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Abordagem direta para avaliar o ajuste de risco de acordo com a IFRS 17* * Thiago Signorelli e César Neves agradecem à Superintendência de Seguros Privados (Susep) pelo apoio à realização desta pesquisa. Carlos Heitor Campani agradece às seguintes instituições brasileiras pelo apoio financeiro à sua pesquisa: Cátedra de Pesquisa Brasilprev, Escola de Negócios e Seguros (ENS), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e Quantum Finance (Provedor de Dados).

RESUMO

Este estudo tem por objetivo desenvolver um método que possa ser adotado por seguradoras para avaliar o ajuste de risco para os riscos não financeiros (AR) exigido pela Norma Internacional de Contabilidade 17 (IFRS 17). Diferentemente de outros métodos, o método aqui proposto retorna diretamente o AR para cada passivo relacionado com um grupo de contratos de seguro: cobertura remanescente e sinistros ocorridos. Além disso, cada parte do AR é alocada corretamente ao passivo atuarial correspondente, o que constitui uma vantagem diante dos demais métodos. O método segue as diretrizes da IFRS 17 e contribui com a padronização das práticas contábeis das seguradoras no mundo inteiro, aumentando assim o grau de comparabilidade entre as demonstrações financeiras nas diferentes jurisdições. Este estudo deve ser considerado relevante pelas companhias de seguros, pelos supervisores e reguladores do mercado de seguros e pela maioria dos profissionais envolvidos. O método se vale da teoria do risco coletivo e da técnica de simulação de Monte Carlo para ajustar as distribuições probabilísticas adotadas para calcular dois diferentes fatores de carregamento que, quando aplicados ao valor contábil dos prêmios não ganhos e ao valor presente esperado dos sinistros ocorridos, resultam diretamente no AR para cada passivo relacionado com um grupo de contratos de seguro: coberturas remanescentes e sinistros ocorridos. Nossos resultados mostram que, para carteiras de grande porte, vale o teorema do limite central e as distribuições usadas para avaliar os fatores de carregamento podem ser bem aproximadas pela distribuição normal. Adicionalmente, os valores obtidos para cada fator de carregamento são baixos, o que significa que o AR é relativamente baixo quando comparado ao valor contábil dos prêmios não ganhos e ao valor presente esperado dos sinistros ocorridos. Esse resultado se alinha à lei dos grandes números, que estabelece que, para carteiras de grande porte, o risco assumido pela seguradora se torna consideravelmente menor, pois é mais fácil prever o comportamento dos sinistros futuros agregados.

Palavras-chave:
ajuste de risco; IFRS 17; provisões técnicas de seguros; teoria do risco coletivo; simulação de Monte Carlo

ABSTRACT

This paper aims to develop a method that can be adopted by insurers to assess the risk adjustment for nonfinancial risks (RA) required by International Financial Reporting Standards 17 (IFRS 17). Unlike other methods, the method proposed here directly returns the RA for each liability related to a group of insurance contracts: remaining coverage and incurred claims. Moreover, each portion of the RA is correctly allocated to the corresponding actuarial liability, which constitutes an advantage over other methods. The method follows IFRS 17 directives and contributes to standardize accounting practices of insurers around the world, thus increasing the degree of comparability between financial statements in different jurisdictions. This paper should be relevant for insurance companies, for insurance market supervisors and regulators, as well as for practitioners in general. The method takes advantage of the collective risk theory and of the Monte Carlo simulation technique to adjust probability distributions used to calculate two different loading factors that, when applied to the carrying amount of unearned premiums and to the expected present value of incurred claims, directly return the RA for each liability related to a group of insurance contracts: remaining coverage and incurred claims. Our results show that, for large-scale portfolios, the central limit theorem holds and the distributions used to assess the loading factors can be well approximated by the normal distribution. Additionally, the values obtained for each loading factor are small, which means that the RA is relatively low when compared to the carrying amount of unearned premiums and to the expected present value of incurred claims. This result is in line with the law of large numbers, which states that, for large-scale portfolios, the risk borne by the insurer becomes considerably lower, since it is easier to predict the behavior of aggregate future claims.

Keywords:
risk adjustment; IFRS 17; insurance reserving; collective risk theory; Monte Carlo simulation

1. INTRODUÇÃO

O Conselho Internacional de Normas Contábeis (International Accounting Standards Board [IASB]) é um órgão encarregado de estabelecer as Normas Internacionais de Contabilidade (International Financial Reporting Standards [IFRS]). As IFRS visam não apenas a estabelecer práticas contábeis de alta qualidade, mas também a padronizá-las no mundo inteiro, o que aumenta a transparência, a prestação de contas e a eficiência dos mercados financeiros. A IFRS 17 substituiu a antiga IFRS 4 e dedica-se à determinação das práticas contábeis para contratos de seguro. Seu propósito é garantir que uma seguradora, uma resseguradora ou uma empresa de previdência forneça informações relevantes que representem fidedignamente os contratos de seguro firmados. A partir de agora, para evitar repetições, vamos nos referir a todas essas entidades simplesmente como seguradoras.

Como as obrigações relacionadas com contratos de seguro (provisões técnicas) geralmente representam os passivos mais importantes para essas empresas, essas informações são cruciais para avaliar sua posição financeira, seu desempenho financeiro e seus fluxos de caixa. Enquanto a IFRS 4 era uma norma interina, que permitia que as entidades adotassem uma variedade de práticas contábeis para provisões técnicas, a IFRS 17 é uma norma robusta que estabelece princípios para o reconhecimento, a mensuração, a apresentação e a divulgação de passivos relacionados com contratos de seguro. Nesse contexto, a IFRS 17 estabelece que, no reconhecimento inicial, o valor contábil de um grupo de contratos de seguro será a soma: (i) dos fluxos de caixa de cumprimento; e (ii) da margem de serviço contratual (se o grupo de contratos não for oneroso), que representa o valor presente esperado dos lucros não realizados que a entidade reconhecerá à medida que prestar serviços de contrato de seguro no futuro. Nas mensurações subsequentes, a IFRS 17 exige, em geral, que esse valor contábil seja a soma: (i) do passivo por cobertura remanescente, que compreende os fluxos de caixa de cumprimento relativos a serviços futuros e à margem de serviço contratual; e (ii) da obrigação por sinistros ocorridos, que inclui os fluxos de caixa de cumprimento associados a serviços passados.

Os fluxos de caixa de cumprimento têm 3 componentes: (i) uma estimativa sem viés, corrente e ponderada pelas probabilidades de ocorrência de fluxos de caixa futuros que poderão surgir à medida que a entidade cumprir as obrigações do contrato de seguro; (ii) um ajuste para refletir o valor do dinheiro no tempo e os riscos financeiros relacionados com esses fluxos de caixa (na medida em que os riscos financeiros não estejam incluídos nas estimativas de fluxos de caixa futuros); e (iii) um ajuste de risco dos riscos não financeiros (em geral, esse ajuste de risco é denominado simplesmente AR). Em outras palavras, os fluxos de caixa de cumprimento podem ser interpretados como o valor presente esperado dos fluxos de caixa futuros somado a um AR dos riscos não financeiros.

De acordo com a IFRS 17, o AR deve refletir a compensação que uma entidade exige para arcar com a incerteza relacionada ao valor e ao momento dos fluxos de caixa futuros que emergem dos riscos não financeiros. A norma não especifica qualquer técnica de estimativa para determinar o AR. No entanto, exige-se que o método escolhido tenha a seguinte característica: riscos com distribuição probabilística mais dispersa resultarão em ARs mais altos dos riscos não financeiros do que riscos com distribuição menos dispersa.

A IFRS 17 é uma norma recente e, consequentemente, a maioria de suas diretrizes não foi amplamente explorada na literatura. Nesse contexto, Palmborg et al. (2021Palmborg, L., Lindholm, M., & Lindskog, F. (2021). Financial position and performance in IFRS 17. Scandinavian Actuarial Journal, 2021(3), 171-197.) proporcionaram uma importante contribuição ao propor um método, baseado no triângulo de desenvolvimento de sinistros, para avaliar a margem de serviço contratual. England et al. (2019England, P., Verrall, R., & Wüthrich, M. (2019). On the lifetime and one-year views of reserve risk, with application to IFRS 17 and Solvency II risk margins. Insurance: Mathematics and Economics, 85, 74-88.) e Zhao et al. (2021Zhao, Y., Mamon, R., & Xiong, H. (2021). Claim reserving for insurance contracts in line with the International Financial Reporting Standards 17: A new paid-incurred chain approach to risk adjustments. Financial Innovation, 7(1), 1-26.) também adotaram o triângulo de desenvolvimento de sinistros para construir um método que visa a avaliar o AR de uma carteira de seguros. No entanto, como ambos os métodos apenas estimam a distribuição dos fluxos de caixa futuros associados a sinistros ocorridos, eles não fornecem uma mensuração completa do AR, conforme exigido pela IFRS 17. Em vez disso, apenas a parte do AR relativa aos sinistros ocorridos é avaliada, o que significa que ambos os métodos devem ser complementados por outro que avalie o AR quanto ao período de cobertura remanescente.

Neste estudo, abordamos a avaliação do AR de acordo com as diretrizes da IFRS 17. No entanto, ao contrário de pesquisas anteriores, desenvolvemos um método, especialmente projetado para contratos de seguro de danos, que retorna diretamente uma mensuração fidedigna do AR para cada provisão técnica relacionada com um grupo de contratos de seguro: cobertura remanescente (serviços futuros) e sinistros ocorridos (serviços passados). Para tanto, o método retorna dois diferentes fatores de carregamento que avaliam o prêmio de risco exigido pela seguradora por unidade do prêmio de seguro cobrado e por unidade de valor presente esperado dos sinistros agregados. Esses fatores de carregamento refletem o comportamento passado dos riscos não financeiros relativos ao grupo de contratos de seguro em análise, de modo que podem ser aplicados diretamente ao valor contábil dos prêmios não ganhos (prêmios ainda não apropriados na Demonstração do Resultado do Exercício, associados à cobertura remanescente) e ao valor presente esperado dos sinistros ocorridos para calcular cada valor de AR correspondente.

No entanto, é importante destacar que o método aqui proposto se baseia no comportamento passado do grupo de contratos de seguro, que se reflete em cada fator de carregamento (índice de sinistralidade, por exemplo). Em outras palavras, nosso método pressupõe que as características da carteira não sofrerão grandes mudanças. Portanto, se não forem esperadas alterações nesse comportamento, o método é adequado. Por outro lado, se forem esperadas mudanças nesse comportamento, os fatores de carregamento não refletirão mais as características da carteira e o método pode não ser adequado.

2. REVISÃO DA LITERATURA

Os fluxos de caixa associados a contratos de seguro apresentam incerteza. Portanto, a IFRS 17 determina que, ao avaliar passivos relativos a contratos de seguro (provisões técnicas), as seguradoras devem avaliar a compensação que exigem para assumir a incerteza sobre o valor e o momento dos fluxos de caixa futuros decorrentes dos riscos não financeiros (AR).

O conceito de compensação exigida para assumir riscos não financeiros não é novo no setor de seguros. Na precificação de seguros, por exemplo, os valores cobrados dos segurados (prêmios) são definidos de modo que haja uma baixa probabilidade de que as saídas de caixa futuras sejam maiores do que os prêmios (entradas de caixa). Para atingir esse propósito, as seguradoras avaliam o valor presente esperado das saídas de caixa futuras, conhecido como prêmio estatístico, e adicionam um carregamento de segurança para cobrir as flutuações de risco. Essa soma, denominada prêmio puro, deve refletir não apenas o valor presente esperado das saídas de caixa futuras, mas também a compensação exigida pelas seguradoras para assumir os riscos não financeiros.

A IFRS 17 inovou ao introduzir o conceito de compensação no processo de avaliação das provisões técnicas. Em outras palavras, a norma determina que as seguradoras devem avaliar o valor (a remuneração) que exigem além do valor presente esperado dos fluxos de caixa futuros para assumir as obrigações (e os direitos) relativos a um grupo específico de contratos de seguro sujeitos a riscos similares e administrados em conjunto.

O conceito de remuneração trazido pela IFRS 17 também se relaciona com o prêmio de risco exigido pelos investidores ao lidar com ativos de risco. De modo análogo à remuneração exigida pelas seguradoras para assumir riscos, Arzac e Bawa (1977Arzac, E., & Bawa, V. (1977). Portfolio choice and equilibrium in capital markets with safety-first investors. Journal of Financial Economics, 4(3), 277-288.) obtiveram uma teoria de precificação de ativos que considera os investidores que maximizam seu retorno esperado sujeito a uma restrição de valor em risco (Value at Risk - VaR). Van Oordt e Zhou (2016Van Oordt, M., & Zhou, C. (2016). Systematic tail risk. The Journal of Financial and Quantitative Analysis, 51(2), 685-705.) testaram sua estrutura e, à semelhança da abordagem adotada pelas seguradoras, tentaram capturar a presença de um prêmio de risco exigido para compensar potenciais perdas extremas.

A IFRS 17 é uma norma baseada em princípios e não especifica qualquer método para determinar o AR. No entanto, a norma exige que o método escolhido seja consistente diante do seguinte princípio geral: quanto mais incertos os fluxos de caixa relacionados com um grupo específico de contratos de seguro, maior o AR. De acordo com Hannibal (2018Hannibal, C. (2018). Calculating the IFRS 17 risk adjustment. IFRS 17 Series. Moody’s Analytics Research. http://financedocbox.com/Insurance/75233098-Foreword-this-monograph-is-intended-as-educational-material-specific-to-ifrs-17-for-practitioners-in-the-insurance-sectors.html
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), existem vários métodos potenciais que atendem aos princípios da IFRS 17, mas os mais comumente adotados são os métodos de custo de capital (Cost of Capital - CoC) e geração de distribuição probabilística (GDP).

A abordagem CoC é baseada no retorno exigido pelos acionistas. Sob esse método, o AR é interpretado como a remuneração que os acionistas exigem para atender a um retorno direcionado sobre o capital investido. Em outras palavras, corresponde ao custo de levantar capital a ser mantido contra resultados adversos. A abordagem CoC é aquela prescrita pela Solvência II para avaliar a margem de risco, que foi criada para cobrir os riscos que não são passíveis de hedge, comumente interpretados como riscos não financeiros. Como os conceitos de AR (IFRS 17) e margem de risco (Solvência II) tratam do mesmo tipo de riscos (não financeiros), eles apresentam algumas semelhanças. No entanto, há uma importante diferença entre eles: enquanto a Solvência II considera os riscos ao longo do horizonte temporal de um ano, a IFRS 17 é baseada nos fluxos de caixa de cumprimento ao longo da vigência do contrato de seguro. Portanto, estes últimos requerem a cuidadosa consideração de um horizonte temporal apropriado para a quantificação do risco.

Jiang (2020Jiang, N. (2020). IFRS 17: risk adjustment - A numerical example. The Financial Reporter. https://www.soa.org/globalassets/assets/library/newsletters/financial-reporter/2020/may/fr-2020-iss-05-20-jiang.pdf
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) destacou que, quando comparados à abordagem CoC, os métodos GDP têm a vantagem de serem menos dependentes de premissas como o custo de capital, projeções de capital e distribuição de perdas. Adicionalmente, Coulter (2016Coulter, B. (2016). Risk adjustments for life insurers: Using a GI approach in a life insurance context. New Zealand Society of Actuaries 2016 Conference. https://fdocuments.net/document/risk-adjustments-for-life-insurers-life-insurers-in-particular-need-to-be-prepared.html?page=1
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) argumentou que existem três desvantagens na aplicação do método CoC: (i) ele não produz probabilidade de suficiência; (ii) os modelos de capital geralmente não consideram suficientemente bem o risco de resgate; e (iii) é provável que dependa fortemente de padrões de capital regulatório. Em consonância com ambos, England et al. (2019England, P., Verrall, R., & Wüthrich, M. (2019). On the lifetime and one-year views of reserve risk, with application to IFRS 17 and Solvency II risk margins. Insurance: Mathematics and Economics, 85, 74-88.) defenderam que os métodos GDP constituem a abordagem mais direta para calcular o AR de acordo com a IFRS 17.

A avaliação do AR por meio dos métodos GDP requer duas etapas distintas. Primeiro, deve-se estimar uma distribuição probabilística que possa ser usada para avaliar o AR. Segundo, uma medida de risco deve ser aplicada a essa distribuição. De acordo com o Canadian Institute of Actuaries (2020Canadian Institute of Actuaries. (2020). Draft Educational Note: IFRS 17 risk adjustment for non-financial risk for property and casualty insurance contracts. https://www.cia-ica.ca/docs/default-source/2020/220063e.pdf
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), para gerar uma distribuição probabilística, diferentes métodos podem ser considerados: (i) ajustar fluxos de caixa futuros dos riscos não financeiros a uma distribuição probabilística adequada; (ii) Simulação de Monte Carlo; (iii) bootstrap; e (iv) modelagem de cenários.

Nesse contexto, diversos estudos abordaram a questão de estimar a distribuição probabilística dos fluxos de caixa futuros relacionados a sinistros (futuras saídas de caixa relacionadas com sinistros ocorridos). B. Carvalho e J. V. Carvalho (2019Carvalho, B., & Carvalho, J. V. (2019). Uma abordagem estocástica para a mensuração da incerteza das provisões técnicas de sinistros. Revista Contabilidade & Finanças, 30(81), 409-424.) usaram técnicas de bootstrap para estimá-la. Embora os autores não almejem avaliar o AR relativo a sinistros ocorridos, seu método pode ser adotado como um primeiro passo para avaliá-lo, pois uma medida de risco aplicada à distribuição dos fluxos de caixa futuros relacionados a sinistros proporciona o AR associado à provisão técnica de sinistros ocorridos.

Para avaliar o AR de acordo com as diretrizes da IFRS 17, England et al. (2019England, P., Verrall, R., & Wüthrich, M. (2019). On the lifetime and one-year views of reserve risk, with application to IFRS 17 and Solvency II risk margins. Insurance: Mathematics and Economics, 85, 74-88.) propuseram um método GDP baseado no triângulo de desenvolvimento de sinistros e uma representação bootstrap do modelo de Mack (1993Mack, T. (1993). Distribution-free calculation of the standard error of chain-ladder reserve estimates. Astin Bull, 23(2), 213-225.) para estimar a distribuição probabilística dos fluxos de caixa futuros relacionados a sinistros. Um método semelhante, também baseado no triângulo de desenvolvimento de sinistros, foi desenvolvido por Zhao et al. (2021Zhao, Y., Mamon, R., & Xiong, H. (2021). Claim reserving for insurance contracts in line with the International Financial Reporting Standards 17: A new paid-incurred chain approach to risk adjustments. Financial Innovation, 7(1), 1-26.), que desenvolveu e customizou o modelo paid-incurred chain (PIC) proposto por Merz e Wüthrich (2010Merz, M., & Wüthrich, M. (2010). Paid-incurred chain claims reserving method. Insurance: Mathematics and Economics, 46(3), 568-579.) para prever sinistros futuros e gerar a mesma distribuição probabilística (provisão de sinistros). Os métodos baseados no triângulo de desenvolvimento de sinistros são adequados para contratos de seguro de danos, para os quais a técnica chain ladder geralmente fornece previsões razoáveis ​​para provisões de sinistros (sob a suposição de que os padrões dos sinistros no passado continuarão a ser observados no futuro).

No entanto, para contratos de seguro de vida de longo prazo, os fluxos de caixa futuros estão diretamente relacionados com variáveis ​​como mortalidade e longevidade. Portanto, a distribuição dos fluxos de caixa futuros requer mudanças de modelagem nessas variáveis, o que significa que uma abordagem diferente deve ser adotada. Nesse contexto, Chevallier et al. (2018Chevallier, F., Dal Moro, E., Krvavych, Y., & Rudenko, I. (2018). Probability of sufficiency of the risk margin for life companies under IFRS 17. International Congress of Actuaries 2018. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3192502
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) propuseram um método para carteiras de seguros de vida que pode ser adotado para estimar o nível de confiança exigido pela IFRS 17, quando o AR é avaliado mediante uma técnica diferente dos métodos GDP (CoC, por exemplo).

Vale destacar que, como apontado por England et al. (2019England, P., Verrall, R., & Wüthrich, M. (2019). On the lifetime and one-year views of reserve risk, with application to IFRS 17 and Solvency II risk margins. Insurance: Mathematics and Economics, 85, 74-88.), a técnica chain ladder, adotada para prever a parte inferior do triângulo de desenvolvimento de sinistros, nem sempre é a mais adequada para uso na prática. Além disso, como em England et al. (2019England, P., Verrall, R., & Wüthrich, M. (2019). On the lifetime and one-year views of reserve risk, with application to IFRS 17 and Solvency II risk margins. Insurance: Mathematics and Economics, 85, 74-88.) e Zhao et al. (2021Zhao, Y., Mamon, R., & Xiong, H. (2021). Claim reserving for insurance contracts in line with the International Financial Reporting Standards 17: A new paid-incurred chain approach to risk adjustments. Financial Innovation, 7(1), 1-26.), a abordagem baseada no triângulo de desenvolvimento de sinistros proporciona uma avaliação incompleta do AR, pois apenas retorna o AR referente à provisão técnica associada aos sinistros ocorridos. Como mencionado, a IFRS 17 exige que os passivos associados ao período de cobertura remanescente (serviços futuros) e aos sinistros ocorridos (serviços passados) sejam avaliados separadamente. Portanto, a abordagem do triângulo de desenvolvimento de sinistros não é diretamente aplicável sob as diretrizes da IFRS 17, pois deve ser complementada por um método que avalie o AR relacionado com o período de cobertura remanescente (sinistros que ainda não ocorreram) e que aloque consistentemente cada parte do AR entre ambos os passivos (período de cobertura remanescente e sinistros ocorridos).

Para preencher essa lacuna, propomos um método GDP alternativo que visa a fornecer estimativas fiéis para ambos os componentes do AR (cobertura remanescente e sinistros ocorridos) de acordo com a IFRS 17. Assim como em England et al. (2019England, P., Verrall, R., & Wüthrich, M. (2019). On the lifetime and one-year views of reserve risk, with application to IFRS 17 and Solvency II risk margins. Insurance: Mathematics and Economics, 85, 74-88.) e Zhao et al. (2021Zhao, Y., Mamon, R., & Xiong, H. (2021). Claim reserving for insurance contracts in line with the International Financial Reporting Standards 17: A new paid-incurred chain approach to risk adjustments. Financial Innovation, 7(1), 1-26.), ele se mostra adequado para contratos de seguro de danos. No entanto, em vez de usar o triângulo de desenvolvimento de sinistros, nosso método é baseado na teoria do risco coletivo e tira proveito de uma abordagem híbrida, que combina duas das quatro possibilidades descritas para estimar uma distribuição probabilística que possa ser usada para avaliar o AR (ajustar fluxos de caixa futuros para riscos não financeiros a uma distribuição probabilística adequada e uma simulação de Monte Carlo).

A teoria do risco coletivo foi proposta inicialmente por Lundberg (1940Lundberg, O. (1940). On random processes and their application to accident and sickness statistics. Uppsala, Almqvist & Wiksells.) com seu estudo pioneiro sobre a distribuição composta de Poisson. Em vez da distribuição de Poisson, Simon (1960Simon, J. (1960). The negative binomial and the Poisson distributions compared. Proceedings of the Casualty Actuarial Society, 47, 20-24.) usou a distribuição binomial negativa para modelar o número de acidentes automobilísticos por meio de um grupo de segurados em um período fixo. A teoria do risco coletivo pressupõe que um processo aleatório gera sinistros para uma carteira de apólices e que esse processo se caracteriza em termos da carteira como um todo e não em termos das apólices individuais que a compõem (Bowers et al., 1997Bowers, N., Gerber, H., Hickman, J., Jones, D., & Nesbitt, C. (1997). Actuarial mathematics (2nd ed.). The Society of Actuaries.). Duas variáveis ​​aleatórias constituem os blocos básicos dessa teoria: (i) o número de sinistros produzidos por uma carteira de apólices em determinado período (N); e (ii) o valor presente dos montantes dos sinistros individuais (Xi ). A teoria do risco coletivo é geral e não impõe fortes restrições ao número de sinistros e/ou ao valor presente das variáveis ​​aleatórias do montante dos sinistros individuais. Essa flexibilidade permite gerar uma variedade de distribuições para o valor presente dos sinistros agregados (S).

No entanto, para questões práticas, geralmente não é viável obter a distribuição de S analiticamente [a partir das distribuições do número de sinistros (N) e do valor presente do montante de sinistro individual (Xi )]. Para superar esse desafio e estimar uma distribuição probabilística que possa ser usada para avaliar o AR, simulamos diferentes valores das distribuições ajustadas a N e Xi usando o método de Monte Carlo.

3. METODOLOGIA

3.1 A Distribuição Probabilística do Valor Presente de Sinistros Agregados

A avaliação do AR por meio dos métodos GDP requer duas etapas distintas. Primeiro, deve-se estimar uma distribuição probabilística que possa ser usada para avaliar o AR. Então, uma medida de risco deve ser aplicada a essa distribuição.

O AR é uma compensação exigida pelas seguradoras para assumir riscos não financeiros. Portanto, está diretamente relacionado com a incerteza do valor presente dos fluxos de caixa futuros associados a um grupo específico de contratos de seguro. Para estimar uma distribuição probabilística que possa ser usada para avaliar o AR, partimos da teoria do risco coletivo, que pressupõe que um processo aleatório gera sinistros para um conjunto de apólices sujeitas a riscos semelhantes e que esse processo se caracteriza em termos do portfólio como um todo e não em termos das apólices individuais que o compõem.

Segundo Cramér (1956Cramér, H. (1956). Collective risk theory. Journal of the Institute of Actuaries, 82(1), 162.), a formulação matemática se baseia em duas variáveis ​​aleatórias: (i) o número de sinistros produzidos por uma carteira de apólices em determinado período (N); e (ii) o valor presente dos montantes de sinistros individuais (Xi , onde i = 1, 2, 3, …, N). A partir de agora, vamos nos referir a essa variável simplesmente como Xi e reafirmamos que ela é calculada em termos de valores presentes. Assim, a variável aleatória que representa o valor presente dos sinistros agregados gerados pela carteira durante o período em estudo (S) é dada por:

S = X 1 + X 2 + X 3 + + X N (1)

A teoria do risco coletivo está centrada em duas premissas fundamentais:

(i) X1 , X2 , X3 , …, XN são variáveis aleatórias identicamente distribuídas; e (ii) as variáveis aleatórias N, X1 , X2 , X3 , …, XN são mutuamente independentes.

Em outras palavras, a teoria pressupõe que a variável aleatória S corresponde à soma de todos os valores presentes dos montantes de sinistros individuais (X1 , X2 , X3 , …, XN ) ocorridos em determinado período. O número de termos (sinistros) que compõem essa soma não é determinístico e é modelado pela variável aleatória N, que visa a capturar o comportamento da frequência dos sinistros associados à carteira em estudo. Por outro lado, o comportamento da severidade dos sinistros é modelado pela variável aleatória Xi . Portanto, a variável aleatória S é totalmente determinada por essas duas variáveis aleatórias.

A partir das suposições apontadas, a distribuição do valor presente dos sinistros agregados (S) pode ser obtida mediante a lei da probabilidade total como segue:

F S x = P S x = n = 0 P S x N = n × P N = n = n = 0 P X 1 + X 2 + X 3 + + X N x N = n × P N = n (2)

A equação 2 mostra que a distribuição de S é totalmente determinada pelas distribuições de N e Xi . No entanto, para questões práticas, geralmente não é possível obter analiticamente a distribuição probabilística de S. Em especial quando, para uma carteira específica, grandes valores de N pressupõem probabilidades positivas e/ou quando as convoluções de distribuições adequadas ao valor presente da variável aleatória (Xi ) do montante de sinistro individual não podem ser calculadas facilmente, a distribuição de S não apresenta uma forma analítica fechada. Nesses casos, pode-se usar o método de Monte Carlo para gerar a distribuição empírica de S simulando valores diferentes das distribuições ajustadas a N e Xi .

Uma abordagem alternativa, que geralmente proporciona boas aproximações para a distribuição de S, utiliza o teorema do limite central e baseia-se no fato de que, para carteiras de grande porte, o número esperado de sinistros (E[N]) é grande e, consequentemente, S é obtido pela soma de um grande número de variáveis ​​aleatórias independentes e identicamente distribuídas Xi s. Quando essas condições se aplicam, o teorema do limite central afirma que a distribuição de S pode ser bem aproximada por uma distribuição normal com os seguintes parâmetros: Normal(E[S], σ[S]).

Embora, para questões práticas (como carteiras de seguros de grande porte), a distribuição do valor presente dos sinistros agregados (S) geralmente não possa ser obtida analiticamente, é possível mostrar que seu valor esperado e sua variância dependem apenas dos valores esperados e das variâncias de N e Xi , dadas por:

E S = E X i × E N (3)

σ 2 S = E N × σ 2 X i + E [ X i ] 2 × σ 2 N (4)

Para estimar uma distribuição que possa ser usada para avaliar o AR de um grupo específico de contratos de seguro, devemos observar que, quando um contrato de seguro é firmado, a seguradora cobra um prêmio determinístico para assumir riscos de terceiros. Por outro lado, os sinistros são estocásticos e não podem ser determinados com certeza antecipadamente. Assim, o valor presente das saídas de caixa futuras relacionadas com um grupo de contratos de seguro é dado pelo valor presente dos sinistros agregados (S) menos o valor presente dos prêmios que ainda não foram recebidos dos segurados (Prêmio). Para simplificar, ao determinar o valor presente das saídas de caixa futuras, não consideramos despesas gerais fixas e variáveis ​​diretamente atribuíveis ao cumprimento de obrigações associadas a contratos de seguro (contabilidade, recursos humanos, por exemplo).

Como a IFRS 17 estabelece que apenas os contratos firmados devem ser considerados na avaliação das provisões técnicas (e, consequentemente, o AR), o Prêmio é uma variável determinística (os prêmios dos contratos firmados já são conhecidos), o que significa que toda incerteza dos fluxos de caixa futuros se deve a S. Portanto, como S é a única fonte de incerteza, o AR deve ser obtido por meio dessa distribuição.

Duas importantes observações devem ser feitas sobre as variáveis ​​S e Prêmio. Primeiro, pelo nosso método, S é usado para avaliar o AR e, consequentemente, deve incluir todas as saídas de caixa incertas, o que significa considerar não só os valores presentes dos próprios sinistros, mas também todas as outras saídas de caixa relacionadas com elas (outras despesas necessárias para liquidar os sinistros). Outras saídas de caixa, como despesas comerciais, podem ser desconsideradas por serem geralmente determinísticas e não fornecerem nenhum tipo de incerteza. Segundo, assumimos que o Prêmio é livre de risco de crédito (variável determinística).

Pelo exposto, o AR deve ser obtido a partir da distribuição de S. No entanto, é mais conveniente trabalhar com duas variáveis (SPrêmioganho e SE[S]), que são capazes de gerar fatores de carregamento que avaliam a remuneração exigida pela seguradora por unidade de prêmio e por unidade de valor presente esperado dos sinistros agregados. Esses fatores de carregamento refletem os riscos não financeiros do grupo de contratos de seguro em análise e, portanto, podem ser aplicados diretamente ao valor contábil dos prêmios não ganhos (prêmios ainda não apropriados ao resultado, relativos à cobertura remanescente) e ao valor presente esperado dos sinistros ocorridos para calcular os valores de AR de cada provisão técnica associada a esse grupo de contratos: coberturas remanescentes (serviços futuros) e sinistros ocorridos (serviços passados).

A variável SPrêmioganho pode ser interpretada como o valor presente dos sinistros agregados (S) por unidade de prêmio ganho (Prêmioganho ). Trata-se de um índice importante, denominado índice de sinistralidade, que reflete o comportamento geral passado do grupo de contratos de seguro em análise. Para estimar a distribuição de SPrêmioganho , deve-se escolher um período conveniente de análise. Os sinistros ocorridos nesse período são usados para estimar as distribuições de N, Xi e, consequentemente, S. Por outro lado, Prêmioganho é uma variável determinística que representa o prêmio acumulado durante o mesmo período. O valor μS/Prêmioganho=E[S]Prêmioganho fornece a parte esperada de prêmios que será usada para pagar sinistros. Quando aplicado ao valor contábil dos prêmios não ganhos, resulta no valor presente esperado dos sinistros relacionados com o período de cobertura remanescente. Uma medida de risco aplicada a essa distribuição (MSPrêmioganho ) resulta em valores extremos para o índice de sinistralidade. Portanto, um fator de carregamento dado por θcobertura remanescente= MSPrêmioganho -μS/Prêmioganho pode ser interpretado como um carregamento de segurança por unidade de prêmio. Quando aplicado ao valor contábil dos prêmios não ganhos, resulta no AR para o passivo relativo à cobertura remanescente.

No entanto, vale destacar que a distribuição do índice de sinistralidade é estimada a partir do comportamento passado do grupo de contratos de seguros. Caso não sejam esperadas mudanças nesse comportamento, o AR referente à cobertura remanescente pode ser avaliado pelo valor do risco por unidade de prêmio multiplicado pelo valor contábil dos prêmios relativos à cobertura remanescente. Em outras palavras, nosso método pressupõe que o comportamento geral da carteira de seguros não sofrerá grandes alterações. A média e a variância da variável aleatória índice de sinistralidade são dadas por:

E [ S / P r ê m i o g a n h o ] = E S P r ê m i o g a n h o (5)

σ 2 S / P r ê m i o g a n h o = σ 2 S P r ê m i o g a n h o 2 (6)

Analogamente, a variável aleatória redimensionada SE[S] corresponde ao valor presente dos sinistros agregados (S) por unidade de seu valor esperado (E[S]). Uma vez que o passivo associado aos sinistros ocorridos deve refletir seu valor presente esperado, o mesmo procedimento descrito pode ser adotado para apurar o AR referente aos sinistros ocorridos. Em outras palavras, uma medida de risco aplicada à distribuição de SE[S] pode ser usado para gerar um fator de carregamento que representa a quantidade de risco por unidade de E[S]. Quando aplicado ao valor contábil do montante presente esperado dos sinistros ocorridos, esse fator de carregamento determina o valor correspondente do AR. A média e a variância de SE[S] são dadas por:

E S / E [ S ] = E S E S = 1 (7)

σ 2 S / E [ S ] = σ 2 S E S 2 (8)

Nas próximas seções, descrevemos a base de dados adotada para avaliar o AR de uma carteira real de apólices de seguro de automóveis administrada por uma seguradora brasileira. Em seguida, explicamos como as distribuições do número de sinistros (N) e o valor presente do montante do sinistro individual (Xi ) foram estimados a partir dessa base de dados. Por fim, discutimos possíveis medidas de risco que podem ser aplicadas às distribuições de SPrêmioganho e SE[S], para gerar fatores de carregamento que podem ser usados para avaliar o AR para ambas as provisões técnicas relativas a um grupo de contratos de seguro (coberturas remanescentes e sinistros ocorridos).

3.2 Base de Dados

A base de dados original para análise foi composta por informações sobre sinistros de uma carteira real de seguros de automóveis administrada por uma seguradora brasileira e contém o número de identificação, a data e o valor presente esperado atualizado de todos os fluxos de caixa associados a cada sinistro ocorrido em 2020 (78.137 sinistros). O valor presente esperado dos fluxos de caixa futuros inclui não só os sinistros em si, mas também todas as outras despesas necessárias para cumprir as obrigações contratuais. Para evitar a identificação da seguradora, que não nos autorizou a divulgar seu nome, o valor presente esperado de cada sinistro foi multiplicado por um fator fixo.

3.3 A Distribuição Probabilística do Número de Sinistros

Nossa metodologia exige que um período de análise seja especificado com antecedência. Como os contratos de seguro de automóveis costumam ter um período de cobertura de um ano no Brasil, definimos um ano como o período de análise. Portanto, a partir de agora, S representa a distribuição do valor presente dos sinistros agregados ocorridos em um ano.

Para estimar a distribuição de N, faz-se necessária uma amostra com um número razoável de observações. Entretanto, como N é uma variável aleatória que representa o número de sinistros em um ano, um tamanho amostral razoável requer a análise de um longo período. Uma amostra de longo período, por sua vez, pode conter observações antigas que não refletem o comportamento atual da carteira de seguros. Para superar esse desafio, em vez de estimar diretamente a distribuição probabilística de N, estimou-se a distribuição probabilística do número diário de sinistros (Ndiário ). Como nossa amostra contém dados de sinistros ocorridos em 2020, temos uma amostra aleatória de 366 observações de Ndiário .

A variável aleatória Ndiário é discreta. Além disso, o espaço amostral de Ndiário é o conjunto {0, 1, 2, …, ∞}. Simon (1960Simon, J. (1960). The negative binomial and the Poisson distributions compared. Proceedings of the Casualty Actuarial Society, 47, 20-24.) mostrou que, quando σ²[Ndiário ] > E[Ndiário ], a distribuição binomial negativa costuma ser a mais adequada para modelar o número de acidentes automobilísticos por um grupo de segurados em um período fixo. Os mesmos resultados foram obtidos por Ferreira (1998Ferreira, P. P. (1998). Uma aplicação do método de Panjer à experiência brasileira de sinistros do ramo de seguros de automóveis. Cadernos de Seguro Teses, 3(7). ) para uma carteira brasileira de seguros de automóveis. Calculamos a média amostral e a variância para nosso banco de dados e a mesma relação foi identificada (σ²[Ndiário ] > E[Ndiário ]). Portanto, a distribuição binomial negativa foi escolhida como a distribuição de Ndiário . O método dos momentos foi adotado para estimar seus parâmetros e ajustá-lo ao banco de dados.

A variável aleatória N corresponde à soma dos sinistros ocorridos em cada dia do ano. Portanto, uma vez estimada a distribuição de Ndiário , a variável aleatória N pode ser obtida da seguinte maneira:

N = N d i á r i o , 1 + N d i á r i o , 2 + N d i á r i o , 3 + + N d i á r i o , 366 (9)

Como N é a soma de 366 variáveis aleatórias binomiais negativas distribuídas identicamente e independentes (Ndiário ~Binomial Negativa(r,p)), ele também é uma variável aleatória binomial negativa com os seguintes parâmetros: N~Binomial Negativa(366 x r,p). Portanto, a média e a variância de N são dadas por:

E N = 366 × E N d i á r i o (10)

σ 2 N = 366 × σ 2 N d i á r i o (11)

O procedimento descrito acima possibilita que seja estimada a distribuição de N mediante observações recentes, refletindo o comportamento atual da carteira de seguros do modo mais confiável possível.

3.4 A Distribuição Probabilística do Valor Presente do Montante do Sinistro Individual

Para estimar a distribuição probabilística do valor presente do montante do sinistro individual (Xi ), consideramos cada sinistro ocorrido em 2020 (78.137 sinistros). O histograma de Xi revelou que sua distribuição é assimétrica à direita. Portanto, três diferentes distribuições teóricas contínuas que possuem essa característica (gama, Weibull e lognormal) foram ajustadas à amostra de Xi e foi escolhida aquela com a menor raiz quadrada do erro quadrático médio (EQM): lognormal. O EQM foi calculado entre a densidade probabilística dos pontos médios de cada classe do histograma e a densidade probabilística do ponto correspondente na distribuição teórica. Os parâmetros de todas as distribuições teóricas foram estimados pelo método dos momentos.

Uma vez que as distribuições do número de sinistros por ano (N) e do valor presente dos montantes dos sinistros individuais (Xi ) foram estimados, simulamos a distribuição empírica de S, SPrêmioganho e SE[S] usando métodos de Monte Carlo. Procedemos da seguinte maneira: foram gerados 10.000 valores aleatórios (Nj , onde j = 1, 2, 3, …, 10.000) de uma distribuição binomial negativa N~Binomial Negativa (366 x r,p). Os parâmetros r e p foram obtidos a partir da distribuição ajustada a Ndiário , o número de sinistros por dia. Cada valor Nj representa um valor simulado para a variável aleatória N, o número de sinistros por ano. Para cada valor de Nj , Nj valores aleatórios de Xi foram gerados a partir de uma distribuição lognormal Xi ~ Lognormal (µ, σ). Os parâmetros µ e σ correspondem, respectivamente, à média e ao desvio padrão (DP) de uma variável aleatória normal W (Xi = eW ) e foram obtidos a partir da distribuição ajustada a Xi , valor presente dos montantes de sinistros individuais. Assim, a soma de todos os valores Xi (Nj variáveis) representa uma simulação de S. O procedimento foi repetido para cada valor Nj (10.000 vezes) a fim de proporcionar a distribuição empírica de S. Testamos um número maior de simulações e pôde-se confirmar que 10.000 vezes são suficientes para os objetivos desta análise. Por fim, para obter as distribuições de SPrêmioganho e SE[S], cada simulação de S foi dividida pelo montante dos prêmios ganhos (multiplicado pelo mesmo fator aplicado ao valor presente esperado de cada sinistro) e pelo valor esperado de S (E[S]), respectivamente.

3.5 Medidas de Risco

Uma vez que as distribuições probabilísticas de SPrêmioganho e SE[S] foram estimadas, pode-se quantificar o AR para cada provisão técnica associada a um conjunto de contratos de seguro (coberturas remanescentes e sinistros ocorridos).

Como dito, de acordo com a IFRS 17, o AR deve refletir a remuneração que uma entidade exige para suportar a incerteza sobre o montante e o momento dos fluxos de caixa futuros que emergem dos riscos não financeiros. Portanto, faz-se necessária uma medida de risco para avaliar a compensação exigida pela seguradora para assumir esses riscos não financeiros. Adicionalmente, considerando que o AR é a compensação exigida pela seguradora, ele está diretamente relacionado com o carregamento de segurança normalmente usado para cobrir as flutuações do risco na precificação do seguro, o que significa que o nível de confiança estabelecido para a mensuração de risco deve ser consistente com o nível de confiança adotado para determinar o carregamento de segurança usado para calcular os prêmios puros.

Uma medida de risco é um instrumento que resume uma distribuição em um único número. Diversas medidas de risco foram criadas ao longo do tempo, mas nem todas se mostram coerentes como definem Artzner et al. (1999Artzner, P., Delbaen, F., Eber, J.-M., & Heath, D. (1999). Coherent measures of risk. Mathematical Finance, 9(3), 203-228.). O VaR é a medida de risco padrão adotada na Solvência II. J. P. Morgan e Reuters (1996J. P. Morgan, & Reuters. (1996). RiskMetricsTM - Technical document. https://my.liuc.it/MatSup/2006/F85555/rmtd.pdf
https://my.liuc.it/MatSup/2006/F85555/rm...
) o definiram como uma mensuração da variação máxima potencial no valor da carteira com determinada probabilidade ao longo de um horizonte pré-definido. Matematicamente, o VaR é o quantil α da distribuição da probabilidade de referência e pode ser expresso da seguinte maneira:

V a R α Y = inf y R F Y > α } (12)

onde FY denota a distribuição cumulativa de Y.

Artzner et al. (1999Artzner, P., Delbaen, F., Eber, J.-M., & Heath, D. (1999). Coherent measures of risk. Mathematical Finance, 9(3), 203-228.) mostraram que, embora o VaR satisfaça as propriedades de invariância de translação, homogeneidade positiva e monotonicidade, ele não satisfaz o requisito de subaditividade. Portanto, não satisfaz o conceito de uma medida de risco coerente como definido por eles. No entanto, por ser uma das medidas de risco mais usadas, e considerando que é a medida de risco padrão adotada na Solvência II, avaliamos o AR usando o VaR e comparamos o resultado a outra medida de risco que satisfaça todas as propriedades indicadas acima: a conditional tail expectation (CTE).

Darkiewicz et al. (2005Darkiewicz, G., Dhaene, J., & Goovaerts, M. (2005). Risk measures and dependencies of risks. Brazilian Journal of Probability and Statistics, 19(2), 155-178.) reconheceram a CTE como medida de risco muito importante para fins de solvência. Ela é definida da seguinte maneira:

C T E α Y = E Y Y > Q α ( Y ) ] (13)

onde Qα denota o quantil α de Y.

Uma vez escolhidas as medidas de risco de interesse (VaR e CTE), os fatores de carregamento a serem aplicados ao valor contábil dos prêmios não ganhos e ao valor presente esperado dos sinistros ocorridos podem ser obtidos da seguinte maneira:

θ c o b e r t u r a r e m a n e s c e n t e = M S P r ê m i o g a n h o - μ S / P r ê m i o g a n h o (14)

onde μS/Prêmioganho denota a média da variável aleatória SPrêmioganho e M é a medida de risco escolhida (VaR ou CTEECC).

θ s i n i s t r o s o c o r r i d o s = M S E [ S ] - μ S / E [ S ] (15)

onde μS/E[S] denota a média da variável aleatória SE[S] e M é a medida de risco escolhida (VaR ou CTE).

A equação 14 mostra que o fator de carregamento relativo à cobertura remanescente pode ser interpretado como o valor do risco por unidade de prêmio. Analogamente, na equação 15, o fator de carregamento associado a sinistros ocorridos representa o valor do risco por unidade de E[S], o valor esperado de S. Portanto, quando aplicado ao valor contábil dos prêmios não ganhos e ao valor presente esperado de sinistros ocorridos, eles fornecem o valor de AR para cada passivo: cobertura remanescente e sinistros ocorridos, respectivamente.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A base de dados usada neste estudo contém o número de identificação, a data e o valor presente esperado ajustado de todos os fluxos de caixa associados a cada sinistro ocorrido em 2020 (78.137 sinistros), com base em dados de uma seguradora real. Para estimar a distribuição de Ndiário , agrupamos todos os sinistros com a mesma data e contamos o número de registros em cada dia do ano. Esse procedimento resultou em uma amostra de 366 observações para a variável Ndiário . A média amostral e a variância amostral foram, respectivamente, as seguintes: 213,49 e 4.142,77.

Simon (1960Simon, J. (1960). The negative binomial and the Poisson distributions compared. Proceedings of the Casualty Actuarial Society, 47, 20-24.) mostrou que, quando σ²[Ndiário ] > E[Ndiário ], a distribuição binomial negativa costuma ser a mais adequada para modelar o número de acidentes automobilísticos em um período fixo. Os mesmos resultados foram obtidos por Ferreira (1998Ferreira, P. P. (1998). Uma aplicação do método de Panjer à experiência brasileira de sinistros do ramo de seguros de automóveis. Cadernos de Seguro Teses, 3(7). ) para uma carteira brasileira de seguros de automóveis. O método dos momentos foi usado para estimar os parâmetros da distribuição binomial negativa e ajustá-la aos dados. Uma vez estimados os parâmetros, a variável aleatória Ndiário foi definida como Ndiário ~Binomial Negativa (r = 11,63, p = 0,0517). A Figura 1 mostra o histograma de Ndiário e a distribuição teórica ajustada a essa variável aleatória.

Figura 1
Histograma da variável aleatória Ndiário e a distribuição teórica ajustada a ela (Ndiário ~Binomial Negativa (r = 11,63, p = 0,0517))

Como N é a soma de 366 variáveis aleatórias binomiais negativas distribuídas identicamente e independentes (Ndiário ~Binomial Negativa (r = 11,63, p = 0,0517)), ela também é uma variável aleatória binomial negativa com os seguintes parâmetros: N~Binomial Negativa (366 × r = 4.257,68, p = 0,0517).

Para estimar a distribuição probabilística do valor presente do montante do sinistro individual (Xi ), consideramos cada sinistro ocorrido em 2020 (78.137 sinistros). O histograma de Xi revelou que sua distribuição é assimétrica à direita. Portanto, três diferentes distribuições teóricas contínuas que possuem essa característica (gama, Weibull e lognormal) foram ajustadas à amostra de Xi e foi escolhida aquela com a menor raiz quadrada do EQM: lognormal.

Os parâmetros de todas as distribuições teóricas foram estimados pelo método dos momentos e o EQM foi calculado entre a densidade probabilística dos pontos médios de cada classe do histograma e a densidade probabilística do ponto correspondente na distribuição teórica. A raiz quadrada do EQM obtida para cada distribuição foi a seguinte: 1,60 E-06 (gama), 1,40 E-06 (Weibull) e 9,07 E-07 (lognormal). Assim, a variável aleatória Xi foi definida como Xi ~Lognormal(µ = 10,13, σ = 0,97). Os parâmetros µ e σ correspondem, respectivamente, à média e ao DP de uma variável aleatória normal W, onde Xi = eW . A Figura 2 mostra o histograma de Xi e a distribuição teórica ajustada a essa variável aleatória.

Figura 2
Histograma da variável aleatória Xi e a distribuição teórica ajustada a ela (Xi ~Lognormal(µ = 10,13, σ = 0,97))

Uma vez que ambas as distribuições do número de sinistros por ano (N) e o valor presente dos montantes dos sinistros individuais (Xi ) foram estimados, simulamos a distribuição empírica de S, SPrêmioganho e SE[S], usando a técnica de simulação de Monte Carlo. A linguagem R foi adotada para esse propósito. Procedemos da seguinte maneira: foram gerados 10.000 valores aleatórios (Nj , onde j = 1, 2, 3, …, 10.000) de uma distribuição binomial negativa N~Binomial Negativa(366 × r = 4.257,68, p = 0,0517). Cada valor Nj representa um valor simulado para a variável aleatória N. Para cada valor de Nj , Nj valores aleatórios de Xi foram gerados a partir de uma distribuição lognormal Xi ~Lognormal(µ = 10,13, σ = 0,97). Assim, a soma de todos os valores Xi (Nj variáveis) representa uma simulação de S. O procedimento foi repetido para cada valor Nj (10.000 vezes) para fornecer a distribuição empírica de S. Finalmente, para obter as distribuições de SPrêmioganho e SE[S], cada simulação de S foi dividida pelo montante dos prêmios ganhos (multiplicado pelo mesmo fator aplicado ao valor presente esperado de cada sinistro) e pelo valor esperado de S (E[S]), respectivamente. As figuras 3 e 4 apresentam as distribuições empíricas obtidas para as variáveis ​​aleatórias SPrêmioganho e SE[S] (ambas em termos percentuais). Elas também mostram as aproximações correspondentes por distribuições normais: Normal(E[100 × S/Prêmioganho ], σ[100 × S/Prêmioganho ]) e Normal(E[100 × S/E[S]], σ[100 × S/E[S]]).

Figura 3
Distribuição empírica do índice de sinistralidade (em termos percentuais) e a correspondente aproximação normal dada por Normal(E[100 X S/Prêmioganho ], σ[100 X S/Prêmioganho ])

Figure 4
Distribuição empírica da variável aleatória S/E[S] (em termos percentuais) e a correspondente aproximação normal dada por Normal(E[100 X S/E[S]], σ[100 X S/E[S]])

As figuras 3 e 4 mostram que, como o número esperado de sinistros (E[N] = 78.137) é grande o bastante, S é obtido pela soma de um grande número de variáveis aleatórias independentes e identicamente distribuídas (Xi s). Sob essas condições, o teorema do limite central é aplicável e as distribuições de SPrêmioganho e SE[S] podem ser bem aproximadas pelas distribuições normais correspondentes, dadas por: Normal(E[S/Prêmioganho ], σ[S/ Prêmioganho ]) e Normal(E[S/E[S]], σ[S/E[S]]), respectivamente. Considerando esses resultados, a partir de agora, decidimos trabalhar com as aproximações normais para as distribuições de SPrêmioganho e SE[S] (em termos percentuais).

Para determinar cada fator de carregamento, faz-se necessário aplicar uma medida de risco às distribuições de SPrêmioganho e SE[S]. Uma vez definidos os fatores de carregamento, eles podem ser multiplicados pelo valor contábil dos prêmios não ganhos e pelo valor presente esperado dos sinistros ocorridos para calcular o AR para cada provisão técnica: coberturas remanescentes e sinistros ocorridos. De acordo com a IFRS 17, o AR deve refletir a compensação que uma entidade exige para assumir a incerteza sobre o valor e o momento dos fluxos de caixa futuros que emergem dos riscos não financeiros. Portanto, está diretamente relacionado com o carregamento de segurança normalmente usado para cobrir as flutuações do risco na precificação de seguros, o que significa que o nível de confiança estabelecido para a mensuração de risco deve ser consistente com o nível de confiança adotado para determinar o carregamento de segurança usado para calcular os prêmios puros. Em outras palavras, o nível de confiança escolhido pela seguradora para determinar os fatores de carregamento deve refletir sua aversão ao risco.

Neste estudo, para ilustrar como os fatores de carregamento podem ser obtidos, adotamos vários níveis de confiança diferentes: 70, 80, 90, 95, 97,5 e 99,5%. Ademais, selecionamos duas medidas de risco diferentes para calculá-los: VaR e CTE. O VaR foi escolhido por ser a medida de risco padrão adotada na Solvência II. Embora comumente usado pelas seguradoras, o VaR não é uma medida de risco coerente como definem Artzner et al. (1999Artzner, P., Delbaen, F., Eber, J.-M., & Heath, D. (1999). Coherent measures of risk. Mathematical Finance, 9(3), 203-228.). Por esse motivo, também avaliamos os fatores de carregamento usando a CTE, que é uma medida de risco coerente.

Para cada nível de confiança e para cada medida de risco (VaR e CTE), o fator de carregamento referente à cobertura remanescente foi calculado por meio da equação 14, aplicada à aproximação normal obtida para a distribuição de SPrêmioganho (em termos percentuais). Os resultados são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Valores obtidos para o fator de carregamento da cobertura restante (θcobertura remanescente ) para cada nível de confiança (α) e para cada medida de risco [Value at Risk (VaR) e Conditional Tail Expectation (CTE)]

Na Tabela 1, vemos que os valores obtidos para ambos os fatores de carregamento relativos à cobertura remanescente são próximos e não excedem 3% dos prêmios não ganhos, o que significa que são relativamente baixos. Esse resultado é explicado pela lei dos grandes números, que estabelece que, para carteiras de grande porte, o risco assumido pela seguradora se torna menor, pois é mais fácil prever o comportamento dos sinistros futuros quando estão agregados.

Assim, em termos práticos, a provisão técnica relativa à cobertura remanescente (serviços futuros) seria dada pela soma de dois componentes: (i) os fluxos de caixa de cumprimento; e (ii) a margem de serviço contratual (considerando que a carteira não é onerosa). O primeiro componente (fluxos de caixa de cumprimento) é a soma do valor presente esperado (melhor estimativa) dos fluxos de caixa futuros relativos à cobertura remanescente e o AR correspondente. Essa melhor estimativa pode ser calculada a partir do valor esperado do índice de sinistralidade, que representa a parte esperada dos prêmios que serão usados para quitar as obrigações decorrentes do período de cobertura remanescente (sinistros futuros e outras despesas). Quando esse valor esperado (índice de sinistralidade) é aplicado ao valor contábil dos prêmios não ganhos, ele fornece o valor esperado das saídas de caixa futuras associadas à cobertura remanescente. O valor esperado das saídas de caixa futuras menos os prêmios ainda não recebidos pela seguradora (entradas de caixa) proporciona a melhor estimativa dos fluxos de caixa futuros relativos à cobertura remanescente.

Nossos resultados mostram que a distribuição normal fornece uma boa aproximação para o índice de sinistralidade. Portanto, há probabilidade de 50% de que o índice de sinistralidade efetivo seja inferior ao seu valor esperado. Ou seja, se não for considerado um ajuste de risco, há probabilidade de 50% de que o valor esperado das saídas de caixa futuras não seja suficiente para liquidar todas as obrigações futuras associadas ao período de cobertura remanescente. Para resolver esse problema, a IFRS 17 determina que um AR deve ser adicionado.

O nível de confiança escolhido pela seguradora (que reflete sua aversão ao risco) define a probabilidade de que os fluxos de caixa de cumprimento não sejam suficientes para saldar todas as obrigações relativas ao período restante de cobertura. Considerando a carteira em análise, se, por exemplo, cerca de 2% do valor contábil dos prêmios não ganhos forem somados à melhor estimativa dos fluxos de caixa futuros, há baixa probabilidade (0,5%) de que os fluxos de caixa de cumprimento não sejam suficientes para saldar todas as obrigações relativas ao período de cobertura restante. Essa é exatamente a interpretação do fator de carregamento relacionado com a cobertura remanescente: trata-se da compensação adicional, por unidade de prêmios, exigida pela seguradora para assumir os riscos de um conjunto de contratos de seguro. Quando multiplicado pelo valor contábil dos prêmios não ganhos, fornece o valor atual do AR relacionado à cobertura remanescente.

A última componente da provisão técnica associada à cobertura remanescente é a diferença entre o montante dos prêmios não ganhos e os fluxos de caixa de cumprimento. Representa o lucro que a seguradora espera desse grupo de contratos de seguro e, consequentemente, deve ser reconhecido no resultado à medida que os serviços são prestados.

Analogamente, para cada nível de confiança e para cada medida de risco (VaR e CTE), o fator de carregamento relativo aos sinistros ocorridos foi calculado por meio da equação 15, aplicada à aproximação normal obtida para a distribuição de SE[S] (em termos percentuais). Os resultados são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2
Valores obtidos para o fator de carregamento referente a sinistros ocorridos (θsinistros ocorridos ) para cada nível de confiança (α) e para cada medida de risco [Value at Risk (VaR) e Conditional Tail Expectation (CTE)]

A interpretação desse fator de carregamento é semelhante à apresentada para o referente à cobertura remanescente: é o valor adicional, por unidade do valor presente esperado dos sinistros agregados (E[S]), necessário para tornar a probabilidade de subavaliação de sinistros ocorridos pequena. Por exemplo, se cerca de 4% do valor presente esperado dos sinistros ocorridos for somado a essa melhor estimativa, há baixa probabilidade (0,5%) de que os fluxos de caixa de cumprimento não sejam suficientes para liquidar as obrigações relacionadas aos sinistros já ocorridos. Portanto, o fator de carregamento relacionado aos sinistros ocorridos pode ser interpretado como o valor adicional, por unidade do valor presente esperado dos sinistros agregados (E[S]), necessário para tornar a probabilidade de subavaliação dos sinistros ocorridos baixa. Quando multiplicado pelo valor contábil do valor presente esperado dos sinistros ocorridos, fornece o AR relativo à correspondente provisão técnica (sinistros ocorridos).

Os resultados apresentados mostram que os fatores de carregamento são baixos, o que significa que os valores de AR são relativamente baixos quando comparados ao valor contábil dos prêmios não ganhos e ao valor presente esperado dos sinistros ocorridos. Esse resultado se alinha aos obtidos por England et al. (2019England, P., Verrall, R., & Wüthrich, M. (2019). On the lifetime and one-year views of reserve risk, with application to IFRS 17 and Solvency II risk margins. Insurance: Mathematics and Economics, 85, 74-88.) e Zhao et al. (2021Zhao, Y., Mamon, R., & Xiong, H. (2021). Claim reserving for insurance contracts in line with the International Financial Reporting Standards 17: A new paid-incurred chain approach to risk adjustments. Financial Innovation, 7(1), 1-26.) para o AR relativo a sinistros ocorridos. Embora associado a diferentes carteiras de seguros, como mencionado, espera-se que, para carteiras de grande porte, o risco assumido pela seguradora seja menor, uma vez que é mais fácil prever o comportamento dos sinistros futuros quando estão agregados. No entanto, deve-se notar que, embora condizente com os resultados obtidos por England et al. (2019England, P., Verrall, R., & Wüthrich, M. (2019). On the lifetime and one-year views of reserve risk, with application to IFRS 17 and Solvency II risk margins. Insurance: Mathematics and Economics, 85, 74-88.) e Zhao et al. (2021Zhao, Y., Mamon, R., & Xiong, H. (2021). Claim reserving for insurance contracts in line with the International Financial Reporting Standards 17: A new paid-incurred chain approach to risk adjustments. Financial Innovation, 7(1), 1-26.), nossos resultados estão associados a dados de uma seguradora, o que constitui uma limitação. Além disso, os dados, a partir dos quais foram estimados os fatores de carregamento, referem-se ao período de um ano. Dependendo da carteira em análise, um período maior pode mostrar-se mais adequado.

Por fim, vale destacar dois pontos. Primeiro, em linha com as diretrizes da IFRS 17, nosso método resulta em dois fatores de carregamento diferentes com a seguinte característica: riscos com distribuição probabilística mais dispersa resultarão em ARs mais altos para os riscos não financeiros do que riscos com distribuição menos dispersa. Segundo, é importante notar que a IFRS 17 determina que o AR deve ser avaliado para cada grupo de contratos de seguro sujeitos a riscos semelhantes e administrados em conjunto. Essa exigência se justifica pelo fato de as seguradoras exigirem compensações diferentes para grupos de contratos de seguro com riscos distintos. Nesse contexto, o AR de todos os grupos seguradores pode não corresponder à soma de todos os ARs individuais devido aos efeitos da diversificação. Assim, dependendo das correlações entre os grupos de contratos de seguro, o AR total pode ser inferior a essa soma. Portanto, a seguradora deve avaliar não só os fatores de carregamento de cada grupo de contratos de seguro, mas também avaliar cuidadosamente as correlações entre as diferentes carteiras de seguros ao avaliar seu AR total.

5. CONCLUSÃO

Este estudo propõe um método GDP baseado na teoria do risco coletivo e em técnicas de simulação de Monte Carlo, que resulta em mensurações fidedignas para os ARs relativos à cobertura remanescente e aos sinistros ocorridos. A metodologia desenvolvida contribui para a correta avaliação das provisões técnicas. Como as obrigações relacionadas aos contratos de seguro (provisões técnicas) geralmente representam os passivos mais importantes para as seguradoras, essas informações são fundamentais para avaliar sua posição financeira, seu desempenho financeiro e seus fluxos de caixa futuros.

Em linha com as diretrizes da IFRS 17, o método retorna dois fatores de carregamento diferentes com a seguinte característica: riscos com distribuição probabilística mais dispersa resultarão em ARs mais altos para os riscos não financeiros do que riscos com distribuição menos dispersa. Além disso, diferentemente dos métodos GDP baseados no triângulo de desenvolvimento de sinistros, nosso método retorna fatores de carregamento que, quando aplicados ao valor contábil dos prêmios não ganhos e ao valor presente esperado dos sinistros ocorridos, fornecem diretamente o AR relativo a cada provisão técnica (cobertura remanescente e sinistros ocorridos). Assim, além de fornecer uma avaliação completa do AR, ele também aloca seus componentes de modo consistente entre ambos os passivos (coberturas remanescentes e sinistros ocorridos), o que constitui uma vantagem diante dos demais métodos GDP.

No entanto, vale destacar que o método aqui proposto considera o comportamento passado do grupo de contratos de seguro. Caso não sejam esperadas mudanças nesse comportamento, os ARs relativos à cobertura remanescente e aos sinistros ocorridos podem ser avaliados usando cada fator de carregamento multiplicado pelo valor contábil dos prêmios não ganhos e pelo valor presente esperado dos sinistros ocorridos. Por outro lado, caso sejam esperadas mudanças nesse comportamento, nosso método pode não se mostrar adequado, pois pressupõe que as características da carteira não sofrerão grandes alterações.

Nossos resultados mostram que, para carteiras de grande porte, o teorema do limite central é válido e as distribuições usadas para avaliar o AR (SPrêmioganho e SE[S]) podem ser bem aproximadas pela distribuição normal. Adicionalmente, os valores obtidos para os fatores de carregamento são baixos, o que significa que os valores do AR são relativamente baixos quando comparados ao valor contábil dos prêmios não ganhos e ao valor presente esperado dos sinistros ocorridos. Conforme discutido neste estudo, tal resultado é explicado pela lei dos grandes números, que estabelece que, para essas carteiras, o risco aceito pela seguradora se torna menor, pois é mais fácil prever o comportamento dos sinistros futuros quando estão agregados.

Por fim, vale ressaltar que este estudo visa a contribuir com o desenvolvimento do mercado de seguros ao propor um método que possa ser facilmente adotado pelos profissionais para estimar o AR de modo direto e confiável para cada provisão técnica associada a um grupo de contratos de seguro (cobertura remanescente e sinistros ocorridos). Quando a seguradora segrega sua carteira em diferentes grupos de contratos de seguro, faz-se necessário avaliar a correlação entre eles para calcular o valor total do AR. Como o método segue as diretrizes da IFRS 17, ele contribui com a padronização das práticas contábeis das seguradoras no mundo inteiro, o que consiste em um dos propósitos mais importantes das IFRS: aumentar o grau de comparabilidade entre demonstrações financeiras em diferentes jurisdições. Assim, este estudo deve ser considerado relevante pelas companhias de seguros, pelos supervisores e reguladores do mercado de seguros e pela maioria dos profissionais envolvidos.

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  • *
    Thiago Signorelli e César Neves agradecem à Superintendência de Seguros Privados (Susep) pelo apoio à realização desta pesquisa. Carlos Heitor Campani agradece às seguintes instituições brasileiras pelo apoio financeiro à sua pesquisa: Cátedra de Pesquisa Brasilprev, Escola de Negócios e Seguros (ENS), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e Quantum Finance (Provedor de Dados).

Editado por

Editor-Chefe:

Fábio Frezatti

Editor Associado:

Eliseu Martins

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    04 Fev 2022
  • Revisado
    07 Mar 2022
  • Aceito
    09 Ago 2022
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