Morás, V. R., & Klann, R. C. (2016). Determinants of goodwill impairment loss recognition. Revista Contabilidade & Finanças, 27(72), 349-362. https://doi.org/10.1590/1808-057x201602010
https://doi.org/10.1590/1808-057x2016020...
), ao estudarem as determinantes do impairment do goodwill no contexto brasileiro, observaram que as perdas foram determinadas por incentivos gerenciais como mudança na gestão. Como explicam os autores, empresas que trocam de gestores podem apresentar uma tendência a divulgar maiores perdas, atribuindo sua causa às más decisões de seus antecessores, a fim de reduzir perdas futuras.

Enfim, com base no exposto e nas evidências empíricas, a hipótese leva em consideração que a discricionariedade presente no CPC 01 - Redução ao Valor Recuperável de Ativos (que segue a IAS 36) - permite que os gestores manipulem o momento do reconhecimento da perda por impairment do goodwill, afetando a tempestividade percebida pelo mercado de capitais. Mais ainda, como o Brasil é considerado um país code law (La Porta et al., 1998La Porta, R., Silanes, F. L., Shleifer, A., & Vishny, R. W. (1998). Law and finance. Journal of Political Economy, 106(6), 1113-1155.), caracterizado com baixo nível de enforcement e fraca proteção aos investidores, a importância da tempestividade seria menos enfática (Knauer & Wöhrmann, 2016Knauer, T., & Wöhrmann, A. (2016). Market reaction to goodwill impairments. European Accounting Review, 25(3), 421-449. https://doi.org/10.1080/09638180.2015.1042888
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). Portanto, a hipótese do estudo é:

H1: a perda por redução ao valor recuperável do goodwill não é reconhecida de maneira totalmente tempestiva pelas empresas brasileiras.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

3.1 Variáveis e Modelo Econométrico

Para testar a tempestividade da perda por redução ao valor recuperável do goodwill, aplica-se o modelo 1 com duas variáveis dependentes diferentes: uma que consiste no reconhecimento ou não da perda no goodwill e outra que utiliza o valor da perda. As variáveis independentes utilizadas se referem a uma métrica de tempestividade e outras variáveis de controle conhecidas na literatura por influenciarem o reconhecimento do impairment no goodwill, conforme modelo 1:

GI i,t = β 0 + β 1 RET i,t + β 2 RET i,t-1 + β c Controles i,t + ε i,t (1)

em que GIi,t é a variável dummy igual a 1 se a empresa i reconheceu uma perda por redução ao valor recuperável no goodwill no ano t, 0 caso contrário, ou o valor da perda da empresa i no ano t escalonada pelo ativo total defasado, RETi,t é o retorno anual das ações ajustado por dividendos da empresa i no ano t, RETi,t-1 é o retorno anual das ações ajustado por dividendos da empresa i no ano anterior e controlesi,t são as variáveis definidas conforme Tabela 1.

Para a variável dependente que indica a existência ou não de impairment no goodwill, utilizou-se uma regressão logística devido à sua natureza dicotômica. Já na regressão que considera o valor da perda por redução ao valor recuperável no goodwill, aplicou-se o modelo tobit. Essa escolha se dá pela natureza da variável dependente que, por incluir empresas que não reconhecem perda alguma, acaba sendo censurada à esquerda (em 0). As variáveis independentes são as mesmas nas duas regressões e são explicadas na Tabela 1.

Tabela 1.
Descrição das variáveis explicativas

O design do teste é baseado em Albersmann e Quick (2020Albersmann, B. T., & Quick, R. (2020). The impact of audit quality indicators on the timeliness of goodwill impairments: Evidence from the German setting. Abacus, 56(1), 66-103. https://doi.org/10.1111/abac.12184
https://doi.org/10.1111/abac.12184...
) e Glaum et al. (2018Glaum, M., Landsman, W. R., & Wyrwa, S. (2018). Goodwill impairment: The effects of public enforcement and monitoring by institutional investors. The Accounting Review, 93(6), 149-180. https://doi.org/10.2308/accr-52006
https://doi.org/10.2308/accr-52006...
). Partindo de Basu (1997Basu, S. (1997). The conservatism principle and the asymmetric timeliness of earnings. Journal of Accounting and Economics, 24(1), 3-37. https://doi.org/10.1016/S0165-4101(97)00014-1
https://doi.org/10.1016/S0165-4101(97)00...
), a tempestividade das perdas por impairment do goodwill é testada por meio de sua associação com os retornos das ações, pois esse dado reflete todas as informações publicamente disponíveis que podem fornecer notícias oportunas sobre a necessidade de impairment. No caso do goodwill, o retorno tem impacto ainda mais importante, na medida em que o ágio tem vida útil indefinida e os retornos das ações refletem fluxos de caixa descontados ao longo de um período infinito (Banker et al., 2017Banker, R. D., Basu, S., & Byzalov, D. (2017). Implications of impairment decisions and assets’ cash-flow horizons for conservatism research. The Accounting Review, 92(2), 41-67. https://doi.org/10.2308/accr-51524
https://doi.org/10.2308/accr-51524...
). Assim, uma associação entre impairment do goodwill e retorno das ações contemporâneo indicaria o reconhecimento oportuno dessa perda. Contudo, como os gestores têm incentivos para atrasar o impairment, também se inclui o retorno defasado para testar a falta de tempestividade. A matriz 2 x 2 na Figura 1 demonstra como os retornos podem ser interpretados quanto à tempestividade.

Figura 1
Interpretação sobre tempestividade

Para não rejeitar a H1, as evidências devem ser consistentes com os cenários 1 ou 2, ou seja, basta haver associação negativa e significante entre a perda por impairment do goodwill e o retorno defasado. Destaca-se que o cálculo do retorno, estimado no período intra-anúncios, é desenvolvido a fim de excluir a resposta do mercado aos resultados do período anterior, já que a legislação brasileira permite que as demonstrações sejam divulgadas até três meses após o fim do ano fiscal. Isso assegura que informações de resultados do ano corrente, incluindo potenciais perdas no goodwill, sejam processadas pelos participantes do mercado de capitais (Albersmann & Quick, 2020Albersmann, B. T., & Quick, R. (2020). The impact of audit quality indicators on the timeliness of goodwill impairments: Evidence from the German setting. Abacus, 56(1), 66-103. https://doi.org/10.1111/abac.12184
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).

Quanto às variáveis de controle, são incluídas as principais medidas de desempenho econômico conhecidas na literatura por influenciarem a perda por redução ao valor recuperável do goodwill, como índice book-to-market (BM) e retorno sobre ativos (Abughazaleh et al., 2011Abughazaleh, N. M., Al-Hares, O. M., & Roberts, C. (2011). Accounting discretion in goodwill impairments: UK evidence. Journal of International Financial Management and Accounting, 22(3), 165-204. https://doi.org/10.1111/j.1467-646X.2011.01049.x
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; Albersmann & Quick, 2020Albersmann, B. T., & Quick, R. (2020). The impact of audit quality indicators on the timeliness of goodwill impairments: Evidence from the German setting. Abacus, 56(1), 66-103. https://doi.org/10.1111/abac.12184
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; Glaum et al., 2018Glaum, M., Landsman, W. R., & Wyrwa, S. (2018). Goodwill impairment: The effects of public enforcement and monitoring by institutional investors. The Accounting Review, 93(6), 149-180. https://doi.org/10.2308/accr-52006
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; Vogt et al., 2016Vogt, M., Pletsch, C. S., Morás, V. R., & Klann, R. C. (2016). Determinants of goodwill impairment loss recognition. Revista Contabilidade & Finanças, 27(72), 349-362. https://doi.org/10.1590/1808-057x201602010
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). Contudo, o modelo não controla incentivos gerenciais, especialmente os de manipulação do timing do reconhecimento (como big bath), pois o reconhecimento oportuno de perdas representado pelo retorno já tem um componente endógeno relacionado aos incentivos de divulgação das empresas (Dechow et al., 2010Dechow, P., Ge, W., & Schrand, C. (2010). Understanding earnings quality: A review of the proxies, their determinants and their consequences. Journal of Accounting and Economics, 50(2-3), 344-401. https://doi.org/10.1016/j.jacceco.2010.09.001
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). Portanto, controlar esses incentivos retiraria o efeito da tempestividade buscado.

3.2 Amostra e Coleta de Dados

Para a realização do estudo, foram utilizadas empresas brasileiras não financeiras listadas na B3 S.A. - Brasil, Bolsa, Balcão (B3) que tinham goodwill reconhecido durante algum ano no período de 2010 a 2020. Os dados iniciam em 2010, pois a exigência do teste de impairment no goodwill se tornou vigente a partir de 2009, e a inclusão desse primeiro ano de adoção pode afetar o reconhecimento da perda (Albersmann & Quick, 2020Albersmann, B. T., & Quick, R. (2020). The impact of audit quality indicators on the timeliness of goodwill impairments: Evidence from the German setting. Abacus, 56(1), 66-103. https://doi.org/10.1111/abac.12184
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). Já a exclusão das instituições financeiras se justifica devido (i) à submissão dessas entidades a parâmetros de regulação prudencial e supervisão que determinam a atuação dessas entidades e (ii) à característica do negócio da intermediação financeira ter como pressuposto a forte alavancagem, o que tende a produzir indicadores contábeis não comparáveis aos relacionados às entidades não financeiras.

As variáveis contábeis foram coletadas nas demonstrações financeiras consolidadas, sendo os dados sobre a perda por redução ao valor recuperável do goodwill coletados manualmente nas notas explicativas no website da B3 e o restante das variáveis contábeis obtidas na Thomson Reuters. Os dados sobre retorno das ações foram coletados na base Economatica, já que essa permitia o cálculo no período intra-anúncios.

Devido ao cálculo do retorno, a amostra exclui empresas com encerramento de exercício fiscal diferente de dezembro. Além disso, são desconsideradas observações de patrimônio líquido negativo e valor de mercado igual a 0, o que poderia tornar o BM enganoso. As etapas da obtenção da amostra podem ser visualizadas na Tabela 2, juntamente com o número de observações anuais de empresas com goodwill e que reconheceram perdas por impairment.

Tabela 2.
Composição da amostra com dados no período de 2010 a 2020

A amostra do estudo totalizou 163 firmas, indicando que mais da metade das empresas não financeiras listadas na B3 registrou goodwill em algum ano no período de 2010 a 2020. Ao detalhar o período, verifica-se uma tendência geral de aumento no número de empresas com goodwill reconhecido, somando 1.324 observações de empresas-anos ao longo dos 11 anos analisados. O número de empresas com perda por redução ao valor recuperável no período, entretanto, é de somente 129, correspondendo a menos de 10% das observações com goodwill. Esse número varia ao longo dos anos, com tendência de aumento até 2016, redução até 2018 e, novamente, aumento até 2020.

Como a perda por redução ao valor recuperável do goodwill depende de evidências externas de desvalorização, o contexto econômico brasileiro pode ajudar a explicar essa variação. Por exemplo, os anos 2015 e 2016, que tiveram o maior número de perdas no goodwill, foram marcados pela recessão econômica brasileira. Já em 2020, o aumento no número de perdas reconhecidas pode estar ligado ao impacto da pandemia nas atividades econômicas das empresas.

4. RESULTADOS

4.1 Apresentação dos Resultados

A Tabela 3 apresenta as estatísticas descritivas das variáveis utilizadas no estudo.

Tabela 3.
Estatísticas descritivas das empresas brasileiras com dados do período de 2010 a 2020

Do total de empresas que tinham informações sobre o teste de redução ao valor recuperável no goodwill, mais de 90% não reconheceram baixas no período, levando à perda média de somente 0,24% em relação ao ativo total e mediana igual a 0. No entanto, ao considerar somente as 129 empresas que registraram perdas, o valor do impairment corresponde à média de mais de 16% do montante do goodwill e 0,7% do ativo total (em análises não tabuladas). Ainda, o valor dessa perda pode ser material, chegando a comprometer 29,50% do ativo total defasado, conforme observado pelo valor máximo.

Com relação às variáveis independentes, observou-se o retorno médio em torno de 30%, variando de -95 a 16.683. Isso, juntamente com o desvio-padrão (DP), indica alta dispersão em torno da média e possíveis outliers. Quanto ao BM, verificou-se que o valor de mercado das empresas, em média, superou seu valor patrimonial (BM < 1). Mais ainda, a mediana demonstra que 50% das empresas tiveram valor de mercado de pelo menos 1,69 (1/0,59) vezes maior que seu patrimônio líquido (PL). Por fim, o retorno sobre os ativos ficou em torno de 4,64%, sendo o mais próximo da mediana, enquanto o goodwill correspondeu a mais ou menos 13,26% dos ativos totais, atingindo o máximo de 283%. Isso ocorre porque o escalonamento do goodwill se dá em relação ao ativo total do período anterior, podendo ultrapassá-lo.

Como muitas variáveis apresentam valores mínimos e máximos relativamente distantes da média e alto DP, é possível que os resultados sejam influenciados por potenciais outliers. Para mitigar esse efeito, foram excluídos os outliers identificados nos percentis extremos de 1% para que não haja exclusões excessivas.

Quanto à distribuição dos dados, todas as variáveis tiveram média maior que a mediana, indicando que há distribuição assimétrica e positivamente distorcida para todas. Assim, para obter mais evidências sobre a normalidade dos dados, a Tabela 3 apresenta os resultados do teste de Shapiro-Wilk, o qual rejeita a hipótese de normalidade. Por isso, o teste de correlação apresentando na Tabela 4 utiliza uma medida não paramétrica, o rô de Spearman.

Tabela 4.
Matriz de correlação de Spearman

A análise univariada demonstra que as correlações entre cada variável independente e as variáveis dependentes (GI) seguem o sinal esperado e são estatisticamente significantes, com exceção do retorno atual e do tamanho da empresa. Isso fornece evidências preliminares de que, ao passo que as empresas reconhecem a perda por redução ao valor recuperável do goodwill, também apresentam retornos anteriores e ROA mais baixos e goodwill mais elevado. Além disso, a falta de significância no coeficiente de correlação entre o retorno contemporâneo e o reconhecimento do impairment do goodwill pode ser considerada uma evidência preliminar sobre a falta de tempestividade dessa perda, apesar de haver uma fraca correlação quando se trata do montante da perda.

Ao considerar as correlações entre variáveis independentes, é possível obter indícios sobre a existência de possível multicolinearidade. Apesar de algumas correlações serem significantes, nenhuma se aproximou de 0,8, indicando que a multicolinearidade não é um problema. Isso é confirmado pelo teste fator de inflação da variância (FIV), que ficou em torno de 1 (1,16) para todas as variáveis consideradas. Além da multicolinearidade, outro pressuposto que deve ser considerado ao utilizar os modelos logit e tobit é a ausência de autocorrelação. Para isso, foi executado o teste de Wooldridge, o qual rejeitou a hipótese nula de ausência de autocorrelação. Assim, os modelos da regressão logística e tobit foram executados com erros-padrão robustos clusterizados por empresa, cujos resultados são apresentados na Tabela 5.

Tabela 5.
Resultados da regressão logística e tobit

Os resultados da regressão logística incluem os coeficientes das variáveis, a fim de avaliar o sinal da relação, e o odds ratio (razão de chances), que aponta quantas vezes a probabilidade de registro de impairment no goodwill é impactada pelas variáveis. Além disso, a Tabela 5 demonstra que o modelo é estatisticamente significante a 5% e explica em torno de 4,58% da variação na probabilidade de reconhecimento do impairment. Esse baixo percentual ocorre por uma limitação da própria regressão logística, que geralmente apresenta baixo poder explicativo (Gujarati & Porter, 2011Gujarati, D. N., & Porter, D. C. (2011). Econometria básica (5a. ed.). AMGH.).

Com relação às variáveis, constatou-se que somente o retorno defasado foi estatisticamente significante. Com sinal negativo, essa variável indica que quanto menor o retorno defasado, maior a probabilidade de reconhecer uma perda por redução ao valor recuperável no goodwill. Apesar de significante, no entanto, essas chances não se alteram em elevadas magnitudes, visto que o odds ratio é próximo a 1. Por sua vez, o retorno contemporâneo das ações não foi estatisticamente significante, gerando evidências consistentes com o cenário 2 da Figura 1 e com a hipótese do estudo.

Considerando a regressão tobit, o modelo deteve um maior poder de teste, explicando cerca de 58,77% da variação no valor incidente da perda. Nesse modelo, o goodwill passou a ser significante e positivamente associado ao montante do impairment, indicando que um ágio mais elevado está relacionado a maiores perdas por redução ao valor recuperável, conforme esperado. Além disso, observou-se que os resultados acerca dos retornos são similares aos encontrados na regressão logística, indicando que quanto mais negativo o retorno defasado, maior o valor da incidência de perda no goodwill, e que a perda não é explicada pelo retorno contemporâneo das ações.

Portanto, tanto os resultados da regressão logística quanto do modelo tobit fornecem evidências condizentes com a hipótese de que a perda por redução ao valor recuperável do goodwill não é reconhecida de maneira totalmente tempestiva pelas empresas brasileiras. Mais ainda, pode-se dizer que essa perda não é totalmente, e sequer parcialmente, oportuna. Devido a essas evidências e à possibilidade de os gestores usarem sua discricionariedade para evitar, atrasar ou acelerar a perda por impairment do goodwill, a Tabela 6 apresenta algumas análises adicionais sobre essas questões, examinando sua tempestividade de modo mais abrangente.

Tabela 6.
Análises adicionais sobre a tempestividade do impairment do goodwill

Seguindo a metodologia de André et al. (2016André, P., Filip, A., & Paugam, L. (2016). Examining the patterns of goodwill impairments in Europe and the US. Accounting in Europe, 13(3), 329-352. https://doi.org/10.1080/17449480.2016.1260748
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), o Painel A da Tabela 6 fornece evidências sobre a possibilidade de os gestores estarem evitando a perda no goodwill. Para isso, foram analisados alguns indicadores econômicos de impairment: EBITDA negativo, BM maior que 1 e diferença entre valor de mercado e PL menor que o montante de goodwill. Com base nesses fatores, calcula-se a frequência condicional de impairment contábil, ou seja, estima-se a porcentagem de perdas reconhecidas em relação à quantidade de perdas que deveriam ter sido registradas com base nesses indicadores econômicos.

Os resultados do Painel A demonstram, de maneira geral, que a quantidade de empresas que registraram perdas no goodwill foi menor que o número de empresas que deveriam tê-la reconhecido com base nos indicadores utilizados. Com base no EBITDA negativo, precisaria haver 175 observações com impairment no goodwill durante o período, 287 se considerar o BM e 419 com base na diferença entre o valor de mercado e o PL. Contudo, somente 129 empresas reconheceram o impairment durante os anos analisados. Isso pode sugerir que algumas empresas evitam reconhecer a perda por redução ao valor recuperável do goodwill, mesmo quando há indícios para isso. Ressalta-se, entretanto, que ao considerar o EBITDA negativo, 73,71% das empresas-anos que deveriam ter reconhecido uma perda no goodwill a fizeram, sugerindo que as firmas consideram esse indicador no momento de reconhecer o impairment do goodwill.

O Painel B estende a análise da Tabela 5, a fim de descobrir em até quantos anos a perda por redução ao valor recuperável do goodwill foi postergada. Para isso, foram incluídas novas defasagens do retorno anual, até que essas percam significância estatística. Os resultados demonstram que a inclusão de mais defasagens melhorou o poder explicativo dos modelos, e que o retorno contemporâneo permaneceu insignificante enquanto os defasados em um e dois anos foram negativamente significantes. Contudo, os modelos logit e tobit diferem em relação ao retorno defasado em três anos, sendo significante a 10% quando é para explicar o montante da perda. Em geral, essas evidências indicam que a perda por impairment do goodwill é atrasada em pelo menos um a dois anos, e que seu valor ainda poder ter relação com evidências de três anos antes. Mais ainda, observou-se que a significância do retorno em t -2 é maior, o que pode ser indício de que o impairment do goodwill seja propenso a ser mais atrasado em dois anos.

Enfim, o Painel C da Tabela 6 considera a possibilidade de que os gestores acelerem o reconhecimento do impairment do goodwill, reconhecendo-o cedo demais. Para essa análise, em vez de utilizar retornos defasados, utilizou-se o retorno anual das ações para o período imediatamente posterior. As evidências demonstraram que o modelo não tem poder explicativo quando se inclui somente o retorno em t + 1 e que essa não foi estatisticamente significante. Portanto, essa análise sugere que os gestores não aceleraram o registro da perda por impairment no goodwill.

Para assegurar maior robustez aos resultados obtidos, foram realizadas algumas análises de sensibilidade. Primeiramente, considerou-se o retorno contemporâneo e defasado em regressões separadas, a fim de mitigar qualquer preocupação ainda restante sobre uma possível relação entre essas variáveis. Assim, observou-se que o retorno contemporâneo continua sem significância estatística, enquanto o retorno defasado permanece negativo e estatisticamente significante a um nível de 5%.

Além disso, considerou-se a possibilidade de que variáveis de controle correlacionadas possam gerar um falso positivo, sendo aplicada uma regressão por etapas (stepwise) para mitigar essa preocupação. As análises não tabuladas demonstraram que somente o retorno defasado permaneceu negativo e estatisticamente significante em todas as etapas e que todas as variáveis de controle se comportaram da mesma forma que o apresentado na Tabela 5.

O modelo 1 também foi executado com algumas alternativas para tratamento de outliers, usando a winsorização dos dados em 1 e 5% e não realizando qualquer intervenção. Com isso, observou-se que os resultados são os mesmos daqueles que exclui outliers. Portanto, as evidências levantadas na Tabela 5 são robustas a diferentes formas de estimação de modelos e de dados, permanecendo o retorno contemporâneo insignificante e o retorno defasado negativo e significante a 5%.

4.2 Discussão dos Resultados

Conforme os resultados apresentados, menos de 10% das empresas brasileiras registraram perda por redução ao valor recuperável do goodwill no período, percentual um pouco superior aos 6% observados por Vogt et al. (2016Vogt, M., Pletsch, C. S., Morás, V. R., & Klann, R. C. (2016). Determinants of goodwill impairment loss recognition. Revista Contabilidade & Finanças, 27(72), 349-362. https://doi.org/10.1590/1808-057x201602010
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) ao longo de 2011 e 2014. Apesar da baixa frequência, o valor da perda pode ser material, baixando em média 16% do valor do goodwill e podendo chegar a quase 30% do ativo total defasado. Como os gestores podem fazer julgamentos discricionários para evitar perdas, o impairment ocorrerá apenas quando houver evidência irrefutável de declínio no valor do goodwill. Assim, as empresas não registrariam pequenas reduções, mas esperariam até que o goodwill estivesse obviamente perdido, baixando-o em maiores magnitudes (Li & Sloan, 2017Li, K. K., & Sloan, R. G. (2017). Has goodwill accounting gone bad? Review of Accounting Studies, 22(2), 964-1003. https://doi.org/10.1007/s11142-017-9401-7
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; Linsmeier & Wheeler, 2020Linsmeier, T. J., & Wheeler, E. (2020). The debate over subsequent accounting for goodwill. Accounting Horizons, 23529(2), 1-45. https://doi.org/10.2308/HORIZONS-19-054
https://doi.org/10.2308/HORIZONS-19-054...
). Isso explicaria a baixa frequência de impairment no goodwill e sua materialidade.

Comparando a frequência de impairment no goodwill entre Brasil e outros países que adotam as normas internacionais de contabilidade, é possível verificar que o reconhecimento dessa perda é menos frequente. Por exemplo, Albersmann e Quick (2020Albersmann, B. T., & Quick, R. (2020). The impact of audit quality indicators on the timeliness of goodwill impairments: Evidence from the German setting. Abacus, 56(1), 66-103. https://doi.org/10.1111/abac.12184
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) observaram que 21,5% das empresas alemãs divulgaram perdas por impairment no período de 2006 a 2013, enquanto Choi e Nam (2020Choi, J. S., & Nam, J. A. (2020). Does managerial discretion affect the value relevance of goodwill impairment information under IFRS? Korean evidence. Asia-Pacific Journal of Accounting and Economics, 27(1), 1-23. https://doi.org/10.1080/16081625.2020.1686813
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) reportaram a frequência de 22% em empresas da Coreia do Sul durante 2011 e 2016. Apesar de envolver períodos diferentes, esses estudos também analisam o impairment do goodwill desde os primeiros anos de adoção e consideram uma janela ainda mais curta do que a comparada nesta pesquisa. Portanto, pode-se dizer que a frequência de impairment do goodwill no Brasil seja menor em comparação a outros países.

Os resultados das regressões demonstraram que a perda por redução ao valor recuperável do goodwill não é reconhecida tempestivamente, consistente com estudos anteriores realizados nos Estados Unidos da América (Beatty & Weber, 2006Beatty, A., & Weber, J. (2006). Accounting discretion in fair value estimates: An examination of SFAS 142 goodwill impairments. Journal of Accounting Research, 44(2), 257-288. https://doi.org/10.1111/j.1475-679X.2006.00200.x
https://doi.org/10.1111/j.1475-679X.2006...
; Li et al., 2011Li, Z., Shroff, P. K., Venkataraman, R., & Zhang, I. X. (2011). Causes and consequences of goodwill impairment losses. Review of Accounting Studies, 16(4), 745-778. https://doi.org/10.1007/s11142-011-9167-2
https://doi.org/10.1007/s11142-011-9167-...
; Li & Sloan, 2017Li, K. K., & Sloan, R. G. (2017). Has goodwill accounting gone bad? Review of Accounting Studies, 22(2), 964-1003. https://doi.org/10.1007/s11142-017-9401-7
https://doi.org/10.1007/s11142-017-9401-...
), Alemanha (Albersmann & Quick, 2020Albersmann, B. T., & Quick, R. (2020). The impact of audit quality indicators on the timeliness of goodwill impairments: Evidence from the German setting. Abacus, 56(1), 66-103. https://doi.org/10.1111/abac.12184
https://doi.org/10.1111/abac.12184...
), Austrália (Ji, 2013Ji, K. (2013). Better late than never, the timing of goodwill impairment testing in Australia. Australian Accounting Review, 23(4), 369-379. https://doi.org/10.1111/auar.12036
https://doi.org/10.1111/auar.12036...
) e Coreia do Sul (Choi & Nam, 2020Choi, J. S., & Nam, J. A. (2020). Does managerial discretion affect the value relevance of goodwill impairment information under IFRS? Korean evidence. Asia-Pacific Journal of Accounting and Economics, 27(1), 1-23. https://doi.org/10.1080/16081625.2020.1686813
https://doi.org/10.1080/16081625.2020.16...
). Mais ainda, observa-se que os gestores evitam essa perda, atrasando seu reconhecimento em pelo menos um a dois anos, resultado semelhante ao de Albersmann e Quick (2020Albersmann, B. T., & Quick, R. (2020). The impact of audit quality indicators on the timeliness of goodwill impairments: Evidence from the German setting. Abacus, 56(1), 66-103. https://doi.org/10.1111/abac.12184
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). Além disso, é possível que o valor da perda reconhecida no goodwill seja influenciado por fatores ocorridos em até três anos antes de seu reconhecimento. Esses achados corroboram a hipótese do estudo e podem ser explicados por dois fatores: o efeito de proteção da norma (headroom) e a discricionariedade do teste.

A própria norma pode levar à falta de tempestividade do impairment do goodwill, na medida em que fornece um efeito de proteção contra perdas, devido ao headroom. O headroom é o montante pelo qual o valor recuperável de uma UGC excede o valor contábil de seus ativos líquidos reconhecidos. Isso ocorre porque o goodwill é alocado e testado em conjunto com uma UGC, a qual inclui outros ativos líquidos e, consequentemente, itens não reconhecidos no balanço e goodwill gerado internamente. Assim, é possível que o valor recuperável desses outros ativos supere seu valor contábil, dando uma margem que evita o reconhecimento da perda no goodwill (IASB, 2020International Accounting Standards Board. (2020). DP business combinations - Disclosures, goodwill and impairment. https://www.ifrs.org/projects/work-plan/goodwill-and-impairment/#published-documents
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; Johansson et al., 2016Johansson, S.-E., Hjelström, T., & Hellman, N. (2016). Accounting for goodwill under IFRS: A critical analysis. Journal of International Accounting, Auditing and Taxation, 27, 13-25. https://doi.org/10.1016/j.intaccaudtax.2016.07.001
https://doi.org/10.1016/j.intaccaudtax.2...
).

No que tange à discricionariedade, como os gestores têm incentivos para evitar perdas, é possível que exerçam julgamentos otimistas nas premissas de teste, a fim de evitar ou atrasar o reconhecimento do impairment no goodwill (Abughazaleh et al., 2011Abughazaleh, N. M., Al-Hares, O. M., & Roberts, C. (2011). Accounting discretion in goodwill impairments: UK evidence. Journal of International Financial Management and Accounting, 22(3), 165-204. https://doi.org/10.1111/j.1467-646X.2011.01049.x
https://doi.org/10.1111/j.1467-646X.2011...
; Filip et al., 2021Filip, A., Lobo, G. J., & Paugam, L. (2021). Managerial discretion to delay the recognition of goodwill impairment: The role of enforcement. Journal of Business Finance & Accounting, 48, 36-69. https://doi.org/10.1111/jbfa.12501
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; Gu & Lev, 2011Gu, F., & Lev, B. (2011). Overpriced shares, ill-advised acquisitions, and goodwill impairment. The Accounting Review, 86(6), 1995-2022. https://doi.org/10.2308/accr-10131
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; Ramanna & Watts, 2012Ramanna, K., & Watts, R. L. (2012). Evidence on the use of unverifiable estimates in required goodwill impairment. Review of Accounting Studies, 17(4), 749-780. https://doi.org/10.1007/s11142-012-9188-5
https://doi.org/10.1007/s11142-012-9188-...
). Inversamente, a falta de tempestividade encontrada pode ser indício de que os gestores usam a discricionariedade do teste de redução ao valor recuperável do goodwill oportunisticamente para alterar seu timing, e não para comunicar informações privadas ao mercado de capitais.

Destaca-se, ainda, que a falta de tempestividade do impairment do goodwill observada nesta pesquisa também pode ser explicada pelo contexto brasileiro que pode não fornecer os mecanismos necessários para limitar o uso oportunista da discricionariedade. Estudos internacionais apontam que a tempestividade depende do ambiente institucional em que empresas situadas em países com alto enforcement têm mais chances de reconhecer tempestivamente a perda no goodwill do que empresas de países com baixo enforcement, já que isso limitaria o oportunismo (Filip et al., 2021Filip, A., Lobo, G. J., & Paugam, L. (2021). Managerial discretion to delay the recognition of goodwill impairment: The role of enforcement. Journal of Business Finance & Accounting, 48, 36-69. https://doi.org/10.1111/jbfa.12501
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; Glaum et al., 2018Glaum, M., Landsman, W. R., & Wyrwa, S. (2018). Goodwill impairment: The effects of public enforcement and monitoring by institutional investors. The Accounting Review, 93(6), 149-180. https://doi.org/10.2308/accr-52006
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). Assim, a falta de tempestividade da perda por redução ao valor recuperável do goodwill pode estar associada ao nível de enforcement do Brasil que, por ser code law, seria limitado.

Por fim, as evidências deste estudo podem ajudar a explicar os achados de Cappellesso et al. (2018Cappellesso, G., Rocha, L. C. N., & Dantas, J. A. (2018). Value relevance da perda por redução ao valor recuperável do goodwill: evidências das empresas listadas na BM&FBovespa. Revista Contabilidade Vista & Revista, 9(3), 102-120.), que identificaram que o mercado de capitais brasileiro não reage ao reconhecimento do impairment no goodwill. A ausência de relevância nessa informação pode estar associada à falta de tempestividade dessa perda, já que os investidores precisariam de informação a tempo de poder influenciar suas decisões, e ao uso oportunista da discricionariedade, que atrasaria o reconhecimento da perda e afetaria seu conteúdo informacional.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste estudo foi investigar a tempestividade da perda por redução ao valor recuperável do goodwill percebida pelo mercado de capitais brasileiro. Como o teste de redução ao valor recuperável fornece ampla discricionariedade aos gestores, é possível que esses façam julgamentos otimistas de modo a evitar ou atrasar a perda por impairment no goodwill, prejudicando a tempestividade dessa informação.

Para analisar essa questão, foi verificado se o retorno contemporâneo e defasado das ações ajuda a explicar a decisão de reconhecer ou não a perda em empresas brasileiras que tinham goodwill no período de 2010 a 2020. Os resultados demonstraram que a perda por redução ao valor recuperável do goodwill não é reconhecida oportunamente, e que os gestores atrasam seu registro em pelo menos um a dois anos, com indícios mais fortes para reconhecimento tardio em dois anos. Ademais, a decisão do valor da perda a ser registrada ainda pode estar relacionada a fatores que ocorreram três anos antes de seu reconhecimento. Apesar de a falta de tempestividade poder ser originada por limitações da própria norma, esse resultado pode ser explicado pelo uso oportunista da discricionariedade pela gestão que teria incentivos para evitar o registro de perdas. Logo, os achados deste estudo também podem indicar o modo com que os gestores usam a discricionariedade do teste, apontando mais para o uso oportunista do que para a comunicação de informações privadas ao mercado. Esse achado é consistente com a falta de tempestividade em países com baixo nível de enforcement, tal como o Brasil.

Esses resultados são relevantes não apenas para o Brasil, mas para outros países com contexto institucional semelhante. Além disso, os achados fornecem implicações importantes para o IASB, que tem discutido melhorias no teste de impairment do goodwill, apontando a necessidade de uma sistemática que melhore a tempestividade dessa informação aos usuários. Enfim, os resultados também são importantes para órgãos reguladores e auditores, pois indicam a necessidade de que esses atores adotem estratégias para limitar o oportunismo da gestão de modo a fornecer informações mais oportunas aos usuários. Assim, o aumento da tempestividade seria um esforço conjunto entre normatizadores e monitores, além de envolver uma mudança no comportamento da própria gestão.

Como limitações do estudo, é importante destacar que o retorno das ações como indicador de tempestividade depende do pressuposto de eficiência de mercado, ou seja, de que esse dado reflete todas as informações publicamente disponíveis que podem fornecer notícias oportunas sobre a necessidade de impairment. Nesse contexto, estudos futuros podem buscar outras formas de medir a tempestividade, aprofundando a análise de frequência com indicadores econômicos de perda no goodwill. Outra sugestão é que pesquisas posteriores analisem se o monitoramento, por exemplo, de auditores e avaliadores independentes, pode influenciar a tempestividade do impairment no goodwill.

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  • *
    Os autores agradecem à Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pelo apoio financeiro na realização desta pesquisa.

Editado por

Editor-Chefe:

Fábio Frezatti

Editor Associado:

Eliseu Martins

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    17 Nov 2021
  • Revisado
    13 Dez 2021
  • Aceito
    10 Maio 2022
Universidade de São Paulo, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Departamento de Contabilidade e Atuária Av. Prof. Luciano Gualberto, 908 - prédio 3 - sala 118, 05508 - 010 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (55 11) 2648-6320, Tel.: (55 11) 2648-6321, Fax: (55 11) 3813-0120 - São Paulo - SP - Brazil
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