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Angioplastia subintimal após trombose tardia de stent implantado em artéria hepática de fígado transplantado

Resumos

Os autores relatam um caso de estenose de artéria hepática transplantada tratada com angioplastia e stent, que evoluiu para trombose completa após 30 dias do procedimento. Realizada trombólise intra-arterial e angioplastia subintimal com sucesso. Controle angiotomográfico após 90 dias demonstra perviedade da artéria hepática.

angioplastia; artéria hepática; transplante


The present study reports a case of hepatic artery stenosis treated by percutaneous transluminal angioplasty and stent. After 30 days, this artery occluded and the patient was submitted successfully to thrombolysis and subintimal percutaneous angioplasty. Ninety days after the procedure a computed tomography showed patency of hepatic artery.

angioplasty; hepatic artery; transplantation


RELATO DE CASO

Angioplastia subintimal após trombose tardia de stent implantado em artéria hepática de fígado transplantado

Fabricio Mascarenhas de OliveiraI; Guilherme de Souza MourãoII

IEspecialista em Cirurgia Vascular pela Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV); Especialista em Radiologia Intervencionista e Cirurgia Endovascular pela Sociedade Brasileira de Radiologia Intervencionista e Cirurgia Endovascular (SOBRICE); Ex-residente de Radiologia Intervencionista e Cirurgia Endovascular da Medimagem – Hospital Beneficência Portuguesa – São Paulo (SP), Brasil

IIRadiologista pela SOBRICE; Chefe do serviço de Radiologia Intervencionista e Cirurgia Endovascular da Medimagem – Hospital Beneficência Portuguesa – São Paulo (SP), Brasil

Correspondência Correspondência Fabricio Mascarenhas de Oliveira Rua Guararapes, 228 –apto 44 CEP: 04561-000 – São Paulo (SP), Brasil E-mail: fabriciomasc@uol.com.br

RESUMO

Os autores relatam um caso de estenose de artéria hepática transplantada tratada com angioplastia e stent, que evoluiu para trombose completa após 30 dias do procedimento. Realizada trombólise intra-arterial e angioplastia subintimal com sucesso. Controle angiotomográfico após 90 dias demonstra perviedade da artéria hepática.

Palavras-chaves: angioplastia; artéria hepática; transplante.

Introdução

O transplante hepático é um procedimento cirúrgico de elevada complexidade devido à necessidade de anastomoses arteriais, venosas e biliares. A artéria hepática no fígado transplantado exerce papel fundamental em relação à perfusão do enxerto por ser a principal responsável pela vascularização das vias biliares1-3. Nos casos onde há diminuição ou ausência do fluxo arterial, pode ocorrer isquemia biliar e consequentemente colestase e suas complicações.

A estenose da artéria hepática é uma complicação do transplante hepático com incidência que varia de 4,8 a 12%1-3. Destes casos, aproximadamente 65% evoluem com trombose secundária1,2. Por este motivo o diagnóstico e o tratamento precoce destas alterações hemodinâmicas podem evitar a perda do enxerto hepático.

Entretanto, a complicação vascular mais frequente e temida é a trombose da artéria hepática, cuja incidência varia de 4-26% e mortalidade de até 80% quando não se realiza a revascularização precoce ou o retransplante4-9. Os principais fatores predisponentes são a falha técnica na confecção da anastomose, rejeição do enxerto e kinking da artéria1,4-7.

Deve-se suspeitar de trombose arterial quando ocorre bacteremia de repetição, necrose biliar com ou sem estenose da anastomose biliar e necrose hepática fulminante com sepses grave. A reconstrução cirúrgica aberta foi considerada, durante muito tempo, a primeira escolha nestes casos, porém o tratamento endovascular está se tornando cada vez mais um método seguro, eficaz e pouco invasivo, pois permitea reconstituição do fluxo arterial sem a necessidade de abordagem cirúrgica aberta10,13.

Os autores descrevem um caso de trombose precoce de stent em artéria hepática transplantada tratada com trombólise e angioplastia subintimal.

Relato de caso

Paciente do sexo masculino, 47 anos, submetido a transplante hepático há seis meses por hepatite fulminante por vírus B, foi internado com quadro de dor em hipocôndrio D, acompanhado de febre, colúria, acolia fecal e aumento de transaminases.

Realizou ultrassonografia com Doppler que evidenciou hepatomegalia, dilatação das vias biliares intra-hepáticas e estenose de artéria hepática maior que 50%. Submetido à angiotomografia computadorizada, sendo confirmada a estenose na anastomose arterial do enxerto de aproximadamente 70% (Figura 1A). Optado por realizar angioplastia com implante de stent (Cooks' Formula®) montado em balão de 5,5x12 mm (Figuras 1B-D), através de punção de artéria femoral comum direita. Controle angiográfico após o procedimento demonstrou artéria hepática pérvia com fluxo satisfatório, stent adequadamente posicionado e sem estenoses residuais.


O paciente evoluiu com melhora do quadro de colangite após angioplastia e uso de antibióticos, tendo recebido alta hospitalar assintomático em uso regular de Clopidogrel 75 mg/dia.

No 30º dia pós-operatório, o paciente apresentou novo quadro de colangite (dor abdominal, colúria, acolia fecal e febre). Foi constatada na angiotomografia computadorizada, e posteriormente na arteriografia, trombose completa da artéria hepática no segmento do stent previamente implantado (Figuras 2A e B).



O paciente foi submetido a cateterismo "super seletivo" da artéria hepática com microcateter e fio-guia hidrofílico 0,014" posicionado no segmento trombosado da artéria sendo iniciado "bolus intra-arterial" de 30 mg de Alteplase (Actilyse) seguido de 50 mg em bomba de infusão contínua por um período de 18 horas. Após o término da trombólise, realizou-se nova arteriografia que demonstrou presença de trombos residuais no segmento intra-stent da artéria hepática e fluxo distal diminuído (Figuras 2C e D).

Após diversas tentativas sem sucesso de ultrapassar as áreas de trombose do stent com fio-guia, optou-se por passagem subintimal do mesmo seguida de angioplastia deste segmento com balão de 4,5x15 mm, e esmagamento do stent na parede do vaso (Figuras 3A e B). Arteriografia de controle demonstrou perviedade da artéria hepática sem estenose hemodinamicamente significativa, compressão do stent na parede da artéria e fluxo distal satisfatório.


O paciente evoluiu assintomático durante o seguimento clínico, tendo recebido alta no 10º dia de pós-operatório. O controle com angiotomografia realizado 90 dias após o procedimento evidenciou artéria hepática pérvia, sem estenoses residuais, com fluxo distal adequado e stent colabado na parede do vaso (Figuras 4A-D).


Discussão

A estenose da artéria hepática transplantada apresenta evolução mais insidiosa que a trombose, entretanto estes pacientes podem cursar com quadro de isquemia ou oclusão do enxerto, sepses, colestase, estenose biliar, além de trombose arterial em 65% dos casos2,5,6. Por estes motivos, deve-se detectar precocemente a estenose da anastomose da artéria hepática com intuito de evitar tais complicações. Assim, alguns autores advogam o uso da ultrassonografia com Doppler diariamente até a alta do paciente no pós-operatório do transplante hepático. Nos casos onde há alteração no fluxo caracterizada principalmente por índice de resistência menor que 0,5, a angiotomografia computadorizada ou arteriografia torna-se mandatórios10-12.

Pode-se tratar a estenose da artéria hepática transplantada com cirurgia ou método endovascular. A despeito de não existirem estudos randomizados comparando os dois métodos, a tendência atual é a utilização da angioplastia no primeiro momento por ter menor morbimortalidade. A angioplastia com balão apresenta taxa de sucesso de 93,3 e 6,7% de complicação imediata, com reestenose de até 33,3% em 2 anos8. Com o uso de stent, relatos isolados demonstram taxa de perviedade maior que 75% em 20 meses10, entretanto não há consenso na literatura quanto ao seu uso primário.

A trombose da artéria hepática permanece um desafio terapêutico visto que é a principal causa de retransplante e falha do enxerto. Nestes casos, torna-se difícil decidir entre a revascularização na fase aguda e o retransplante na fase tardia (método tradicional) versus o tratamento endovascular. Alguns estudos demonstraram taxa de retrombose de 22% e taxa de perviedade de enxerto de 65% em 6–18 meses em pacientes submetidos à revascularização cirúrgica sem retransplante4,10. Nos casos onde se opta por retransplante, a mortalidade aproxima-se de 50%4.

Nos últimos anos, o tratamento endovascular incluindo a trombólise intra-arterial, angioplastia transluminal percutânea e uso de stent vem apresentando resultados encorajadores (taxa de sucesso maior que 75% em algumas séries), porém controversos devido ao risco de sangramento4,6,11. Até 2009, cerca de 70 casos em 16 séries foram publicados, sendo descrita uma taxa de sucesso de 68% após trombólise com posterior angioplastia ou implante de stent em 62% destes pacientes10-12. A principal complicação observada foi sangramento com mortalidade por hemorragia intra-abdominal em 0,05% dos casos. Por conta desta diminuta morbimortalidade em comparação ao tratamento cirúrgico convencional, há uma tendência da literatura em indicar primariamente o tratamento endovascular com intuito de recuperar o enxerto hepático sem a necessidade de retransplante. A exceção se faz nos casos de falha da trombólise, complicações ou disfunção do enxerto, pois nestas situações o retransplante deve ser sempre a primeira opção11,12.

No caso descrito, foram realizadas diversas tentativas de revascularizar a artéria hepática transplantada com intuito de salvamento do enxerto. A angioplastia subintimal com balão, após a trombose do stent, foi considerada a última opção endovascular antes do retransplante. A melhora clínica do paciente e a perviedade sem estenoses residuais da artéria hepática após 90 dias do procedimento são animadores, entretanto um único relato não é capaz de predizer a taxa de sucesso e a perviedade em longo prazo para este tipo específico de intervenção.

Submetido em: 12.11.09.

Aceito em: 01.06.11.

Conflito de interesse: nada a declarar.

Contribuições dos autores

Concepção e desenho do estudo: FMO

Análise e interpretação dos dados: FMO; GSM

Coleta de dados: FMO; GSM

Redação do artigo: FMO

Revisão crítica do texto: FMO; GSM

Aprovação final do artigo*: FMO; GSM

Análise estatística: N/A.

Responsabilidade geral do estudo: FMO

Informações sobre o financiamento: FMO, GSM.

*Todos os autores leram e aprovaram a versão final submetida ao J Vasc Bras.

Trabalho realizado na Medimagem – Hospital Beneficência Portuguesa – São Paulo (SP), Brasil.

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  • Correspondência
    Fabricio Mascarenhas de Oliveira
    Rua Guararapes, 228 –apto 44
    CEP: 04561-000 – São Paulo (SP), Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Out 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012

    Histórico

    • Recebido
      12 Nov 2009
    • Aceito
      01 Jun 2011
    Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV) Rua Estela, 515, bloco E, conj. 21, Vila Mariana, CEP04011-002 - São Paulo, SP, Tel.: (11) 5084.3482 / 5084.2853 - Porto Alegre - RS - Brazil
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