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CORPO E SENTIDOS NA PESQUISA ORGANIZACIONAL: A COMPREENSÃO EMPÁTICA A PARTIR DE UMA EXPERIÊNCIA ENCARNADA

RESUMO

Objetivo:

Este artigo objetiva discutir as contribuições do método da compreensão empática para o campo da pesquisa nos Estudos Organizacionais, evidenciando a corporalidade e sensibilidade do pesquisador na produção e interpretação dos dados.

Originalidade/valor:

Considerando que a compreensão empática é um método que centraliza a preocupação na experimentação sensível do campo por parte do pesquisador, a contribuição deste texto reside em situar o corpo como instrumento de produção dos dados na prática da pesquisa. Tomamos como base a teoria da estética organizacional para abordar a dimensão do sensível nesse processo. Discutimos, assim, a construção do conhecimento científico a partir dos sentidos humanos que captam estímulos de naturezas diversas, sem dar ênfase específica a um ou outro sentido (como a tradicional observação), destacando a importância dos processos de produção de conhecimento encarnado e sensível em Estudos Organizacionais.

Design/metodologia/abordagem:

Partimos de um estudo teórico-empírico de natureza qualitativa desenvolvido em uma feira livre de uma capital brasileira. O método da compreensão empática guiou todo o processo de produção e tratamento dos dados, em que refletimos sobre as limitações do observar o campo, ampliando a experiência do pesquisador para uma noção de experimentação sensível.

Resultados:

A discussão proposta permite reconciliar mente e corpo do pesquisador ao realizar a investigação, experimentando o campo e rompendo com dicotomias entre o domínio do cognitivo e o sensível, o que entendemos ser a principal contribuição do método para o campo dos Estudos Organizacionais. Nesse sentido, reiteramos o corpo como veículo central da produção do conhecimento, algo que fica evidente nas discussões sobre a abordagem da compreensão empática e na pesquisa realizada.

PALAVRAS-CHAVE:
Compreensão empática; Estética organizacional; Conhecimento sensível; Pesquisa de campo; Metodologia qualitativa

ABSTRACT

Purpose:

The purpose of this paper is to discuss the contributions of the method of empathic understanding to the field of Organizational Studies by highlighting the corporeality and sensitivity of the researcher in the production and interpretation of data.

Originality/value:

Since empathic understanding can be viewed as a method for analyzing the researcher’s experience during fieldwork, this paper situates the role of the researcher’s body as an instrument for the collection of data during their research. The theory of organizational aesthetics is taken as a basis to discuss the relevance of the sensory dimension during the research process. Without giving priority to any particular sense (such as that of sight, for example), the construction of scientific knowledge is therefore discussed in terms of the human senses that respond to diverse stimuli by highlighting the relevance of the processes involved in the production of embodied and sensible knowledge for Organizational Studies.

Design/methodology/approach:

A theoretical-empirical study of qualitative nature was carried out in a street market of a Brazilian city. The method of empathic understanding directed the entire process of data collection and analysis, in which the limitations of field observations were discussed by expanding the notion of the researcher’s own experience into that of a sensory experience.

Findings:

The findings suggest that it is possible for the researcher to engage their mind and body during research by experiencing the field and overcoming dichotomies such as cognition/sensitivity. Such an engagement can be viewed as a major contribution of the method of empathic understanding to Organizational Studies. Thus, the notion of the body as a major vehicle for the construction of knowledge is made evident in this paper through both the discussion of the empathic understanding approach and the research carried out.

KEYWORDS:
Empathic understanding; Organizational aesthetics; Sensible knowledge; Fieldwork; Qualitative methodology

1

INTRODUÇÃO

Não é propriamente novo, no campo de Estudos Organizacionais, o convite ao diálogo sobre reflexividade na pesquisa qualitativa, levantando a importância de discutirmos e aprimorarmos nossa habilidade e aptidão para, como pesquisadoras e pesquisadores, capturarmos a natureza complexa, interativa e emergente de nossa experiência social (Cunliffe, 2003Cunliffe, A. L. (2003). Reflexive inquiry in organizational research: Questions and possibilities. Human Relations, 56(8), 983–1003. doi:10.1177/00187267030568004
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). Foi a partir desse convite que direcionamos nosso olhar para os elementos ditos “não racionais” da vida organizacional, cuja apreensão historicamente se convencionou entender como mais complexa e, em alguma medida, encoberta nos estudos da gestão e organizações (Warren, 2008Warren, S. (2008). Empirical challenges in organizational aesthetics research: Towards a sensual methodology. Organization Studies, 29(4), 559–580. doi:10.1177/0170840607083104
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). Esses elementos estariam evidenciados na dimensão material e corporificada do fazer organizacional, de forma que o foco nesta representaria uma alternativa à hegemônica concentração na dimensão racional e cognitiva do fenômeno (Flores-Pereira, Davel, & Almeida, 2017Flores-Pereira, M. T., Davel, E., & Almeida, D. D. de (2017). Desafios da corporalidade na pesquisa acadêmica. Cadernos EBAPE.BR, 15(1), 194–208. doi:10.1590/1679-395149064
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).

Tomamos como ponto de partida, no intuito de levar a cabo tal problematização, a perspectiva da estética organizacional, abordagem que, a partir do foco no conhecimento tácito e nas percepções sensoriais, incorpora o sentir à compreensão do fazer organizacional (Strati, 2007aStrati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV.). Tal abordagem tem origem na busca por formas alternativas de construção de conhecimento em resposta a um fenômeno conhecido como crise de representação na pesquisa organizacional (Taylor & Hansen, 2005Taylor, S. S., & Hansen, H. (2005). Finding form: Looking at the field of organizational aesthetics. Journal of Management Studies, 42(6), 1211–1231. doi:10.1111/j.1467-6486.2005.00539.x
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) e encontra-se calcada na chamada “metáfora epistemológica” no lugar da análise lógico-racional, de forma a se considerarem culturas, símbolos organizacionais e estética no cotidiano organizacional, para a compreensão das experiências vividas pelos atores organizacionais (Strati, 2007aStrati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV.).

A estética organizacional manifesta-se atrelada ao conhecimento sensível (Warren, 2008Warren, S. (2008). Empirical challenges in organizational aesthetics research: Towards a sensual methodology. Organization Studies, 29(4), 559–580. doi:10.1177/0170840607083104
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), que é percebido pelos sentidos da visão, audição, paladar, tato e olfato, mediados pelo juízo estético (Gherardi & Strati, 2014Gherardi, S., & Strati, A. (2014). Administração e aprendizagem na prática. São Paulo: Elsevier.; Strati, 2007aStrati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV.). O sentido, assim, passa por diversos significados e níveis de experiência, sendo margeado pela percepção sensorial da ação social e por aquilo que o outro compreende e representa por meio da linguagem (Gherardi & Strati, 2014Gherardi, S., & Strati, A. (2014). Administração e aprendizagem na prática. São Paulo: Elsevier.). O conhecimento sensível é, dessa forma, produzido e reproduzido por meio dos sentidos humanos, estando relacionado às ações e emoções dos atores organizacionais (Strati, 2007aStrati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV., 2007b). É importante salientar que, para os fins desta pesquisa, optamos por fazer uso da perspectiva de Strati (2007a)Strati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV., considerando que se trata de um dos principais autores sobre o tema da estética organizacional, cuja obra organizou o campo com foco em aspectos como espaço e artefatos organizacionais, bem como a própria noção de arte e suas possibilidades de contribuição para a gestão.

Ao operacionalizar metodologicamente os conceitos desenvolvidos dentro da perspectiva da estética organizacional, Strati (2007a)Strati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV. apresenta a abordagem empático-estética, foco deste artigo, cuja implicação envolve o pesquisador imaginar-se no lugar do outro, ação que possibilitaria mergulhar ao encontro do outro no contexto organizacional e compreender seus propósitos, motivos e sentidos. Esse feito dá voz à experiência estética pessoal ao (re)viver a história do outro, seja por meio da observação ou de um relato, a partir dos sentidos e do julgamento estético (Strati, 2015Strati, A. (2015). Ordinary beauty and aesthetic research in organization studies. In J. Przychodzen, F.-E. Boucher, & S. David (Dir.), L’esthétique du beau ordinaire dans une perspective transdisciplinaire. Ni du gouffre ni du ciel (pp. 79–93). Paris: l’Harmattan.). Trata-se, portanto, segundo o autor, de uma imersão de corpo e alma, por parte do pesquisador, em uma jornada para além da racionalidade, na medida em que é também emocional e estética. Essa jornada seria evidenciada igualmente na escrita do relatório final da pesquisa, uma vez que se propõe o uso de metáforas e linguagem poética na descrição dos fenômenos organizacionais (Strati, 2007aStrati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV., 2010; Strati & Montoux, 2002Strati, A., & Montoux, P. G. de. (2002). Introduction: Organizing aesthetics. Human Relations, 55(7), 755–766.).

Lopes, Ipiranga e Silva (2017)Lopes, L. L. S., Ipiranga, A. S. R., & Silva, J. J. da, Junior (2017). Compreensão empática e as possíveis contribuições para a pesquisa nos estudos organizacionais: Reflexões a partir da experiência do lado estético das organizações. Cadernos EBAPE.BR, 15(4), 831–845. doi:10.1590/1679-395155010
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apontam que poucos são os estudos que abordam a compreensão empática para a análise organizacional. Em consonância com tal entendimento, acreditamos que a abordagem metodológica da compreensão empática pode ser mais debatida no campo dos Estudos Organizacionais, especialmente por conta de suas possíveis contribuições para as pesquisas na área. Tais contribuições são evidentes em termos do aporte da corporalidade, por meio não apenas dos sentidos mobilizados no procedimento da pesquisa, mas também da ênfase em uma abordagem que considera a dimensão corporal, sensível e material do fazer organizacional (Strati, 2015Strati, A. (2015). Ordinary beauty and aesthetic research in organization studies. In J. Przychodzen, F.-E. Boucher, & S. David (Dir.), L’esthétique du beau ordinaire dans une perspective transdisciplinaire. Ni du gouffre ni du ciel (pp. 79–93). Paris: l’Harmattan.). Assim, da mesma forma que representa algo rico na abordagem da estética nas organizações, trabalhar no campo do corporificado e do sensível também se compõe como desafio, na medida em que tanto a apreensão metodológica quanto a produção do relato da pesquisa implicam fazer algum tipo de mediação entre o sensorial e o cognitivo (Warren, 2008Warren, S. (2008). Empirical challenges in organizational aesthetics research: Towards a sensual methodology. Organization Studies, 29(4), 559–580. doi:10.1177/0170840607083104
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).

Tendo em mente as preocupações apresentadas no parágrafo anterior, em termos do ainda escasso uso da abordagem, mas em face de seu potencial para o campo, dedicamo-nos ao objetivo de discutir as contribuições do método da compreensão empática para o campo dos Estudos Organizacionais. Utilizamos, para isso, as reflexões que emergiram a partir da realização de um estudo teórico-empírico conduzido pela primeira autora em uma feira livre de uma capital brasileira, que fez uso de um referencial teórico baseado na estética organizacional e de uma abordagem metodológica pautada na compreensão empática.

Entendemos que esta pesquisa permitiu avançar ao discutir as implicações metodológicas da diluição de fronteiras entre os domínios do sensorial e do cognitivo, algo que consideramos um dos eixos centrais para o desenvolvimento do método da compreensão empática. Nessa sobreposição, ar-gumentamos que o corpo sobressai como veículo central da produção do conhecimento, na medida em que o consideramos mediador de tais processos, fenômeno que não obedece a lógicas tradicionais de separação cartesiana. Para isso, esta pesquisa aprofunda-se na estética organizacional, em cujo seio a compreensão empática se desenvolve, para então articular as discussões acerca das implicações metodológicas.

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COMPREENSÃO EMPÁTICA E ESTÉTICA ORGANIZACIONAL: ORIGENS E DEBATES

A compreensão empática é um método apresentado por Strati (2007a)Strati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV. como uma alternativa profícua para o estudo da estética organizacional. Os estudos sobre estética organizacional emergem a partir de meados dos anos 1990, com as pesquisas de Antonio Strati, que propôs a mobilização da consciência estética para a compreensão da vida organizacional e a “metáfora epistemológica” no lugar da análise lógico-racional, tradicionalmente empreendida na área de Administração (Ipiranga, Lopes, & Souza, 2016Ipiranga, A. S. R., Lopes, L. L. S., & Souza, E. M. de (2016). A experiência estética nas práticas culinárias de uma organização gastronômica. Organizações & Sociedade, 23(77), 191–210. doi:10.1590/1984-9230771
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; Strati, 1992Strati, A. (1992). Aesthetic understanding of organizational life. Academy of Management Review, 17(3), 568–581. doi:10.2307/258723
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). Esse deslocamento implicaria a consideração de culturas, símbolos organizacionais e da própria estética imbricadas no cotidiano organizacional, de forma que seja possível captar as experiências vividas pelos atores organizacionais (Strati, 2007aStrati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV.). Nesse sentido, para além da forma lógico-racional de produção de conhecimento, a estética possibilita a construção de saberes sobre o fazer organizacional a partir da via da sensibilidade.

Sendo assim, é possível dizer que os estudos sobre estética organizacional privilegiam o conhecimento sensível, produzido a partir dos sentidos da visão, audição, paladar, tato e olfato, em interação com o juízo estético do ator organizacional (Gherardi & Strati, 2014Gherardi, S., & Strati, A. (2014). Administração e aprendizagem na prática. São Paulo: Elsevier.; Strati, 2000Strati, A. (2000). Putting people in the picture: Art and aesthetics in photography and in understanding organizational life. Organization Studies, 21(X), 53–69. doi:10.1177/0170840600210004
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, 2005, 2007a). É interessante destacar que, embora experienciemos e interpretemos o mundo à nossa volta por meio dos nossos filtros sensoriais, esse destaque ao conhecimento sensível não costuma ser considerado nas análises organizacionais (Panayiotou, 2019Panayiotou, A. (2019). Introduction to the virtual special issue on sensory knowledge. Management Learning, Virtual Special Issue.).

O julgamento ou juízo estético é, portanto, tido como um sexto sentido, o qual “permite avaliar se alguma coisa é agradável ou não, se corresponde ao nosso gosto ou não, se nos ‘envolve’ ou nos deixa indiferentes, ou mesmo nos repugna” (Strati, 2007a, p. 11Strati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV.). O ator organizacional emprega, assim, suas faculdades perceptivas e juízo estético para, por meio da linguagem, manifestar, por exemplo, se algo é belo ou feio, bom ou ruim etc. (Strati, 2007aStrati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV.). Nesse contexto, Strati (1996)Strati, A. (1996). Organizations viewed through the lens of aesthetics. Organization, 3(2), 209–218. doi:10.1177/135050849632004
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ainda agrega o verbo grego aisthanomai, que trata da capacidade de perceber com os sentidos e sentir com o uso das percepções do corpo.

Tais percepções do corpo, captadas por meio dos sentidos e mediadas pelo julgamento estético, inserem-se na proposta de Strati (2007a)Strati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV. no sentido de conceber o conhecimento sensível como via para a compreensão do fazer organizacional, de forma diretamente relacionada à corporeidade e à materialidade da vida organizacional. Dessa forma, o conhecimento sensível, para Strati (2007b)Strati, A. (2007b). Sensible knowledge and practice-based learning. Management Learning, 38(1), 61–77. doi:10.1177/1350507607073023
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, diz respeito a três aspectos centrais de análise: práticas corporais e multissensoriais, materialidade da vida organizacional e categorias estéticas.

No âmbito do primeiro aspecto, as práticas corporais e multissensoriais, cabe destacar o corpo como canal para a realização da experiência estética. Esse corpo na organização “é uma entidade híbrida, composta de elementos não-humanos inseparáveis da pessoa humana e de sua corporeidade” (Strati, 2007a, p. 172Strati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV.). Desse modo, tem-se a corporeidade revestida de conhecimento sensorial e de relações sociais (Strati, 2010Strati, A. (2010). Aesthetic understanding of work and organizational life: Approaches and research developments. Sociology Compass, 10, 880–893. doi:10.1111/j.1751-9020.2010.00323.x
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), que permite compreender as sutilezas dos fenômenos organizacionais. Nesse sentido, quando se transgride a fronteira entre material e simbólico, concorda-se com a perspectiva de Bertolin, Cappelle e Brito (2014, p. 17)Bertolin, R. V., Cappelle, M. C. A., & Brito, M. J. de (2014). Corporeidade e estética na aprendizagem organizacional: Insights emergentes. Revista de Administração Mackenzie, 15(2), 15–37. doi:10.1590/S1678-69712014000200002
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, para quem “a abordagem estética rompe com a tradicional dicotomia mente/corpo e põe em evidência o corpo como artífice do conhecimento”.

O segundo aspecto aqui elencado, a materialidade, para Strati (2008a)Strati, A. (2008a). “Dietro le quinte”: La ricerca qualitativa sulla dimensione estetica dell’ organizzazione. In R. Cipriani. L’analisi qualitativa. Teorie, metodi, applicazioni (pp.73–88). Roma: Armando Editore., compõe o caráter distintivo da organização, está no corpo que pensa, julga, age e interage, para além de ser instrumento de produção e controle organizacional. Assim, segundo o autor, o fazer organizacional é permeado não apenas pela corporeidade dos atores organizacionais, mas também pela materialidade dos artefatos, pensados em sua essência e seu uso ou “ser-em-uso” a partir de suas características estéticas. A materialidade, para além do conhecimento organizacional, não está conectada única e exclusivamente ao plano mental, mas sim corporificada em conhecimento sensível (Strati, 2008bStrati, A. (2008b). Aesthetics of organization. In S. Clegg, R. Stewart, J. R. Bailey. International encyclopedia of organization studies (pp. 38–39). California: Sage.). Está, portanto, relacionada às interações entre elementos humanos e não humanos.

O terceiro aspecto, chamado categorias estéticas, apresenta uma variedade considerável. Dentre as diversas categorias já identificadas na literatura, a categoria do “belo” é a que tem mais incidência de estudos, muitas vezes se apresentando quase como sinônimo de estética, estilo e arte nas organizações (Hansen, Ropo, & Sauer, 2007Hansen, H., Ropo, A., & Sauer, E. (2007). Aesthetic leadership. Leadership Quarterly, 18(6), 544–560. doi:10.1016/j.leaqua.2007.09.003
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; Strati, 1992Strati, A. (1992). Aesthetic understanding of organizational life. Academy of Management Review, 17(3), 568–581. doi:10.2307/258723
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, 2007a). Todavia, é importante destacar que a estética não diz somente sobre organizações “belas”, mas também engloba uma gama de sentidos e sentimentos, como um cheiro desagradável no ambiente de trabalho, o barulho que vem da rua e incomoda etc. (Strati, 2007aStrati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV.). Outras categorias já estudadas tratam do sagrado, do pitoresco, do trágico, do feio etc. (Strati, 2007aStrati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV.).

Nesse processo de consolidação do campo, foram se firmando certos entendimentos compartilhados. O principal seria de que o fazer organizacional é composto de uma dimensão estética (apresentada nos parágrafos anteriores), o que torna a abordagem da estética organizacional uma teorização poderosa para compreender fenômenos tão distintos quanto liderança (Azimi, Alvedari, & Nia, 2016Azimi, B. S., Alvedari, H., & Nia, S. H. (2016). Studying effects of aesthetic leadership on customer experience management in Karaj chain stores, Iran. Conference on Knowledge Management, 8, Tehran, Iran.; Bathurst & Cain, 2013Bathurst, R., & Cain, T. (2013). Embodied leadership: The aesthetics of gesture. Leadership, 9(3), 358–377. doi:doi.org/10.1177/1742715013485851
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; Bathurst & Kennedy, 2017Bathurst, R., & Kennedy, F. (2017). Hunting the “play’: A leadership suite in 12 movements. Leadership, 13(1), 20–34. doi:10.1177/1742715016654000
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; Bathurst & Williams, 2014Bathurst, R., & Williams, L. P. (2014). Getting to performance: NZTrio and relational dynamics. Organizational Aesthetics, 3(1), 65–78.; Hansen et al., 2007Hansen, H., Ropo, A., & Sauer, E. (2007). Aesthetic leadership. Leadership Quarterly, 18(6), 544–560. doi:10.1016/j.leaqua.2007.09.003
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), empreendedorismo (Poldner, Shrivastava, & Branzei, 2017Poldner, K., Shrivastava, P., & Branzei, O. (2017). Embodied multi-discursivity: An aesthetic process approach to sustainable entrepreneurship. Business & Society, 56(2), 214–252. doi:10.1177/0007650315576149
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) ou práticas organizativas (Soares & Bispo, 2017Soares, L. C., & Bispo, M. de S. (2017). A aprendizagem do cozinhar à luz das práticas sociais e da estética organizacional. Brazilian Business Review, 14(2), 247–271. doi:10.15728/bbr.2017.14.2.6
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). Outro entendimento compartilhado se daria em torno dos desafios na captação dessa dimensão estética, que nem sempre é tão evidente, o que faz com que abordagens metodológicas ditas tradicionais – isto é, focadas nas ferramentas tradicionais de pesquisa social, de base racional-cognitiva –, que foram relativamente comuns na década de 2000 (Taylor & Hansen, 2005Taylor, S. S., & Hansen, H. (2005). Finding form: Looking at the field of organizational aesthetics. Journal of Management Studies, 42(6), 1211–1231. doi:10.1111/j.1467-6486.2005.00539.x
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), cedam cada vez mais espaço a abordagens alternativas. Alguns autores vêm retornando à própria teoria da estética organizacional e destacando a importância da corporalidade e do conhecimento sensível (Bathurst & Cain, 2013Bathurst, R., & Cain, T. (2013). Embodied leadership: The aesthetics of gesture. Leadership, 9(3), 358–377. doi:doi.org/10.1177/1742715013485851
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; Bathurst & Kennedy, 2017Bathurst, R., & Kennedy, F. (2017). Hunting the “play’: A leadership suite in 12 movements. Leadership, 13(1), 20–34. doi:10.1177/1742715016654000
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; Bertolin et al., 2014Bertolin, R. V., Cappelle, M. C. A., & Brito, M. J. de (2014). Corporeidade e estética na aprendizagem organizacional: Insights emergentes. Revista de Administração Mackenzie, 15(2), 15–37. doi:10.1590/S1678-69712014000200002
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).

Nessa busca, fizemos o mesmo movimento de retorno à teoria para encontrar, na perspectiva empático-estética (Strati, 2007aStrati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV., 2010; Strati & Montoux, 2002Strati, A., & Montoux, P. G. de. (2002). Introduction: Organizing aesthetics. Human Relations, 55(7), 755–766.), possibilidades de abordagem metodológica. A compreensão da experiência estética por tal via “consiste em se imaginar no lugar de uma pessoa cujos propósitos, motivos e sentidos se deseja explicar” (Strati, 2007a, p. 80Strati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV.). Como característica central, é possível dizer que, na abordagem empático-estética, o pesquisador seleciona um assunto no cenário organizacional de acordo com seu gosto e, a partir dos sentidos e juízo estético, mergulha empaticamente nas atividades dos atores organizacionais (Strati, 2007aStrati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV.). Esse mergulho ao encontro do outro no contexto organizacional permite que o pesquisador revisite suas experiências e as reviva ao descrever as observações coletadas, para que transforme dados de pesquisa em “texto aberto”, um estilo de descrição que consiste no uso de metáforas e de uma linguagem poética para descrever e evocar os processos organizacionais estudados (Strati, 2007aStrati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV., 2010; Strati & Montoux, 2002Strati, A., & Montoux, P. G. de. (2002). Introduction: Organizing aesthetics. Human Relations, 55(7), 755–766.).

A compreensão empática consiste, assim, na ação por parte do pesquisador de se imaginar no lugar do outro, cuja ação deseja explicar. O distanciamento entre a compreensão intelectual e a empática é apontado por Ipiranga et al. (2016, p. 3)Ipiranga, A. S. R., Lopes, L. L. S., & Souza, E. M. de (2016). A experiência estética nas práticas culinárias de uma organização gastronômica. Organizações & Sociedade, 23(77), 191–210. doi:10.1590/1984-9230771
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Aquilo que é racionalmente evidente é intelectualmente compreendido. Já aquilo que é empaticamente evidenciado é amplamente reexperimentado. Se por um lado somos capazes de entender teoremas e inferências a partir de dados empíricos, por outro lado só poderemos compreender eventuais erros caso já tenhamos passado por eles. Assim a compreensão de estados irracionais e emocionais só é possível caso nós mesmos já tenhamos passado por tais estados.

Cabe salientar que Strati (2007a)Strati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV. elabora algumas proposições em relação à operacionalização de tal abordagem: 1. o pesquisador deve estar disposto a se colocar no lugar do ator organizacional, praticando assim a empatia; 2. a compreensão empática requer um método específico para a coleta de dados; 3. as definições das situações empáticas; 4. a arquitetura e o estilo próprio para a descrição da empatia, com o uso de “texto aberto”; 5. o reconhecimento da característica dominante no processo do conhecimento.

Partimos, ontológica e epistemologicamente, da discussão sugerida pelo próprio autor, na medida em que, ao reconhecer o conhecimento (incluindo o científico) como sensível, subverte a lógica centrada nos domínios racional e mental que supostamente embasariam a produção de saberes (Strati, 2007bStrati, A. (2007b). Sensible knowledge and practice-based learning. Management Learning, 38(1), 61–77. doi:10.1177/1350507607073023
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). É justamente no reconhecimento da materialidade e corporalidade da vida humana como eixo central desses processos de produção de conhecimento – sempre situados, sempre encarnados – que entendemos residir o que se poderia chamar de certa “liberdade” (principalmente em termos da ausência de predefinições rígidas para o contato com os sujeitos pesquisados) para que o pesquisador possa sentir e experimentar o campo.

O processo demanda disposição intensa do pesquisador em imergir no campo cujo fenômeno se deseja investigar e em ativar a faculdades perceptivas e sensoriais, perfazendo o primeiro pressuposto. A partir daí, é hora de colher o conhecimento com o uso da auto-observação, intuição e analogia ou reviver a experiência estética na imaginação. De posse dos frutos dessa colheita, é definida a situação de empatia que poderá ser a verificação de hipótese, o compartilhamento da experiência e a observação participante imaginativa. Nesse momento, a descrição do conhecimento, fruto dessa colheita, vale-se de uma arquitetura que conduz a imaginação do leitor a viver a experiência estética. Por fim, é eleita a característica dominante no processo do conhecimento. Esse itinerário para a compreensão empática tem por objetivo a produção de um conhecimento de natureza indutiva (Strati, 2007aStrati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV.), cujos componentes encontram-se sistematizados na Figura 2.1.

Figura 2.1
COMPONENTES DA COMPREENSÃO EMPÁTICA NAS ORGANIZAÇÕES3

Ao assumir o compromisso de se valer da compreensão empática, Strati (2007a)Strati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV. afirma que o pesquisador deve estar disposto a duas ações principais: a imersão na ação organizacional e a ativação das faculdades perceptivas e sensoriais, primeiro pressuposto teórico da compreensão empática. A imersão no campo, mais precisamente na ação organizacional investigada, a qual compõe a característica mais ampla da compreensão empática, posiciona o pesquisador para além das formulações de interpretações racionais, levando-o a viver e experimentar por meio de sentimentos e emoções (Strati, 2007aStrati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV.). Cabe destacar que é necessário que o pesquisador esteja disposto a se colocar no lugar do ator organizacional e, para tanto, é necessário conhecer o contexto organizacional em que atua. Para esse aprofundamento, o pesquisador deve realizar aproximação do evento ou da ação em curso, pois a familiarização com o outro, para compreender sua ação intencional, envolve experiências pessoais, necessárias para compreender a ação intencional do ator organizacional (Ipiranga et al., 2016Ipiranga, A. S. R., Lopes, L. L. S., & Souza, E. M. de (2016). A experiência estética nas práticas culinárias de uma organização gastronômica. Organizações & Sociedade, 23(77), 191–210. doi:10.1590/1984-9230771
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; Strati, 2007aStrati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV.).

3

A MOBILIZAÇÃO DA COMPREENSÃO EMPÁTICA PARA PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO: UM ESTUDO NA FEIRA

A compreensão empática foi utilizada para apreender os diversos aspectos da vida organizacional em um comércio de flores. Aqui, a feira livre não foi tomada como organização rígida, homogênea e reificada, mas, sim, como uma forma organizativa dinâmica, isto é, como uma organização que acontece (Schatzki, 2006Schatzki, T. R. (2006). On organizations as they happen. Organization Studies, 27(12), 1863–1873. doi:10.1177/0170840606071942
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). Nesse contexto, a estética organizacional é aflorada pelo conhecimento sensível que é percebido, julgado, produzido e reproduzido por meio dos sentidos humanos, estando relacionado às ações e relações emocionais de cada indivíduo (Strati, 2007aStrati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV., 2007b).

Para a produção dos dados, utilizamos como ponto de partida a técnica conhecida como observação participante (Serva & Jaime, 1995Serva, M., & Jaime, P., Júnior (1995). Observação participante pesquisa em administração: Uma postura antropológica. Revista de Administração de Empresas, 35(3), 64–79.). No entanto, achamos importante salientar que, no contexto de uma abordagem metodológica guiada pela perspectiva estética e que, portanto, privilegia os sentidos no plural e não um conhecimento sensível pautado apenas na visão, pautar-se pela observação pode representar uma armadilha semântica. Observar tem como significado principal “colocar os olhos em” alguém ou alguma coisa; nesse caso, no fenômeno que se deseja estudar. Por um lado, a observação traz à tona a primazia da visão como ferramenta de produção de dados. É inegável a importância central para apreender nuances da vida organizacional, principalmente porque, como notado por Polanyi (1966)Polanyi, M. (1966). The tacit dimension. London: Routdedge & Kegan Paul., os atores organizacionais sabem mais do que conseguem dizer. Além disso, como bem ressaltou Berger (1999, p. 9)Berger, J. (1999). Modos de ver. Rio de Janeiro: Rocco., o “ver precede as palavras”. Isso significa dizer que o nosso olhar nos leva a uma experiência pré-racional com o mundo. Os sujeitos sociais veem as coisas antes mesmo de poderem explicá-las com palavras. Assim, a conjugação daquilo que se vê, com notas de campo e conversas informais com os atores organizacionais, permite apreender mais a respeito da vida organizacional do que é possível com o uso de questionários e entrevistas.

Porém, por outro lado, como já dissemos, há uma armadilha semântica aí e ela reside na unidimensionalidade que o sentido da visão pode representar quando se mobiliza uma técnica como a observação. Nesse sentido, é importante trazer as observações de Bispo (2017)Bispo, M. D. S. (2017). Educating qualitative researches in management. Revista de Administração de Empresas, 57(2), 158–169. doi:10.1590/s0034-759020170205
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, que afirma que sabemos pouco sobre o papel do corpo do pesquisador nos processos de interpretação dos dados de pesquisa. Nesse ponto, a compreensão empática alerta o pesquisador sobre a importância de atentar-se a todos os sentidos do corpo e não se restringir ao que os olhos conseguem captar. Nas palavras de Gherardi e Strati (2014, p. 27)Gherardi, S., & Strati, A. (2014). Administração e aprendizagem na prática. São Paulo: Elsevier.:

Você tem de “olhar com os ouvidos”, porque os ruídos são uma valiosa fonte de informação. Você tem de prestar atenção aos outros, ver o que estão fazendo, que ponto eles alcançaram, perguntar como se sentem, trocar ideias e instruções, e dar uma mão, se necessário. Você precisa de suas mãos para trabalhar, não para se segurar ao telhado. São as suas pernas que te mantêm no telhado, as quais você deve sentir firmemente “ligadas a seus pés”.

Sendo assim, após muita reflexão, entendemos que chamar o trabalho de campo na compreensão empática de “observação” pode não traduzir completamente a experiência do pesquisador com os pesquisados. Por isso, optamos por nos referir à prática de campo empreendida na pesquisa pelo verbo “sentir”, e não pelo usual “observar”. Ainda, entendemos que esse “sentir”, caro à compreensão empática, não se limita apenas à mobilização dos cinco sentidos na experiência de campo; o verbo inclui o exercício de se colocar no lugar do outro no plano imaginário, acomodando assim os sentidos e o juízo estético a serviço da ação. Entendemos que esse exercício conta com cinco pressupostos teóricos que se harmonizam, conforme o caminho apresentado na Figura 3.1.

Na figura, norteada pela abordagem qualitativa, apresentamos a abordagem metodológica da compreensão empática. Nesse caminho, antes de iniciar a experiência de campo, o pesquisador deve estar disposto a ativar as faculdades perceptivas e sensoriais para somente então começar a produção de dados e, ao fazê-lo, dar início à análise, definindo as situações de empatia. Munido de conhecimento colhido em campo, é hora de realizar a descrição, valendo-se do “texto aberto” para que, no plano imaginário, o leitor possa ser transportado para o campo provedor da colheita que se narra. Isso feito, é definida a característica dominante nessa colheita, em que os dados estão prontos para seguir caminho.

Figura 3.1
CAMINHOS DA COMPREENSÃO EMPÁTICA

No contexto da pesquisa que é mote deste artigo, a primeira autora esteve em campo entre os meses de junho e setembro de 2017, período no qual realizou oito incursões, totalizando 43 horas e 55 minutos de permanência em campo. Todas as incursões foram registradas em diários de campo, preconizando a descrição densa (Geertz, 2008Geertz, C. (2008). Uma descrição densa: Por uma teoria interpretativa da cultura. In C. Geertz, A interpretação das culturas (pp. 3–21). Rio de Janeiro: LTC.) dos dados captados, tecida pela ordem em que foram apreendidos à luz da compreensão empática. Os diários são muito importantes no processo de reexperimentação dos dados pós-imersão em campo, para senti-lo a partir de outra perspectiva. Nesse processo, cabe destacar que os diários são vivos: ao revisitá-los para a produção do texto, ativam-se as memórias do pesquisador para reviver aquilo que foi sentido em campo. Ao fazê-lo, é possível recuperar elementos que não necessariamente foram registrados em detalhe, mas, sim, vividos. No caso de um artigo escrito a mais mãos, como é o caso presente, os diários auxiliam os demais autores no sentido de fomentar o processo imaginativo de se colocar no lugar do outro, considerando que apenas um dos pesquisadores esteve em campo.

A feira estudada localiza-se em uma capital da Região Sudeste e possui oito feirantes que comercializam flores, ordenados lado a lado; destes, sete autorizaram a realização da pesquisa. Para preservar a identidade dos feirantes e a localização das barracas na feira livre estudada, utilizamos nomes de flores para codificar cada barraca, e os nomes dos feirantes foram substituídos por códigos, conforme sinalizado na Figura 3.2.

Figura 3.2
DETALHAMENTO DAS ESTADAS EM CAMPO

Assim, durante o trabalho, a pesquisadora conheceu o ritmo do campo, como horários das atividades que se iniciam ainda na madrugada e terminam no final da manhã, em alguns casos compondo uma jornada de mais de 12 horas, falta de estrutura (como banheiros públicos), a possibilidade de realizar atividades leves e pesadas. Todas essas constatações foram importantes para a pesquisadora se certificar de que está disposta a estar em campo e a se colocar no lugar do ator organizacional; do contrário, não se vence o primeiro pressuposto teórico para a compreensão empática. Essa imersão é acompanhada da ativação das faculdades perceptivas e sensoriais do pesquisador a fim de obter a experiência no momento em que ocorre, apreendendo o que motiva a ação estética do pesquisado. Portanto, à disposição do pesquisador estar em campo, soma-se o querer imergir e ativar os sentidos e sentimentos: em suma, estar de corpo e alma em campo (Rosa & Brito, 2010Rosa, A. R., & Brito, M. J. de (2010). “Corpo e alma” nas organizações: Um estudo sobre dominação e construção social dos corpos na organização militar. Revista de Administração Contemporânea, 14(2), 194–211.).

Outro ponto que favorece esse primeiro pressuposto é a familiarização que é antecedida pelo estranhamento com o campo, pois se está desbravando o desconhecido. Tomamos, assim, o campo como desconhecido, tendo em vista que os autores frequentavam a feira livre estudada como passantes ou fregueses, mas não a conheciam como pesquisadores. Assim, o trajeto do estranhamento para a familiarização (Chiesa & Fantinel, 2014Chiesa, C. D., & Fantinel, L. D. (2014). “Quando eu vi, eu tinha feito uma etnografia”: Notas sobre como não fazer uma “etnografia acidental”. Anais do Encontro de Estudos Organizacionais da Anpad, 8, Gramado.) se deu gradativamente e foi delineado por sensibilidade, para saber quando e como agir e quando avançar com as ações mais ousadas, e culminou com a assunção de tarefas no cotidiano de algumas barracas pesquisadas e com a criação de laços afetivos com parte dos feirantes.

A experiência em campo é importante, para além da produção e do registro dos dados que serão interpretados, no sentido de situar o pesquisador sobre como agir em meio aos pesquisados, inclusive em momentos de ousar e de respeitar o tempo do feirante para sentir quando avançar e quando recuar. Assim, o pesquisador consegue dedicar-se a seguir o fluxo do campo (Chiesa & Fantinel, 2014Chiesa, C. D., & Fantinel, L. D. (2014). “Quando eu vi, eu tinha feito uma etnografia”: Notas sobre como não fazer uma “etnografia acidental”. Anais do Encontro de Estudos Organizacionais da Anpad, 8, Gramado.), deixando os sujeitos livres para falar e agir. Seguindo tais premissas, a pesquisadora em campo aos poucos foi se sentindo à vontade para ousar realizar algumas das atividades que cabiam aos feirantes, que reagiram com expressões positivas, como um sorriso, um agradecimento, ou ainda presentes, como plantas, flores e fertilizantes.

A familiarização estabeleceu laços entre pesquisadora e pesquisados, a ponto de algumas vezes a pesquisadora em campo ser solicitada para cuidar da barraca enquanto os feirantes saíam para ir ao banheiro, comer algo ou fazer alguma entrega. Certa vez, a proprietária de uma das barracas pediu à pesquisadora que tomasse conta do caixa, o que pode ser interpretado como um ato de extrema confiança de sua parte.

Além das atividades realizadas, foram entabuladas, durante o período de campo, não apenas conversas sobre a pesquisa. Alguns feirantes se sentiram à vontade para falar sobre suas vidas pessoais. Ocorriam também as conversas com os funcionários de barracas de flores vizinhas, e, com o tempo, a pesquisadora em campo já circulava pelas barracas que havia observado e estabelecia contato com os feirantes daquelas barracas que seriam observadas posteriormente. Esse contato era oportunizado com a visita dos feirantes das outras barracas de flores na barraca em que estava observando e, por meio das piadas dos feirantes ou algum assunto em que era convidada a participar, me introduzia para a próxima observação.

Um exemplo emblemático das relações travadas em campo e da importância da construção de intersubjetividade durante a pesquisa deu-se em uma das imersões, em que a pesquisadora foi tomada por uma profunda reflexão em relação à conexão entre as flores e a morte, por conta de um velório em que havia estado no dia anterior: “No velório fiquei observando as flores da coroa e me despi das boas emoções que elas transmitem. Fiquei pensando que as flores são símbolos que podem transitar por sentimentos bons e ruins” (Diário de campo 6, agosto de 2017). As flores, que até então despertavam na pesquisadora sentimentos de agrado, recebiam, em outros contextos, novos significados. Esse acontecimento despertou a imaginação para o que os feirantes sentiam e pensavam ao elaborarem uma coroa fúnebre, por exemplo. Essa foi uma hipótese empática colocada por meio da coleta do conhecimento, investigando a motivação da ação intencional do ator organizacional (Strati, 2007aStrati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV.). Essa coleta ocorreu posteriormente, em campo, quando a pesquisadora verificou empaticamente os sentimentos do sujeito pesquisado ao elaborar a coroa fúnebre, conforme descrito a seguir:

Perguntei a R2 se ele faz coroa de flores, ele disse que faz, mas que não gosta muito, que na hora de entregar fica na porta e pede para alguém entregar (Diário de campo 4, julho de 2017).

Perguntei a N1 se ela fazia coroa fúnebre, ela disse que sim. Perguntei qual é o sentimento ao fazer a coroa fúnebre. Ela pensou um pouco para responder, saiu para atender, depois voltou e disse: “Meu sentimento é normal, porque se eu ficar triste por cada coroa, eu passo fome” (Diário de campo 7, setembro de 2017).

Inicialmente, quando incorporou a noção de que os sentimentos, na elaboração de um arranjo floral, seriam sempre agradáveis (materializados na categoria estética do “belo”, presente no senso comum quando se trata de flores), não houve um descentramento inicial do olhar para imaginar outros arranjos florais, como a própria coroa fúnebre. No entanto, quando se busca compreender empaticamente tal sentimento, é possível perceber que, no relato, os feirantes se furtam do belo, caminhando para o feio, não dos arranjos em si, mas da situação que os envolve.

Outro acontecimento importante foi o compartilhamento de experiências ocorrido ao viver fragmentos organizacionais da vida cotidiana do feirante e apreender o peso que isso representa, tanto físico quanto em termos de responsabilidade, conforme descrito a seguir:

N1 começou a desmontar a barraca e colocar as coisas em grandes caixas de plástico, ela fez três pilhas, sendo uma com quatro caixas, outra com três caixas e outra com duas caixas. Ela se virou para mim e para a N2 e perguntou: “Quem vai levar a de três e a de duas?”. Eu logo disse que levaria a de três caixas, mas no meu íntimo tive medo do peso. Mas logo ela tranquiliza dizendo que leva as caixas até o caminhão arrastando pela calçada. Então sai ela empurrando a grande pilha, logo atrás sou eu empurrando, aquilo me deixou feliz, eu me senti parte daqui. Chegando perto do carro, ela me pediu para levantar a grande pilha junto com ela, peguei de forma errada e doeu muito os dedos, mas mantive a pose. Depois ajudei com mais caixas, e ela disse: “Vida de feirante é isso. Você não quer estudar feira? Então, tem que sentir o peso, passar o que a gente passa” (Diário de campo 7, setembro de 2017).

Ao viver a vida do feirante, ainda que por um curto tempo, a pesquisadora em campo pôde compartilhar da experiência por meio da vivência em situações tais como as relatadas anteriormente, atendimento ao público, vendas, elaboração de arranjos, movimentação das cargas, entre outras. Nesse sentido, é possível dizer que “o conhecimento empático só é possível se o pesquisador já viveu essa experiência e já se viu nessa situação, o que postula que não há coincidência, mas a analogia da situação com outras consideradas similares e familiares” (Strati, 2007a, p. 110Strati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV.).

Ademais, cabe destacar igualmente que a compreensão empática se coloca a serviço para evocar e apreender não só aquilo que é plausível, persuasivo, dizível, mas também o que não se explica, o contraditório, o que não se pode prever, o indizível (Strati, 2007aStrati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV.). Nesse sentido, está o conhecimento sensível para manusear as plantas e flores, que popularmente é conhecido pela expressão “mão boa”, que revela o “talento” para cultivar as plantas: “M1 me contou que [...] cultivou uma plantinha, viu que tinha a mão boa e plantou mais, e mandou para a feira e vendeu bem, até que o negócio de verduras foi sendo substituído por plantas” (Diário 8, setembro de 2017).

A atividade de cultivar as plantas, ainda que realizada muitas vezes a partir de conhecimento popular, tem nas expressões estético-sensoriais de quem tem contato com as plantas e flores o resultado de um bom trabalho, conforme ilustro com alguns recortes dos diários de campo: “As flores alimentam a alma” (Diário de campo 2, julho de 2017) ou “Eu amo essa feira, as flores dele são lindas porque ele tem amor às plantas” e “Eles cuidam com carinho, porque elas [as plantas] são suscetíveis às pragas” (Diário de campo 8, setembro de 2017). Outro exemplo é uma expressão que cunhei, o “self-service de flores”, para descrever a ação dos fregueses ao escolherem quais flores comprar com as mãos e a montagem dos arranjos no ar: “Observei que os fregueses retiravam as flores dos baldes que estavam na frente da barraca, em uma espécie de composição de formatos e cores, era uma espécie de self-service de flores” (Diário de campo 2, julho de 2017).

Esses fragmentos organizacionais ilustram a interpretação da ação intencional, que mais sugere do que explica, e que, ao ser traduzida, despe-se de sua essência estética. Metaforicamente, aproxima-se da experiência de fazer um arranjo, em que é possível descrever mentalmente o processo por meio da combinatória de cores, tamanhos e formatos, mas que, ao fazer, as mãos do neófito nem sempre obedecem àquilo que sua mente havia arquitetado em princípio.

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EXPLORANDO AS CONTRIBUIÇÕES DO MÉTODO

Até a presente seção, apresentaram-se possibilidades de produção de conhecimento a partir do método da compreensão empática que aqui organizamos em dois argumentos centrais: 1. a consideração de aspectos corporais e materiais como centrais no processo de pesquisa; e 2. a utilização de recursos imaginativos nesse processo. Entendemos, portanto, como fundamentais tanto a imersão de corpo e alma no comércio de flores na feira livre por parte da pesquisadora em campo quanto o recurso de reviver a experiência na imaginação.

Tanto a experiência estética quanto o conhecimento estético, para Biehl-Missal (2014)Biehl-Missal, B. (2014). “I write like a painter”: Feminine creation with arts-based methods in organizational research. Gender, Work and Organization, 22(2), 179–196. doi:10.1111/gwao.12055
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, são capazes de contestar, desafiar e complementar o lado racional das organizações, privilegiando corporeidades (ou corporalidades) e sensibilidades no processo de pesquisa. Entendemos, assim, que a compreensão empática contribui para a operacionalização de quatro desafios elencados por Flores-Pereira et al. (2017)Flores-Pereira, M. T., Davel, E., & Almeida, D. D. de (2017). Desafios da corporalidade na pesquisa acadêmica. Cadernos EBAPE.BR, 15(1), 194–208. doi:10.1590/1679-395149064
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no processo de produção acadêmica que objetivem considerar corporalidades: 1. a proximidade do pesquisador com o campo empírico; 2. a realização de uma observação sensível; 3. a produção de questionamentos experienciais na pesquisa; 4. a produção de descrições capazes de detalhar as corporificações de eventos.

A compreensão empática preconiza movimentos de imersão em campo seguidos de esforços no sentido de reviver, no plano imaginário, o que foi experienciado pelo pesquisador. Esse exercício de observação aliado à imaginação possibilita o artesanato intelectual em uma trama que Strati (2007a)Strati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV. coloca como uma sensação que se conecta a um pensamento. No caso do estudo aqui apresentado, o episódio em que a pesquisadora em campo refletiu sobre a conexão entre flores e morte, do qual emergiram novas categorias estéticas, fez parte de um movimento de distanciamento simbólico do campo, em que possibilidades emergiram de outras experiências vividas por ela. Tal procedimento é composto por “um processo contínuo que inclui revisão, releitura, recompreensão e reargumentação” (Strati, 2007a, p. 112Strati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV.). As reflexões produzidas sobre tais movimentos em campo são, na visão de Flores-Pereira et al. (2017)Flores-Pereira, M. T., Davel, E., & Almeida, D. D. de (2017). Desafios da corporalidade na pesquisa acadêmica. Cadernos EBAPE.BR, 15(1), 194–208. doi:10.1590/1679-395149064
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, fundamentais no sentido de refletir sobre o esforço que deverá ser feito para a compreensão das corporalidades.

O segundo desafio apresentado diz respeito ao aprendizado envolvido no empreendimento de uma observação sensível. Os preceitos teóricos da estética organizacional, uma vez que guardam em suas dimensões fundamentais aspectos como a materialidade, a sensorialidade e as categorias estéticas, possibilitam apreender, via compreensão empática, as próprias relações entre pesquisado, pesquisador e contexto. A imersão em campo do pesquisador preconiza a não separação de aspectos sensíveis em relação aos racionais: a experiência tanto do pesquisador quanto do pesquisado é mediada por corpos, sendo inviável a segregação da dimensão sensível e estética tanto no fazer organizacional quanto no fazer acadêmico.

Assim, a experimentação sensível do campo foi mediada pela participação da pesquisadora nos fazeres cotidianos organizacionais. O uso de auto-observação, analogia e intuição tece o reviver a experiência na imaginação, mas, para além de enxergar por outros olhos, é preciso sentir à flor da pele a experiência dos que compõem o cenário organizacional para compreender e descrever a experiência estética. A realização de atividades leves e pesadas dos pesquisados, registrada com o aporte das notas e dos diários de campo, é apontada por Strati (2007a)Strati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV. como fundamental, se executada de forma precisa, para uma adequada compreensão da ação organizacional.

O terceiro desafio tratado por Flores-Pereira et al. (2017)Flores-Pereira, M. T., Davel, E., & Almeida, D. D. de (2017). Desafios da corporalidade na pesquisa acadêmica. Cadernos EBAPE.BR, 15(1), 194–208. doi:10.1590/1679-395149064
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refere-se ao processo em que o pesquisador aprende a construir questionamentos aos pesquisados que sejam capazes de captar suas experiências, sensações. Nesse sentido, o estudo aqui desenvolvido remete ao trajeto de coleta de dados que se valeu do reviver a experiência no plano imaginário ao colo-car-se no lugar do outro. Durante a pesquisa, algumas suposições foram elaboradas e necessitaram ser verificadas posteriormente, e, nesse processo, a pesquisadora em campo compartilhou experiências e inferências, e se imaginou no lugar de alguns atores organizacionais. Portanto, neste estudo, fizemos uso das três definições de situação de empatia elencadas por Strati (2007a)Strati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV.: verificação das suposições, compartilhamento da experiência e observação participante imaginativa. Tais recursos foram abordados em congruência com os densos registros do campo, que viabilizaram o processo de produção de questionamentos que não apenas fizessem o pesquisado refletir sobre a experiência estética, mas também expressassem suas experiências e sensações.

Em suma, neste estudo, as definições de situação de empatia afloraram nas três maneiras propostas por Strati (2007a)Strati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV., seja ao envolver a verificação das suposições, para colocar à prova aquilo que passou pelo plano imaginário, seja ao viver previamente a experiência do fenômeno investigado ou enxergar por outros olhares que dialogam com o contexto estudado. Esse feito contribuiu para que fosse possível compreender a vida organizacional no comércio de flores e na descrição detalhada das ações organizacionais, reforçando a robustez do método.

Ao final, o desafio de aprender a realizar uma descrição imediata do campo de pesquisa, detalhando os eventos de convivência e as formas de corporificação de tais eventos (Flores-Pereira et al., 2017Flores-Pereira, M. T., Davel, E., & Almeida, D. D. de (2017). Desafios da corporalidade na pesquisa acadêmica. Cadernos EBAPE.BR, 15(1), 194–208. doi:10.1590/1679-395149064
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), foi atendido com a produção de uma descrição densa construída e reconstruída a partir da experiência estética e colhida com o aporte do método da compreensão empática. Desse modo, contribuiu para o registro detalhado nos diários de campo, que funcionam como uma espécie de dispositivo para ativar a memória para (re)viver fragmentos não descritos, mas armazenados no plano imaginário. Essa descrição densa, registrada em diários de campo, compõe o quarto pressuposto da compreensão empática, que é a arquitetura e o estilo da descrição. De acordo com Strati (2007a, p. 113)Strati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV., “a descrição deve se esforçar para refundir o pathos da vida organizacional, sua sensibilidade e seu fascínio”.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, buscamos delinear as contribuições do método da compreensão empática a partir de um estudo realizado no comércio de flores em uma feira livre, tomando como cenário a experiência estética proposta por Strati (1992Strati, A. (1992). Aesthetic understanding of organizational life. Academy of Management Review, 17(3), 568–581. doi:10.2307/258723
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, 2007a). Seguimos neste tópico com a síntese das principais reflexões que produzimos nesse processo.

Em primeiro lugar, embora tenhamos discutido com maior ênfase, ao longo do artigo, a compreensão empática como método de pesquisa, é preciso dizer que suas contribuições trazem à tona aspectos ontoepistemológicos. Esses aspectos emergem quando se considera o aprender fazer pesquisa utilizando a compreensão empática como método. Em geral, costumamos tratar esse processo de aprender apenas em seu aspecto epistemológico – o que precisamos saber sobre o método e como aplicá-lo para compreender o fenômeno estudado –, ignorando sua dimensão ontológica – em que estamos continuamente nos tornando como pesquisadores. Esse aspecto do aprender, pontuado por Brandi e Elkjaer (2011)Brandi, U., & Elkjaer, B. (2011). Organizational learning viewed from a social learning perspective. In M. Easterby-Smith & M. A. Lyles (Eds.), Handbook of organizational learning & knowledge management (2nd ed.). Hoboken, NJ: Wiley., nos lembra que, ao emergirmos em campo de pesquisa, não apenas o afetamos, mas também somos por ele afetados. Para utilizarmos a expressão de Gherardi (2018)Gherardi, S. (2018). Theorizing affective ethnography for organization studies. Organization, 26(6), 741–760. doi:doi.org/10.1177/1350508418805285
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, precisamos lembrar que, como pesquisadores qualitativos, estamos “nos tornando com os dados”.

Isso ficou evidente na experiência da pesquisadora que imergiu na feira livre, que pode ser exemplificada a partir do episódio de seu contato com a produção das coroas de flores para funerais. Vivenciar as flores como símbolos que transitam por categorias estéticas aparentemente opostas mostrou que a experimentação sensível do campo, possível pelo uso do método, tem potencial de modificar impressões produzidas no próprio campo e levantar novas hipóteses de investigação. Ao voltar ao campo e levantar esse ponto, pôde compreender melhor como os pesquisados lidavam com a questão, que anteriormente não havia emergido das vivências em campo.

Esse exemplo ilustra a potência da compreensão empática para apreender determinados aspectos da vida organizacional que podem ser imperceptíveis caso a sensibilidade do pesquisador não esteja sendo mobilizada em campo. Nesse sentido, compreender o processo de produção de dados (afinal, entendemos que não se trata de uma realidade objetiva “lá fora” à espera de ser descoberta) como fundamentalmente situado, incrustado em práticas históricas, sociais e culturais (Lave & Wenger, 1991Lave, J., & Wenger, E. (1991). Situated learning: Legitimate peripheral participation. Cambridge, UK: Cambridge University Press.). As práticas, por sua vez, se engendram numa textura social produzida por corpos e artefatos, e, por isso, não podem ser completamente acessadas apenas pela mente. Envolver-se – empaticamente – com os atores organizacionais nos permite produzir aquilo que Wacquant (2015)Wacquant, L. (2015). For a Sociology of flesh and blood. Qualitative Sociology, 38(1), 1–11. doi:10.1007/s11133-014-9291-y
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denomina conhecimento carnal. É aqui que compreendemos residir uma das principais contribuições do uso da compreensão empática para os Estudos Organizacionais: permitir aos pesquisadores apreender a textura tácita, incorporada, da ação social.

Em segundo lugar, destacamos que a compreensão empática reconcilia a mente e o corpo do pesquisador no fazer pesquisa. Panayiotou (2019)Panayiotou, A. (2019). Introduction to the virtual special issue on sensory knowledge. Management Learning, Virtual Special Issue. aponta o papel secundário que o conhecimento sensível, aquele ligado ao corpo e os seus sentidos, tem ocupado nas ciências organizacionais. Para a autora, ainda que a experiência e interpretação do mundo sejam mediadas pelos sentidos, o conhecimento daí advindo raramente é considerado evidência científica per se. Ela ressalta o lado irônico disso, ao brincar com o termo sensemaking. Construiu-se e acentuou-se a ideia do termo sense como significado, sentido, ignorando que ele próprio também significa sensação. Assim, o processo de sensemaking é tomado como uma atividade puramente cognitiva.

Estar no campo de pesquisa, conversando com os participantes, observando as atividades deles ou mesmo envolvendo-se nelas, não é atividade puramente mental ou experiência fora do corpo. Como mostram Bispo e Gherardi (2019)Bispo, M. D. S., & Gherardi, S. (2019). Flesh-and-blood knowing interpreting qualitative data through embodied practice-based research. RAUSP Management Journal, 54(4), 371–383. doi:10.1108/rausp-04-2019-0066
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, até mesmo a cognição é uma atividade situada e incorporada. É situada porque o pensar e refletir do pesquisador afetam e são afetados pelo campo, e envolvem, também, ações, sentimentos e emoções. A cognição é incorporada porque o nosso corpo não é apenas biológico, mas também é um corpo que se desenvolve socialmente. Por isso, a imersão no campo não produz um conhecimento desencarnado. O fazer pesquisa não está separado do conhecer (Gherardi & Perrota, 2014Gherardi, S., & Perrota, M. (2014). Between the hand and the head: How things get done, and how in doing the ways of doing are discovered. Qualitative Research in Organizations and Management, 9(2), 134–150. doi:10.1108/QROM-06-2012-1079
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). Produz-se conhecimento à medida que há envolvimento corporal com a pesquisa. Como afirmam Bispo e Gherardi (2019)Bispo, M. D. S., & Gherardi, S. (2019). Flesh-and-blood knowing interpreting qualitative data through embodied practice-based research. RAUSP Management Journal, 54(4), 371–383. doi:10.1108/rausp-04-2019-0066
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, da capacidade de perceber do corpo do pesquisador, dependem sua interpretação e seu julgamento. Nesse sentido, fazer pesquisa implica um aprendizado não apenas mental, mas também corporal e incorporado. E o corpo pode estar mais consciente e aberto ao aprendizado na pesquisa quando se adota a compreensão empática como método. Nesse sentido, reiteramos a diluição das supostas fronteiras entre os domínios do sensorial e do cognitivo, uma vez que o corpo se configura como veículo central da produção do conhecimento, algo que fica ainda mais evidente nas discussões sobre a abordagem da compreensão empática.

Em terceiro lugar, concordamos com Bispo e Gherardi (2019)Bispo, M. D. S., & Gherardi, S. (2019). Flesh-and-blood knowing interpreting qualitative data through embodied practice-based research. RAUSP Management Journal, 54(4), 371–383. doi:10.1108/rausp-04-2019-0066
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quando afirmam que os pesquisadores qualitativos costumam dedicar especial atenção ao papel de seus corpos quanto ao “estar no campo” e ao “coletar dados”. Esses autores levantam uma questão que requer uma resposta honesta: onde está o corpo do pesquisador quando ele analisa os dados produzidos no campo? Nessa etapa da pesquisa, acentua-se o papel da mente, considerando que os principais verbos que traduzem a ação são a reflexão e a análise. Assim, a consciência da atividade corpórea da pesquisa vai se esvaindo nas leituras e releituras das notas de campo. Nesse ponto, ressaltamos a importância da compreensão empática não apenas como um método, mas também como uma postura de pesquisa. Revisitar as notas de campo utilizando a observação participativa imaginária (Strati, 2007aStrati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV.) torna-nos conscientes do papel do nosso corpo na pesquisa. Assumindo essa postura, somos inundados por emoções e sentimentos que nutrem nossa cognição, reconciliando corpo e mente no momento da análise dos dados. Acreditamos que, como postura de pesquisa, a compreensão empática possui um enorme potencial para contribuir para outros métodos de investigação qualitativa.

Notes

  • 3
    Strati (2007a)Strati, A. (2007a). Organização e estética (P. M. Soares, Trad.). Rio de Janeiro: FGV. utiliza o termo hipótese, mas, por poder remeter a estudos de natureza quantitativa, optou-se aqui por utilizar a expressão “suposições”.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    25 Jun 2020
  • Aceito
    18 Nov 2020
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