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Mudar tudo para não mudar nada: análise da dinâmica de redes de proprietários no Brasil como "mundos pequenos"

Cambiar todo para no cambiar nada: ananlizando la dinámica de redes de propietarios en el Brasil como "mundos pequeños"

Changing to stay the same: analyzing the dynamics of owner networks in Brazil as "small worlds"

Resumos

Este estudo analisa redes de proprietários conectados entre si por meio de sua participação conjunta no capital de uma ou mais empresas, a fim de verificar mudanças nestes laços em função dos eventos de reestruturação ocorridos no Brasil entre 1995 e 2003 (privatizações e entrada de capitais estrangeiros). Utilizando metodologia de análise de redes se observa que as redes de proprietários no período analisado se comportam como "mundos pequenos": ao mesmo tempo em que existem grupos de proprietários extensivamente ligados uns aos outros, existem alguns poucos atores centrais que acabam por conectar diferentes grupos. Devido à sua posição estratégica na rede, tais proprietários - notadamente, fundos de pensão e o próprio governo - conseguiram explorar oportunidades de participação societária decorrentes da própria reestruturação da economia. Conseqüentemente, contrário a interpretações usuais na literatura, no período analisado parece ter ocorrido um aumento da influência de certos proprietários locais, em detrimento de firmas e investidores estrangeiros.

Mundos pequenos; análise de redes; redes corporativas; propriedade; privatizações


This study analyzes ownership networks, whereby ties between owners are defined by common ownership of one or several companies, in order to analyze changes in these ties due to the restructuring events that occurred in Brazil from 1995 to 2003 (privatizations and entry of foreign capital). Using network analysis, it is observed that owners’ networks are characterized as "small worlds": while there are groups of owners extensively connected with one another, there are some few central actors that help connect different groups. Due to their strategic position in the network, such owners-chiefly, pension funds and the government-could exploit acquisition opportunities resulting from the restructuring of the economy. Consequently, contrary to interpretations usually found in the literature, in the period under analysis the position of certain local owners, vis-à-vis foreign firms and investors, was apparently reinforced.

Small worlds; network analysis; corporate networks; ownership; privatizations


FÓRUM – SOCIOLOGIA ECONÔMICA

Mudar tudo para não mudar nada: análise da dinâmica de redes de proprietários no Brasil como "mundos pequenos"

Changing to stay the same: analyzing the dynamics of owner networks in Brazil as "small worlds"

Cambiar todo para no cambiar nada: ananlizando la dinámica de redes de propietarios en el Brasil como "mundos pequeños"

Sergio G. Lazzarini

IBMEC São Paulo

RESUMO

Este estudo analisa redes de proprietários conectados entre si por meio de sua participação conjunta no capital de uma ou mais empresas, a fim de verificar mudanças nestes laços em função dos eventos de reestruturação ocorridos no Brasil entre 1995 e 2003 (privatizações e entrada de capitais estrangeiros). Utilizando metodologia de análise de redes se observa que as redes de proprietários no período analisado se comportam como "mundos pequenos": ao mesmo tempo em que existem grupos de proprietários extensivamente ligados uns aos outros, existem alguns poucos atores centrais que acabam por conectar diferentes grupos. Devido à sua posição estratégica na rede, tais proprietários – notadamente, fundos de pensão e o próprio governo – conseguiram explorar oportunidades de participação societária decorrentes da própria reestruturação da economia. Conseqüentemente, contrário a interpretações usuais na literatura, no período analisado parece ter ocorrido um aumento da influência de certos proprietários locais, em detrimento de firmas e investidores estrangeiros.

Palavras-chave: Mundos pequenos, análise de redes, redes corporativas, propriedade, privatizações.

ABSTRACT

This study analyzes ownership networks, whereby ties between owners are defined by common ownership of one or several companies, in order to analyze changes in these ties due to the restructuring events that occurred in Brazil from 1995 to 2003 (privatizations and entry of foreign capital). Using network analysis, it is observed that owners’ networks are characterized as "small worlds": while there are groups of owners extensively connected with one another, there are some few central actors that help connect different groups. Due to their strategic position in the network, such owners—chiefly, pension funds and the government—could exploit acquisition opportunities resulting from the restructuring of the economy. Consequently, contrary to interpretations usually found in the literature, in the period under analysis the position of certain local owners, vis-à-vis foreign firms and investors, was apparently reinforced.

Keywords: Small worlds, network analysis, corporate networks, ownership, privatizations.

"Cambiare tutto perché tutrimanga com'é."

Tomasi di Lampedusa, Il Gattopardo

INTRODUÇÃO

A década de 1990 trouxe importantes transformações na estrutura societária das empresas brasileiras, causadas pelo movimento de privatização das empresas estatais e pela intensa entrada de capitais estrangeiros. De 1990 a 2002, as privatizações resultaram em uma receita da ordem de 79 bilhões de dólares, sendo 54% oriundos de empresas estrangeiras (BNDES, 2002). Ao mesmo tempo, muitos grupos empresariais no Brasil acabaram sendo vendidos para corporações multinacionais. De Negri (2003) ressalta que a participação de firmas estrangeiras no faturamento da indústria do Brasil saltou de 27% para 42% entre 1996 e 2000. Esse processo tem suscitado interpretações de que a economia brasileira sofreu uma profunda "desnacionalização", causando a extinção de vários grupos nacionais e fazendo com que os grupos remanescentes perdessem sua força e influência nas decisões locais, logo submetendo a economia aos interesses estrangeiros (ver, por exemplo, Gonçalves, 1999; Rocha, 2002).

O presente artigo apresenta uma interpretação distinta. Apesar de ser inegável o aumento da participação estrangeira no Brasil, não é claro até que ponto entidades domésticas (tais como grupos locais, investidores institucionais etc.) e governos (nas suas mais diversas esferas) perderam sua influência na atividade econômica local. Para avaliar essa questão, o artigo analisa mudanças na estrutura de propriedade de uma amostra de 640 empresas brasileiras, de capital aberto e fechado, entre 1995 e 2003. Para fins meramente exploratórios, a Tabela 1 apresenta um ranking das entidades que mais detêm participações societárias em empresas brasileiras na base de dados que se utilizou neste estudo. Essas relações de propriedade podem ser diretas (por exemplo, o dono tem ações da empresa) ou indiretas (por exemplo, o dono tem participação em uma ou mais empresas intermediárias que, por sua vez, são proprietárias da empresa em questão). Chama a atenção de que existe um número razoável de proprietários que permanecem no ranking em todos os anos, apesar do profundo processo de reestruturação ocorrido no período. Esses proprietários incluem o próprio governo federal, grupos empresariais (Bradesco, Camargo Corrêa) e, especialmente, fundos de pensão de empresas estatais (Previ, Sistel e Petros). Verifica-se também que a presença de empresas estrangeiras é restrita e bastante variável, não existindo um grupo internacional que permaneça consistentemente no ranking.

Aparentemente, como será discutido adiante, os proprietários que mais se conectavam a outros atores na economia brasileira conseguiram manter e, até mesmo, alavancar sua presença. Baseando-se em Kogut e Walker (2001), o artigo propõe uma explicação para essa aparente resistência às mudanças ocorridas: as redes de proprietários no Brasil comportam-se como um "mundo pequeno" (small world). Uma rede de proprietários é definida, aqui, como um conjunto de proprietários que são conectados entre si quando aparecem no capital de uma mesma empresa. E esta rede é um mundo pequeno quando exibe, grosso modo, grupos de proprietários que aparecem conjuntamente no capital de empresas similares, ao mesmo tempo em que alguns atores de determinado grupo se interligam de forma esparsa a proprietários pertencentes a outros grupos na economia (Watts e Strogatz, 1998; Watts, 1999a; b).

Uma rede com essas características é bastante resistente a mudanças. Um proprietário que for centralmente conectado na rede será capaz de aproveitar oportunidades de aquisição de participações acionárias colocadas à venda por outros proprietários com os quais estiver ligado. Além disso, dado que a conectividade de determinados proprietários deve conferir a eles um maior acesso a informações locais, é bem provável que as novas entidades – notadamente, empresas e investidores estrangeiros – tentem se valer desses atores para reduzir os riscos da sua estratégia de entrada. Por exemplo, analisando os adquirentes de empresas privatizadas no Brasil, De Paula, Ferraz e Iootty (2002) revelam a prevalência de consórcios envolvendo investidores estrangeiros e certos atores domésticos – tais como grupos empresariais, fundos de pensão de estatais e entidades ligadas ao próprio governo federal (como o BNDES). Conseqüentemente, a posição estratégica de certos atores locais pode continuar muito mais profunda do que comumente imaginado, a despeito das mudanças ocorridas na estrutura de propriedade no Brasil.

Para elaborar o argumento em mais detalhes, o estudo prossegue da seguinte forma. Na próxima seção, a teoria de mundos pequenos é brevemente discutida. Em seguida, descreve-se a base de dados utilizada e apresenta-se a metodologia de análise. Os resultados são então apresentados e discutidos. Considerações conclusivas encerram o trabalho.

MUNDOS PEQUENOS

A análise de redes sociais tem sido empregada por uma linha de pesquisa bastante difundida em organização e estratégia de empresas (Gulati, 1998; Podolny e Page, 1998). Parte da premissa de que a estrutura das relações sociais entre atores na economia (firmas, governos, proprietários etc.) influencia e, ao mesmo tempo, é influenciada pelos mesmos (Nohria, 1992). A abordagem de redes permite analisar tais relacionamentos com base na observação e análise de laços expressos das mais diversas formas. Por exemplo, firmas podem criar alianças para transacionar recursos e compartilhar mercados de interesse (ver, por exemplo, Gulati, 1995; Uzzi, 1997).

O presente estudo foca em um tipo particular de laço que se estabelece quando dois ou mais proprietários têm participação societária conjunta em uma ou mais empresas. O foco neste tipo de laço é justificado por dois motivos principais. Primeiro, a observação da composição societária de firmas é, em geral, mais factível do que a observação de outros tipos de laços. Por exemplo, estudos sobre alianças estratégicas entre empresas normalmente se baseiam em alianças publicamente anunciadas, podendo, desta forma, ignorar alianças mantidas em sigilo ou não reportadas ao público em geral (Gulati, 1995). Segundo, a análise dos laços definidos com base em relações societárias permite avaliar de uma forma mais direta o impacto dos eventos de reestruturação societária observados no Brasil sobre as redes locais. Diversos estudos têm definido e analisado a estrutura de redes corporativas desta forma (por exemplo, Kogut e Walker, 2001; Windolf, 2002).

As redes influenciam o comportamento dos atores econômicos e, ao mesmo tempo, criam oportunidades de atuação estratégica. Em um artigo seminal, Granovetter (1985) utilizou o termo embeddedness para caracterizar a forma como as trocas econômicas são encaixadas em um nexo de relações sociais. Por exemplo, a aquisição de uma empresa por um determinado investidor pode resultar de informações e interações sociais com conhecidos que mantêm relações com aquela empresa. Este efeito seria especialmente proeminente no caso de redes globalmente densas – isto é, redes nos quais muitos atores são diretamente conectados entre si por meio de relações societárias conjuntas ou outros tipos de contatos. No contexto de redes de proprietários, tais conexões extensas podem servir como fonte de informação sobre novas oportunidades de investimento ou sobre possíveis parceiros em empreendimentos conjuntos.

Entretanto, até mesmo redes pouco densas podem exibir características de interação peculiares. O clássico estudo de Milgram (1967) deu início a essa linha de análise. O autor pediu que pessoas em Kansas City tentassem enviar uma carta para destinatários desconhecidos em Boston. Para tanto, elas poderiam enviar a carta para alguma pessoa conhecida em alguma cidade, que poderia então remeter a carta para uma outra pessoa, até que o destinatário final fosse encontrado. Milgram (1967) encontrou que, em média, foi necessária a intermediação de cinco pessoas ("intermediários") para a carta chegar ao destinatário final. Apesar de essas duas pessoas não se conhecerem diretamente, elas puderam se conectar por meio de conhecidos dos seus conhecidos. Daí a denominação mundo pequeno: embora muitas pessoas não sejam diretamente conectadas entre si, elas são indiretamente ligadas por meio de poucos intermediários.

Duncan Watts, em uma série de trabalhos (Watts e Strogatz, 1998; Watts, 1999a; b), buscou formalizar essas idéias e propor uma forma de medir certas características de redes que poderiam classificá-las como mundos pequenos. Considere uma rede envolvendo um conjunto de n atores conectados entre si. Como indicado anteriormente, no presente estudo os atores são proprietários de empresas no Brasil. Dois proprietários estão conectados (ou seja, apresentam um laço entre si) quando participam conjuntamente do capital de uma ou mais empresas. Por exemplo, o grupo Bozano Simonsen e o fundo de pensão Previ apresentaram um laço de 2000 a 2003 por participarem conjuntamente do capital da Embraer nesse período.

Dois conceitos fundamentais para caracterizar um mundo pequeno são a distância (path length) e o coeficiente de agrupamento (clustering coefficient). Define-se como distância o menor número de laços necessários para conectar, direta ou indiretamente, um ator a outro na rede. No experimento de Milgram, a distância média foi igual a seis, uma vez que foram necessários cinco intermediários para ligar o remetente e o destinatário. Considere um exemplo no caso de redes de proprietários no Brasil. Em 2003, a Inepar Administração e Participações e o fundo de pensão Previ eram acionistas da Inepar Construções, ao passo que a Startel Participações (do grupo norte-americano MCI) e a Previ eram acionistas da Embratel Participações. Apesar de não estarem diretamente conectadas, Inepar e Startel apresentavam um contato indireto via um único intermediário (Previ), logo configurando uma distância igual a dois. Para a rede como um todo, calcula-se a distância média entre atores da rede a partir do cálculo, para cada ator, da média das distâncias mais curtas (em termos de número de laços) conectando este ator aos outros atores na rede.

O coeficiente de agrupamento, por sua vez, é baseado na rede "local" de um determinado proprietário e mede o grau de conectividade dos atores com o qual aquele proprietário é ligado. Mais precisamente, o coeficiente de agrupamento é a razão entre o número de laços observados entre estes atores sobre o número total possível de laços entre eles. Por exemplo, se um determinado proprietário for ligado a cinco outros atores, então o número total possível de laços entre estes outros atores será igual a 10. Se forem observados seis laços entre estes atores, então neste caso o coeficiente de agrupamento será igual a 0,6. No limite, se todos os atores com os quais um proprietário é conectado são também conectados entre si (ou seja, todos eles participam conjuntamente do capital de empresas similares), então o coeficiente atinge valor igual a um. Isso pode ocorrer, por exemplo, no caso de proprietários que são sócios de uma, e apenas uma, empresa.

Esses conceitos permitem então definir um mundo pequeno com maior precisão. No contexto de redes de proprietários, um mundo pequeno ocorre quando: (a) a densidade global da rede é baixa (ou seja, muitos proprietários não são diretamente ligados entre si); (b) a distância média entre proprietários da rede não é longa (isto é, é preciso poucos atores para que um proprietário consiga se conectar indiretamente a outro); e (c) o coeficiente de agrupamento é elevado (ou seja, existem subgrupos de proprietários que participam conjuntamente das mesmas empresas).

A fim de estabelecer um padrão para definir se a distância ou coeficiente de agrupamento é alto ou baixo, pode-se comparar a rede observada a uma rede hipotética com o mesmo número de atores (n) e com o mesmo número de laços por ator (k), sendo que esses laços seriam definidos de forma aleatória. Watts e Strogatz (1998) sugeriram valores-limite para uma rede com n suficientemente elevado: a distância tende a ln(n)/ln(k), ao passo que o coeficiente de agrupamento tende a k/n. Esses valores servem de referência para verificar quanto uma rede se afasta de um padrão aleatório e se aproxima de um padrão do tipo mundo pequeno. Tipicamente, um mundo pequeno seria caracterizado por uma distância média observada que não é muito diferente de ln(n)/ln(k), enquanto o índice de agrupamento observado é muito superior a k/n. Ou seja, a rede exibe uma densidade "local" muito superior do que seria esperado em uma condição aleatória. Estudos têm indicado que redes de proprietários se mostram como mundos pequenos em países diversos tais como Alemanha (Kogut e Walker, 2001), Itália (Corrado e Zollo, 2004) e Estados Unidos (Davis e Yoo, 2003).

Esses indicadores, entretanto, referem-se à rede com um todo. O conceito de centralidade permite avaliar o grau com que um ator específico é capaz de acessar, direta ou indiretamente, outros atores na rede. No caso do objeto do presente estudo, um proprietário que for capaz de contatar diversos outros proprietários na economia poderia ter, em tese, maior conhecimento sobre oportunidades de aquisição de empresas e, até mesmo, articular recursos financeiros para tal (Windolf, 2002). Um indicador interessante de centralidade em um contexto de mundos pequenos é a chamada centralidade de meio (betweeness centrality) (Freeman, 1979). Em uma rede, existem várias possíveis seqüências de laços com a distância mais curta possível que podem ligar dois atores. Essas seqüências são denominadas geodésicas. Defina guv como o número de geodésicas ligando dois proprietários u e v, e guv(k) como o número de geodésicas que passam por um determinado proprietário k. Dessa forma segue que a medida de centralidade de meio do proprietário k é definida como Åv < u guv(k)guv , sendo k ¹ u, v. A medida padronizada de centralidade de meio corresponde a esse valor dividido pelo número total possível de laços entre proprietários, excluindo k (Wasserman e Faust, 1994).

Intuitivamente, um proprietário com elevada centralidade de meio acaba conectando indiretamente diversos grupos de proprietários na economia que não são diretamente ligados entre si. Estudos têm sugerido que atores com elevada centralidade de meio têm capacidade para obter informações críticas sobre o ambiente no qual estão inseridos e, em virtude disso, exercer influência sobre decisões locais (Krackhardt, 1990; Brass e Burkhardt, 1992). Logo, a medida de centralidade de meio é uma forma de avaliar o grau com que um determinado proprietário é provavelmente influente na rede econômica do país. De acordo com esse ponto de vista, pode-se testar a hipótese de que as reestruturações ocorridas na economia brasileira acabaram aumentando o "poder" de proprietários estrangeiros (Gonçalves, 1999; Rocha, 2002). Se for o caso, então devemos observar um aumento de centralidade associada a tais proprietários, em detrimento de entidades domésticas, durante o período de análise.

DADOS E MÉTODO

Dados e sua contextualização

Foi criada uma base de dados de 640 empresas no Brasil, observadas de 1995 a 2003. A base incluiu todas as empresas listadas em bolsa e empresas de capital fechado que fizeram parte da lista das 200 maiores empresas de cada ano em termos de faturamento (de acordo com a série Maiores e Melhores da revista Exame). Devido a eventos de fusão, aquisição e falência de empresas, o número de empresas presentes em um determinado ano cai para algo em torno de 530, a depender do ano de observação.

Uma vantagem do recorte temporal adotado é que ele abarca um período de intensa reestruturação societária das empresas brasileiras, em função basicamente do programa de privatizações e da entrada de capitais estrangeiros. Iniciando-se em 1991, as privatizações no Brasil tomaram impulso principalmente no Governo Fernando Henrique Cardoso. Do total de empresas privatizadas no Brasil, cerca de 75% concentram-se entre 1997 e 1999, com destaque para os setores de telecomunicações e elétrico.

De uma forma geral, as receitas geradas com o programa foram, em grande medida, oriundas dos setores de telecomunicações (31%), energia elétrica (31%), petróleo e gás (7%) e financeiro (6%) (BNDES, 2002). Um aspecto interessante do programa de privatizações brasileiro diz respeito à criação de "consórcios mistos" envolvendo atores domésticos (incluindo grupos locais e entidades ligadas ao governo, como o BNDES) e investidores estrangeiros. Em cerca de 50% dos casos em que houve transferência de controle público para o privado, verificou-se a presença de tais "consórcios mistos" (De Paula et alli, 2002). Como será discutido adiante, este foi um mecanismo fundamental que possibilitou a alguns atores domésticos preservar sua influência na economia local, apesar da intensa reestruturação societária vivenciada pelo Brasil na década de 1990.

Obtenção e codificação dos dados

A estrutura de propriedade das empresas foi obtida em fontes diversas. No caso de empresas de capital aberto, a principal fonte consultada foi a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), sendo que parte dos dados foi obtida junto às bases da Economática. Firmas de capital aberto têm, obrigatoriamente, que indicar a composição do seu capital e dos seus principais acionistas. Foram feitos registros diferentes no caso de capital com e sem direito a voto; no entanto, para fins de simplificação, as relações entre proprietários foram consideradas com base no capital total da empresa.

No caso de firmas de capital fechado, entretanto, o processo de coleta de informações mostrou-se mais difícil. Para anos iniciais na base, consultaram-se os guias Interinvest, que registram os principais acionistas de firmas brasileiras. Para anos mais recentes foi utilizada a publicação Valor Grandes Grupos, que também apresenta uma descrição detalhada dos proprietários de diversas firmas e grupos brasileiros. Em muitos casos, entretanto, foi necessário realizar uma consulta direta às empresas da amostra – por meio de e-mail e contato telefônico. O processo de coleta dos dados e de refinamento da base durou aproximadamente um ano e meio.

Foram codificadas tanto participações diretas quanto indiretas dos acionistas e cotistas das empresas da base (Valadares e Leal, 2000). Observe a Figura 1, descrevendo proprietários e empresas ligados à Vale do Rio Doce em 2003. Todas as empresas em itálico fazem parte da base de dados. A Valepar tem propriedade direta na Vale do Rio Doce, pois está formalmente na composição acionária da última (optou-se por considerar apenas proprietários diretos com pelo menos 1% do capital total da empresa). No entanto, a Valepar é de propriedade direta de diversos outros investidores, incluindo uma empresa denominada Elétron. Esta empresa é de propriedade da Bradespar e de fundos do Opportunity. A Bradespar, por sua vez, é de propriedade de duas entidades ligadas ao grupo Bradesco (Cidade de Deus Participações e Fundação Bradesco) e firmas representando o Banco Espírito Santo (como a Gespar). Assim, a Vale do Rio Doce teria diversos proprietários indiretos, incluindo fundos do Opportunity, as entidades ligadas ao grupo Bradesco, e o Banco Espírito Santo.


No presente estudo, denomina-se de último dono aquele proprietário que, na base de dados, não é de propriedade de nenhuma outra entidade. Na > Figura 1, é o caso dos fundos do Opportunity, da Cidade de Deus Participações, da Fundação Bradesco e do Banco Espírito Santo. Obviamente, a definição de quem seria o último dono é arbitrária. Na base de dados, os últimos donos acabaram sendo definidos como entidades sobre as quais não foi possível coletar informações a respeito de quem são seus proprietários. Em muitos casos, uma entidade acaba sendo naturalmente classificada como último dono quando a sua estrutura de propriedade é indefinida (como no caso de fundações), mutável ao longo do tempo (como no caso de fundos) ou simplesmente inexistente (como no caso de pessoas físicas).

Montagem das redes

Um primeiro passo para se analisar as redes de proprietários é criar uma matriz relacional na qual uma célula ij indicará se o proprietário i participa do capital de uma ou mais empresas conjuntamente com o proprietário j. Seguindo estudos anteriores (Kogut e Walker, 2001; Davis e Yoo, 2003; Corrado e Zollo, 2004), optou-se por construir esta matriz de uma forma simples: se os proprietários i e j participarem conjuntamente de pelo menos uma empresa, então a célula ij é igual a um; caso contrário, é igual a zero.

Matrizes distintas foram então construídas ano a ano. Em cada ano, são criadas duas matrizes diferentes dependendo de como os proprietários se relacionam. A matriz de relações de propriedade diretas codifica a célula ij como sendo igual a um se os proprietários i e j aparecem conjuntamente como donos diretos de uma ou mais firmas da base de dados. Na Figura 1, seria o caso da Cidade de Deus Participações e da Fundação Bradesco. A matriz de relações de propriedade indiretas, por sua vez, considera a célula ij como igual a um se os proprietários i e j são donos indiretos de uma ou mais firmas conjuntamente. Na Figura 1, Opportunity e Fundação Bradesco são, conjuntamente, donos indiretos tanto da Vale do Rio Doce, quanto de todas as outras empresas nas quais a Vale mantém participação societária. Note que estas duas entidades não têm uma relação direta de propriedade.

Devido às complexas relações societárias entre empresas brasileiras, é possível que uma entidade tenha participações indiretas em muitas outras firmas da base de dados. A Fundação Bradesco, por exemplo, é proprietária indireta de todas as empresas ligadas à Vale do Rio Doce (Usiminas, Samitri, Minerações Brasileiras Reunidas etc.). A consideração de laços baseados em relações indiretas de propriedade é uma contribuição deste estudo em relação a trabalhos anteriores lidando com redes de proprietários baseadas apenas em relações diretas (Kogut e Walker, 2001; Davis e Yoo, 2003; Corrado e Zollo, 2004).

Um procedimento usual na análise de mundos pequenos é considerar uma submatriz que envolva apenas atores que sejam conectados entre si, mesmo que por um número elevado de intermediários. Isso porque podem existir atores "isolados" (por exemplo, um proprietário que controla isoladamente uma e apenas uma empresa) e grupos de atores que só se relacionam entre si (por exemplo, proprietários que controlam conjuntamente uma e apenas uma empresa). Tais atores não estarão conectados a outros atores na rede. Dessa forma, antes de se computar os indicadores de mundos pequenos, extrai-se o componente principal da rede: a maior submatriz em que todos os atores são conectados entre si, seja diretamente ou por meio de intermediários (Wasserman e Faust, 1994).

A extração do componente principal e a computação de todos os indicadores da rede (distância média, coeficiente de agrupamento, centralidade de meio etc.) são feitas com o uso do software UCINET 6.0 (Borgatti, Everett e Freeman, 2002).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O banco de dados inclui um total de 2.295 proprietários. Entretanto, o número de proprietários efetivamente considerados nas estatísticas de mundos pequenos é menor que este valor, uma vez que, para o cálculo de tais estatísticas, considera-se apenas o componente principal da matriz de cada ano. A título de ilustração, a Figura 2 apresenta a rede envolvendo relações de propriedade diretas entre proprietários pertencentes ao componente principal da matriz de 2003. Um proprietário altamente central na rede é o fundo Previ, indicado como "A". TIM Brasil, Tanla e Latinvest Holdings (denotados por "B", "C" e "D", respectivamente) são interligados devido à sociedade conjunta na Tele Nordeste Celular. A Latinvest Holdings, por sua vez, liga-se ao fundo Previ devido à participação conjunta destes dois proprietários na estrutura societária direta da Telemig Celular Participações. Outro ator aparentemente bastante central é o BNDES ("E"), com participações em diversas empresas, inclusive de forma conjunta com o fundo Previ.


A Tabela 2 apresenta indicadores relacionados às matrizes originais e aos componentes principais em cada ano. A análise é segmentada em duas partes, dependendo do tipo de relação de propriedade usada para definir um laço entre dois proprietários (direta ou indireta). Computa-se a densidade das redes como o número total de laços observados sobre o número total possível de laços que poderiam ser formados entre os atores. Como esperado, a densidade das redes é bastante baixa, mesmo quando relações de propriedade indiretas são levadas em consideração. A densidade dos componentes principais também se mostra bastante baixa, sendo normalmente inferior a 0,03. Também como esperado, a quantidade de proprietários se reduz bastante quando os componentes principais são extraídos, com comparação com as redes originais. Essa redução é menor no caso das redes baseadas em relações de propriedade indiretas, pois neste caso aumentam as chances de um determinado proprietário estar ligado a outro.

Para avaliar a composição das redes analisadas, a Tabela 2 apresenta uma descrição dos últimos donos nos componentes principais extraídos. O foco nos últimos donos é útil para analisar a composição das redes de proprietários de forma a evitar "dupla contagem". No caso, os últimos donos são divididos em cinco categorias: firmas e instituições domésticas (empresas, bancos, associações etc.); investidores individuais domésticos (pessoas físicas); investidores institucionais domésticos (fundos de investimento e de pensão); firmas e investidores estrangeiros (incluindo fundos); e entidades governamentais (em nível federal, estadual ou municipal, incluindo também fundos com recursos públicos e participações do BNDES). Consistente com o processo de reestruturação ocorrido no período, verifica-se um aumento da presença de entidades estrangeiras nos componentes principais, tanto no caso de relações de propriedade diretas quanto no caso de relações indiretas. Mas a maior parte dos últimos donos nos componentes principais são entidades domésticas, especialmente firmas e investidores individuais.

A Tabela 3 apresenta estatísticas relacionadas aos mundos pequenos. Seguindo o procedimento anterior, a análise é segmentada com base em componentes principais envolvendo relações de propriedade diretas e componentes principais envolvendo relações de propriedade indiretas. No último caso, o número de proprietários incluídos nos componentes principais (n) e o número médio de laços por proprietário (k) aumentam substancialmente, uma vez que relações de propriedade indiretas acabam capturando relações entre proprietários que não existiriam caso fossem consideradas apenas relações diretas. Conforme exemplificado anteriormente, a Fundação Bradesco e o Opportuinty não participam conjuntamente da propriedade direta de nenhuma empresa da base de dados, mas são proprietários indiretos da Vale do Rio Doce (Figura 1).

Apesar de as densidades globais das redes serem muito baixas (Tabela 2), a Tabela 3 evidencia que as redes apresentam uma elevada densidade local. O coeficiente de agrupamento médio no período sob análise é de 0,705, no caso de redes com base em relações de propriedade diretas, e 0,682 no caso de redes com base em relações de propriedade indiretas. Estes valores são muito superiores ao que seria esperado com base em uma rede com mesmo tamanho e mesmo número de conexões por proprietário, porém com laços definidos de forma aleatória (0,029 e 0,039, respectivamente). A existência de grupos de proprietários densamente conectados entre si pode ser visualmente verificada na Figura 2. Quanto à distância média, por sua vez, nota-se que, na média do período sob análise, tal indicador atinge 3,496 no caso de relações de propriedade diretas, e 3,269 no caso de relações indiretas. Estes valores são próximos, embora ligeiramente superiores, aos esperados em uma rede aleatória (2,969 e 2,138, respectivamente).

Logo, baseando-se em Watts e Strogatz (1998), pode-se dizer que redes de proprietários no Brasil de fato comportam-se como mundos pequenos, uma vez que apresentam baixa densidade global, densidade local muito superior e distância média similar ao que se esperaria em uma rede aleatória. A título de comparação, a rede de proprietários na Alemanha analisada por Kogut e Walker (2001) exibiu um coeficiente de agrupamento de 0,83 e uma distância média de 6,160. Em uma rede aleatória naquelas condições, tais valores deveriam ser iguais a 0,008 e 5,160, respectivamente. Vale notar que tais autores consideram apenas relações de propriedade diretas.

Um aspecto interessante revelado no presente estudo é que, aparentemente, os indicadores de mundos pequenos parecem não mudar muito quando se consideram relações de propriedade indiretas em detrimento de relações diretas (Tabela 3). Considerando-se relações indiretas, esperar-se-ia uma maior conectividade entre proprietários – o que, de fato, é verificado pelo maior número médio de laços (k) observado em redes com base em relações indiretas. Porém, neste caso, deve-se também esperar um aumento do componente principal (n), uma vez que passam a ser incluídos outros proprietários conectados entre si por meio de participações indiretas na mesma empresa. Conseqüentemente, a razão k/n (que é justamente o valor esperado do coeficiente de agrupamento) acaba não se alterando muito nos dois casos.

A caracterização da rede de proprietários no Brasil como um mundo pequeno pode explicar por que, aparentemente, o ranking das entidades com maior participação em empresas brasileiras não mudou muito a despeito do intenso processo de reestruturação ocorrido a partir de meados da década de 1990 (Tabela 1). Por combinarem densidade local com conectividade global, redes caracterizadas como mundos pequenos mostram-se bastante resistentes a alterações nos seus laços (Watts e Strogatz, 1998; Kogut e Walker, 2001). Para se analisar esta dinâmica de uma forma mais detalhada, é importante avaliar quais proprietários se aproveitaram estrategicamente das oportunidades surgidas com a reestruturação da economia brasileira na década de 1990.

Focando apenas nos últimos proprietários presentes no banco de dados e nas suas relações de propriedade indireta, a Figura 3 apresenta como mudou a centralidade de meio média das classes de proprietários discutidas anteriormente. A centralidade de meio de investidores institucionais domésticos (notadamente, fundos de pensão), que já era superior às outras classes de proprietários no início de período sob análise (excetuando-se entidades governamentais), aumentou substancialmente durante e após as reestruturações ocorridas. Investidores institucionais aumentaram substancialmente o número médio de empresas nas quais participam de forma direta ou indireta. Este foi especialmente o caso de fundos de pensão de estatais, que acabaram participando de diversos leilões de privatização juntamente com outros proprietários. Por exemplo, o fundo Previ detinha capital de 29 empresas da base de dados em 1995, tanto direta quanto indiretamente. No último ano de análise (2003), este número saltou para 74. Como outro exemplo, as participações do fundo Petros em empresas da base também saltaram de 6 para 32 no mesmo período.


Apesar de variar bastante no recorte temporal adotado neste estudo, a centralidade de meio das entidades governamentais manteve-se elevada (Figura 3). Este fato é curioso, dado o intenso processo de privatização ocorrido no período. Como então o governo conseguiu manter sua elevada centralidade na economia? A explicação é que, após os leilões de privatização, o governo federal acabou preservando participações indiretas especialmente via BNDES. Em certos casos, empréstimos do BNDES atrelados ao processo de privatização foram posteriormente convertidos em posições societárias nas empresas privatizadas (De Souza, 2005). Como as privatizações ocorreram em diversos setores da economia (elétrico, telecomunicações, mineração etc.), ao final do processo o governo acabou conectando proprietários em posições distintas da rede. A posição central do BNDES, em 2003, por exemplo, pode ser visualizada na Figura 2.

A Figura 3 também mostra que a centralidade de meio de investidores estrangeiros, além de ser baixa, não se alterou muito ao longo do tempo. Esses resultados não suportam a idéia de que as privatizações e trocas de controle, ocorridas na década de 1990, possibilitaram aos proprietários estrangeiros aumentar a sua influência sobre a economia brasileira. Embora muitas entidades estrangeiras tenham, de fato, aumentado seus investimentos no Brasil durante aquele período, a participação delas acaba restringindo-se a poucas empresas (por exemplo, subsidiárias locais). Desta forma, entidades estrangeiras tendem a permanecer como atores "marginais" na rede, não estando extensivamente conectadas, de forma direta ou indireta, a outros proprietários na economia (Windolf, 2002). Na verdade, as oportunidades surgidas com a privatização de empresas públicas e a venda de empresas de capital doméstico parecem ter sido aproveitadas por proprietários domésticos que já tinham uma elevada conectividade nas redes locais.

A ocorrência de "consórcios mistos" nos leilões de privatização, envolvendo investidores estrangeiros em associação com certos investidores domésticos, é um exemplo disso. Além de reduzir os custos e as incertezas associadas à entrada em novos mercados, a associação com proprietários domésticos permitiu "diluir as críticas que geralmente acompanham a transferência de ativos privatizados para entidades estrangeiras" (De Paula et alli, 2002, p. 483). Por exemplo, com o advento da privatização do setor elétrico, o grupo espanhol Iberdrola associou-se ao fundo Previ e ao Banco do Brasil Investimentos na criação do consórcio Guaraniana, visando a adquirir o controle da Coelba, da Celpe e da Cosern (distribuidoras de energia dos estados da Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte, respectivamente). Parte da aquisição foi financiada com recursos do BNDES, o que seria difícil de ser conseguido sem a participação de entidades locais no capital das empresas (Mello e Freitas, 2002).

CONCLUSÕES

Várias economias no mundo sofreram intensos processos de reestruturação de propriedade nas últimas décadas, e o Brasil não foi exceção. Inexoravelmente, a privatização de empresas locais e a maior abertura dos fluxos de comércio acabam suscitando a entrada de empresas e investidores estrangeiros. À primeira vista, pode-se supor que eventos de reestruturação tendem a causar um esfacelamento das redes domésticas de propriedade. O presente estudo mostra que, no caso brasileiro, ocorreu exatamente o contrário: as privatizações e as trocas de controle societário de empresas sediadas no Brasil aparentemente reforçaram a posição de proprietários locais – notadamente, fundos de pensão de estatais e o próprio governo federal. Mudou tudo, para não mudar nada (ver epígrafe).

Uma possível explicação para essa aparente resistência das economias locais vem da própria estrutura de suas redes de propriedade. Redes são condutoras de informação, oportunidade e influência. Redes caracterizadas como mundos pequenos, em particular, combinam densidade local com conectividade global. Consistem de grupos de proprietários extensivamente ligados uns aos outros por meio da participação conjunta em uma ou mais empresas; ao mesmo tempo em que alguns poucos proprietários locais conectam diferentes grupos. Esses proprietários, por terem maior centralidade, captam melhor as oportunidades de aquisição que surgem com a própria reestruturação da economia. O "poder" não está na empresa estrangeira que entra, mas sim na empresa local que é amplamente conectada na economia. Conforme enfatizado por Kogut e Walker (2001), a globalização é sempre um fenômeno local. A experiência brasileira reforça essa idéia.

Vale mencionar que diversos estudos anteriores procuraram enfatizar o papel dos relacionamentos na organização da economia brasileira. DaMatta (1997, p. 105), por exemplo, destaca a importância da "relação como elemento estrutural no caso brasileiro" (ênfase no original). Em particular, a constatação de que entidades governamentais mantiveram sua centralidade na economia, a despeito do intenso processo de reestruturação observado no Brasil, alinha-se à observação de Faoro (1957, p. 823) sobre a "confusão entre o setor público e o privado" resultante de extensas conexões entre atores locais e governos. O detalhado estudo de Leopoldi (2000) também apresenta evidências históricas sobre como relações corporativas têm influenciado o desenho de políticas públicas. O presente estudo contribui para esta literatura ao propor e implementar uma metodologia que permite analisar, de forma concreta, as relações entre atores econômicos no Brasil e sua dinâmica.

É importante ressaltar, entretanto, as diversas limitações deste estudo. A natureza das análises é exploratória, por avaliar as mudanças na estrutura das redes e na posição dos seus atores de uma forma mais agregada, sem testar relações causais. Um próximo passo seria a análise de como a posição passada de um ator (por exemplo, sua centralidade) influencia um aumento futuro da sua participação em outras empresas. Além disso, o estudo não considera diferenças no montante de participação que um determinado proprietário tem em uma dada empresa. Muitos fundos de pensão, por exemplo, não são controladores das empresas; apenas detêm participações minoritárias. Considerar tais diferenças de participação seria um importante refinamento da análise.

Por fim, seria interessante considerar outros tipos de laços entre as empresas sob análise. Por exemplo, Davis e Yoo (2003) mostram que firmas norte-americanas exibem uma elevada conectividade por meio dos seus conselhos de administração (boards), e de uma forma distinta do verificado no caso de redes de propriedade. Podem, também, ser feitas análises com base na participação de firmas e seus proprietários em entidades e associações de classe, que têm se mostrado importantes canais de influência (Leopoldi, 2000). Dado que os conselhos e associações são instâncias de decisão e representação das empresas, podem ser um veículo adicional para que proprietários explorem oportunidades surgidas com eventos de reestruturação, ao invés de permanecerem passivos a tais mudanças.

AGRADECIMENTO

Agradeço o encorajamento e apoio metodológico de Bruce Kogut e Gordon Walker. Este estudo faz parte do projeto internacional Small Worlds, que visa a comparar a estrutura de redes de propriedade em diversos países do mundo. O estudo foi parcialmente financiado pelo Centro de Pesquisas em Estratégia do Ibmec São Paulo e pelo CNPq. Agradeço também a assistência de pesquisa de Diego Ten de Campos Maia, Fabio Renato Fukuda, Fernando Graciano Bignotto, Guilherme de Moraes Attuy, Luciana Shawyuin Liu, Lucille Assad Goloni, Marcelo de Biazi Goldberg e Rafael de Oliveira Ferraz.

Artigo recebido em 23.09.2005. Aprovado em 24.01.2007.

Sergio G. Lazzarini

Professor Associado do Ibmec São Paulo. PhD em Administração (área de Organização e Estratégia) pela John M. Olin School of Business, Washington University. MSc em Administração pela FEA/USP.

Interesses de pesquisa nas áreas de relações interorganizacionais (alianças e redes), economia organizacional (contratos e fronteiras da firma) e gestão internacional.

E-mail: SergioGL1@isp.edu.brs.

Endereço: Rua Quatá, 300, São Paulo – SP, 04546-042.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Set 2007
  • Data do Fascículo
    Jun 2007

Histórico

  • Aceito
    24 Jan 2007
  • Recebido
    23 Set 2005
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