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CUIDAR DE BORBOLETAS: UMA ORIGEM TERAPÊUTICA PARA A PRÁTICA DA HISTÓRIA DA ARTE* * Dedico este artigo à minha querida amiga Sonja Boos. As traduções do alemão para o inglês foram feitas por Clemens Ottenhausen, a quem agradeço o cuidadoso trabalho de assistente de pesquisa na preparação deste ensaio.

CUIDAR DE MARIPOSAS: UN ORIGEN TERAPÉUTICO PARA LA PRÁCTICA DE LA HISTORIA DEL ARTE

CARING FOR BUTTERFLIES: A THERAPEUTIC ORIGIN FOR ART HISTORICAL PRACTICE

RESUMO

O presente artigo propõe uma maneira alternativa de mapear a história da arte, uma maneira que acolhe as histórias adjacentes frequentemente consideradas exteriores à linha “apropriada” de pesquisa nesse campo. Para tal cartografia alternativa, me volto para uma figura fundadora da história da arte ocidental, Aby Warburg. Para isso, trato do caso clínico de Warburg e busco, com isso, pôr em relevo as interseções do crítico e do clínico no cerne de sua vida e de sua prática intelectual, bem como as sobrevivências de cada uma dessas atividades. Ao fazê-lo, proponho uma resposta possível para a pergunta: será que a prática da história da arte poderia ter efeitos terapêuticos?

Aby Warburg; Ludwig Binswanger; Terapia ocupacional; Metodologia em História da Arte

ABSTRACT

This article proposes an alternative way of mapping the history of art, one that embraces the adjacent histories that are often taken to be external to the discipline’s “proper” line of inquiry. For this alternative cartography, I turn to a foundational figure in Western art history, Aby Warburg. Yet by also turning to the history of Warburg’s clinical case, I aim to cast in relief the intersections of the critical and clinical at the heart of his life, scholarly practice, and their afterlives. In so doing, I offer one possible answer to the following question: Could practicing art history be conceived as having positive therapeutic effects?

Aby Warburg; Ludwig Binswanger; Occupational Therapy; Art History Methodology

RESUMEN

Este artículo propone una manera alternativa de mapear la historia del arte, una manera que acoge las historias adyacentes a menudo consideradas externas a la línea “adecuada” de investigación en ese campo. Para tal cartografía alternativa, me vuelvo a una figura fundadora de la historia del arte occidental, Aby Warburg. Para eso, trato del caso clínico de Warburg y intento, con eso, poner de relieve las intersecciones del critico y del clínico en su vida y su practica intelectual, así como las sobrevivencias de cada una de esas actividades. De esa manera, propongo una respuesta posible para la pregunta: ¿podría la práctica de la historia del arte tener efectos terapéuticos?

Aby Warburg; Ludwig Binswanger; Terapia ocupacional; Metodología en Historia del Arte

Será que a história da arte é capaz de reconhecer até o fim a posição [fundadora

de alguém [...] que “falava com borboletas” durante horas?

(Georges Didi-Huberman) 1 1 . A psicose de Warburg e sua “recuperação” – que decorre da apresentação de uma conferência de história da arte num contexto psiquiátrico – é o ponto de partida do meu próximo livro, Deviant Histories: Radical Psychiatry and Art as Creative Care , que tratará do papel constitutivo da arte e dos artistas no chamado pela reforma psiquiátrica no século XX. Não se trata de um trabalho de arte outsider ou do que Jean Dubuffet chamou art brut . Os praticantes do que eu chamo de “cuidado criador” ( creative care ) instauram um deslocamento em relação à visualidade modernista e em direção à experimentação estética como chave para as dimensões terapêuticas do tratamento psiquiátrico.

Eu gostaria de tratar, neste volume da Ars dedicado às “Histórias da arte sem lugar”, de um caminho alternativo para se mapear a história da arte, um caminho que acolhe as histórias adjacentes que por vezes são consideradas estranhas à maneira “apropriada” de investigação nesse campo. Eu me volto, nessa cartografia alternativa, para uma figura central na história da arte ocidental, Aby Warburg. Meu interesse em Warburg despertou não como resultado de seu envolvimento com a história da arte europeia, mas pela minha pesquisa anterior sobre a história da arte no Brasil. Em meu livro Learning from Madness: Brazilian Modernism and Global Contemporary Art , de 2018, eu propus uma abordagem teórica e histórica para a arte feita em diálogo com o trabalho criador de pacientes psiquiátricos. O trabalho artístico desses pacientes, longe de ser outro em relação às instituições da arte moderna no Brasil, foi tratado como arte e exibido em espaços da arte desde pelo menos 1933, de maneira que a história do trabalho desses pacientes é antes um dentro constitutivo do modernismo do que seu “fora”. Ao tratar das convergências entre o modernismo e sua relação com a psiquiatria no Brasil, fui impelida a repensar o papel fundador de Aby Warburg na história da arte. E ao me voltar para a história de seu caso clínico, a interseção do crítico e do clínico no cerne de sua vida e de sua prática acadêmica ganhou contornos mais nítidos. Assim, eu começo este ensaio com uma questão provocativa: é concebível que a prática da história da arte traga consigo efeitos terapêuticos?

Nos anos 1920, quando outros historiadores da arte se ocupavam das obras-primas do cânone, Warburg se voltou para áreas excêntricas como a magia, o animismo e a astrologia. Mas sua prática de historiador da arte que busca conexões através do tempo e do espaço se deve também à sua experiência crônica de sofrimento psíquico1 1 . A psicose de Warburg e sua “recuperação” – que decorre da apresentação de uma conferência de história da arte num contexto psiquiátrico – é o ponto de partida do meu próximo livro, Deviant Histories: Radical Psychiatry and Art as Creative Care , que tratará do papel constitutivo da arte e dos artistas no chamado pela reforma psiquiátrica no século XX. Não se trata de um trabalho de arte outsider ou do que Jean Dubuffet chamou art brut . Os praticantes do que eu chamo de “cuidado criador” ( creative care ) instauram um deslocamento em relação à visualidade modernista e em direção à experimentação estética como chave para as dimensões terapêuticas do tratamento psiquiátrico. . Embora sua internação psiquiátrica, ocorrida entre 1918-1924, seja pouco tratada na literatura especializada2 2 . Christopher S. Wood, por exemplo, explica como “a origem da arte na experiência traumática se tornou a grande tópica de Warburg”, mas nunca aborda diretamente o próprio sofrimento psíquico de Warburg. Ver WOOD (2019, p. 284). . Mesmo sua biografia intelectual, Aby Warburg: An Intellectual Biography , escrita por Gombrich e primeiramente publicada em edição limitada em 1970, evita tocar no assunto de sua psicose. Ao longo do volume, o historiador da arte emerge como psicólogo da cultura. Para Gombrich, o objetivo primeiro do livro era introduzir o leitor às ideias de Warburg e tornar disponíveis muitos de seus escritos até então inéditos. Ele identifica como a reinterpretação de Warburg do Renascimento tomou parte num deslocamento epistemológico mais amplo de pesquisadores que se voltavam para o papel da magia e da superstição na Grécia antiga. Gombrich também oferece nuances significativas em sua tradução de conceitos caros a Warburg, como quando discute de que maneira o Nachleben da antiguidade poderia ser traduzido por “sobrevivência”, mas talvez seja melhor traduzido por “revivência”, capturando assim “o reaparecimento, no Renascimento italiano, de formas artísticas e estados psicológicos derivados do mundo antigo” ( GOMBRICH, 1986GOMBRICH, E. H. Aby Warburg: An Intellectual Biography. 2nd ed. Londres: Warburg Institute, University of London, 1986. , p. 16)3 3 . Exceto quando indicado, todas as traduções de fontes em inglês foram feitas pelo tradutor deste artigo. , algo que estava no cerne da pesquisa de Warburg. (Outros, como Didi-Huberman, traduzem Nachleben como sobrevivência .)

A biografia é um feito inegável, especialmente quando confrontada com a acumulação de escritos de Warburg. Gombrich revela como ele “nunca jogou fora um pedaço de papel” e como “uma grande parte de seus escritos remanescentes se revelaram esboços, pequenas anotações, formulações e fragmentos abandonados no caminho da obra acabada” (GOMBRICH, 1986, p. 3), uma condição de incompletude que caracteriza não só seus escritos, mas também seu “atlas” de imagens. Mesmo que o foco, no título do livro, seja o intelecto , leitores contemporâneos descobrem vários detalhes da vida e da personalidade de Warburg que transbordam a narrativa de um percurso exclusivamente intelectual. Gombrich, que foi diretor e professor de tradição clássica no Instituto Warburg de 1959 a 1976, o descreve como um homem “de baixa estatura” e “de olhos escuros”. Ele era bom de imitações, nota Gombrich, e exibia “uma sagacidade aforismática”; gostava de anedotas e era dotado de um “brilhantismo na conversa” (Ibidem, p. 7). O autor também nota que Warburg vinha de uma família de banqueiros, o que explica como conseguiu angariar uma imensa biblioteca e fazer viagens internacionais. Hoje um biógrafo poderia apontar esses fatores e denominá-lo economicamente privilegiado. Ao mesmo tempo, Warburg era cidadão alemão e judeu, e presenciou a ascensão da supremacia prussiana e da discriminação contra sua identidade étnica, o que explica em parte sua aliança cultural com culturas oprimidas e experiências marginalizadas4 4 . Ver discussão em STEINBERG (1995 , p. 104). .

Mas o intelecto identificado no título de Gombrich assinala também como ele evitou a psicose do biografado, isto é, Warburg enquanto caso clínico. Warburg foi admitido na Bellevue Klinik, em Kreuzlingen, pequena cidade no noroeste da Suíça, e esteve sob os cuidados de Ludwig Binswanger de 1921 a 1924. A respeito do sofrimento psíquico de Warburg, Gombrich sustenta que “não se encontra no escopo ou na competência deste estudo descrever a agonia mental dos anos psicóticos de Warburg” (GOMBRICH, 1986, p. 215). Apesar de sua própria intenção positivista, que traça o desenvolvimento do pensamento “racional” de Warburg e efetivamente apaga os anos de interrupção intelectual e internação psiquiátrica, Gombrich descreve como Warburg “foi vítima de depressões, angústias e obsessões”, e avalia como sua “grandeza e suas limitações vêm do fato de que era praticamente impossível para ele publicar quaisquer descobertas que não tivessem um significado pessoal e geral” (Ibidem, pp. 11, 18). Depois de criticar a “seletividade deliberada” dos exemplos artísticos e de história cultural de que Warburg deriva seus estudos, Gombrich inconscientemente dá seu próprio diagnóstico psiquiátrico. Comentando o tamanho da biblioteca de Warburg, ele diz que “quase parece que a gama de livros que ele adquiriu com infalível intuição para a relevância de múltiplos campos de pesquisa se destinava a compensá-lo pela estreiteza obsessiva de seu objeto de estudo por tantos anos de sua atividade” (GOMBRICH, 1986, p. 18). Ele nota ainda como Warburg era acometido por “terríveis ataques e fobias, obsessões e delírios”, que levaram a sua internação, para então pontuar como “a emergência da enfermidade mental de Warburg coincidiu com o colapso militar da Alemanha em outubro de 1918” (Ibidem, pp. 215-216). Fazendo isso, Gombrich inadvertidamente aponta como “a história tem um papel na etiologia do delírio”, sugerindo de que maneira a loucura pode revelar também algo sobre a história da política5 5 . Cf. MURAT (2014 , pp. 2-9). .

Mas e quanto ao caso clínico de Warburg e o contexto terapêutico de seu retorno à prática da história da arte e da cultura? No tempo em que esteve na clínica de Bellevue, as terapias mais frequentes consistiam em sedativos e repouso, além de insulina, para sua diabetes. Sua hérnia o impedia de fazer atividades físicas, e ele sempre usava uma bandagem de compressão sob medida. Era frequentemente submetido a hidroterapia e massagem. Especialmente durante as primeiras semanas de sua internação, Warburg permaneceu continuamente sedado ( BINSWANGER; WARBURG, 2007BINSWANGER, Ludwig; WARBURG, Aby M. Die Unendliche Heilung: Aby Warburgs Krankengeschichte / eds. Chantal Marazia e Davide Stimilli. Zurique: Diaphanes, 2007. , pp. 37-40)6 6 . Warburg esteve sob os cuidados de Binswanger de 16 de abril de 1921 a 21 de agosto de 1924. Antes, ele fora tratado em Hamburgo (2 nov. 1918-17 jul. 1919) e Jena (9 out. 1920-15 abr. 1921). Cf. BINSWANGER; WARBURG (2007 , pp. 213, 221 e 252-253). Sobre seu caso de hérnia, ver páginas 55, 57 e 60; sobre hidroterapia, ver página 59. : davam-lhe sedativos a cada três ou quatro dias (Ibidem, p. 74); quando os médicos ou cuidadores queriam acalmá-lo, davam-lhe barbitúricos como barbital, carbomal ou soníferos, e ele às vezes tinha que ser forçado a tomá-los (Ibidem, pp. 37, 59, 61, 66, 68-69, 73, 75, 81-85); em algumas ocasiões, davam-lhe opiáceos – por exemplo, uma preparação de Pantopon com 50% de morfina – para induzi-lo diretamente a um estado inconsciente (Ibidem, pp. 38-39, 54). Segundo o diagnóstico e as orientações de Emil Kraepelin, a chamada cura pelo ópio foi administrada de 6 de fevereiro a 18 de março de 1923 (Ibidem, pp. 75-78, 265).

A correspondência de Binswanger com Freud revela como, nos anos que antecedem a hoje célebre “Conferência sobre o Ritual da Serpente” de Warburg, Binswanger viu pouca perspectiva de seu paciente retornar à vida intelectual7 7 . A transcrição original da conferência foi intitulada “Recordações de uma viagem à terra dos pueblos ” (1923) e publicada pela primeira vez em 1938, nove anos após a morte de Warburg, sob o título de “Conferência sobre o Ritual da Serpente” no Journal of the Warburg Institute , n. 2, 1938-1939 (pp. 277-292). No presente artigo, as citações provêm de WARBURG (2013) . Dado que o texto é mais comumente referenciado como o “Ritual da Serpente”, optamos por manter o título da publicação de 1938 neste ensaio (doravante, portanto, “Ritual da Serpente”). . Quando perguntado a esse respeito, o psiquiatra suíço respondeu que “ele está ainda tão dominado por seus medos e precauções, que claramente são limítrofes com a compulsão e o delírio, a tal ponto que, embora sua capacidade lógica esteja intacta, não há qualquer perspectiva de que retome sua atividade de pesquisa” (BINSWANGER [1921], in FICHTNER, 2003, p. 155). Permanece pouco claro se a decisão de Warburg de dar uma conferência de história da arte como “prova” de sua cura foi iniciativa sua ou recomendação de Binswanger, que havia detectado uma melhora na condição de Warburg em dezembro de 1922 e então o encorajado a retornar a seu trabalho acadêmico. Dados os aspectos humanitários e comunitários do método psiquiátrico de Binswanger, uma conferência dada diante de uma plateia informada e crítica seria um teste valioso para se aferir a recuperação de um paciente ( BINSWANGER; WARBURG, 2007BINSWANGER, Ludwig; WARBURG, Aby M. Die Unendliche Heilung: Aby Warburgs Krankengeschichte / eds. Chantal Marazia e Davide Stimilli. Zurique: Diaphanes, 2007. , p. 8).

Embora eu não possa, dado o escopo e a intenção deste ensaio, entrar em mais detalhes sobre a conferência do “Ritual da Serpente”, que aconteceu em 21 de abril de 1923, a reação contraditória de Binswanger à própria cena da conferência merece ser considerada. No dia seguinte à conferência, ele escreve:

A conferência em si foi mais uma conversa informal que se seguiu ao material fotográfico [foram exibidas 47 imagens em um retroprojetor], desenvolvendo uma imensa variedade de conhecimentos, mas de uma maneira ligeiramente desordenada, os tópicos principais eram por demais revestidos de acessórios, aspectos significativos eram implicados apenas de passagem, ao mesmo tempo em que eram feitas alusões arqueológicas profundas que apenas pouquíssimos de nós conseguiam entender. A isso some-se o fato que o órgão do professor [a voz de Warburg] encontra-se danificado e pouco claro.

Dito isso, a conferência, que durou uma hora, foi uma façanha de grande dinamismo. Seu comando intelectual foi surpreendente, apesar de incidentes menores em sua performance. O abundante reconhecimento recebido encheu o paciente de satisfação. ( BINSWANGER; WARBURG, 2007BINSWANGER, Ludwig; WARBURG, Aby M. Die Unendliche Heilung: Aby Warburgs Krankengeschichte / eds. Chantal Marazia e Davide Stimilli. Zurique: Diaphanes, 2007. , p. 79)

Ao mesmo tempo que elogia o comando intelectual do paciente, Binswanger também registra a desorganização e os conhecimentos “acessórios” que Warburg apresenta (provavelmente uma referência às descrições hiperdetalhadas dos vários rituais de dança dos indígenas do sudoeste da América do Norte). Para Binswanger, é como se os detalhes – as roupas, o simbolismo e os movimentos dos corpos –, tão caros e persistentes na prática acadêmica de Warburg, ofuscassem sua teoria principal, que versava sobre como a magia e o logos subentendem o pensamento simbólico nas comunidades indígenas que ele havia estudado cerca de 28 anos antes.

Em contraste, Warburg estava certo de que a conferência desencadeou sua recuperação. Em carta a seu irmão Max, datada de 16 de abril de 1924, ele diz:

“Estou absolutamente convencido que, desde 21 de abril de 1923 (conferência) até a visita de Cassirer em 10 de abril de 1924, um poder emergente de liberação da enfermidade mental se faz presente. Para mim, meu envolvimento com minha pesquisa acadêmica é claramente um sintoma de que minha natureza quer uma vez mais trabalhar para sair desse pântano” (WARBURG [1924], apud BINSWANGER; WARBURG, 2007BINSWANGER, Ludwig; WARBURG, Aby M. Die Unendliche Heilung: Aby Warburgs Krankengeschichte / eds. Chantal Marazia e Davide Stimilli. Zurique: Diaphanes, 2007. , p. 24).

Mas o historiador da arte havia se deparado com sinais ambíguos: por um lado, Binswanger enfatizou a importância de seu retorno ao trabalho acadêmico como um caminho para a recuperação; por outro, a equipe de médicos que cuidava diariamente do paciente parecia considerar a atividade de dar uma conferência como algo suficiente em si, ao passo que Warburg sentia que eles ignoravam o conteúdo de tal conferência, de importância crítica (WARBURG [1924], apud BINSWANGER; WARBURG, 2007BINSWANGER, Ludwig; WARBURG, Aby M. Die Unendliche Heilung: Aby Warburgs Krankengeschichte / eds. Chantal Marazia e Davide Stimilli. Zurique: Diaphanes, 2007. , p. 114; SAXL [1922], apud ibidem, p. 121).

Muitos pesquisadores comentaram o aporte da pesquisa de Warburg para a história da arte e seu legado na iconologia de Erwin Panofsky. Menos numerosos foram os que identificaram a conferência do “Ritual da Serpente” como prova de sua recuperação e de seu retorno à prática de historiador da arte, e ainda menos numerosos os que identificaram o contexto de terapia ocupacional em que foi proferida. Em sua leitura detalhada e devidamente familiarizada com os arquivos pertinentes, o historiador Michael Steinberg afirma que a conferência sobre o “Ritual da Serpente” representa “o momento de uma façanha intelectual mas também terapêutica” (STEINBERG, 1995, p. 105). Quanto a seu conteúdo, ele observa de maneira notável que

“Não há síntese aqui: ele não reconciliou o primitivo e o moderno, o caótico e o racional [...] Mas, por meio de um ato de erudição e crítica, colocou ambos diante dos olhos e tomou perspectiva da ambiguidade e da ambivalência de um em relação ao outro. Na medida em que esses elementos faziam parte dele, ele foi capaz de olhar para si mesmo” (Ibidem, p. 105).

Steinberg também identifica como a atividade de escrever foi importante, embora ele se detenha a um passo de chamar o ato de escrever de “terapêutico” e não trate da terapia ocupacional como forma de tratamento psiquiátrico naquela época8 8 . Steinberg explica como “O ato de escrever não é de forma alguma um elemento secundário nesse processo; ele é a conjunção de uma vida inteira das energias psicológicas e eruditas de Warburg”. Cf. STEINBERG (1995 , p. 71, grifo no original). . De minha parte, ao insistir no ato da escrita, na escrita como trabalho, na capacidade de instrumento e veículo do trabalho de pesquisa, como o próprio canal pelo qual fluem as energias psíquicas e de investigação, eu pretendo situar o trabalho de Warburg mais profundamente na rede terapêutica e, portanto, na cena de sua conferência. Faço isso não para patologizar Warburg ou para fazer uma leitura sintomatológica de sua escrita, mas para pôr em relevo a maneira como o trabalho desempenhado dentro de um paradigma de terapia ocupacional é crucial para o meu argumento, de maneira a situar criticamente, ao mesmo tempo, a produção intelectual de Warburg como uma forma de terapia e como parte da comunidade terapêutica de Bellevue. Fazer isso é sugerir uma possível origem terapêutica para um método moderno de história da arte.

Em uma publicação de 1957, Binswanger sumariza a história de Bellevue, usando as designações “asilo” (1857-1880), “sanatório” (1880-1890) e “clínica” – respectivamente Asyl, Kuranstalt e Klinik – para, por um lado, significar os estágios de relação com o paciente e, por outro, os estágios do desenvolvimento e implementação da psiquiatria em Bellevue. Enquanto os deslocamentos de asilo a sanatório e de sanatório a clínica dizem respeito ao desenvolvimento da instituição em termos de terapia e dos casos clínicos admitidos (de viciados em cocaína a alcoólatras, de casos leves a graves de psicose), tais deslocamentos não tanto apresentam uma evolução progressiva, mas antes testemunham a sobreposição de diferentes terapias e paradigmas: terapia ocupacional, cura pela fala, hidroterapia, eletrochoque e tratamentos farmacológicos, sempre priorizando o repouso e as terapias ocupacionais ( BINSWANGER, 1995BINSWANGER, Ludwig. Ludwig Binswanger und die Chronik der Klinik “Bellevue” in Kreuzlingen: Eine Psychiatrie in Lebensbildern / HERZOG, Max (ed.). Berlim: Quintessenz, 1995. , p. 53). A persistência do trabalho e da “ocupação” ao longo de toda sua história de cuidado terapêutico, de atividades recreativas a atividades artesanais, testemunha um paradigma clínico que seguia apoiando a atividade , a ocupação e o trabalho ( Tätigkeit, Beschäftigung, Arbeit )9 9 . Apesar de ultrapassar o escopo deste ensaio, centrado em mostrar como a ocupação e o trabalho criador eram direcionados, à época da internação de Warburg em Bellevue, à reabilitação e cuidado de pessoas em sofrimento psíquico extremo, o paradigma da terapia ocupacional (traduzida como Arbeitstherapie ou Beschäftigungstherapie ) foi totalmente apropriado e pervertido pelos nazistas, que adotaram uma política de aniquilação-pelo-trabalho nos campos de concentração. Além disso, pela primeira vez na história, psiquiatras nazistas buscaram exterminar pacientes, desenvolvendo um programa de esterilização e eutanásia dos portadores de enfermidades físicas e mentais. frente à patologia anatômica que, como ciência positivista, buscava localizar a enfermidade mental (e portanto sua cura) nos tecidos e órgãos do corpo.

Conduzidos por Hertha Binswanger, esposa do psiquiatra, os pacientes graves de Bellevue eram mantidos sistematicamente ocupados com oficinas de tecelagem, tricô e “depois encadernação de livros, junto com todos os tipos de ocupações artísticas e artesanais” (Ibidem, p. 52). Um conselho de médicos e cuidadores decidia que tipo de atividade um paciente deveria desempenhar como parte de seu tratamento. Dada a existência de uma comunidade terapêutica e da terapia ocupacional, a meu ver, a “recuperação” clínica de Warburg se fez entendível e legível em grande medida devido ao próprio paradigma e prática da terapia ocupacional então em voga em Bellevue. “Ocupação” aqui deve ser compreendido amplamente, como algo que permite e suporta não apenas o movimento de atividade física atrelada ao trabalho criador (tecelagem, tricô, pintura), mas também como o próprio movimento e atividade do pensamento10 10 . Tal movimento também pressupõe a análise de Philippe-Alain Michaud, que aborda Warburg e as imagens da fotografia e dos primórdios do cinema em Aby Warburg et l’image en mouvement , o primeiro livro sobre Warburg em língua francesa, publicado em 1998. Para versão brasileira, cf. MICHAUD (2013) . Didi-Huberman descreve, no prefácio, como a “ movimentação constituiu uma parte essencial de seu [Warburg] referido ‘método’” ( DIDI-HUBERMAN, 2013 , p. 19, grifo no original), assim como, por meio da rejeição a esquemas teleológicos, um “ saber-montagem ” (Ibidem, p. 21, grifo no original), que se liga na obra de Michaud a saltos, cortes e montagens, parte da história das imagens e sua reprodutibilidade. .

O que significaria dizer que a conferência de Warburg – isto é, a prática da história da arte como forma de terapia – é também a condição de possibilidade para pensarmos, por sua vez, a pesquisa e os resultados acadêmicos da interpretação da história da arte como terapêuticos, em vez de meramente estetizantes? Sua própria maneira de exercer essa pesquisa, epitomizada no Bilderatlas Mnemosyne (1927-1929; daqui em diante simplesmente Atlas ), rejeita a apresentação da história da arte como uma simples acumulação de fatos, à maneira de uma enciclopédia, ou como um sistema fechado de classificação, à maneira de um dicionário. Sendo assim, poderia a história da arte, como prática, ser concebida como uma forma de cuidado terapêutico – recusando, portanto, a falsa premissa de fechamentos epistemológicos e “curas” positivistas? Começar a pensar a história da arte nesses termos, tanto no conteúdo que abarca como na rede de relações que procura traçar, é oferecer uma possível resposta à questão proposta por Didi-Huberman em 1998, quase trinta anos depois da biografia de Gombrich: “será que a história da arte é capaz de reconhecer até o fim a posição fundadora de alguém que passou quase cinco anos num asilo psiquiátrico, entre ‘inibições de medo’ e ‘agitação psicomotora’? De alguém que ‘falava com borboletas’ durante horas e cujo médico – que não era outro senão Ludwig Binswanger – pareceu perder qualquer esperança de cura?” ( DIDI-HUBERMAN, 2013DIDI-HUBERMAN, Georges. O saber-movimento (O homem que falava com borboletas). In MICHAUD, Philippe-Alain. Aby Warburg e a imagem em movimento / trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013, pp. 17-28. , p. 22, grifos no original).

Assumir que a conferência que Warburg proferiu em 1923, enquanto estava em Bellevue, foi ao mesmo tempo uma cena terapêutica e a origem de um método em história da arte, que encontraria sua expressão máxima em seu Atlas , fornece uma oportunidade de entender tal conferência e sua inserção naquela comunidade terapêutica como uma alternativa para pensar cuidadosamente diversas questões na história da arte hoje. Nessa toada, ao mesmo tempo que trata da psicose de Warburg, Didi-Huberman caracteriza seu método como um “gaio saber inquieto”, um título inspirado por Friedrich Nietzsche, ao passo que Giorgio Agamben, enfatizando a tentativa de Warburg de ir além da história da arte, reclamou para seu método o estatuto de uma “ciência sem nome”11 11 . Cf. DIDI-HUBERMAN (2018) e AGAMBEN (2015) . . O que Didi-Huberman e Agamben têm em comum é o compromisso de pensar em profundidade como Warburg nos desafia a reconsiderar os tipos de objetos aos quais nos voltamos, e a colocar no proscênio “a vida das imagens” (AGAMBEN, 2012). Além de imagens trata-se, para mim, de que ligações e relações produzimos, ou que outras maneiras de conhecer a história ou a história da arte podem vir à luz e oferecer diferentes relações a serem exercidas e reveladas, caso conduzamos nossa pesquisa mantendo o olhar sempre atento à maneira com que cuidamos dos sujeitos e objetos de nosso estudo.

Didi-Huberman tem, talvez mais do que qualquer outro historiador da arte, trabalhado para ressuscitar o método de Warburg. Seus livros, incluindo A Imagem sobrevivente (2002) e Atlas ou A Gaia Ciência inquieta (2011), e sua célebre exposição 'Atlas - Como levar o mundo nas costas?', contemplam artistas que, assim como Warburg com seu Atlas , performaram a remontagem do que pensamos que sabemos12 12 . Cf. DIDI-HUBERMAN (2011) . A obra de Warburg também inspirou curadores de arte contemporânea a incluir trabalhos de pacientes psiquiátricos em exposições. Cf. PÉREZ-ORAMAS (2012) . . Em seu Atlas , Warburg dispôs imagens – incluindo aí gestos de amor e de combate, o movimento do desejo e o terror, entre outras paixões e classificações – num fundo preto monocromático, unindo-as com presilhas ao longo de múltiplos painéis. Na ocasião de sua morte, em 1929, 63 painéis com 971 imagens haviam sido montados em sua biblioteca em Hamburgo13 13 . Quatro anos após sua morte, a biblioteca de Warburg foi levada clandestinamente da Alemanha nazista para Londres. Em 2020, os curadores Roberto Ohrt e Axel Heil apresentaram a exposição “Aby Warburg: Bilderatlas Mnemosyne”, que restaurou pela primeira vez a última versão documentada do Atlas de Warburg. A exposição esteve em cartaz na Haus der Kulturen der Welt, em Berlim. Ver https://www.hkw.de/en/programm/projekte/2020/aby_warburg/mehr.php . Acesso em: 6 jun. 2021. . No centro da coleção de imagens de Warburg estava o que ele chamou de Pathosformeln ou “fórmulas do pathos ”, os gestos fundamentais que identificou como tendo sido transmitidos da antiguidade e transformados no decorrer do tempo. Ao rastrear a transmissão e a transformação – quer dizer, a sobrevivência – desses gestos, Warburg introduziu uma “dimensão sensível” no conhecimento, indelevelmente ligada ao “múltiplo, ao diverso, à hibridez de qualquer montagem” ( DIDI-HUBERMAN, 2011, pDIDI-HUBERMAN, Georges. Atlas: How to Carry the World on One’s Back? Catálogo de exibição. Madri: Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, 2011. , p. 5).

O Atlas também exibe a fragilidade fundamental, um desejo epistêmico que, como condição de possibilidade do próprio conhecimento, inadvertidamente desempenha o papel de um conhecimento provisório ou condicional. Por necessidade, tratava-se de uma empreitada aberta, sujeita a múltiplas reorganizações e exibições, sempre em mutação. Por trás dos diversos painéis, o Atlas superdimensionado era um homem trabalhando com sua imaginação e tentando entender “as imagens e seu destino”, um homem sustentando o peso de seus pensamentos – se não, como o Atlas da mitologia grega, o peso dos céus (Idem, 2018, p. 91)14 14 . Cf. também DIDI-HUBERMAN, (2018 , pp. 91-117). . Embora a imagem que venha à mente para a figura mitológica seja uma de imenso peso e sofrimento físico, o peso que Warburg – esse “homenzinho de bigode negro que às vezes conta histórias no dialeto local” – sustentou tem mais a ver com a vulnerabilidade de um “tênue saber” (o termo original, thin knowing , é de Darby English, inspirado em um poema de Kay Ryan) e do “ jeito com que sabemos quando um sujeito e um objeto se conectam apenas de maneira imaginária, mas com uma força que achamos convincente” ( ENGLISH, 2019ENGLISH, Darby. To Describe a Life: Notes from the Intersection of Art and Race Terror. New Haven: Yale University Press, 2019. , p. 14, grifo no original). No caso de Warburg, entretanto, as conexões não eram apenas imaginárias; eram conexões advindas de relações entre fatos empíricos de imagens e a vida que elas continuaram a ter uma vez passados seu contexto original e suas origens.

Didi-Huberman, ao descrever como o Atlas de Warburg é disruptivo para os sistemas tradicionais de conhecimento, o aparenta à disrupção dos suportes clássicos do conhecimento e das obras de arte protagonizada pelos Disparates de Francisco Goya, da “mesa de [Jorge Luis] Borges” e da “heterotopia” de Michel Foucault ( DIDI-HUBERMAN, 2018DIDI-HUBERMAN, Georges. O gaio saber inquieto: O olho da história III / trad. Márcia Arbex e Vera Casa Nova. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2018. ., especialmente pp. 73-77). Dado como o Atlas transforma o conhecimento em seu suporte, display e, portanto, modo de apresentação, Didi-Huberman o relaciona à ideia de platô, de Gilles Deleuze e Félix Guattari ( apud DIDI-HUBERMAN, 2018DIDI-HUBERMAN, Georges. O gaio saber inquieto: O olho da história III / trad. Márcia Arbex e Vera Casa Nova. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2018. , p. 78): “toda multiplicidade conectável com outras hastes subterrâneas superficiais de maneira a formar e estender um rizoma”15 15 . Citação original em português: DELEUZE; GUATTARI (2011 , p. 44). . Nesse contexto, o que me interessa é a fugaz evocação que Didi-Huberman faz a Fernand Deligny e à maneira com que se pode reconhecer, “no nível das migrações de culturas, tanto na curta como na longa duração”, um “método Warburg” de criar mapas móveis para as imagens de gestos das emoções humanas (Ibidem, p. 79).

Ao contrário de Warburg, que recolhia imagens de formas simbólicas, Deligny buscava uma linguagem descritiva que resistisse à domesticação simbólica, valendo-se do corpo e do traço. Em 1969, no contexto da rede de apoio que ele fundou para crianças autistas na região de Cévennes, na França, Deligny desenvolveu a noção de “linhas erráticas” para designar os movimentos e gestos de crianças autistas de acordo com a maneira como foram transcritos pelos adultos que as acompanhavam. Esses desenhos incluíam folhas de papel transparente, que mapeavam os percursos dos adultos e das crianças em diferentes cores e de diferentes modos. Uma outra folha geralmente ficava embaixo da folha transparente, revelando um mapa de fundo que representava o espaço físico do terreno percorrido. Em relação a esse procedimento, Deligny escreveu que “respeitar o ser autista não é respeitar o ser que ele seria na condição de outro; é fazer o necessário para que a rede se trame” (DELIGNY, 2015, p. 109)16 16 . Original francês: DELIGNY (2008 , p. 95). . O filósofo Peter Pál Pelbart acrescenta ainda que “nada pior do que isolar o autista da rede para focá-lo como uma ‘pessoa’, um ‘sujeito’, a quem faltaria, por exemplo, a linguagem” (PELBART, 2016, p. 263, trecho adaptado). O que está em jogo é como documentar uma linguagem não verbal e como afastar-se do entendimento do sujeito como definido pela linguagem e por concepções unificadoras de si17 17 . Dado que eles “estão expostos, expostos ao Fora, detectando por vezes aquilo que de Nós escapa, aquilo justamente que não vemos porque falamos , e que eles enxergam porque não falam ”, a obrigação ética permanece sendo a de não apropriar seu modo de ser em “nossa” linguagem de sujeito. ( PELBART, 2016 , p. 305) .

As linhas erráticas e a rede de apoio que as trouxeram à existência me trazem, agora, de volta à questão de como situar o retorno de Warburg à história da arte, dado o fato de que sua conferência sobre o “Ritual da Serpente” foi proferida nas circunstâncias de uma comunidade terapêutica em Bellevue. Em carta à esposa de Warburg, Binswanger destacou a melhora de seu paciente, afirmando: “Faremos de tudo para que o Sr. Professor possa realizar sua conferência sobre os índios, esperamos que seja uma distração” (BINSWANGER [1922], apud BINSWANGER; WARBURG, 2007BINSWANGER, Ludwig; WARBURG, Aby M. Die Unendliche Heilung: Aby Warburgs Krankengeschichte / eds. Chantal Marazia e Davide Stimilli. Zurique: Diaphanes, 2007. , 8n.8). A menção à “distração” traz o trabalho de Binswanger para o domínio dos métodos terapêuticos modernos, inaugurados por Philippe Pinel, que recomendava aos médicos “adotar um tom benevolente para consolar o paciente, [...] prescrever uma dieta balanceada, longas caminhadas e, acima de tudo, trabalho diário no campo, todos os dias”18 18 . Cf. MURAT (2014 , p. 42). Para uma excelente história da psiquiatria francesa no século XIX, cf. GOLDSTEIN (1987) . . Nesse paradigma, o trabalho físico era tido como benéfico porque distrairia o paciente de um foco exclusivo em seu delírio, além de permitir que o médico classificasse a enfermidade por meio da observação e da transcrição. É crucial, aqui, que o trabalho de Warburg tenha sido intelectual em vez de físico19 19 . A primeira menção à conferência “Ritual da Serpente” no prontuário do paciente se dá por ocasião da visita do filho de Warburg, em 19 de dezembro de 1922: “Hoje está mais calmo porque os objetos que desejava puderam cruzar a fronteira [objetos de valor tinham que passar pela alfândega ao chegar à Suíça], conversou muito educadamente com seu filho a respeito de seus planos para a conferência sobre os índios etc.” Cf. BINSWANGER; WARBURG (2007 , p. 72). .

A invocação que Didi-Huberman faz a Deligny, embora se relacione com Warburg e seu método, não trata do quanto as linhas erráticas de Deligny não podem ser reduzidas à questão do conhecimento em seu suporte, sua forma de exposição e seu arranjo (como no Atlas de Warburg). Os desenhos são traços de relação nascidos de uma rede em cujo cerne estão as relações de cuidado: os adultos que acompanham e registram os movimentos da criança. Os desenhos, então, quebram dualismos há muito estabelecidos e, ao mesmo tempo, deslocam a busca pelo conhecimento dialético, da qual depende o entendimento de Didi-Huberman do Atlas de Warburg (por exemplo, a maneira pela qual ele estabelece as afinidades do Atlas com a imagem dialética de Walter Benjamin e com a montagem, ao mesmo tempo que lê o Atlas por meio de uma série de dualismos não sintetizados, como razão e desrazão, mente e corpo)20 20 . Didi-Huberman explica como o Atlas tem “a capacidade de produzir, pelo encontro de imagens, um conhecimento dialético da cultura ocidental, essa tragédia sempre renovada – logo, sem síntese – entre razão e desrazão” ( DIDI-HUBERMAN, 2018 , p. 29). Sobre a relação da imagem dialética de Benjamin com Warburg, cf. ibidem (pp. 171-175). . As linhas erráticas de Deligny não estão atreladas à criança ou ao adulto, mas são imanentes à rede pela qual cada um deles age em seu ambiente. No centro de cada folha traçada, então, está uma ausência fundamental: a criança e o adulto entram numa relação de produção, mas o que se expressa no que é produzido não é a identidade de nenhum sujeito21 21 . Minha análise aqui deve à de AGAMBEN (2007 , pp. 62-63). . Sendo assim, o que acarretaria pensar o trabalho da história da arte como o mapeamento de tais redes relacionais, as linhas erráticas que deslocam o discurso logocêntrico e as concepções tradicionais de representação artística? Tal princípio cartográfico carregaria consigo o cuidado e a atenção às relações sociais passadas e futuras, que é o que torna as histórias da arte possíveis.

Ao indisciplinar a história da arte, com sua ênfase em mestres, estilos e formalismos, e abraçar o elemento dramático da expressão cultural, incluindo aí a sua própria, Warburg coloca verdade e loucura, razão e imaginação, a si e ao outro no centro de sua análise da cultura ocidental, abarcando inclusive sua origem “impura” pela via das migrações22 22 . Cf. DIDI-HUBERMAN (2018 , pp. 33-35.) . Mas Warburg, como caso clínico, fazia parte de uma rede, de uma comunidade terapêutica cujo cuidado se estendia à produção de seu pensamento, ao mesmo tempo que se efetuava por meio dela. Sua conferência foi uma cena terapêutica na qual estava em ação o cuidado terapêutico da comunidade de Bellevue. Esse cuidado envolve sua produção intelectual e se estende aos que o assistiram – médicos, pacientes e convidados –, permitindo que seu pensamento tivesse uma sobrevivência que ultrapassa os muros daquela instituição sob a forma de palestras, publicações e seu Atlas . Mapear essa rede é – daí minha insistência ferrenha na conferência de Warburg como cena terapêutica – ir contra o desejo de coisificar, classificar, arquivar e isolar a arte das histórias adjacentes. Seguindo a trama da rede, sentimo-nos impelidos a fazer outras perguntas na história da arte: Quem é reconhecido como objeto da arte ou da pesquisa acadêmica? O que é reconhecido como arte ou história da arte, por quem e em que condições? Da mesma maneira que Warburg, às vezes intencionalmente e às vezes inadvertidamente, ao seguir as linhas erráticas (se Warburg tivesse tratado delas, as teria chamado de “detalhes”), podemos desafiar o que é entendido por “história da arte” e sugerir o que esse campo de conhecimento pode se tornar se olharmos para a arte e suas histórias como sendo produzidas sob diferentes condições institucionais, culturais, coloniais e psíquicas. No caso de Warburg, isso significa também reconhecer seu sofrimento psíquico e uma comunidade terapêutica – que incluía uma fazenda, oficinas de arte, música e esportes, além de um jardim com borboletas que às vezes servia de sua caixa de ressonância – na qual ele voltou a fazer história da arte. Implicar-se na história da arte como forma de cuidado é abraçar essa rede de relações e, no limite, a vulnerabilidade constitutiva do conhecimento, o “tênue saber”. Uma tal forma de conhecimento, que acontece pela via do cuidado, abarca igualmente o prazer – e também a mágica, ou a loucura – de conversar com as borboletas.

Agradecimentos

* Dedico este artigo à minha querida amiga Sonja Boos. As traduções do alemão para o inglês foram feitas por Clemens Ottenhausen, a quem agradeço o cuidadoso trabalho de assistente de pesquisa na preparação deste ensaio.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • WOOD, Christopher S. A History of Art History . Princeton: Princeton University Press, 2019.

NOTAS

  • 1
    . A psicose de Warburg e sua “recuperação” – que decorre da apresentação de uma conferência de história da arte num contexto psiquiátrico – é o ponto de partida do meu próximo livro, Deviant Histories: Radical Psychiatry and Art as Creative Care , que tratará do papel constitutivo da arte e dos artistas no chamado pela reforma psiquiátrica no século XX. Não se trata de um trabalho de arte outsider ou do que Jean Dubuffet chamou art brut . Os praticantes do que eu chamo de “cuidado criador” ( creative care ) instauram um deslocamento em relação à visualidade modernista e em direção à experimentação estética como chave para as dimensões terapêuticas do tratamento psiquiátrico.
  • 2
    . Christopher S. Wood, por exemplo, explica como “a origem da arte na experiência traumática se tornou a grande tópica de Warburg”, mas nunca aborda diretamente o próprio sofrimento psíquico de Warburg. Ver WOOD (2019, p. 284).
  • 3
    . Exceto quando indicado, todas as traduções de fontes em inglês foram feitas pelo tradutor deste artigo.
  • 4
    . Ver discussão em STEINBERG (1995STEINBERG, Michael P. Aby Warburg’s Kreuzlingen Lecture: A Reading. In: WARBURG, Aby M. Images from the Region of the Pueblo Indians of North America / trad. Michael P. Steinberg. Ithaca, NY: Cornell University Press, 1995, pp. 59-109. , p. 104).
  • 5
    . Cf. MURAT (2014MURAT, Laure. The Man Who Thought He Was Napoleon: Toward a Political History of Madness / trad. Deke Dusinberre. Chicago: University of Chicago Press, 2014. , pp. 2-9).
  • 6
    . Warburg esteve sob os cuidados de Binswanger de 16 de abril de 1921 a 21 de agosto de 1924. Antes, ele fora tratado em Hamburgo (2 nov. 1918-17 jul. 1919) e Jena (9 out. 1920-15 abr. 1921). Cf. BINSWANGER; WARBURG (2007BINSWANGER, Ludwig; WARBURG, Aby M. Die Unendliche Heilung: Aby Warburgs Krankengeschichte / eds. Chantal Marazia e Davide Stimilli. Zurique: Diaphanes, 2007. , pp. 213, 221 e 252-253). Sobre seu caso de hérnia, ver páginas 55, 57 e 60; sobre hidroterapia, ver página 59.
  • 7
    . A transcrição original da conferência foi intitulada “Recordações de uma viagem à terra dos pueblos ” (1923) e publicada pela primeira vez em 1938, nove anos após a morte de Warburg, sob o título de “Conferência sobre o Ritual da Serpente” no Journal of the Warburg Institute , n. 2, 1938-1939 (pp. 277-292). No presente artigo, as citações provêm de WARBURG (2013)WARBURG, Aby. Recordações de uma viagem à terra dos pueblos. In MICHAUD, Philippe-Alain. Aby Warburg e a imagem em movimento / trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013, pp. 251-286. . Dado que o texto é mais comumente referenciado como o “Ritual da Serpente”, optamos por manter o título da publicação de 1938 neste ensaio (doravante, portanto, “Ritual da Serpente”).
  • 8
    . Steinberg explica como “O ato de escrever não é de forma alguma um elemento secundário nesse processo; ele é a conjunção de uma vida inteira das energias psicológicas e eruditas de Warburg”. Cf. STEINBERG (1995STEINBERG, Michael P. Aby Warburg’s Kreuzlingen Lecture: A Reading. In: WARBURG, Aby M. Images from the Region of the Pueblo Indians of North America / trad. Michael P. Steinberg. Ithaca, NY: Cornell University Press, 1995, pp. 59-109. , p. 71, grifo no original).
  • 9
    . Apesar de ultrapassar o escopo deste ensaio, centrado em mostrar como a ocupação e o trabalho criador eram direcionados, à época da internação de Warburg em Bellevue, à reabilitação e cuidado de pessoas em sofrimento psíquico extremo, o paradigma da terapia ocupacional (traduzida como Arbeitstherapie ou Beschäftigungstherapie ) foi totalmente apropriado e pervertido pelos nazistas, que adotaram uma política de aniquilação-pelo-trabalho nos campos de concentração. Além disso, pela primeira vez na história, psiquiatras nazistas buscaram exterminar pacientes, desenvolvendo um programa de esterilização e eutanásia dos portadores de enfermidades físicas e mentais.
  • 10
    . Tal movimento também pressupõe a análise de Philippe-Alain Michaud, que aborda Warburg e as imagens da fotografia e dos primórdios do cinema em Aby Warburg et l’image en mouvement , o primeiro livro sobre Warburg em língua francesa, publicado em 1998. Para versão brasileira, cf. MICHAUD (2013)MICHAUD, Philippe-Alain. Aby Warburg e a imagem em movimento / trad. Vera Ribeiro, prefácio de Georges Didi-Huberman. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013. . Didi-Huberman descreve, no prefácio, como a “ movimentação constituiu uma parte essencial de seu [Warburg] referido ‘método’” ( DIDI-HUBERMAN, 2013DIDI-HUBERMAN, Georges. O saber-movimento (O homem que falava com borboletas). In MICHAUD, Philippe-Alain. Aby Warburg e a imagem em movimento / trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013, pp. 17-28. , p. 19, grifo no original), assim como, por meio da rejeição a esquemas teleológicos, um “ saber-montagem ” (Ibidem, p. 21, grifo no original), que se liga na obra de Michaud a saltos, cortes e montagens, parte da história das imagens e sua reprodutibilidade.
  • 11
    . Cf. DIDI-HUBERMAN (2018)DIDI-HUBERMAN, Georges. O gaio saber inquieto: O olho da história III / trad. Márcia Arbex e Vera Casa Nova. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2018. e AGAMBEN (2015)AGAMBEN, Giorgio. Aby Warburg e a ciência sem nome. In AGAMBEN, Giorgio. A potência do pensamento: ensaios e conferências / trad. António Guerreiro. Belo Horizonte: Autêntica, 2015, pp. 111-131. .
  • 12
    . Cf. DIDI-HUBERMAN (2011)DIDI-HUBERMAN, Georges. Atlas: How to Carry the World on One’s Back? Catálogo de exibição. Madri: Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, 2011. . A obra de Warburg também inspirou curadores de arte contemporânea a incluir trabalhos de pacientes psiquiátricos em exposições. Cf. PÉREZ-ORAMAS (2012)PÉREZ-ORAMAS, Luis. A iminência das poéticas (Ensaio polifônico a três ou mais vozes). In CATÁLOGO da 30ª Bienal de São Paulo: A iminência das poéticas. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2012. .
  • 13
    . Quatro anos após sua morte, a biblioteca de Warburg foi levada clandestinamente da Alemanha nazista para Londres. Em 2020, os curadores Roberto Ohrt e Axel Heil apresentaram a exposição “Aby Warburg: Bilderatlas Mnemosyne”, que restaurou pela primeira vez a última versão documentada do Atlas de Warburg. A exposição esteve em cartaz na Haus der Kulturen der Welt, em Berlim. Ver https://www.hkw.de/en/programm/projekte/2020/aby_warburg/mehr.php . Acesso em: 6 jun. 2021.
  • 14
    . Cf. também DIDI-HUBERMAN, (2018DIDI-HUBERMAN, Georges. O gaio saber inquieto: O olho da história III / trad. Márcia Arbex e Vera Casa Nova. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2018. , pp. 91-117).
  • 15
    . Citação original em português: DELEUZE; GUATTARI (2011DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Rizoma. In DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs / trad. Aurélio Guerra Neto. Vol. 1. 2ª ed. São Paulo: Editora 34, 2011, pp. 17-49. , p. 44).
  • 16
    . Original francês: DELIGNY (2008DELIGNY, Fernand. L’Arachnéen et autres textes . Paris: L’Arachnéen, 2008. , p. 95).
  • 17
    . Dado que eles “estão expostos, expostos ao Fora, detectando por vezes aquilo que de Nós escapa, aquilo justamente que não vemos porque falamos , e que eles enxergam porque não falam ”, a obrigação ética permanece sendo a de não apropriar seu modo de ser em “nossa” linguagem de sujeito. ( PELBART, 2016PELBART, Peter Pál. Linhas erráticas. In PELBART, Peter Pál. O avesso do niilismo: Cartografias do esgotamento. São Paulo: n-1 edições, 2016, pp. 299-333. , p. 305)
  • 18
    . Cf. MURAT (2014MURAT, Laure. The Man Who Thought He Was Napoleon: Toward a Political History of Madness / trad. Deke Dusinberre. Chicago: University of Chicago Press, 2014. , p. 42). Para uma excelente história da psiquiatria francesa no século XIX, cf. GOLDSTEIN (1987)GOLDSTEIN, Jan. Console and Classify: The French Psychiatric Profession in the Nineteenth Century. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1987. .
  • 19
    . A primeira menção à conferência “Ritual da Serpente” no prontuário do paciente se dá por ocasião da visita do filho de Warburg, em 19 de dezembro de 1922: “Hoje está mais calmo porque os objetos que desejava puderam cruzar a fronteira [objetos de valor tinham que passar pela alfândega ao chegar à Suíça], conversou muito educadamente com seu filho a respeito de seus planos para a conferência sobre os índios etc.” Cf. BINSWANGER; WARBURG (2007BINSWANGER, Ludwig; WARBURG, Aby M. Die Unendliche Heilung: Aby Warburgs Krankengeschichte / eds. Chantal Marazia e Davide Stimilli. Zurique: Diaphanes, 2007. , p. 72).
  • 20
    . Didi-Huberman explica como o Atlas tem “a capacidade de produzir, pelo encontro de imagens, um conhecimento dialético da cultura ocidental, essa tragédia sempre renovada – logo, sem síntese – entre razão e desrazão” ( DIDI-HUBERMAN, 2018DIDI-HUBERMAN, Georges. O gaio saber inquieto: O olho da história III / trad. Márcia Arbex e Vera Casa Nova. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2018. , p. 29). Sobre a relação da imagem dialética de Benjamin com Warburg, cf. ibidem (pp. 171-175).
  • 21
    . Minha análise aqui deve à de AGAMBEN (2007AGAMBEN, Giorgio. O autor como gesto. In AGAMBEN, Giorgio. Profanações / trad. Selvino José Assmann. São Paulo: Boitempo, 2007, pp. 55-63. , pp. 62-63).
  • 22
    . Cf. DIDI-HUBERMAN (2018DIDI-HUBERMAN, Georges. O gaio saber inquieto: O olho da história III / trad. Márcia Arbex e Vera Casa Nova. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2018. , pp. 33-35.)
  • *
    Dedico este artigo à minha querida amiga Sonja Boos. As traduções do alemão para o inglês foram feitas por Clemens Ottenhausen, a quem agradeço o cuidadoso trabalho de assistente de pesquisa na preparação deste ensaio.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Out 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    31 Maio 2021
  • Aceito
    7 Jun 2021
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