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ECONOMIA COMPARTILHADA E OS CONTEXTOS ECONÔMICOS E SOCIAIS: MERCENARISMO OU BEM COMUM?1 1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) - Código de Financiamento 001.

RESUMO

Objetivo:

O objetivo desta pesquisa foi compreender como os contextos econômicos e sociais influenciam no potencial transformador da economia compartilhada (EC).

Originalidade/valor:

A literatura referente ao tema da EC ainda é repleta de incertezas. Entre elas, verificamos que há um paradoxo entre a geração de benefícios sociais à comunidade e o aumento da desigualdade social.

Design/metodologia/abordagem:

Os dados foram coletados por meio de análise documental, netnografia, observação participante e entrevistas. A partir da coleta, analisaram-se os dados à luz do framework teórico proposto por Wittmayer et al. (2019)Wittmayer, J. M., Backhaus, J., Avelino, F., Pel, B., Strasser, T., Kunze, I., & Zuijderwijk, L. (2019). Narratives of change: How social innovation initiatives construct societal transformation. Futures, 112, 102433. doi:10.1016/j.futures.2019.06.005
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para o exame de narrativas ligadas à inovação social.

Resultados:

As narrativas produzidas diferem quanto ao tipo de plataforma (com e sem fins lucrativos). Verificamos que, nas plataformas sem fins lucrativos, os contextos econômicos e sociais não influenciam no potencial transformador orientado pela EC, diferentemente das plataformas com fins lucrativos, nas quais a narrativa “oportunidade de renda” é sensível ao contexto. As principais contribuições da pesquisa realizada consistem na utilização de um framework teórico da inovação social para analisar as narrativas da EC e na observação de diferenças contextuais sobre o fenômeno, o que deveria levar as plataformas e os governos (no seu papel regulador) a ter diferentes olhares sobre a EC. Concluímos que as narrativas da EC se apresentam diferentemente. As plataformas com poucos (ou sem) fins lucrativos se inserem no fenômeno da inovação social como um processo transformador e, nos contextos de maior vulnerabilidade econômico social, podem ser um mecanismo de agravamento da desigualdade social.

PALAVRAS-CHAVE
Economia compartilhada; Inovação social; Narrativas; Contexto; Plataforma

ABSTRACT

Purpose:

The aim of this research is to understand how the social-economic context influences the transformative potential of the sharing economy (SE).

Originality/value:

The literature on SE is still fraught with uncertainty. We have found that there is a paradox between generating social benefits to the community versus increasing social inequality.

Design/methodology/approach:

Data were collected from documentary analysis, netnography, participant observation, and interviews. The data collected were analyzed in the light of the theoretical framework proposed by Wittmayer et al. (2019)Wittmayer, J. M., Backhaus, J., Avelino, F., Pel, B., Strasser, T., Kunze, I., & Zuijderwijk, L. (2019). Narratives of change: How social innovation initiatives construct societal transformation. Futures, 112, 102433. doi:10.1016/j.futures.2019.06.005
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for the analysis of narratives related to social innovation.

Findings:

The produced narratives differ in terms of the type of platform (profit and non-profit). We have found that, in non-profit platforms, the economic and social context does not influence the transformative potential guided by the SE; for-profit platforms, on the other hand, the narrative of ‘income opportunity’ is context-sensitive. The main contributions of the research are the use of a theoretical framework of social innovation to analyze the narratives of the SE and the observation of contextual differences about the phenomenon, which should lead platforms and governments (in their regulatory role) to have different views on SE. We conclude that the narratives of the SE are different. For-profit platforms either do not take part or contribute very little to the phe nomenon of social innovation as a transformative process and, in the contexts of greater social-economic vulnerability, it can be a mechanism of worsening social inequality.

KEYWORDS
Sharing economy; Social innovation; Narratives; Context; Platform

1. INTRODUÇÃO

A economia compartilhada (EC) representa um novo conceito que altera a forma como as pessoas se relacionam e já demonstra que não é um movimento frágil ou temporário (Parente, Geleilate, & Rong, 2018Parente, R. C., Geleilate, J. M. G., & Rong, K. (2018). The sharing economy globalization phenomenon: A research agenda. Journal of International Management, 24(1), 52-64. doi:10.1016/j.intman.2017.10.001
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), nem está apenas associada às empresas que se tornaram mundialmente conhecidas. O boom da EC ocorreu a partir de 2008, momento de crise econômica. Desde então, o fenômeno vem crescendo e chamando a atenção da academia e de especialistas, diante de diversos questionamentos sobre suas características e finalidades. Os novos modelos de negócios na EC representam um crescimento estimado em 20 vezes, em dez anos, passando de US$ 15 bilhões em 2015 para uma expectativa de US$ 335 bilhões em 2025 (PricewaterhouseCoopers, 2015PricewaterhouseCoopers (2015). The sharing economy: Consumer intelligence series. Retrieved from https://www.pwc.com/us/en/industry/entertainment-media/publications/consumer-intelligence-series/assets/pwc-cis-sharing-economy.pdf
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), projeção também observada por Barnes e Mattsson (2017Barnes, S. J., & Mattsson, J. (2017). Understanding collaborative consumption: Test of a theoretical model. Technological Forecasting & Social Change, 118, 281-292. doi:10.1016/j.techfore.2017.02.029
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) e Muñoz e Cohen (2017Muñoz, P., & Cohen, B. (2017). Mapping out the sharing economy: A configurational approach to sharing business modeling. Technological Forecasting & Social Change, 125, 21-37. doi:10.1016/j.techfore.2017.03.035
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). A Uber, por exemplo, em 2017, já atuava em mais de 70 países e seu valor de mercado, estimado em US$ 70 bilhões, a posicionou como a empresa de tecnologia privada mais valiosa do mundo (Dudley, Banister, & Schwanen, 2017Dudley, G., Banister, D., & Schwanen, T. (2017). The rise of uber and regulating the disruptive innovator. The Political Quarterly, 88(3), p. 492-499. doi:10.1111/1467-923X.12373
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). Tanto Uber quanto Airbnb são empresas que representam o rápido crescimento da EC (Schor, 2017Schor, J. (2017). Does the sharing economy increase inequality within the eighty percent? Findings from a qualitative study of platform providers. Cambridge Journal of Regions, Economy and Society, 10(2), 263-279.).

Pode-se compreender a EC como o compartilhamento ou a transação de bens e serviços entre pares, conhecidos como prosumers - uma junção de provider e consumer (Palos-Sanchez & Correia, 2018Palos-Sanchez, P. R., & Correia, M. B. (2018). The collaborative economy based analysis of demand: Study of Airbnb case in Spain and Portugal. Journal of Theoretical and Applied Electronic Commerce Research, 13(3), 85-98. doi:10.4067/S0718-18762018000300105
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). A transação ocorre no formato peer-to-peer e é intermediada por uma plataforma tecnológica. A EC é, ainda, repleta de controvérsias, e uma delas reside na ambivalência entre o caráter social e o econômico das empresas vinculadas a esse tipo de economia (Cockayne, 2016Cockayne, D. G. (2016). Sharing and neoliberal discourse: The economic function of sharing in the digital on-demand economy. Geoforum, 77, 73-82. doi:10.1016/j.geoforum.2016.10.005
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). Por um lado, a EC é vista como uma alternativa para o desenvolvimento sustentável, sob o argumento de que otimiza a utilização de recursos ociosos e promove transformação social (Avelino et al., 2015Avelino, F., Wittmayer, J., Dumitru, A., Longhurst, N., Hielscher, S., Weaver, P., Cipolla, C., Afonso, R., Kunze, I., Dorland, J., Elle, M., Pel, B., Strasser, T., Kemp, R., & Haxeltine, A. (2015). Transitions towards new economies? A transformative social innovation perspective [Working Paper nº 3].; Mont, Neuvonen, & Lähteenoja, 2014Mont, O., Neuvonen, A., & Lähteenoja, S. (2014). Sustainable lifestyles 2050: Stakeholder visions, emerging practices and future research. Journal of Cleaner Production, 63, 24-32. doi:10.1016/j.jclepro.2013.09.007
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). Por outro lado, é criticada pela asserção de que seus benefícios são puramente econômicos, sendo apenas mais uma oportunidade de renda para quem participa (Habibi, Davidson, & Laroche, 2017Habibi, M. R., Davidson, A., & Laroche, M. (2017). What managers should know about the sharing economy. Business Horizons, 60, 113-121. doi:10.10 16/j.bushor.2016.09.007
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; Milanova & Maas, 2017Milanova, V., & Maas, P. (2017). Sharing intangibles: Uncovering individual motives for engagement in a sharing service setting. Journal of Business Research, 75, 159-171. doi:10.1016/j.jbusres.2017.02.002
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). Para alguns autores, o benefício social e ambiental é um efeito secundário, porém importante (Cohen & Kietzmann, 2014Cohen, B., & Kietzmann, J. (2014). Ride on! Mobility business models for the sharing economy. Organization & Environment, 27(3), 279-296. doi:10.11 77/1086026614546199
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; Daunoriene˙, Drakšaite˙, Snieška, & Valodkiene˙, 2015Daunoriene˙, A., Drakšaite˙, A., Snieška, V., & Valodkiene˙, G. (2015). Evaluating sustainability of sharing economy business models. Procedia - Social and Behavioral Sciences, 213, 836-841. doi:10.1016/j.sbspro.2015. 11.486
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). Entretanto, existem efeitos secundários perigosos, a ponto de a EC ser denominada por Morozov (2013Morozov, E. (2013). The “sharing economy” undermines workers’ rights. The Financial Times. Retrieved from https://www.ft.com/content/92c3021c-34c2-11e3-8148-00144feab7de
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) de “neoliberalismo de esteroides”, por exacerbar as piores práticas capitalistas devido à deficiência de regulamentação, levando à precarização das relações de trabalho. O tão difundido acesso provido pela EC ainda é limitado, já que as populações menos favorecidas não têm acesso digital (Ganapati & Reddick, 2018Ganapati, S., & Reddick, C. G. (2018). Prospects and challenges of sharing economy for the public sector. Government Information Quarterly, 35(1), 77-87. doi:10.1016/j.giq.2018.01.001
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). A desigualdade decorrente da EC é uma preocupação relevante que necessita de aprofundamento (Schor, 2017Schor, J. (2017). Does the sharing economy increase inequality within the eighty percent? Findings from a qualitative study of platform providers. Cambridge Journal of Regions, Economy and Society, 10(2), 263-279.). Ou seja, ao mesmo tempo que a EC é entendida como um meio de acesso à renda para os indivíduos, indicando um potencial de contribuição para transformações sociais, ela também é entendida como um meio de aumento da desigualdade social, sob o argumento de que os mais ricos e os proprietários das plataformas são, fundamentalmente, os mais favorecidos por essa “nova” economia. Adicionalmente, a literatura aponta que os contextos econômicos e sociais podem interferir direta e indiretamente na percepção de valor dos atores envolvidos na EC (Dreyer, Lüdeke-Freund, Hamann, & Faccer, 2017Dreyer, B., Lüdeke-Freund, F., Hamann, R., & Faccer, K. (2017). Upsides and downsides of the sharing economy: Collaborative consumption business models’ stakeholder value impacts and their relationship to context. Technological Forecasting & Social Change, 125, 87-104. doi:10.1016/j.techfore. 2017.03.036
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), mas ainda pouco se sabe sobre isso. Considerando as questões destacadas, este artigo busca identificar:

  • Como os contextos econômicos e sociais influenciam no potencial transformador da EC?

Estudar as diferenças e semelhanças do discurso do compartilhamento é uma das possibilidades para compreender os efeitos econômicos e sociais da EC (Cockayne, 2016Cockayne, D. G. (2016). Sharing and neoliberal discourse: The economic function of sharing in the digital on-demand economy. Geoforum, 77, 73-82. doi:10.1016/j.geoforum.2016.10.005
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). Dessa forma, para responder à questão de pesquisa, será investigado o potencial transformador da EC a partir de narrativas que a constituem socialmente. A análise das narrativas oferece insights e entendimentos, ampliando a compreensão do social (Bastos & Biar, 2015Bastos, L. C., & Biar, L. de A. (2015). Análise de narrativa e práticas de entendimento da vida social. Delta, 31, 97-126. doi:10.1590/0102-445 083363903760077
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).

Ao realizarem um estudo no campo da EC, Frenken e Schor (2017Frenken, K., & Schor, J. (2017). Putting the sharing economy into perspective. Environmental Innovation and Societal Transitions, 23, 3-10. doi:10.1016/j.eist.2017.01.003
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) afirmam que é relevante buscar entender por que diferentes atores atribuem significados distintos ao fenômeno. A busca por esse entendimento pode estar ligada às práticas sociais e posições discursivas. Nessa esteira, aparecem as narrativas de mudança, que são definidas como “ideias, conceitos, metáforas, discursos ou histórias sobre mudança e inovação” (Wittmayer et al., 2019Wittmayer, J. M., Backhaus, J., Avelino, F., Pel, B., Strasser, T., Kunze, I., & Zuijderwijk, L. (2019). Narratives of change: How social innovation initiatives construct societal transformation. Futures, 112, 102433. doi:10.1016/j.futures.2019.06.005
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, p. 2). As narrativas de mudança são utilizadas para identificar por que a mudança social ocorre, quem são os atores e como isso acontece (Wittmayer et al., 2019Wittmayer, J. M., Backhaus, J., Avelino, F., Pel, B., Strasser, T., Kunze, I., & Zuijderwijk, L. (2019). Narratives of change: How social innovation initiatives construct societal transformation. Futures, 112, 102433. doi:10.1016/j.futures.2019.06.005
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). Para atender ao objetivo de pesquisa, neste estudo foi adotado o framework teórico proposto por Wittmayer et al. (2019)Wittmayer, J. M., Backhaus, J., Avelino, F., Pel, B., Strasser, T., Kunze, I., & Zuijderwijk, L. (2019). Narratives of change: How social innovation initiatives construct societal transformation. Futures, 112, 102433. doi:10.1016/j.futures.2019.06.005
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, que, associado à perspectiva da inovação social, permite que se identifiquem a justificativa, os atores e o enredo em que ocorrem (ou não) as mudanças sociais. Os dados analisados foram coletados a partir de quatro diferentes técnicas: 1. análise documental, 2. netnografia, 3. observação participante e 4. entrevistas.

No sentido de construção do caminho analítico proposto, iniciamos a discussão sobre noções de EC; em seguida, discorremos sobre as narrativas, para então chegarmos à metodologia, análise e discussão. No fechamento, sistematizamos a discussão por meio das considerações finais.

2. ECONOMIA COMPARTILHADA

A EC pode ser compreendida como o compartilhamento de bens, produtos ou serviços entre pessoas que não se conhecem. Esse compartilhamento se caracteriza por ocorrer no formato peer-to-peer, em que uma plataforma tecnológica realiza a intermediação da transação (Belk, 2014Belk, R. (2014). You are what you can access: Sharing and collaborative consumption online. Journal of Business Research, 67, 1595-1600. doi:10.1016/j.jbusres.2013.10.001
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; Benoit, Baker, Bolton, Gruber, & Kandampully, 2017Benoit, S., Baker, T. L., Bolton, R. N., Gruber, T., & Kandampully, J. (2017). A triadic framework for collaborative consumption (CC): Motives, activities and resources & capabilities of actors. Journal of Business Research, 79, 219-227. doi:10.1016/j.jbusres.2017.05.004
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). Os atores envolvidos nessa transação são chamados de prosumers, um termo oriundo da junção de provider (fornecedor) e consumer (consumidor) (Palos-Sanchez & Correia, 2018Palos-Sanchez, P. R., & Correia, M. B. (2018). The collaborative economy based analysis of demand: Study of Airbnb case in Spain and Portugal. Journal of Theoretical and Applied Electronic Commerce Research, 13(3), 85-98. doi:10.4067/S0718-18762018000300105
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). O termo prosumer surge do desaparecimento da necessidade de intermediação entre consumidores e fornecedores, ou seja, a comunicação entre fornecedor e consumidor pode ocorrer de forma direta. Assim, o fornecedor tem a oportunidade de entender a necessidade do consumidor e, consequentemente, atender a ela de maneira mais eficaz. Ritzer (2015Ritzer, G. (2015). Prosumer capitalism. Sociological Quarterly, 56(3), 413-445. doi:10.1111/tsq.12105
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) afirma que, nesse conceito, em muitos casos é difícil identificar quem é o fornecedor e quem é o consumidor, visto que mudam de posição com frequência. A EC favorece essa comunicação direta entre os fornecedores e consumidores. A EC é composta por empresas sem e com fins lucrativos, sendo estas as que atraíram grande atenção popular. Uber e Airbnb são os exemplos icônicos das empresas com fins lucrativos. Como exemplo de empresas sem fins lucrativos, podemos citar o Banco de Tempo (sistema de troca de bens e serviços por tempo), CouchSurfing (serviço de hospitalidade) e Freecycle (plataforma de trocas de objetos).

A valorização das empresas vinculadas à EC ultrapassou empresas estabelecidas há muito tempo nos setores não só de turismo e transporte, mas também em outros segmentos, como educação, finanças, espaços para trabalho etc. (Ganapati & Reddick, 2018Ganapati, S., & Reddick, C. G. (2018). Prospects and challenges of sharing economy for the public sector. Government Information Quarterly, 35(1), 77-87. doi:10.1016/j.giq.2018.01.001
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). Com a elevada valorização de mercado, as plataformas de EC também se tornaram objetos de controvérsia, sendo o bem comum questionado. Ou seja, a EC apresenta uma retórica de benefícios econômicos, sociais e ambientais a quem participa, mas, veladamente, exacerba o capitalismo, aumentando a desigualdade social (Schor, 2017Schor, J. (2017). Does the sharing economy increase inequality within the eighty percent? Findings from a qualitative study of platform providers. Cambridge Journal of Regions, Economy and Society, 10(2), 263-279.). Como ilustração dessa perspectiva, Murillo, Buckland e Val (2017Murillo, D., Buckland, H., & Val, E. (2017). When the sharing economy becomes neoliberalism on steroids: Unravelling the controversies. Technological Forecasting and Social Change, 125, 66-76. doi:10.1016/j.techfore.2017.05.024
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) apontam que 75% dos aluguéis do Airbnb são provenientes de casas inteiras, descolando-se da essência da EC de compartilhar o mesmo espaço, alugando um quarto ocioso. Assim, quem ganha com a EC, na realidade, pertence a uma classe mais privilegiada. Ainda, segundo os autores, a EC promove monopólios: o Kickstarter (site de financiamento coletivo que busca apoiar projetos inovadores) é responsável por 57% das transações de crowdfunding; o Craigslist (comunidade on-line que disponibiliza anúncios gratuitos aos usuários), por 65% dos serviços profissionais; a Uber, por 86% do compartilhamento de veículos de passeio; e o Etsy (comércio eletrônico de itens feitos à mão), por 91% do mercado de produtos personalizados. Tais empresas dominam o mercado potencializando uma distribuição desigual da riqueza.

Os efeitos da EC são muito mais complexos devido às suas externalidades: impacto no mercado tradicional, ganhos menores para os trabalhadores, vizinhos que se sentem incomodados com os aluguéis de casas e a presença de estranhos, distribuição de renda, bem-estar desigual, entre outras (Frenken & Schor, 2017Schor, J. (2017). Does the sharing economy increase inequality within the eighty percent? Findings from a qualitative study of platform providers. Cambridge Journal of Regions, Economy and Society, 10(2), 263-279.). Tais externalidades levam a um aumento da desigualdade social, reforçando cada vez mais as estruturas dominantes.

A EC pode ser destacada, conforme Lazarevic e Valve (2017Lazarevic, D., & Valve, H. (2017). Narrating expectations for the circular economy: Towards a common and contested European transition. Energy Research & Social Science, 31, 60-69. doi:10.1016/j.erss.2017.05.006
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), como uma nova forma de consumo em que novos modelos de negócios usufruem de uma parcela do mercado para incrementar seus lucros, assim como nos negócios tradicionais. As transações intermediadas pelas plataformas da EC, aparentemente, não diferem da economia tradicional, pois seu principal objetivo é realizar transações financeiras entre pessoas, aproximando vendedores de consumidores (Hou, 2018Hou, L. (2018). Destructive sharing economy: A passage from status to contract. Computer Law & Security Review, 34(4), 965-976. doi:10.1016/j.clsr. 2018.05.009
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). O acúmulo de receita via EC amplia a preocupação com a desigualdade, principalmente pelo fato de os proprietários das plataformas e os mais ricos nas relações de troca serem os maiores detentores dos ganhos. Dessa forma, torna-se necessário ampliar a compreensão das diferenças entre os atores vinculados à EC (Gerwe & Silva, 2018Gerwe, O., & Silva, R. (2018). Clarifying the sharing economy: Typology, antecedents, and effects. Academy of Management Perspectives, 34(1), 65-96. doi:10.5465/amp.2017.0010
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). A EC, aparentemente, apresenta uma abordagem de comunidade, mas, na verdade, gera desvalorização do trabalho (Cockayne, 2016Cockayne, D. G. (2016). Sharing and neoliberal discourse: The economic function of sharing in the digital on-demand economy. Geoforum, 77, 73-82. doi:10.1016/j.geoforum.2016.10.005
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).

Ao mesmo tempo que as externalidades da EC demonstram seu lado perverso, pesquisas em contextos econômicos e sociais de maior vulnerabilidade apontam o seu potencial como oportunidade de trabalho e acesso à renda. Dreyer et al. (2017Dreyer, B., Lüdeke-Freund, F., Hamann, R., & Faccer, K. (2017). Upsides and downsides of the sharing economy: Collaborative consumption business models’ stakeholder value impacts and their relationship to context. Technological Forecasting & Social Change, 125, 87-104. doi:10.1016/j.techfore. 2017.03.036
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) analisaram a EC na África do Sul, contexto de uma economia emergente, país com altos níveis de desigualdade, pobreza, desemprego e criminalidade. Ao compararem dois modelos de plataformas (Uber e SweepSouth) com os negócios tradicionais (táxis e SweepSouthand), os autores evidenciaram que, com a chegada da EC, a população passou a ter acesso a oportunidades e produtos antes não existentes, como carro, smartphone, internet e a possibilidade de geração de renda, o que teve consequências positivas para a sociedade. De acordo com Guo, Xin, Barnes e Li (2018Guo, Y., Xin, F., Barnes, S. J., & Li, X. (2018). Opportunities or threats: The rise of Online Collaborative Consumption (OCC) and its impact on new car sales. Electronic Commerce Research and Applications, 29, 133-141. doi:10.1016/j.elerap.2018.04.005
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), a Uber cria, por mês, cerca de 50 mil novas oportunidades de emprego globalmente, proporcionando às pessoas a possibilidade de geração de renda durante o seu tempo livre. Davidson, Reza e Laroche (2018Davidson, A., Reza, M., & Laroche, M. (2018). Materialism and the sharing economy: A cross-cultural study of American and Indian consumers. Journal of Business Research, 82, 364-372. doi:10.1016/j.jbusres.2015.07.045
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), ao compararem o papel da EC na América do Norte e na Índia, mostram que os norte-americanos buscam experiências transformadoras, enquanto os indianos buscam a eficiência e a conveniência. Ressalta-se que, embora a EC seja global, os interesses são diferentes de acordo com o contexto.

A literatura é rica em controvérsias e incertezas acerca da EC, principalmente no que se refere às suas externalidades e ao paradoxo entre a oportunidade de trabalho e o acesso à renda e o aumento da desigualdade social, reforçando o modelo econômico dominante. No sentido de discorrer sobre essas questões, o estudo narrativo é um caminho para compreender como uma história é construída, para quem e por quê. Esse é o caminho que seguiremos para compreender como os contextos econômicos e sociais influenciam no potencial transformador da EC.

3. NARRATIVAS E NARRATIVAS DE MUDANÇAS

A análise de narrativas permite que se contemplem diversos atores sociais, em diferentes contextos, e é útil para compreender o que ocorre na vida social (Bastos & Biar, 2015Bastos, L. C., & Biar, L. de A. (2015). Análise de narrativa e práticas de entendimento da vida social. Delta, 31, 97-126. doi:10.1590/0102-445 083363903760077
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). A narrativa pode ser entendida como uma prática social, sendo uma forma de construir a realidade. Com isso, as narrativas fazem parte das práticas sociais, pois tomam formas diferentes e formas genéricas que estão intimamente relacionadas com os macroprocessos e as práticas que as constituem (De Fina & Georgakopoulou, 2008De Fina, A., & Georgakopoulou, A. (2008). Analysing narratives as practices. Qualitative Research, 8(3), 379-387. doi:10.1177/1468794106093634
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). Para compreensão da vida social, é preciso ver a narrativa como uma forma de conhecimento, uma forma de vida social e uma forma de comunicação (Czarniawska, 2000Czarniawska, B. (2000). The uses of narrative in organization research. London: Sage Publications.). As narrativas podem variar de acordo com os atores, o tempo e o espaço, pois são consideradas habituais e estáveis em um determinado am- biente. O que posiciona o cenário da narrativa é o contexto, fundamental para a sua compreensão (Wittmayer, Backhaus, Avelino, Pel, & Kunze, 2015Wittmayer, J., Backhaus, J., Avelino, F., Pel, B., & Kunze, I. (2015). Narratives of change: How social innovation initiatives engage with their transformative ambitions [Working Paper nº 4]. Transit: Transformative Social Innovation Theory. Rotterdam, The Netherlands.).

Em uma perspectiva de transição e mudança da vida social, encontramos a definição de “narrativas de mudanças” como parte integrante da inovação social, aqui considerada a partir da concepção da União Europeia, segundo a qual as dimensões sociais da inovação permitem o enfrentamento de desafios sociais prementes, como pobreza, falta de equidade e justiça social. Por meio das narrativas de mudança, é possível obter as seguintes informações: “por que o mundo tem que mudar, quem tem o poder de fazer isso e como isso pode ser feito” (Wittmayer et al., 2015Wittmayer, J., Backhaus, J., Avelino, F., Pel, B., & Kunze, I. (2015). Narratives of change: How social innovation initiatives engage with their transformative ambitions [Working Paper nº 4]. Transit: Transformative Social Innovation Theory. Rotterdam, The Netherlands., p. 8). Ou seja, são uma forma discursiva particular que posiciona os atores em um contexto e ordena eventos ou atividades na sequência temporal em direção a um objetivo ou futuro.

O estudo dessas narrativas deve se concentrar nas narrativas principais, aquelas que aparecem com maior frequência ou que se repetem (De Fina & Georgakopoulou, 2008De Fina, A., & Georgakopoulou, A. (2008). Analysing narratives as practices. Qualitative Research, 8(3), 379-387. doi:10.1177/1468794106093634
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). O estudo das narrativas de mudanças indica como a mudança pode ser efetuada e contribui para uma melhor compreensão da mudança transformadora. Mudança social pode ser definida como o “processo no qual novas práticas sociais emergem, tornam-se socialmente aceitas e difundidas na sociedade por processos de imitação, adaptação e aprendizagem social” (Howaldt & Schwarz, 2016Howaldt, J., & Schwarz, M. (2016). Social innovation and its relationship to social change: Verifying existing social theories in reference to social innovation and its relationship to social change. Dortmund University. Dortmund, Alemanha., p. 58). É a partir da prática social que as inovações são incorporadas pela sociedade, o que posiciona essa prática, portanto, como elemento central quando falamos em mudança transformadora (Howaldt & Schwarz, 2016Howaldt, J., & Schwarz, M. (2016). Social innovation and its relationship to social change: Verifying existing social theories in reference to social innovation and its relationship to social change. Dortmund University. Dortmund, Alemanha.). Tendo o contexto como um papel central na análise de narrativas, buscamos compreender sua relação com o potencial transformador da EC.

Wittmayer et al. (2019Wittmayer, J. M., Backhaus, J., Avelino, F., Pel, B., Strasser, T., Kunze, I., & Zuijderwijk, L. (2019). Narratives of change: How social innovation initiatives construct societal transformation. Futures, 112, 102433. doi:10.1016/j.futures.2019.06.005
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) propuseram um framework de análise com o objetivo de capturar ideias sobre mudança transformadora em narrativas. Por conta do alinhamento de perspectivas, o framework (Figura 3.1) de Wittmayer et al. (2019)Wittmayer, J. M., Backhaus, J., Avelino, F., Pel, B., Strasser, T., Kunze, I., & Zuijderwijk, L. (2019). Narratives of change: How social innovation initiatives construct societal transformation. Futures, 112, 102433. doi:10.1016/j.futures.2019.06.005
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foi utilizado como apoio referencial de análise para responder à questão de pesquisa deste estudo.

Figura 3.1
FRAMEWORK TEÓRICO PARA ANÁLISE DAS NARRATIVAS DE MUDANÇAS

O primeiro tópico do framework, conteúdo da narrativa, visa estruturar as narrativas, de modo a identificar a sua justificativa, os atores e o enredo. A justificativa da narrativa consiste na compreensão da situação atual e do futuro desejado. Os atores (humanos ou não humanos) são os que apoiam o futuro desejado ou se opõem a ele, ao colaborarem para a efetivação da mudança social ou dificultarem-na. Os atores podem ser classificados, quanto ao seu papel, como apoiante, beneficiário ou protagonista da mudança, entre outros. Por fim, o enredo é a forma de organizar as narrativas para compreender “como” ocorre o processo de mudança social.

O framework considera como é percebido o papel das narrativas nos processos de mudança social, destacando três grandes papéis:

  • Alterar cenários: instrumentos utilizados em uma tentativa de questionar o status quo e as crenças dominantes. Essas narrativas, de acordo com Davis (2002Davis, J. (2002). Narrative and social movements. Albany: State University of New York Press.), podem ser denominadas como expressões de contracultura.

  • Formar a identidade: a narrativa assume o papel de formar a identidade individual ou coletiva, de acordo com o desenvolvimento da história. Ao formar a identidade, ocorre o empoderamento. Assim, as narrativas criam a sensação de pertencimento a um grupo, gerando um significado social comum e a expectativa por um futuro.

  • Orientar a ação: por meio do entrelaçamento de histórias, as narrativas desencadeiam a imaginação, convidando-nos a pensar o futuro.

Na análise da construção da narrativa, os questionamentos visam à identificação de como o social é construído. Não se trata apenas de utilizar histórias e discursos, mas também se adotam tecnologias como forma de comunicação que têm influência nessa construção. Essa etapa se concentra em identificar narrativas divergentes e narrativas principais, que são aquelas que aparecem frequentemente.

Compreendendo a relevância das narrativas e considerando a aplicação do framework de Wittmayer et al. (2019Wittmayer, J. M., Backhaus, J., Avelino, F., Pel, B., Strasser, T., Kunze, I., & Zuijderwijk, L. (2019). Narratives of change: How social innovation initiatives construct societal transformation. Futures, 112, 102433. doi:10.1016/j.futures.2019.06.005
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) para a análise proposta, descrevemos, a seguir, o método utilizado nesta pesquisa.

4. MÉTODO

Para responder à questão de pesquisa, realizou-se uma pesquisa exploratória (Gil, 2008Gil, A. C. (2008). Métodos e técnicas de pesquisa social (6a ed.). São Paulo: Atlas. doi:10.1590/S1677-54492006000400001
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), cujos dados coletados foram de natureza qualitativa, e aplicou-se uma abordagem construtivista (Schwandt, 2000Schwandt, T. (2000). Three epistemological stances for qualitative inquiry: Interpretivism, hermeneutics, and social constructionism. In N. K. Denzin & Y. S. Lincoln (Eds.), Handbook of qualitative research (2nd ed., pp. 189-213). Thousand Oaks, CA: Sage.). Segundo Wittmayer et al. (2015Wittmayer, J., Backhaus, J., Avelino, F., Pel, B., & Kunze, I. (2015). Narratives of change: How social innovation initiatives engage with their transformative ambitions [Working Paper nº 4]. Transit: Transformative Social Innovation Theory. Rotterdam, The Netherlands.), quando se aplica esse tipo de abordagem em análise narrativa, é possível compreender como ocorrem a produção do social e os processos de mudança da sociedade, além de proporcionar a análise direta do conteúdo narrativo.

Os dados foram coletados a partir de quatro técnicas:

  • Análise documental, com o objetivo de contemplar as narrativas de practitioners e acadêmicos que pesquisem a temática de EC, realizada por meio de relatórios publicados por empresas de consultoria, institutos de pesquisa, seminários etc. Analisaram-se 14 relatórios emitidos entre 2015 e 2018.

  • Netnografia (Costello, McDermott, & Wallace, 2017Costello, L., McDermott, M. L., & Wallace, R. (2017). Netnography: Range of practices, misperceptions, and missed opportunities. International Journal of Qualitative Methods, 16(1), 1-12. doi:10.1177/1609406917700647
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    ; Kozinets, 2015Kozinets, R. (2015). Netnography: Redefined (2nd ed.). Thousand Oaks, CA: Sage.), realizada de março de 2018 a fevereiro de 2019, com o objetivo de contemplar as narrativas das plataformas e dos usuários vinculados à EC. As organizações foram selecionadas com base nos seguintes critérios: plataforma no formato peer-to-peer, que contempla plataformas com e sem fins lucrativos e acesso aos dados disponíveis em sites e redes sociais de organizações que apresentem discursos vinculados à EC. Assim, selecionaram-se cinco plataformas: Airbnb, OuiShare, Banco de Tempo de Porto Alegre, Blablacar e Dinneer.

  • Observação participante em evento vinculado à EC, denominado Colabor America.

  • Entrevistas com gestores e usuários de plataformas da EC. A escolha dos entrevistados buscou contemplar plataformas com e sem fins lucrativos nas quais eles são atores protagonistas, atuando como gestores da plataforma ou usuário e, de alguma forma, beneficiando-se da EC. Realizaram-se oito entrevistas com gestores e usuários (Figura 4.1).

    Figura 4.1
    PERFIL DAS ENTREVISTAS

É importante ressaltar que as diferentes fontes de dados aplicadas proporcionaram às autoras a oportunidade de analisar diferentes atores e contextos.

A análise foi executada com base no framework teórico proposto por Wittmayer et al. (2019Wittmayer, J. M., Backhaus, J., Avelino, F., Pel, B., Strasser, T., Kunze, I., & Zuijderwijk, L. (2019). Narratives of change: How social innovation initiatives construct societal transformation. Futures, 112, 102433. doi:10.1016/j.futures.2019.06.005
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). Dessa forma, para fins do estudo aqui apresentado, utilizou-se a noção de coding, derivada de uma inspiração de Grounded Theory (Strauss & Corbin, 2008Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Pesquisa qualitativa: Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. (2a. ed.). Porto Alegre: Artmed.), segundo a qual os dados devem ser analisados linha por linha, constantemente, e codificados a cada parágrafo. Assim, não se assume a relevância analítica de qualquer variável até que ela apareça como relevante. Partindo dessa sistemática, catalogaram-se os dados (título/plataforma, narrador, ano e local/site) para a realização de uma etapa descritiva, de modo a identificar evidências que ilustrassem as questões propostas pelo framework. Assim, primeiro identificamos o conteúdo das narrativas de mudanças, que contempla a justificativa, os atores e o enredo. A seguir, analisamos a construção das narrativas, e, com base na identificação de como as narrativas são construídas, foi possível identificar as narrativas principais. Por fim, analisamos o papel dessas narrativas. Essa rotina analítica foi executada para análise documental, netnografia, anotações de campo provenientes da observação participante e transcrição das entrevistas. A seguir, apresentamos os resultados dessa análise, em que o contexto foi discutido à luz da análise das narrativas de mudanças da EC.

5. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

5.1 Conteúdo das narrativas

O conteúdo das narrativas apresenta três elementos: justificativa, atores e enredo. A justificativa para a emergência da EC parece o elemento de menor controvérsia no debate sobre o fenômeno. Fica evidente o surgimento da EC em resposta à crise econômica de 2008, em um debate que posiciona o fenômeno como uma ameaça versus uma oportunidade para as empresas tradicionais. Aliada a isso, a internet foi o principal propulsor para o avanço da EC (Stokes, Clarence, Anderson, & Rinne, 2014Stokes, K., Clarence, E., Anderson, L., & Rinne, A. (2014). Making sense of the UK collaborative economy. London: Nesta Collaborative Lab.). Os atores identificados foram as empresas da EC, as empresas da economia tradicional, os cidadãos que atuam como prosumers, o governo - com importante papel na regulação -, órgãos setoriais e empresas de consultoria. Os prosumers e as plataformas de EC são os protagonistas da mudança e também os principais beneficiários. A plataforma pode ser entendida também como um elemento que apoia os prosumers, uma vez que faz a transação ocorrer e funciona como uma “central de suporte” aos pares que participam. Por fim, o enredo da EC aparece de forma distinta de acordo com os fins lucrativos da plataforma. As plataformas com fins lucrativos colocam a EC como uma oportunidade de renda para os atores envolvidos e trazem desafios envolvendo as relações de empregos e legalidade das atividades. Ainda, nesse tipo de plataforma, a narrativa é construída como um estímulo à sociedade para pressionar o governo, buscando “desburocratizar” a atuação dessas plataformas. Já as plataformas sem fins lucrativos, ao apresentarem uma narrativa vinculada à essência do compartilhamento, provocam a sociedade a uma mudança de mentalidade, buscando uma visão de mundo com foco no propósito e nas relações humanas que possam levar a transformações sociais.

5.2 Papel das narrativas

Partimos dos três grandes papéis das narrativas nos processos de mudança social, sugeridos por Wittmayer et al. (2019Wittmayer, J. M., Backhaus, J., Avelino, F., Pel, B., Strasser, T., Kunze, I., & Zuijderwijk, L. (2019). Narratives of change: How social innovation initiatives construct societal transformation. Futures, 112, 102433. doi:10.1016/j.futures.2019.06.005
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): 1. alterar cenários; 2. formar a identidade; 3. orientar a ação. Identificamos os dois últimos.

As narrativas assumem um papel de formar a identidade tanto do indivíduo quanto de um grupo, à medida que se consolidam. A partir do entendimento das possibilidades de ganhos com a EC (financeiros ou não), as narrativas a constroem como uma necessidade da contemporaneidade, sendo, inclusive, usada pelas empresas como estratégia de legitimação. Ao ressaltarem os benefícios de ganhos financeiros, resultando em práticas sociais pautadas no empreendedorismo, na oportunidade de emprego ou na renda extra, geram empoderamento individual. Nessa perspectiva, Biswas, Pahwa e Sheth (2015Biswas, R., Pahwa, A., & Sheth, M. (2015). The rise of the sharing economy: The Indian landscape. Kolkata: Ernst & Young LLP. doi:10.1017/CBO9781107415324.004
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) compreendem que o surgimento da EC tornou o caminho para o trabalho por conta própria mais fácil, e, por isso, mais indivíduos estão se transformando em empreendedores. Consequentemente, a EC gera empoderamento coletivo, quando interfere em uma conjuntura econômica, tornando-se uma opção para a sociedade (inicialmente como renda adicional e, posteriormente, como renda principal), e transforma a economia local, no caso das plataformas com fins lucrativos. No caso das plataformas sem fins lucrativos, o empoderamento coletivo se apresenta pautado em uma narrativa do estabelecimento de relacionamentos de confiança e fraternidade, transformando as relações das pessoas, como ilustrado na fala do entrevistado 2: “quando tu começa a realizar as trocas, tu começa a sentir na prática como aquilo traz benefícios”.

As narrativas da EC também tendem a orientar as ações, desencadeando a imaginação de quem faz parte dela. Alicerçada em um contexto de incertezas, a EC se apresenta induzindo a ideia de um novo futuro possível, o que gera expectativa de mais mudanças no futuro do trabalho e em novas formas de autonomia e geração de renda (plataformas com fins lucrativos) e em uma busca de uma sociedade mais colaborativa e com um olhar para o coletivo (plataformas sem fins lucrativos). Esse ponto fica destacado no comentário feito na entrevista 4: “Eu acredito que o Banco de Tempo e outras iniciativas de economia colaborativa ou compartilhada são apenas o primeiro passo pra gente depois, no futuro, chegar e não precisar mais de nada para trocar”.

O papel das narrativas como alterar cenários não foi identificado. Pode-se destacar que, com base na investigação realizada, a EC não se posiciona como expressões de contracultura ou um movimento que luta contra nar rativas culturais e institucionais estabelecidas. As plataformas sem fins lucrativos até apresentam uma narrativa de busca por uma mudança de mentalidade da sociedade, no sentido de desenvolver um senso de coletividade. Porém, isso ocorre de forma paralela à estrutura econômica vigente, como um modelo alternativo, e não como uma “bandeira” de luta contra as estruturas dominantes.

5.3 Construção das narrativas

As narrativas produzidas diferem quanto ao tipo de plataforma (com e sem fins lucrativos), e tal divergência é o ponto de partida para compreender a influência dos contextos econômicos e sociais no potencial transformador da EC.

5.3.1 Identificação em plataformas sem fins lucrativos

Para as plataformas sem fins lucrativos, foram identificadas duas narrativas principais: “senso de comunidade” e “equidade”, diante da busca de uma alternativa ao modelo econômico dominante e pelo seu papel de desenvolvimento da comunidade local e apoio a ela (Figura 5.3.1.1).

Figura 5.3.1.1
EVIDÊNCIAS DAS NARRATIVAS PRINCIPAIS EM PLATAFORMAS SEM FINS LUCRATIVOS

Avaliamos plataformas nos contextos do Brasil e dos Estados Unidos, e, em ambos os países, as plataformas apresentam uma tentativa de transformar a sociedade em prol de um futuro de melhores relações sociais, gerando um relacionamento de confiança e fraternidade entre as pessoas. Nos Estados Unidos, a missão do TimeBanks USA é “promover a igualdade e construir economias comunitárias solidárias por meio de trocas inclusivas de tempo e talentos”. No Brasil, isso é ilustrado nos relatos apresentados a seguir.

A gente tinha em mente que as pessoas pudessem desapegar de coisas que têm encostadas nas suas casas, que estão sem uso, que, de repente, podem ser muito úteis para outras pessoas que não têm. Mas a gente pensa um pouco em quem não tem nem acesso à internet. [...]A questão da inclusão social na tecnologia é uma coisa que a gente tem que repensar bem. Eu acho que eles [os usuários] veem uma visão mais altruísta, mais do que a questão da sustentabilidade (E1, 2019).

Os benefícios, pra mim, são sociais, muito mais sociais do que pessoal [...] usar essa plataforma, que pode beneficiar as pessoas de baixa renda, com dificuldade financeira pra adquirir os objetos que elas gostariam. Então, isso cria um... impacto social muito grande e, de alguma forma, esse é o meu benefício [...]. A satisfação do outro é o meu benefício (E2, 2019).

E eu acho que, também, a economia compartilhada, ela exige e faz nos lembrar que é necessário que, nós seres humanos, a gente resgate a confiança um no outro, né? E uma das premissas básicas pra usufruir da economia compartilhada é a confiança, tu confiar na pessoa que vai te oferecer os serviços, né? Confiar quando tu entra num carro, confiar quando tu entra numa casa ou no apartamento que tu alugou pelo Airbnb, é preciso confiar (E2, 2019).

[...] o Banco de Tempo meio que elimina a exclusão social, porque ele não vai ver a quem que tu tá fazendo. Se a pessoa é rica, se é pobre. Ela tendo o tempo para te dar, o crédito ali, ela está dentro. Então, isso traz uma horizontalidade com relação à economia compartilhada [...]. A gente poder trocar com mais fluidez, com mais liberdade, sem desigualdades, acho que também o estímulo da união dentro de uma comunidade (E4, 2019).

Mesmo os reports que se concentraram em analisar as plataformas com fins lucrativos fazem menção ao papel desempenhado pelas plataformas sem fins lucrativos, demonstrando que não há distinção deliberada quanto aos contextos econômicos e sociais, e reforçam a promoção do senso de comunidade entre os participantes.

A plataforma [Chuffed] não recebe comissão das doações; portanto, as instituições de caridade podem manter 100% do que é arrecadado. Em vez disso, a plataforma pede que os doadores paguem uma taxa adicional opcional para manter a plataforma funcionando (Deloitte, 2017Deloitte (2017). Developments in the collaborative economy in NSW. Sidney: Deloitte Touche Tohmatsu., p. 13).

Ao posicionarem-se como uma alternativa à economia convencional, essas plataformas ocupam um espaço voltado a atender à comunidade local, gerando benefícios sociais para os atores inseridos.

Eu não via a questão de poder ganhar muito dinheiro. Poder me manter e trabalhar, sustentabilidade, difundir esses conceitos, sabe? Na nossa comunidade, é o que mais me interessa (E1, 2019).

[...] adquiri vários livros [na plataforma], esses livros foram pra a Dona Tânia. Dona Tânia colocou na biblioteca, ela disse que tem uma biblioteca lá na comunidade. Então, aqueles livros que vão impactar a vida daqueles adolescentes, daquelas crianças (E2, 2019).

Projetado para aumentar nosso bem-estar individual e comunitário, o Timebanking ocorre por meio de trocas de membros, à medida que prestam e recebem serviços, uns aos outros, ou por meio de atividades e projetos em grupo e na comunidade (TimeBanks USA, 2019)5 5 Disponível em: https://timebanks.org/. .

As relações interpessoais e culturais são afetadas na EC, com as pessoas que compartilham culturas, necessidades e demandas. Nesse contexto, há engajamento real das pessoas, o que molda as relações. Os comportamentos dos indivíduos são impactados ao encontrarem oportunidades que geram integração social e acesso a bens não disponíveis na vida deles até determinado momento (Dillahunt & Malone, 2015Dillahunt, T. R., & Malone, A. R. (2015). The promise of the sharing economy among disadvantaged communities. Annual ACM Conference on Human Factors in Computing Systems, Seoul, Korea, 33. doi:10.1145/2702123.2702189
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). Entretanto, essas relações ainda são locais e restritas a um nicho, claramente posicionadas como uma alternativa ao modelo econômico dominante, independentemente dos contextos econômicos e sociais nos quais estão inseridas, como evidencia o Banco de Tempo dos Estados Unidos e do Brasil.

A coprodução exige um relacionamento mais saudável e de apoio mútuo entre os dois tipos de economia (central e monetária). O TimeBanks USA está empenhado em explorar mais profundamente a relação entre essas duas economias (TimeBanks USA, 2019).

O formato que [BT] tem no Brasil é transitório. É uma forma das pessoas relembrarem e exercitarem outras formas de se relacionar economicamente, mas vai chegar um momento em que elas não vão precisar de alguém, de algo ou de uma estrutura externa para que aconteçam essas relações, vão se dar de forma fluida, automática, natural, vão se compondo através dos encontros e através dos sentidos que as pessoas constroem juntas, sobre essas novas ou velhas formas de se relacionar economicamente (E3, 2019).

Nas plataformas sem fins lucrativos, os contextos econômicos e sociais não influenciam no potencial transformador orientado pela EC. As narrativas principais “senso de comunidade” e “equidade” apresentam-se em ambos os contextos, posicionando-se como uma alternativa ao modelo econômico vigente, mas sem menção alguma sobre substituí-lo.

5.3.2 Identificação em plataformas com fins lucrativos

Se, por um lado, as narrativas das plataformas sem fins lucrativos são únicas, independentemente do contexto, por outro, nas plataformas com fins lucrativos, as narrativas identificadas apresentam nuances sensíveis aos contextos econômicos e sociais, influenciando seu potencial de transformação da EC. As plataformas com fins lucrativos apresentaram duas narrativas principais: “oportunidade de renda” e “necessidade de regulamentação”. A “oportunidade de renda”, em contextos econômicos e sociais menos favorecidos, é vista na EC como uma oportunidade de renda principal, representando um possível caminho para a mobilidade social. Em contextos mais favorecidos, a EC é somente uma fonte de renda extra (Figura 5.3.2.1).

Figura 5.3.2.1
EVIDÊNCIAS DA NARRATIVA "OPORTUNIDADE DE RENDA" PARA PLATAFORMAS COM FINS LUCRATIVOS

Em países com sistemas econômicos mais frágeis e, consequentemente, população em maior vulnerabilidade, o indivíduo é posto como um “microempreendedor”, facilitando a criação de novos mercados e atividades que não existiam anteriormente. Dentro do papel das narrativas, pode-se dizer que orientam a ação, desencadeando a imaginação, por descreverem um futuro possível. A questão que fica em aberto é se o empreendedorismo se apresenta, realmente, como uma opção ou se, simplesmente, representa a ausência de outras opções. O papel de formação da identidade dos atores diretamente envolvidos e, consequentemente, o empoderamento deles também se apresentam em contextos de maior vulnerabilidade:

A gente tem anfitrião em Maragogi, na beira da praia, um ribeirinho na beira da praia, num vilarejo lá em Alagoas, que tá ganhando dinheiro com o Dinneer. Tem uma outra pessoa, em Ushuaia, na Argentina, lá no fim do mundo, também ganhando dinheiro com o Dinneer. O dinheiro está dentro da casa dele. Então, a gente está falando de distribuir a riqueza, não é pensando apenas em um negócio. A gente acaba levando a riqueza para lugares em que não chega (E8, 2019).

Os benefícios econômicos vinculados à EC acenam com a possibilidade de acesso a um futuro melhor. Nesse imaginário, o ator não se coloca em uma situação de precarização das relações de trabalho, visto que ele se enxerga como “empreendedor” ou trabalhador autônomo. Indo além, a EC proporcionou a ele algo que a indústria tradicional não proveu. Entretanto, essas vozes, que sinalizam o empoderamento e a distribuição de riqueza, não são homogêneas, pois pertencem a atores que são os proprietários das plataformas. Nas falas dos prosumers, esses impactos potencialmente transformadores não se apresentaram. A EC como primeira renda é diretamente proporcional ao contexto de vulnerabilidade dos atores envolvidos. Aqui, parece residir uma narrativa “romântica” do fenômeno: se a sociedade tem pouco ou nenhum acesso às condições mínimas de sobrevivência, a oferta de alguma alternativa não deveria ser confundida com uma verdadeira oportunidade.

Em contextos de menor vulnerabilidade, em que os atores já têm uma primeira renda, a EC se apresenta como uma oportunidade de renda extra, como ilustrado na Figura 5.3.2.1, em reports baseados no contexto dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, e na netnografia realizada.

Esses atores, por terem uma fonte principal de renda, não entendem que devem pagar imposto pela renda proveniente da EC, exatamente por ser extra e por considerarem não significativa. Ao ser colocada como uma atividade secundária, qualquer tipo de precarização associada ao trabalho tem menor impacto no indivíduo. O acesso, como mecanismo de mudança social, não é relevante nesse contexto, pois essa renda não muda o padrão de vida de quem a tem. Na Grã-Bretanha, por exemplo, os indivíduos que não associaram sua atividade de EC a um status formal de emprego disseram que a atividade não envolvia um “trabalho”, mas era vista como um elemento facilitador (Rahim et al., 2017Rahim, N., Lepanjuuri, K., Day, F., Piggott, H., Hudson, R., & Lubian, K. (2017). Research on the sharing economy. London: HM Revenue and Customs.). Tais conclusões corroboram a afirmação de Ganapati e Reddick (2018Ganapati, S., & Reddick, C. G. (2018). Prospects and challenges of sharing economy for the public sector. Government Information Quarterly, 35(1), 77-87. doi:10.1016/j.giq.2018.01.001
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) e Murillo et al. (2017Murillo, D., Buckland, H., & Val, E. (2017). When the sharing economy becomes neoliberalism on steroids: Unravelling the controversies. Technological Forecasting and Social Change, 125, 66-76. doi:10.1016/j.techfore.2017.05.024
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) de que os maiores adeptos da EC são os mais ricos, pois têm ativo ocioso disponível.

Se a narrativa “oportunidade de renda” apresenta-se diferentemente em função dos contextos econômicos e sociais, o mesmo não acontece na narrativa “necessidade de regulamentação”. Destacamos que essa narrativa somente foi identificada nos reports dado o seu caráter eminentemente econômico (Figura 5.3.2.2), mas está intimamente imbricada com a narrativa “oportunidade de renda”.

Figura 5.3.2.2
EVIDÊNCIAS da NARRATIVA "NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO" PARA PLATAFORMAS COM FINS LUCRATIVOS

O crescimento da EC é facilitado pela deficiência de regulamentação por parte do governo. Por um lado, a inexistência de regulamentação facilita a entrada de indivíduos em maior vulnerabilidade econômica em acessar uma fonte de renda. Por outro lado, a falta de regulamentação cria vazios que podem ser preenchidos com relações de emprego precárias entre os prosumers e as plataformas com fins lucrativos. Nesse sentido, muitos reports sugerem um sistema de regulação inteligente. Conforme report realizado por Deloitte (2017)Deloitte (2017). Developments in the collaborative economy in NSW. Sidney: Deloitte Touche Tohmatsu., a regulação inteligente foi capaz de regular e ampliar o crescimento da EC no estado australiano New South Wales. O governo de Ontário (Canadá) definiu ações para que as empresas da EC cumpram as obrigações existentes, mas garantindo que essas obrigações reflitam uma economia em mudança dos modelos de negócios tradicionais para os modelos de negócios provenientes das novas tecnologias (Holmes & McGuinty, 2015Holmes, A., & McGuinty, L. (2015). Harnessing the power of the sharing economy: Next steps for Ontario. Ontario: Ontario Chamber of Commerce.). Entretanto, a questão da regulação ainda é muito discutida e não representa um consenso sobre qual o nível a ser estabelecido. Indo além, sistema de regulação inteligente para quem? Questionamos a falta da menção para suprir o paradoxo da oportunidade de renda e a precariedade das relações de trabalho, visto que a oportunidade de renda se apresenta para alguns atores como uma alternativa principal. A Comissão Europeia (2016, p. 6)Comissão Europeia (2016). Comunicação da comissão ao parlamento europeu, ao conselho, ao comité económico e social europeu e ao comité das regiões. Bruxelas, Bélgica: Comissão Europeia., por exemplo, afirma que

[...] os limiares, quando estabelecidos de forma razoável, podem constituir um indicador útil e contribuir para criar um quadro regulamentar claro a favor dos prestadores não profissionais. O nível de controle ou de influência exercido pela plataforma sobre o prestador desses serviços reveste-se, em geral, de grande importância.

Em um mundo de mercados essencialmente capitalistas, a deficiência de regulamentação é utilizada com muita facilidade para incorporar ganhos. Essa afirmação é reforçada por Morozov (2013Morozov, E. (2013). The “sharing economy” undermines workers’ rights. The Financial Times. Retrieved from https://www.ft.com/content/92c3021c-34c2-11e3-8148-00144feab7de
https://www.ft.com/content/92c3021c-34c2...
), para quem a EC exacerba as piores práticas do capitalismo. As narrativas que colocam a EC como um caminho que proporciona crescimento financeiro mais rápido e com menos burocracia que a indústria tradicional deveriam ser analisadas com mais criticidade. A menor burocracia decorre da carência de regulamentação por parte do governo. A ausência de regulação não é necessariamente benéfica, sobretudo em contextos econômicos de maior vulnerabilidade da sociedade.

6. CONCLUSÃO

Por meio da análise das narrativas de mudança, evidencia-se que o tipo de plataforma - com ou sem fins lucrativos - é determinante na construção delas. Nas plataformas com fins lucrativos, a EC é caracterizada como uma oportunidade de renda na economia existente, enquanto as narrativas em torno da EC sem fins lucrativos a colocam como uma alternativa à economia tradicional. Nosso estudo aponta que o avanço da EC provoca externalidades importantes. Há indícios de que quem mais se beneficia economicamente são os detentores das plataformas e os usuários que veem na EC uma oportunidade de renda extra, e isso se agrava em contextos econômicos e sociais de maior vulnerabilidade.

Diante do nosso objetivo, a principal contribuição deste estudo é a diferença de potencial transformador identificado na EC de acordo com os contextos econômicos e sociais do ator. Em contextos de maior vulnerabilidade econômica, a oportunidade de renda significa a primeira renda do indivíduo, o que poderia levar à mobilidade social, considerando o acesso proporcionado ao indivíduo. Entretanto, a inexistência de regulamentações parece levar a uma maior vulnerabilidade, reforçando que a atuação na EC se dá pela falta de opção de emprego nos negócios tradicionais. Com isso, reforçamos a perspectiva, já identificada na literatura, que coloca a EC como um mecanismo de agravamento da desigualdade social. Em contextos econômicos de menor vulnerabilidade, a oportunidade de renda se apresenta como uma fonte de rendimento adicional, não sendo determinante para a sobrevivência do indivíduo. Essa diferença na compreensão da forma de renda não se apresenta na narrativa de regulamentação da EC, demonstrando que a preocupação regulamentar não representa um olhar para quem se coloca como força de trabalho da EC. Esse achado reforça a possibilidade de a EC ser uma solução geradora de mobilidade social apenas no curto prazo, mas, no longo, pode ampliar a desigualdade social.

As plataformas sem fins lucrativos simbolizam uma busca de uma sociedade mais colaborativa e com um olhar para o coletivo, provendo um meio de acesso a bens e serviços aos atores de maneira mais inclusiva e pautada na equidade. Ao apresentarem uma narrativa declarada de equidade e senso de comunidade, posicionam-se como uma alternativa ao modelo econômico dominante. Nas plataformas sem fins lucrativos, os contextos econômicos e sociais não influenciam no potencial transformador da EC à luz das narrativas que a constroem.

Este estudo fornece importante contribuição para a academia ao aplicar um framework teórico proveniente da inovação social para analisar as narrativas da EC e seu potencial transformador. Claramente, as plataformas com poucos (ou sem) fins lucrativos se inserem no fenômeno da inovação social como um processo transformador. Além disso, aprofundamos e evidenciamos a percepção dos diferentes atores envolvidos na EC. Como contribuição para a prática, podemos destacar os efeitos da aplicação da EC em diferentes contextos econômicos, evidenciando o papel dos governos e agentes reguladores para um desenvolvimento saudável do potencial dessa nova economia.

Esta pesquisa tem limitações que sugerem direções para estudos futuros. Embora tenhamos nos esforçado em utilizar dados que contemplassem, de forma abrangente, os contextos da EC, podemos destacar como limitações deste estudo o foco das entrevistas com atores alocados na realidade brasileira. Assim, em pesquisas futuras, é possível evoluir na discussão com a análise de dados primários de diferentes contextos econômicos. Outra sugestão é buscar compreender o efeito de ações regulamentares, com pesquisas longitudinais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    02 Jan 2020
  • Aceito
    01 Out 2020
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