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Avaliação da qualidade dos discos com antimicrobianos para testes de disco-difusão disponíveis comercialmente no Brasil

Evaluation of the quality of the antimicrobial agents disks used in disk-diffusion tests comercially available in Brazil

Resumos

Introdução: O teste de suscetibilidade a antimicrobianos representa um dos testes de maior importância clínica realizados pelo laboratório de microbiologia. Devido ao grande número de antimicrobianos e à complexidade dos mecanismos de resistência desenvolvidos pelas bactérias, fica muito difícil hoje a detecção de problemas nos testes de suscetibilidade pela simples avaliação dos resultados obtidos. Sendo assim, é extremamente importante que haja uma avaliação constante da qualidade destes testes. Objetivo: O objetivo do presente estudo foi avaliar a qualidade dos discos de antimicrobianos comercializados no Brasil. Material e métodos: Foram avaliados discos de 18 antimicrobianos obtidos de cinco diferentes fontes comerciais, os quais foram testados frente a quatro cepas bacterianas oriundas da ATCC, pelo método de difusão em ágar, seguindo as recomendações do National Committee for Clinical Laboratory Standards (NCCLS). Cada teste foi repetido 20 vezes. Resultados: Nenhuma das marcas apresentou desempenho satisfatório para o uso na rotina de um laboratório de microbiologia. O melhor desempenho foi apresentado pela marca Cecon®, com 89,6% de concordância. A marca Sensifar® apresentou taxa de concordância geral semelhante (90,8%). A marca com o pior desempenho foi a Pimenta Abreu®, com apenas 58,6% de concordância. Conclusão: Os resultados do presente estudo indicam que os discos de antimicrobianos comercializados no Brasil são de baixa qualidade, possivelmente refletindo a falta de controle de qualidade na produção e/ou estocagem dos produtos antes da sua distribuição. Esses dados chamam a atenção para a necessidade de implantação de sistemas efetivos de fiscalização da comercialização desses produtos e de programas criteriosos de controle de qualidade por parte dos laboratórios que os utilizam.

Disco-difusão; Teste de suscetibilidade a antimicrobianos; Discos de suscetibilidade; Controle de qualidade; Cepas ATCC


Background: The antimicrobial susceptibility test is one of the most important clinical test carried out in the microbiology laboratory. Due to the great number of antimicrobial agents and the complexity of resistance mechanisms evolved, it has become very difficult to detect problems in these tests by simply evaluating the results obtained. Consequently, a quality control program must be performed continuously. Objective: The objective of the present study was to evaluate the quality of the antimicrobial susceptibility disks used in Brazil. Methods: Eighteen antimicrobial susceptibility disks manufactured from five commercial trade marks were evaluated. These antimicrobial disks were tested against four ATCCs and following the National Committee for Clinical Laboratory Standards (NCCLS) procedures for disk-diffusion. Each test was repeated 20 times. Results: None of the trade marks presented a satisfactory performance for routine use in a microbiology laboratory. The best performance was presented by Cecon®, with 89,6% of overall agreement. Sensifar® disks showed a similar overall concordance of 90,8%. The trade mark with the least adequate performance was Pimenta Abreu®, with only 58,6% overall agreement. Conclusion: The results from this study indicate that the disks commercialized in Brazil are inappropriate to be used in clinical microbiology laboratories showing lack of quality control during the process of production and/or storage. They also show the importance of the implementation of both external and internal quality control programs.

Disk-diffusion; Antimicrobial susceptibility test; Susceptibility disks; Quality control; ATCC strains


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da qualidade dos discos com antimicrobianos para testes de disco-difusão disponíveis comercialmente no Brasil

Evaluation of the quality of the antimicrobial agents disks used in disk-diffusion tests comercially available in Brazil

Lilian M. SejasI; Suzane SilbertII; Adriana O. ReisII; Hélio S. SaderIII

IAluna de mestrado da disciplina de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM)

IIAluna de doutorado da disciplina de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Unifesp/EPM

IIIDiretor do Laboratório Especial de Microbiologia Clínica da disciplina de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Unifesp/EPM; professor da disciplina de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Unifesp/EPM

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Suzane Silbert Laboratório Especial de Microbiologia Clínica Disciplina de Doenças Infecciosas e Parasitárias Universidade Federal de São Paulo/EPM Rua Leandro Dupret 188 CEP 04025-010 – São Paulo-SP Telefax: (11) 5571-5180/5081-2819/5081-2965

RESUMO

Introdução: O teste de suscetibilidade a antimicrobianos representa um dos testes de maior importância clínica realizados pelo laboratório de microbiologia. Devido ao grande número de antimicrobianos e à complexidade dos mecanismos de resistência desenvolvidos pelas bactérias, fica muito difícil hoje a detecção de problemas nos testes de suscetibilidade pela simples avaliação dos resultados obtidos. Sendo assim, é extremamente importante que haja uma avaliação constante da qualidade destes testes. Objetivo: O objetivo do presente estudo foi avaliar a qualidade dos discos de antimicrobianos comercializados no Brasil. Material e métodos: Foram avaliados discos de 18 antimicrobianos obtidos de cinco diferentes fontes comerciais, os quais foram testados frente a quatro cepas bacterianas oriundas da ATCC, pelo método de difusão em ágar, seguindo as recomendações do National Committee for Clinical Laboratory Standards (NCCLS). Cada teste foi repetido 20 vezes. Resultados: Nenhuma das marcas apresentou desempenho satisfatório para o uso na rotina de um laboratório de microbiologia. O melhor desempenho foi apresentado pela marca Cecon®, com 89,6% de concordância. A marca Sensifar® apresentou taxa de concordância geral semelhante (90,8%). A marca com o pior desempenho foi a Pimenta Abreu®, com apenas 58,6% de concordância. Conclusão: Os resultados do presente estudo indicam que os discos de antimicrobianos comercializados no Brasil são de baixa qualidade, possivelmente refletindo a falta de controle de qualidade na produção e/ou estocagem dos produtos antes da sua distribuição. Esses dados chamam a atenção para a necessidade de implantação de sistemas efetivos de fiscalização da comercialização desses produtos e de programas criteriosos de controle de qualidade por parte dos laboratórios que os utilizam.

Unitermos: Disco-difusão, Teste de suscetibilidade a antimicrobianos, Discos de suscetibilidade, Controle de qualidade, Cepas ATCC

ABSTRACT

Background: The antimicrobial susceptibility test is one of the most important clinical test carried out in the microbiology laboratory. Due to the great number of antimicrobial agents and the complexity of resistance mechanisms evolved, it has become very difficult to detect problems in these tests by simply evaluating the results obtained. Consequently, a quality control program must be performed continuously. Objective: The objective of the present study was to evaluate the quality of the antimicrobial susceptibility disks used in Brazil. Methods: Eighteen antimicrobial susceptibility disks manufactured from five commercial trade marks were evaluated. These antimicrobial disks were tested against four ATCCs and following the National Committee for Clinical Laboratory Standards (NCCLS) procedures for disk-diffusion. Each test was repeated 20 times. Results: None of the trade marks presented a satisfactory performance for routine use in a microbiology laboratory. The best performance was presented by Cecon®, with 89,6% of overall agreement. Sensifar® disks showed a similar overall concordance of 90,8%. The trade mark with the least adequate performance was Pimenta Abreu®, with only 58,6% overall agreement. Conclusion: The results from this study indicate that the disks commercialized in Brazil are inappropriate to be used in clinical microbiology laboratories showing lack of quality control during the process of production and/or storage. They also show the importance of the implementation of both external and internal quality control programs.

Key words: Disk-diffusion, Antimicrobial susceptibility test, Susceptibility disks, Quality control, ATCC strains

Introdução

O teste de suscetibilidade aos antimicrobianos é uma das provas mais importantes do laboratório de microbiologia clínica, pois avalia a suscetibilidade dos microrganismos contra diferentes agentes antimicrobianos (11). Os resultados destes testes influenciam diretamente na escolha da terapêutica antimicrobiana, e, por isso, a realização do teste sem controle adequado de qualidade poderá determinar o uso de um antimicrobiano inadequado, com conseqüente falha terapêutica e risco para o paciente (21).

O contínuo aparecimento de novos mecanismos bacterianos de resistência a antimicrobianos tem gerado uma corrida das indústrias farmacêuticas para a produção e lançamento de um número crescente de novos compostos, tornando complexa a realização dos testes de suscetibilidade (16).

Em virtude da complexidade dos mecanismos de resistência, a seleção das drogas apropriadas tanto para o teste de suscetibilidade quanto para a terapia antimicrobiana torna-se uma missão cada vez mais difícil, podendo levar ao aumento da morbidade e da mortalidade dos pacientes tratados incorretamente (10).

O método de disco-difusão foi idealizado por Bauer et al. (2) em 1966, e desde então é um dos métodos mais utilizados nos laboratórios de microbiologia no Brasil. O princípio deste método baseia-se na difusão, através do ágar, de um antimicrobiano impregnado em um disco de papel-filtro. A difusão do antimicrobiano leva à formação de um halo de inibição do crescimento bacteriano, cujo diâmetro é inversamente proporcional à concentração inibitória mínima (MIC) (1, 12). Esse método é qualitativo, ou seja, permite classificar a amostra bacteriana em suscetível (S), intermediária (I) ou resistente (R) ao antimicrobiano (13).

O teste de disco-difusão é um método prático, de fácil execução e idealizado para bactérias de crescimento rápido. Os reagentes são relativamente econômicos, não há necessidade de equipamentos especiais, além de apresentar grande flexibilidade na escolha do número e tipo de antimicrobianos a serem testados (10, 11). Entretanto, este método apresenta algumas limitações, como a dificuldade na avaliação da suscetibilidade aos antimicrobianos que se difundem mal através do ágar, como, por exemplo, a polimixina. O teste de bactérias nutricionalmente exigentes requer suplementação dos meios de cultura para que seja realizado. Além disso, os resultados representam apenas um valor qualitativo (S, I ou R) e apresentam dificuldades na interpretação de microrganismos anaeróbios ou fastidiosos (10).

Na utilização do teste disco-difusão, pequenas variações no procedimento ou na qualidade do material utilizado podem levar a resultados falsos, e, portanto, se faz necessário um controle periódico de qualidade para garantir a confiabilidade do teste. O objetivo do presente estudo foi avaliar a qualidade dos discos de suscetibilidade mais utilizados nos laboratórios de microbiologia do Brasil.

Material e métodos

Amostras bacterianas

Para o presente estudo foram utilizadas cepas da American Type Culture Collection (ATCC). Estas cepas foram escolhidas por apresentarem estabilidade genética e por serem padronizadas para a monitoração de vários parâmetros principais no controle de qualidade do teste de disco-difusão.

As cepas ATCCs utilizadas foram: Escherichia coli ATCC 25922 (beta-lactamase negativa), Pseudomonas aeruginosa ATCC 27853, Staphylococcus aureus ATCC 25923 (suscetível à oxacilina e penicilina) e Streptococcus pneumoniae ATCC 49619 (7). Antes de serem utilizadas no estudo, todas as cepas foram armazenadas no banco de controle de qualidade do Laboratório Especial de Microbiologia Clínica (LEMC), nas seguintes condições: E. coli e S. aureus foram armazenadas em caldo TSB (caldo tríptico de soja) acrescido de 15% de glicerol à temperatura de - 70°C; P. aeruginosa foi armazenada em água deionizada estéril à temperatura ambiente; e, por último, S. pneumoniae, o qual foi armazenado em sangue desfibrinado de carneiro à temperatura de - 70°C.

Preparação dos meios de cultura para os testes de suscetibilidade

Para o teste de suscetibilidade foi utilizado o meio Mueller-Hinton ágar, com exceção dos testes com a cepa de S. pneumoniae, para os quais foi utilizado Mueller-Hinton acrescido de 5% de sangue de carneiro (Oxoid, Basingstoke, Inglaterra) (5, 12).

Para o controle de qualidade dos meios foram utilizadas várias cepas ATCCs conforme padronização do NCCLS (13).

Avaliação da suscetibilidade in vitro aos antimicrobianos

Discos com antimicrobianos de cinco diferentes fabricantes foram testados. O mesmo antibiograma, com a mesma bactéria e os mesmos discos, foi repetido 20 vezes. No total foram realizados 400 antibiogramas no período de maio a outubro de 2000.

As ATCCs foram retiradas do banco de controle de qualidade do LEMC com auxílio de uma alça bacteriológica estéril e descartável. Em seguida, dois repiques de cada cepa foram realizados. O primeiro repique das ATCCs E. coli e P. aeruginosa foi feito no meio seletivo ágar MacConkey (Oxoid, Basingstoke, Inglaterra) e o segundo, em meio não-seletivo ágar sangue (ágar tríptico de soja, Oxoid, Basingstoke, Inglaterra), suplementado com 5% de sangue desfibrinado de carneiro. As ATCCs de S. aureus e S. pneumoniae foram semeadas por duas vezes no meio não-seletivo ágar sangue (ágar tríptico de soja, Oxoid, Basingstoke, Inglaterra), suplementado com 5% de sangue desfibrinado de carneiro (3).

A metodologia de disco-difusão foi realizada de acordo com as instruções do NCCLS (13). Com auxílio de uma alça bacteriológica foram colhidas algumas colônias bacterianas, com a mesma morfologia da placa de cultura fresca, e suspendidas em 5ml de caldo Mueller-Hinton (MHB, Oxoid, Basingstoke, Inglaterra), a fim de se obter uma turvação correspondente a 0,5 da escala de McFarland. Para tanto, foi utilizado um aparelho fotométrico (A-Just TM- Abbot, Chicago, EUA) em absorbância de 625nm.

Após a homogeneização do inóculo, foi introduzido um swab estéril dentro do tubo, e em seguida este foi comprimido contra a parede do tubo para a remoção do excesso de líquido. A inoculação foi feita em forma de estrias na superfície do ágar em três direções, girando a placa em ângulo de 60° após cada estria. Antes da aplicação dos discos, as placas semeadas foram deixadas em cima da bancada por aproximadamente cinco minutos, para permitir que o excesso de umidade da superfície do ágar fosse absorvido. Os discos foram retirados do freezer uma hora antes de sua aplicação e deixados em temperatura ambiente. A aplicação destes foi feita com auxílio de uma pinça estéril para evitar contaminação. Todos os discos foram pressionados suavemente para o contato total com a superfície do ágar. As distâncias de 30mm entre um disco e outro (centro a centro dos discos) e de 15mm da margem da placa foram mantidas, impedindo a superposição dos halos de inibição. O Quadro mostra os discos utilizados para cada cepa ATCC e a tabela 1, os lotes dos antimicrobianos avaliados.


Leitura das placas e interpretação dos resultados

Após 18 a 24 horas de incubação, as placas foram examinadas para verificar se o crescimento obtido estava uniforme, se existia presença de contaminantes e se o diâmetro do halo de inibição estava bem definido. Após esta inspeção visual, a leitura foi realizada com o auxílio de um paquímetro ou halômetro utilizando fonte de luz refletida para iluminar a placa invertida sobre um fundo preto e opaco. Testes de suscetibilidade cujos meios contêm sangue foram observados também com luz refletida, porém as medições foram efetuadas após a remoção da tampa da placa.

Cabe ressaltar que a leitura das placas de S. aureus foi feita após 16 a 18 horas para antimicrobianos que não oxacilina e vancomicina, os quais foram lidos somente após 24 horas de incubação (19).

As placas nas quais houve crescimento de colônias dentro do halo de inibição foram subcultivadas, identificadas e novamente testadas com o intuito de descartar a possibilidade de contaminação.

Os diâmetros dos halos de inibição foram interpretados de acordo com os critérios de interpretação preconizados pelo NCCLS (14).

Resultados

A tabela 2 mostra os percentuais de concordância para cada antimicrobiano de acordo com a ATCC avaliada e com a marca do disco. Foram realizados 400 antibiogramas envolvendo quatro ATCCs, cinco marcas de discos e 18 antimicrobianos, totalizando 3.160 resultados analisados, conforme mostra a tabela 3.

Com relação aos antimicrobianos, somente os discos de ciprofloxacina, amicacina e sulfametoxazol/trimetoprim apresentaram pelo menos 95% de concordância independente da ATCC ou da marca do disco. Por outro lado, os antimicrobianos que apresentaram as maiores taxas de discordância foram imipenem e oxacilina. Na figura pode ser observado um dos testes realizados com a ATCC de S. aureus 25923 mostrando o halo de oxacilina da marca Pimenta Abreu® abaixo do limite aceitável preconizado pelo NCCLS.


A ATCC que detectou o maior número de erros foi a de S. pneumoniae 49619. Poucas combinações apresentaram taxas de concordância > 95% com essa cepa. Com relação às marcas de discos, as que registraram os menores números de combinações com taxas de concordância inferior a 95% foram as marcas Cecon® e Sensifar®. Das 35 combinações ATCC/antimicrobiano avaliadas com essas marcas, 28 (80%) apresentaram taxas de concordância > 95%, sendo que 66,6% das combinações com taxas altas de discordância (> 5%) foram encontradas com a avaliação da ATCC 49619 de S. pneumoniae.

A marca que apresentou maior número de combinações com altas taxas de discordância foi a Pimenta Abreu®. Das 29 combinações avaliadas, 14 apresentaram taxas de discordância superior a 5%, sendo que apenas três dessas combinações envolveram a cepa de pneumococo. As marcas Laborclin® e Lorean® também apresentaram um desempenho inapropriado, com apenas 56,2% (18/32) e 68,7% (22/32) de combinações com resultados aceitáveis.

A tabela 2 mostra um grande número de combinações com taxas muito baixas de concordância. Das 163 combinações avaliadas, 36,2% (59/163) apresentaram concordância inferior a 95%, sendo que em 39 (23,9%) a concordância foi < 75% e em 13 (7,9%) foi 0%.

A tabela 3 avalia apenas as combinações antimicrobianos/marcas de discos. Analisando os resultados dessa maneira pode-se notar que nenhuma das marcas avaliadas apresentou desempenho satisfatório. A análise dessa tabela mostra de maneira clara que as menores taxas de concordância foram detectadas com os antimicrobianos oxacilina (15%-42,5%) e imipenem (0%-87,5%). Os discos de clindamicina também apresentaram baixas taxas de concordância (0%-90%).

Com relação às marcas, os melhores desempenhos foram das marcas Cecon® e Sensifar®. Doze das 18 combinações (66,6%) avaliadas com a marca Cecon® apresentaram taxas de concordância > 95%. Porém, alguns discos desta marca apresentaram taxas muito baixas de concordância, como, por exemplo, oxacilina (42,5%) e clindamicina (50%). No geral, 89,6% dos testes realizados com discos da marca Cecon® apresentaram resultados dentro da variação esperada. A marca Sensifar® apresentou resultados gerais semelhantes, com 90,8% dos resultados dentro da variação esperada. Porém, o número de antimicrobianos com taxas de concordância > 95% foi mais elevado (10% ou 55,5%).

As maiores taxas de discordância foram detectadas com a marca Pimenta Abreu®, que apresentou apenas seis das 16 combinações (37,5%) com resultados satisfatórios e uma concordância geral de 58,6%. É importante ressaltar que cinco discos da marca Pimenta Abreu® (ampicilina, clindamicina, imipenem e penicilina) não apresentaram nenhum resultado aceitável.

A marca Laborclin® apresentou apenas cinco combinações com resultados aceitáveis dentre as 17 (29,4%) combinações avaliadas; porém a taxa de concordância geral foi mais alta (79,%). A marca Lorean® apresentou apenas metade das combinações com resultados aceitáveis, sendo que quatro combinações envolvendo a marca Lorean® apresentaram taxas de concordância inferiores a 50%. São elas: ampicilina (20% de acertos), cefoxitina (5%), imipenem (10%) e oxacilina (15%). A taxa de concordância geral dos discos da marca Lorean® foi de 70,7%.

Discussão

Apesar da grande importância dos exames microbiológicos, estes são subutilizados na prática clínica. Essa subtilização não se refere somente ao teste de suscetibilidade aos antimicrobianos, mas também a diversos exames microbiológicos, especialmente bacterioscópicos e culturas de sítios não-estéreis.

Vários motivos podem ser aventados para explicar essa subtilização dos exames microbiológicos. Primeiro, muitos exames são de difícil interpretação. Dessa maneira, por apresentar dificuldade para interpretar o resultado do exame, o médico prefere, na maioria das vezes, instituir um tratamento antimicrobiano empírico e observar a resposta terapêutica. Caso essa não seja favorável, o médico então solicitará os exames. Porém, pelo fato de o paciente já ter feito uso de antimicrobianos, a suscetibilidade do exame será mais baixa e a interpretação do resultado ainda mais difícil.

Outro fato que explica a subtilização desses exames é a demora para a emissão do resultado, especialmente o antibiograma. Este fato também leva à instituição da terapêutica empírica, mesmo quando o exame é solicitado. Caso haja boa resposta terapêutica, o médico muitas vezes nem se preocupa em verificar os resultados dos exames microbiológicos.

Um outro motivo é a falta de confiabilidade no resultado. Se não houver credibilidade no laboratório de microbiologia por parte do médico, este certamente não solicitará os exames. Dessa maneira, é necessário que os laboratórios de microbiologia se preocupem com a qualidade dos testes que realizam.

Entre os testes realizados pelo laboratório de microbiologia, o antibiograma talvez seja o mais importante deles, pois irá direcionar a escolha da terapia antimicrobiana. A escolha de um antimicrobiano para o qual a bactéria responsável pela infecção é resistente poderá levar a falha terapêutica, aumentando, assim, a morbidade e a mortalidade relacionadas à infecção. No caso de infecções graves, especialmente em pacientes imunocomprometidos ou com doenças de base importantes, a escolha do antimicrobiano inadequado poderá levar à morte do paciente (20).

Os resultados do presente estudo justificam uma possível desconfiança dos médicos com relação aos resultados de antibiogramas emitidos pelos laboratórios de rotina. Foram avaliadas as principais marcas de discos produzidas no país e utilizadas pela grande maioria dos laboratórios de rotina. De maneira geral, nenhuma das marcas avaliadas apresentou desempenho satisfatório para ser utilizada em laboratórios de microbiologia. Como os demais fatores de erro de importância, tais como a qualidade do meio de cultura, a espessura do meio e os parâmetros de incubação, foram rigidamente controlados, os erros encontrados devem ser decorrentes da baixa qualidade dos discos.

Os resultados foram analisados de maneiras diferentes, com o intuito de avaliar as diferentes marcas e identificar os antimicrobianos mais "problemáticos", ou seja, que estão mais sujeitos a erros. Por exemplo, os discos de amicacina, ciprofloxacina e sulfametoxazol/trimetoprim apresentaram resultados aceitáveis independentemente da marca ou da ATCC avaliada. Por outro lado, altas taxas de discordância foram detectadas com os discos de oxacilina e imipenem (tabela 1). A alta instabilidade do imipenem e de alguns outros b-lactâmicos (meropenem e inibidores de b-lactamase, por exemplo) é amplamente conhecida, e os laboratórios de rotina normalmente tomam cuidado redobrado com esses compostos para evitar a perda de potência que poderia levar à falsa resistência (4, 15). Porém no presente estudo foram seguidas todas as recomendações do NCCLS para preservação desses discos e controle das demais variáveis que possam levar a erros (13). Mesmo assim, encontrou-se uma quantidade inaceitável de erros para esse composto.

As altas taxas de discordância encontradas com os discos de oxacilina são ainda mais alarmantes. O estafilococo é o microrganismo mais isolado no ambiente hospitalar (8, 18), e a avaliação da suscetibilidade à oxacilina representa o principal teste de suscetibilidade para esse patógeno. Além disso, como o resultado da oxacilina é extrapolado para outros b-lactâmicos (13), um erro nesse teste levará à emissão de vários outros resultados errados. É importante ressaltar também que resultados de falsa suscetibilidade (erros muito graves) (9) provavelmente levarão à falha terapêutica, e os resultados de falsa resistência (erros graves) (9) levarão ao uso inapropriado de glicopeptídeos, aumentando assim a chance de seleção de enterococos resistentes à vancomicina (6).

O fato de ter sido encontrada maior discordância nos testes realizados com a cepa S. pneumoniae ATCC 49619 ressalta a dificuldade da avaliação da suscetibilidade a antimicrobianos nesta espécie, da mesma forma que ocorre em outras espécies exigentes ou fastidiosas (13, 17).

A análise dos resultados de acordo com a marca do disco mostrou um baixo desempenho de todas elas (tabela 3). Uma análise geral mostra que os discos da marca Pimenta Abreu® apresentaram o pior desempenho. Somente seis (37,5%) dos 16 tipos de discos avaliados apresentaram resultados satisfatórios, e outros seis discos apresentaram todos os resultados discordantes (0% de concordância). De modo geral, 58,6% dos testes com esses discos apresentaram resultados esperados segundo a tabela do NCCLS (13). Pode-se estimar que laboratórios que utilizam esses discos e não realizam controle de qualidade adequado liberam cerca de metade dos resultados errados.

Na verdade, os resultados do presente estudo levantam uma questão ainda mais importante que a baixa qualidade dos discos de suscetibilidade utilizados no país, que seria a realização (ou não-realização) do controle de qualidade dos testes de suscetibilidade pelos laboratórios de rotina. Se os discos utilizados por uma proporção importante dos laboratórios de rotina do país não apresentam qualidade satisfatória, duas situações podem estar ocorrendo: 1) os laboratórios utilizam os discos mesmo sabendo que estes são de baixa qualidade; ou 2) os laboratórios não realizam controle de qualidade e dessa maneira não sabem que os discos são de baixa qualidade. As duas situações seriam inaceitáveis.

Outro ponto extremamente importante levantado pelos resultados do presente estudo é a questão do controle, por parte dos órgãos fiscalizadores, tanto dos resultados emitidos pelos laboratórios quanto dos produtos produzidos por essas companhias. Além disso, os resultados do presente estudo sugerem que o controle sobre a qualidade dos laboratórios de microbiologia do país e sobre os discos (e provavelmente outros materiais) produzidos por companhias brasileiras desse ramo não é adequado.

Em resumo, os resultados do presente estudo indicam que os discos de suscetibilidade utilizados no Brasil são de baixa qualidade, possivelmente refletindo a falta de controle, de qualidade na produção e/ou estocagem dos produtos antes da sua distribuição. Esses dados chamam a atenção para a necessidade de implantação de sistemas efetivos de fiscalização da comercialização desses produtos e de programas criteriosos de controle de qualidade por parte dos laboratórios que os utilizam.

Realização: Laboratório Especial de Microbiologia Clínica da disciplina de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Unifesp/EPM.

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  • Endereço para correspondência
    Suzane Silbert
    Laboratório Especial de Microbiologia Clínica Disciplina de Doenças Infecciosas e Parasitárias Universidade Federal de São Paulo/EPM
    Rua Leandro Dupret 188
    CEP 04025-010 – São Paulo-SP
    Telefax: (11) 5571-5180/5081-2819/5081-2965
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jul 2004
    • Data do Fascículo
      2003
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