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O APRENDER SUSTENTABILIDADE NAS PRÁTICAS DE COLHEITA DE UMA EMPRESA DE BASE FLORESTAL1 1 O segundo autor recebe apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio do Processo nº 311291/2020-1, e da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes), por meio do Termo de Outorga nº 229/2019.

RESUMO

Objetivo:

O objetivo deste estudo é compreender como a aprendizagem para a sustentabilidade acontece no contexto das práticas de colheita de uma empresa de base florestal.

Originalidade/valor:

O texto contribui para a compreensão da aprendizagem para a sustentabilidade na perspectiva da prática ao evidenciar como o saber sobre sustentabilidade é criado e reproduzido a partir das práticas estabelecidas por um grupo. Em termos práticos, a narrativa do fluxo do conhecer e do aprender tem potencial para auxiliar gestores e educadores na estruturação de projetos de educação corporativa mais integradores, nos quais as iniciativas estejam integradas às práticas das comunidades ocupacionais.

Design/metodologia/abordagem:

Trata-se de uma pesquisa qualitativa de caráter descritivo, por meio de estudo de caso único em uma operação de colheita florestal de uma empresa brasileira que tem a sustentabilidade no núcleo de sua estratégia de negócios. Como instrumentos de coleta, adotaram-se a observação direta, a entrevista semiestruturada e a pesquisa documental. Os dados foram analisados a partir da análise temática de narrativas.

Resultados:

Os resultados indicam que, no contexto investigado, a aprendizagem da sustentabilidade se dá em uma conjugação dos processos de geração e disseminação de conhecimento conduzidos pela empresa e nas práticas desenvolvidas nas comunidades ocupacionais. Há indicativos de que, em um processo de construção social, novos modos de trabalho são aprendidos, sustentados por um entrelaçamento de práticas de planejamento, de segurança e discursivas, ativando o saber em prática da sustentabilidade.

PALAVRAS-CHAVE:
Aprendizagem para a sustentabilidade; Saber na prática; Conhecimento situado; Estudos baseados na prática; Sustentabilidade

ABSTRACT

Purpose:

The objective of this study is to understand how the learning process of sustainability occurs within the context of the harvesting practices of a forest-based company.

Originality/value:

The study contributes to understanding the learning process of sustainability under the approach of practice when demonstrating how the knowledge of sustainability is created and reproduced from the practices established by a group. In practical terms, the narrative of the flow of knowing and learning has the potential of assisting managers and educators to structure more integrative corporate education projects, in which the initiatives are integrated into the practices of the occupational communities.

Design/methodology/approach:

This is a qualitative research of descriptive nature, through a single-case study in a forest harvesting operation in a Brazilian company that has sustainability at the core of its business strategy. It was adopted as collection instruments the in-depth observation, the semi-structured interview, and the documental research, which were analyzed through the thematic analysis of narratives.

Findings:

The results suggest that, in the given context, the learning process of sustainability happens in a combination of the processes of creation and dissemination of knowledge conducted by the company and the practices developed within the occupational communities. There are indications that, in a social construction process, new working models are learned, based on an entanglement of planning, safety, and discursive practices, activating the knowledge-in-practice of sustainability.

KEYWORDS:
Learning process for sustainability; Knowledge-in-practice; Situated learning process; Practice-based studies; Sustainability

1

INTRODUÇÃO

Os desacordos conceituais sobre a noção de sustentabilidade, seus reais motivos e sua inserção nas práticas cotidianas das organizações são amplamente debatidos. A falta de acordo conceitual fez com que muitos conceitos tivessem sido propostos com a proliferação de críticas quanto à definição dos objetivos e à coerência das estratégias para o alcance de um desenvolvimento sustentável. Esses debates podem ser justificados em função da diversidade esperada durante a fase emergente de qualquer conceito (Gladwin, Kenelly, & Krause, 1995Gladwin, T. N., Kennelly, J. J., & Krause, T. (1995). Shifting paradigms for sustainable development: Implications for management theory and research. Academy of Management Review, 20(4), 874–907. doi:10.5465/amr.1995.9512280024
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). A despeito da falta de consenso e das críticas, há convergências quanto ao caráter importante da crise socioambiental que o mundo vive e às mudanças que se fazem necessárias (Ciegis, Ramanauskiene, & Martinkus, 2009Ciegis, R., Ramanauskiene, J., & Martinkus, B. (2009). The concept of sustainable development and its use for sustainability scenarios. Inzinerine Ekonomika-Engineering Economics, (2), 28–37. Recuperado de https://www.inzeko.ktu.lt/index.php/EE/article/view/11609
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).

São crescentes os debates sobre a necessidade de tornar a sustentabilidade operacional, minimizando lacunas existentes entre o discurso e as práticas gerenciais (Waas et al., 2014Waas, T. , Hugé, J., Block, T. , Wright, T. , Benitez-Capistros, F. , & Verbruggen, A. (2014). Sustainability assessment and indicators: Tools in a decision-making strategy for sustainable development. Sustainability, 6(9), 5512–5534. doi:10.3390/su6095512
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). Le Roux e Pretorius (2016)Le Roux, C., & Pretorius, M. (2016). Navigating sustainability embeddedness in management decision-making. Sustainability, 8(5), 1–23. doi:10.3390/su8050444
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argumentam que, por ser um tema essencial aos negócios, o discurso das organizações vem evoluindo de um ponto inicial quanto à dúvida se deveriam incorporar a sustentabilidade, passando pela preocupação de como incorporar e estando cada vez mais em busca de como podem fazer melhor. Entretanto, ainda que haja a evolução do discurso, o conceito não está refletido nas crenças, práticas e tomadas de decisão dos praticantes organizacionais, em função de lacunas de implementação que impõem desafios.

Engert e Baumgartner (2016)Engert, S., & Baumgartner, R. J. (2016). Corporate sustainability strategy: Bridging the gap between formulation and implementation. Journal of Cleaner Production, 113, 822–834. doi:10.1016/j.jclepro.2015.11.094
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alegam que a ausência de estudos empíricos sobre a implementação da sustentabilidade corporativa que ajudem a revelar como as empresas podem equilibrar as necessidades econômicas, ambientais e sociais, traduzindo estratégia em ação, contribui para uma transição mais lenta. Nas lacunas existentes, a díade educação e aprendizagem tem sido considerada central para a sustentabilidade (Benn & Martin, 2010Benn, S., & Martin, A. (2010). Learning and change for sustainability reconsidered: A role for boundary objects. Academy of Management Learning & Education, 9(3), 397–412. doi:10.5465/amle.9.3.zqr397
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; Edwards, 2009Edwards, M. G. (2009). An integrative metatheory for organisational learning and sustainability in turbulent times. The Learning Organization, 16(3), 189–207. doi:10.1108/09696470910949926
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; Henry, 2009Henry, A. D. (2009). The challenge of learning for sustainability: A prolegomenon to theory. Human Ecology Review, 16(2), 131–140. Recuperado de https://ajph.humanecologyreview.org/pastissues/her162/henry.pdf
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; Le Roux & Pretorius, 2016Le Roux, C., & Pretorius, M. (2016). Navigating sustainability embeddedness in management decision-making. Sustainability, 8(5), 1–23. doi:10.3390/su8050444
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; Moyer & Sinclair, 2020Moyer, J. M., & Sinclair, A. J. (2020). Learning for sustainability: Considering pathways to transformation. Adult Education Quarterly, 70(4), 340–359. doi:10.1177/0741713620912219
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; Sidiropoulos, 2014; Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, 2005Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (2005). Década das Nações Unidas para o desenvolvimento sustentável, 2005-2014: Documento final do esquema internacional de implementação. Brasília: Unesco. Recuperado de https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000139937_por
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; Wals, 2011Wals, A. E. J. (2011). Learning our way to sustainability. Journal of Education for Sustainable Development, 5(2), 177–186. doi:10.1177%2F097340821100500208
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; Wals & Benavot, 2017Wals, A. E. J., & Benavot, A. (2017). Can we meet the sustainability challenges? The role of education and lifelong learning. European Journal of Education, 52(4), 404–413. doi:10.1111/ejed.12250
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).

Pesquisas sobre educação e aprendizagem para a sustentabilidade vêm sendo empreendidas, e, embora se identifique o crescimento de estudos que consideram a aprendizagem para a sustentabilidade um processo social (D’Angelo & Brunstein, 2014D’Angelo, M. J., & Brunstein, J. (2014). Social learning for sustainability: Supporting sustainable business in Brazil regarding multiple social actors, relationships and interests. International Journal of Sustainable Development & World Ecology, 21(3), 273–289. doi:10.1080/13504509.2014.902868
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; Edwards, 2009Edwards, M. G. (2009). An integrative metatheory for organisational learning and sustainability in turbulent times. The Learning Organization, 16(3), 189–207. doi:10.1108/09696470910949926
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; Figueiró, Bittencourt, & Scuttel, 2016Figueiró, P. S., Bittencourt, B. A., & Schutel, S. (2016). Education for sustainability in business schools by practicing social learning. Brazilian Journal of Science and Technology, 3(1), 1–16. doi:10.1186/s40552-016-0014-7
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; Henry, 2009Henry, A. D. (2009). The challenge of learning for sustainability: A prolegomenon to theory. Human Ecology Review, 16(2), 131–140. Recuperado de https://ajph.humanecologyreview.org/pastissues/her162/henry.pdf
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; Lankester, 2013Lankester, A. J. (2013). Conceptual and operational understanding of learning for sustainability: A case study of the beef industry in north-eastern Australia. Journal of Environmental Management, 119, 182–193. doi:10.1016/j.jenvman.2013.02.002
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; Madsen, 2013Madsen, K. D. (2013). Unfolding education for sustainable development as didactic thinking and practice. Sustainability, 5(9), 3771–3782. doi:10.3390/su5093771
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; Mello & Godoy, 2014Mello, A. S., & Godoy, A. S. (2014). Integrando o conceito de aprendizagem social pelas perspectivas da sustentabilidade e da aprendizagem organizacional. In J. Brunstein, A. S. Godoy, & H. C. Silva (Orgs.), Educação para sustentabilidade nas escolas de administração (pp. 28–54). São Carlos: Rima.; Wals, 2011Wals, A. E. J. (2011). Learning our way to sustainability. Journal of Education for Sustainable Development, 5(2), 177–186. doi:10.1177%2F097340821100500208
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), ainda prevalecem as perspectivas que a consideram um processo relacionado à capacidade de mudança e um mecanismo de adaptação organizacional ao ambiente de sustentabilidade a partir do aprendizado individual (Wals & Benavot, 2017Wals, A. E. J., & Benavot, A. (2017). Can we meet the sustainability challenges? The role of education and lifelong learning. European Journal of Education, 52(4), 404–413. doi:10.1111/ejed.12250
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).

Diante dos desafios que a sustentabilidade traz para a sociedade, como os conflitos inerentes às escolhas realizadas e a concepção de integração, aliados às questões relacionadas a valores, comportamento ético, entre outros, pensar na aprendizagem somente em uma perspectiva cognitiva é restringir o debate existente. Argumentamos, portanto, sobre a necessidade de se ampliar a compreensão da aprendizagem para a sustentabilidade em uma perspectiva de um processo de participação e interação, associada a práticas desenvolvidas por um grupo (Bispo, 2013Bispo, M. S. (2013). Aprendizagem organizacional baseada no conceito de prática: Contribuições de Silvia Gherardi. Revista de Administração Mackenzie, 14(6), 132–161. doi:1590/S1678-69712013000600007
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; Gherardi, Nicolini, & Odella, 1998Gherardi, S., Nicolini, D., & Odella, F. (1998). Toward a social understanding of how people learn in organizations the notion of situated curriculum. Management Learning, 29(3), 273–297. doi:10.1177%2F1350507698293002
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; Nicolini, Gherardi, & Yanow, 2003Nicolini, D., Gherardi, S., & Yanow, D. (2003). Introduction: Towards a practice-based view of knowing and learning in organisations. In D. Nicolini, S. Gherardi, & D. Yanow (Eds.), Knowing in organisations: A practice-based approach (pp. 3–31). London: M. E. Sharpe.).

Neste estudo, admitimos a aprendizagem como uma prática situada (Bispo, 2013Bispo, M. S. (2013). Aprendizagem organizacional baseada no conceito de prática: Contribuições de Silvia Gherardi. Revista de Administração Mackenzie, 14(6), 132–161. doi:1590/S1678-69712013000600007
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; Gherardi et al., 1998Gherardi, S., Nicolini, D., & Odella, F. (1998). Toward a social understanding of how people learn in organizations the notion of situated curriculum. Management Learning, 29(3), 273–297. doi:10.1177%2F1350507698293002
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; Nicolini et al., 2003Nicolini, D., Gherardi, S., & Yanow, D. (2003). Introduction: Towards a practice-based view of knowing and learning in organisations. In D. Nicolini, S. Gherardi, & D. Yanow (Eds.), Knowing in organisations: A practice-based approach (pp. 3–31). London: M. E. Sharpe.) e a sustentabilidade como um conceito que contém a necessidade de equilíbrio dos pilares econômico, ambiental e social associado à visão de longo prazo e de responsabilidade para com as gerações futuras (Ciegis et al., 2009Ciegis, R., Ramanauskiene, J., & Martinkus, B. (2009). The concept of sustainable development and its use for sustainability scenarios. Inzinerine Ekonomika-Engineering Economics, (2), 28–37. Recuperado de https://www.inzeko.ktu.lt/index.php/EE/article/view/11609
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). Admitimos ainda a sustentabilidade como algo que se reflete nas práticas dos atores organizacionais (Silva & Figueiredo, 2017Silva, M. E., & Figueiredo, M. D. (2017). Sustainability as practice: Reflections on the creation of an institutional logic. Sustainability, 9(10), 1–13. doi:10.3390/su9101839
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, 2020). Ancorados nessa compreensão, formulamos a seguinte questão de pesquisa:

  • Como a aprendizagem para a sustentabilidade acontece no contexto das operações de colheita de uma empresa de base florestal?

Assim, com o objetivo de compreender como se dá a aprendizagem para a sustentabilidade, conduzimos uma pesquisa qualitativa, por meio de estudo de caso único, no contexto das operações de colheita de uma empresa de base florestal que tem a sustentabilidade no núcleo de sua estratégia de negócios. A justificativa para a realização da pesquisa reside na possibilidade de 1. ampliar o entendimento da sustentabilidade como um conceito que se reflete em um conjunto de práticas que são criadas, reproduzidas e apropriadas pelos seus atores (Silva & Figueiredo, 2017Silva, M. E., & Figueiredo, M. D. (2017). Sustainability as practice: Reflections on the creation of an institutional logic. Sustainability, 9(10), 1–13. doi:10.3390/su9101839
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, 2020); 2. contribuir para os estudos sobre aprendizagem para a sustentabilidade como um processo social; e 3. contribuir para a estruturação de projetos de educação corporativa para a sustentabilidade mais integradores, nos quais as iniciativas possam estar associadas e integradas às práticas existentes no âmbito das comunidades ocupacionais.

O artigo está estruturado em quatro partes além da presente introdução. A seguir, apresenta-se o referencial teórico; depois, indicam-se os aspectos metodológicos; e, na sequência, há a apresentação e a análise dos dados. Por fim, fazem-se as considerações finais.

2

PERCURSO TEÓRICO

2.1

A inserção da sustentabilidade nos ambientes organizacionais

A apropriação dos recursos naturais e sua utilização indiscriminada fazem parte de uma visão antropocêntrica presente no paradigma da gestão tradicional que permite e justifica a forma de exploração do ambiente natural sem considerar a interdependência com o meio ambiente e os riscos decorrentes dessa forma de produção (Gladwin et al., 1995Gladwin, T. N., Kennelly, J. J., & Krause, T. (1995). Shifting paradigms for sustainable development: Implications for management theory and research. Academy of Management Review, 20(4), 874–907. doi:10.5465/amr.1995.9512280024
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; Shrivastava, 1995Shrivastava, P. (1995). Ecocentric management for a risk society. Academy of Management Review, 20(1), 118–137.). Sustentadas por esse paradigma, as organizações criaram riqueza por meio de avanços tecnológicos e científicos, desconsiderando os limites biofísicos do ambiente (Ciegis et al., 2009Ciegis, R., Ramanauskiene, J., & Martinkus, B. (2009). The concept of sustainable development and its use for sustainability scenarios. Inzinerine Ekonomika-Engineering Economics, (2), 28–37. Recuperado de https://www.inzeko.ktu.lt/index.php/EE/article/view/11609
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) e as transformações sociais.

Com os sinais de esgotamento dos modelos econômicos do século XX e a frequência progressiva das crises em diferentes setores, ganharam força movimentos para a busca de modelos mais equilibrados. Esses movimentos forçam o entendimento quanto à circularidade dos processos e sistemas, a finitude dos recursos e seu caráter regenerativo e inclusivo, o reconhecimento de que um ambiente de negócios engloba a ecologia do planeta, o mundo econômico e social, a ordem política, o mercado, a tecnologia e o contexto sociopolítico das organizações (Penteado, 2003Penteado, H. (2003). Ecoeconomia: Uma nova abordagem. São Paulo: Lazuli.; Vasconcelos, Silva, & Silva, 2013Vasconcelos, K. C. A., Silva, A., Junior, & Silva, P. O. M. (2013). Educação gerencial para atuação em ambientes de negócios sustentáveis: Desafios e tendências de uma escola de negócios brasileira. Revista de Administração Mackenzie, 14(4), 45–75. doi:10.1590/S1678-69712013000400003
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) e o reconhecimento dos riscos como reflexo das ações e omissões humanas (Shrivastava, 1995Shrivastava, P. (1995). Ecocentric management for a risk society. Academy of Management Review, 20(1), 118–137.).

Embora seja pauta reincidente nos debates, essa perspectiva ainda carece de aprofundamento conceitual e de práticas efetivas (Silva & Figueiredo, 2017Silva, M. E., & Figueiredo, M. D. (2017). Sustainability as practice: Reflections on the creation of an institutional logic. Sustainability, 9(10), 1–13. doi:10.3390/su9101839
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), exigindo de todas as partes envolvidas uma visão transdisciplinar (Martens, 2006Martens, P. (2006). Sustainability: Science or fiction? Sustainability: Science, Practice, & Policy, 2(1), 36–41. doi:10.1080/15487733.2006.11907976
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; Shrivastava, Ivanaj, & Persson, 2013Shrivastava, P. , Ivanaj, S., & Persson, S. (2013). Transdisciplinary study of sustainable enterprise. Business Strategy and the Environment, 22(4), 230–244. doi:10.1002/bse.1773
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). Exige ainda a disposição para o enfrentamento de mudanças na forma de agir, englobando uma revisão nas práticas de gestão e na estratégia organizacional (Gladwin et al., 1995Gladwin, T. N., Kennelly, J. J., & Krause, T. (1995). Shifting paradigms for sustainable development: Implications for management theory and research. Academy of Management Review, 20(4), 874–907. doi:10.5465/amr.1995.9512280024
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; Le Roux & Pretorius, 2016Le Roux, C., & Pretorius, M. (2016). Navigating sustainability embeddedness in management decision-making. Sustainability, 8(5), 1–23. doi:10.3390/su8050444
https://doi.org/10.3390/su8050444...
; Müller & Pfleger, 2014Müller, A. L., & Pfleger, R. (2014). Business transformation towards sustainability. Business Research, 7(2), 313–350. doi:10.1007/s40685-014-0011-y
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).

A inexistência de acordos conceituais e a imprecisão desses conceitos (Mebratu, 1998Mebratu, D. (1998). Sustainability and sustainable development: Historical and conceptual review. Environmental Impact Assessment Review, 18(6), 493–520. doi:10.1016/S0195-9255(98)00019-5
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; Sartori, Latronico, & Campos, 2014Sartori, S., Latronico, F. , & Campos, L. M. S. (2014). Sustentabilidade e desenvolvimento sustentável: Uma taxonomia no campo da literatura. Ambiente e Sociedade, 17(1), 1–22. doi:10.1590/S1414-753X2014000100002
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), assim como a falta de coerência das estratégias para o alcance de um modelo de desenvolvimento sustentável, são apontadas como possíveis fatores que interferem nos níveis de operacionalização da sustentabilidade (Ciegis et al., 2009Ciegis, R., Ramanauskiene, J., & Martinkus, B. (2009). The concept of sustainable development and its use for sustainability scenarios. Inzinerine Ekonomika-Engineering Economics, (2), 28–37. Recuperado de https://www.inzeko.ktu.lt/index.php/EE/article/view/11609
https://www.inzeko.ktu.lt/index.php/EE/a...
; Munck, 2015Munck, L. (2015). Gestão da sustentabilidade em contexto organizacional: Integrando sensemaking, narrativas e processo decisório estratégico. Organizações & Sociedade, 22(75), 521–538. doi:10.1590/1984-9230753
https://doi.org/10.1590/1984-9230753...
; Müller & Pfleger, 2014Müller, A. L., & Pfleger, R. (2014). Business transformation towards sustainability. Business Research, 7(2), 313–350. doi:10.1007/s40685-014-0011-y
https://doi.org/10.1007/s40685-014-0011-...
; Sartori et al., 2014Sartori, S., Latronico, F. , & Campos, L. M. S. (2014). Sustentabilidade e desenvolvimento sustentável: Uma taxonomia no campo da literatura. Ambiente e Sociedade, 17(1), 1–22. doi:10.1590/S1414-753X2014000100002
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). A despeito da diversidade conceitual, observam-se convergências quanto à 1. preocupação em passar para gerações futuras o estoque de capital, 2. à ênfase em valores coletivos, 3. à consequência das escolhas e 4. ao exercício da ética coletiva em detrimento do individual (Sartori et al., 2014Sartori, S., Latronico, F. , & Campos, L. M. S. (2014). Sustentabilidade e desenvolvimento sustentável: Uma taxonomia no campo da literatura. Ambiente e Sociedade, 17(1), 1–22. doi:10.1590/S1414-753X2014000100002
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).

Os desafios da inserção da sustentabilidade na prática cotidiana das organizações também passam pela natureza multifacetada e complexa da sustentabilidade, tornando como regra, e não exceção, os trade-offs e conflitos nos ambientes organizacionais. Isso ocorre porque o modelo que considera interdependência entre ecologia, economia e social traz tensões para as organizações por apresentar a justaposição e não abordar a relação sistemática entre as suas dimensões (Gladwin et al.,1995Gladwin, T. N., Kennelly, J. J., & Krause, T. (1995). Shifting paradigms for sustainable development: Implications for management theory and research. Academy of Management Review, 20(4), 874–907. doi:10.5465/amr.1995.9512280024
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; Hann, Pinkse, Preuss, & Figge, 2015Hann, T, Pinkse, J., Preuss, L., & Figge, F. (2015). Tensions in corporate sustainability: Towards an integrative framework. Journal of Business Ethics, 127(2), 297–316. doi:10.1007/s10551-014-2047-5
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; Le Roux & Pretorius, 2016Le Roux, C., & Pretorius, M. (2016). Navigating sustainability embeddedness in management decision-making. Sustainability, 8(5), 1–23. doi:10.3390/su8050444
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; Müller & Pfleger, 2014Müller, A. L., & Pfleger, R. (2014). Business transformation towards sustainability. Business Research, 7(2), 313–350. doi:10.1007/s40685-014-0011-y
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; Munck, 2015Munck, L. (2015). Gestão da sustentabilidade em contexto organizacional: Integrando sensemaking, narrativas e processo decisório estratégico. Organizações & Sociedade, 22(75), 521–538. doi:10.1590/1984-9230753
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). Além disso, a visão predominantemente econômica e/ou ambiental demonstra-se insuficiente para que a sustentabilidade possa ser compreendida e praticada nas organizações em todos os níveis.

Um modelo sustentado no paradigma sustaincêntrico é discutido como uma alternativa para reconciliar as diferentes dimensões e nos pontos em que a inclusão, conectividade, equidade, prudência e segurança sejam manifestadas (Gladwin et al., 1995Gladwin, T. N., Kennelly, J. J., & Krause, T. (1995). Shifting paradigms for sustainable development: Implications for management theory and research. Academy of Management Review, 20(4), 874–907. doi:10.5465/amr.1995.9512280024
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). Essa abordagem integrativa considera diferentes escalas temporais do social, ambiental e econômico, priorizando o longo prazo (Munck, 2015Munck, L. (2015). Gestão da sustentabilidade em contexto organizacional: Integrando sensemaking, narrativas e processo decisório estratégico. Organizações & Sociedade, 22(75), 521–538. doi:10.1590/1984-9230753
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), e demanda dos atores organizacionais uma transformação cognitiva e de valores (Sidiropoulos, 2014Sidiropoulos, E. (2014). Education for sustainability in business education programs: A question of value. Journal of Cleaner Production, 85, 472–487. doi:10.1016/j.jclepro.2013.10.040
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; Vucetich & Nelson, 2010Vucetich, J. A., & Nelson, M. P. (2010). Sustainability: Virtuous or vulgar? BioScience, 60(7), 539–544. doi:10.1525/bio.2010.60.7.9
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) e a adoção de tecnologias apropriadas, justas e humanas por parte das organizações.

Compreendemos que a inserção desse paradigma desloca a compreensão da sustentabilidade como um conceito normativo e homogêneo (Gladwin et al., 1995Gladwin, T. N., Kennelly, J. J., & Krause, T. (1995). Shifting paradigms for sustainable development: Implications for management theory and research. Academy of Management Review, 20(4), 874–907. doi:10.5465/amr.1995.9512280024
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), representado por um conjunto de tecnologias sustentáveis e de estruturas e normas existentes na organização, para algo que se reflete nas práticas dos atores organizacionais (Silva & Figueiredo, 2017Silva, M. E., & Figueiredo, M. D. (2017). Sustainability as practice: Reflections on the creation of an institutional logic. Sustainability, 9(10), 1–13. doi:10.3390/su9101839
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, 2020). Logo, adotamos no estudo a sustentabilidade como um conceito multidimensional e dinâmico (Müller & Pfleger, 2014Müller, A. L., & Pfleger, R. (2014). Business transformation towards sustainability. Business Research, 7(2), 313–350. doi:10.1007/s40685-014-0011-y
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) que aborda a necessidade de equilíbrio dos pilares econômico, ambiental e social associado à visão de longo prazo e de responsabilidade para com as gerações futuras (Ciegis et al., 2009Ciegis, R., Ramanauskiene, J., & Martinkus, B. (2009). The concept of sustainable development and its use for sustainability scenarios. Inzinerine Ekonomika-Engineering Economics, (2), 28–37. Recuperado de https://www.inzeko.ktu.lt/index.php/EE/article/view/11609
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) e que se insere no cotidiano das organizações como um conjunto de práticas que são criadas, reproduzidas e apropriadas pelos seus atores (Silva & Figueiredo, 2017Silva, M. E., & Figueiredo, M. D. (2017). Sustainability as practice: Reflections on the creation of an institutional logic. Sustainability, 9(10), 1–13. doi:10.3390/su9101839
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, 2020).

2.2

A aprendizagem para a sustentabilidade e o saber na prática

Os estudos sobre aprendizagem organizacional demonstram crescente desenvolvimento nas últimas décadas, sendo considerados um campo multidisciplinar e multiparadigmático (Antonello & Godoy, 2010Antonello, C. S., & Godoy, A. S. (2010). A encruzilhada da aprendizagem organizacional: Uma visão multiparadigmática. Revista de Administração Contemporânea, 14(2), 310–332. doi:10.1590/S1415-65552010000200008
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). As pesquisas realizadas giram em torno das perspectivas técnica e social, e, por meio dessas lentes, busca-se entender o que e como indivíduos aprendem.

O ponto de partida da aprendizagem na perspectiva sociológica é a experiência vivida no cotidiano e a aprendizagem como parte do participar na vida social e na prática (Gherardi & Nicolini, 2001Gherardi, S., & Nicolini, D. (2001). The sociological foundations of organizational learning. In M. Dierkes, A. Berthoin Antal, I. Nonaka, & J. Child (Orgs.), Handbook of organizational learning and knowledge (pp. 35–60). Oxford: Oxford University Press.; Gherardi, 2001Gherardi, S. (2001). From organizational learning to practice-based knowing. Human Relations, 54(1), 131–139. doi:10.1177/0018726701541016
https://doi.org/10.1177/0018726701541016...
, 2011), sendo necessário analisar o contexto como produto histórico e construído na relação entre pessoas. Essa abordagem se afasta da visão de aprendizado pela cognição e da busca de processamento de informação na medida em que concebe a aprendizagem como um processo de participação e interação, estando associada a uma prática desenvolvida por um grupo (Bispo, 2013Bispo, M. S. (2013). Aprendizagem organizacional baseada no conceito de prática: Contribuições de Silvia Gherardi. Revista de Administração Mackenzie, 14(6), 132–161. doi:1590/S1678-69712013000600007
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; Gherardi et al., 1998Gherardi, S., Nicolini, D., & Odella, F. (1998). Toward a social understanding of how people learn in organizations the notion of situated curriculum. Management Learning, 29(3), 273–297. doi:10.1177%2F1350507698293002
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; Nicolini et al., 2003Nicolini, D., Gherardi, S., & Yanow, D. (2003). Introduction: Towards a practice-based view of knowing and learning in organisations. In D. Nicolini, S. Gherardi, & D. Yanow (Eds.), Knowing in organisations: A practice-based approach (pp. 3–31). London: M. E. Sharpe.).

Analisar o conhecimento em uma prática situada implica compreender que a aprendizagem é uma composição de knowing e doing (Bispo, 2013Bispo, M. S. (2013). Aprendizagem organizacional baseada no conceito de prática: Contribuições de Silvia Gherardi. Revista de Administração Mackenzie, 14(6), 132–161. doi:1590/S1678-69712013000600007
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; Gherardi, 2001Gherardi, S. (2001). From organizational learning to practice-based knowing. Human Relations, 54(1), 131–139. doi:10.1177/0018726701541016
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, 2009), e é na prática que o conhecimento se manifesta (Nicolini, 2011Nicolini, D. (2011). Practice as the site of knowing: Insights from the field of telemedicine. Organization Science, 22(3), 602–620. doi:10.1287/orsc.1100.0556
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). Ao estabelecer associações entre prática e conhecimento, Gherardi (2014)Gherardi, S. (2014). Conhecimento situado e ação situada: O que os estudos baseados em prática prometem? In S. Gherardi & A. Strati, Administração e aprendizagem na prática (pp. 3–17). Rio de Janeiro: Elsevier. indica três tipos de relações não excludentes: 1. relação de contenção, 2. relação de constituição mútua e 3. relação de equivalência.

Na relação de contenção, a autora argumenta que o conhecimento tem lugar dentro das práticas, e estas, por sua vez, são reconhecidas pelos praticantes. Nessas práticas, estão contidos “pedaços de conhecimento ancorado no mundo material que foi sendo formado a partir do sistema normativo, cultural e estético existente” (Gherardi, 2014, p. 6Gherardi, S. (2014). Conhecimento situado e ação situada: O que os estudos baseados em prática prometem? In S. Gherardi & A. Strati, Administração e aprendizagem na prática (pp. 3–17). Rio de Janeiro: Elsevier.). Por sua vez, na relação de constituição mútua, o conhecimento e a prática são dois fenômenos que interagem e produzem-se mutuamente, sem haver qualquer distinção entre eles. E, por fim, na relação de equivalência, pelo fato de esses fenômenos serem indissociados, compreende-se que “praticar é conhecer na prática, esteja o sujeito ciente disso ou não” (Gherardi, 2014, p. 7Gherardi, S. (2014). Conhecimento situado e ação situada: O que os estudos baseados em prática prometem? In S. Gherardi & A. Strati, Administração e aprendizagem na prática (pp. 3–17). Rio de Janeiro: Elsevier.). Logo, é por meio das práticas de trabalho que o conhecimento se torna observável e é produzido e reproduzido (Gherardi, 2009Gherardi, S. (2009). Knowing and learning in practice-based studies: An introduction. The Learning Organization, 16(5), 352–359. doi:10.1108/09696470910974144
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, 2014).

Diferentes abordagens influenciam o entendimento da aprendizagem organizacional na perspectiva da prática e, embora possuam ontologias e epistemologias distintas, compartilham a noção de que o conhecimento é algo prático e contextualizado (Nicolini et al., 2003Nicolini, D., Gherardi, S., & Yanow, D. (2003). Introduction: Towards a practice-based view of knowing and learning in organisations. In D. Nicolini, S. Gherardi, & D. Yanow (Eds.), Knowing in organisations: A practice-based approach (pp. 3–31). London: M. E. Sharpe.). Da mesma forma, as abordagens da prática não derivam de uma única teoria e, apesar das semelhanças, possuem vocabulário, história, suposições e tradições distintos (Nicolini, 2011Nicolini, D. (2011). Practice as the site of knowing: Insights from the field of telemedicine. Organization Science, 22(3), 602–620. doi:10.1287/orsc.1100.0556
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).

Nesta pesquisa, compreendemos a aprendizagem como uma prática situada (Bispo, 2013Bispo, M. S. (2013). Aprendizagem organizacional baseada no conceito de prática: Contribuições de Silvia Gherardi. Revista de Administração Mackenzie, 14(6), 132–161. doi:1590/S1678-69712013000600007
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; Gherardi et al., 1998Gherardi, S., Nicolini, D., & Odella, F. (1998). Toward a social understanding of how people learn in organizations the notion of situated curriculum. Management Learning, 29(3), 273–297. doi:10.1177%2F1350507698293002
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; Nicolini et al., 2003Nicolini, D., Gherardi, S., & Yanow, D. (2003). Introduction: Towards a practice-based view of knowing and learning in organisations. In D. Nicolini, S. Gherardi, & D. Yanow (Eds.), Knowing in organisations: A practice-based approach (pp. 3–31). London: M. E. Sharpe.). Por sua vez, a prática é entendida como “um modo relativamente estável no tempo e socialmente reconhecido de ordenar elementos heterogêneos em um conjunto coerente” (Gherardi, 2006, p. 34Gherardi, S. (2006). Organizational knowledge: The texture of workplace learning. Oxford: Blackwell.). Ou seja, uma prática é algo que confere significados e identidade a um grupo (Nicolini, 2011Nicolini, D. (2011). Practice as the site of knowing: Insights from the field of telemedicine. Organization Science, 22(3), 602–620. doi:10.1287/orsc.1100.0556
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) que se organiza a partir dela, e é na relação entre saber e fazer que se estabelece a aprendizagem em uma relação indissolúvel entre prática e aprendizagem (Vogt, Bulgacov, & Machado, 2020Vogt, S., Bulgacov, Y. L. M., & Machado, R. C. (2020). “Quem sabe faz (ou já fez) ao vivo!”: Um ensaio teórico sobre a indissolubilidade entre a prática e a aprendizagem. Revista Ciências Administrativas, 25(4), 1–14. doi:10.5020/2318-0722.2020.8199
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).

Estudos que consideram a aprendizagem para a sustentabilidade um processo social são cada vez mais frequentes e abordam as redes, o trabalho colaborativo e as práticas criadas e negociadas como indutores de aprendizagem na medida em que conferem significados (D’Angelo & Brunstein, 2014D’Angelo, M. J., & Brunstein, J. (2014). Social learning for sustainability: Supporting sustainable business in Brazil regarding multiple social actors, relationships and interests. International Journal of Sustainable Development & World Ecology, 21(3), 273–289. doi:10.1080/13504509.2014.902868
https://doi.org/10.1080/13504509.2014.90...
; Edwards, 2009Edwards, M. G. (2009). An integrative metatheory for organisational learning and sustainability in turbulent times. The Learning Organization, 16(3), 189–207. doi:10.1108/09696470910949926
https://doi.org/10.1108/0969647091094992...
; Figueiró et al., 2016Figueiró, P. S., Bittencourt, B. A., & Schutel, S. (2016). Education for sustainability in business schools by practicing social learning. Brazilian Journal of Science and Technology, 3(1), 1–16. doi:10.1186/s40552-016-0014-7
https://doi.org/10.1186/s40552-016-0014-...
; Henry, 2009Henry, A. D. (2009). The challenge of learning for sustainability: A prolegomenon to theory. Human Ecology Review, 16(2), 131–140. Recuperado de https://ajph.humanecologyreview.org/pastissues/her162/henry.pdf
https://ajph.humanecologyreview.org/past...
; Lankester, 2013Lankester, A. J. (2013). Conceptual and operational understanding of learning for sustainability: A case study of the beef industry in north-eastern Australia. Journal of Environmental Management, 119, 182–193. doi:10.1016/j.jenvman.2013.02.002
https://doi.org/10.1016/j.jenvman.2013.0...
; Madsen, 2013Madsen, K. D. (2013). Unfolding education for sustainable development as didactic thinking and practice. Sustainability, 5(9), 3771–3782. doi:10.3390/su5093771
https://doi.org/10.3390/su5093771...
; Mello & Godoy, 2014Mello, A. S., & Godoy, A. S. (2014). Integrando o conceito de aprendizagem social pelas perspectivas da sustentabilidade e da aprendizagem organizacional. In J. Brunstein, A. S. Godoy, & H. C. Silva (Orgs.), Educação para sustentabilidade nas escolas de administração (pp. 28–54). São Carlos: Rima.; Wals, 2011Wals, A. E. J. (2011). Learning our way to sustainability. Journal of Education for Sustainable Development, 5(2), 177–186. doi:10.1177%2F097340821100500208
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). Sob a denominação de aprendizagem transdisciplinar, aprendizagem transformativa, aprendizagem antecipada, aprendizagem colaborativa e aprendizagem social, identificam-se abordagens que compartilham o fato de: 1. considerar o aprendizado como algo além daquele meramente baseado no conhecimento; 2. concentrar em questões existencialmente relevantes ou “reais” que envolvem os indivíduos; 3. compreender o aprendizado como inevitavelmente transdisciplinar e transperspectivo; e 4. considerar a indeterminação uma característica central do processo de aprendizagem (Wals, 2011Wals, A. E. J. (2011). Learning our way to sustainability. Journal of Education for Sustainable Development, 5(2), 177–186. doi:10.1177%2F097340821100500208
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).

Entretanto, embora a aprendizagem para a sustentabilidade ocupe um lugar central para o desenvolvimento de comportamento sustentável (Moyer & Sinclair, 2020Moyer, J. M., & Sinclair, A. J. (2020). Learning for sustainability: Considering pathways to transformation. Adult Education Quarterly, 70(4), 340–359. doi:10.1177/0741713620912219
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) e se identifique o aumento crescente da abordagem social, há ainda o predomínio da uma perspectiva instrumental e cognitiva da aprendizagem, associada a um processo de mudança individual (Moyer & Sinclair, 2020Moyer, J. M., & Sinclair, A. J. (2020). Learning for sustainability: Considering pathways to transformation. Adult Education Quarterly, 70(4), 340–359. doi:10.1177/0741713620912219
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; Wals & Benavot, 2017Wals, A. E. J., & Benavot, A. (2017). Can we meet the sustainability challenges? The role of education and lifelong learning. European Journal of Education, 52(4), 404–413. doi:10.1111/ejed.12250
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). Esse cenário indica a hegemonia da visão psicológica e da ciência gerencial da aprendizagem nas organizações (Bispo & Mello, 2012Bispo, M. S., & Mello, A. S. (2012). A miopia da aprendizagem coletiva nas organizações: Existe uma lente para ela? Revista Gestão e Planejamento, 12(3), 728–745. Recuperado de https://revistas.unifacs.br/index.php/rgb/article/view/2252
https://revistas.unifacs.br/index.php/rg...
).

Assim, argumentamos que conceber a aprendizagem para a sustentabilidade em uma perspectiva cognitiva, individual e instrumental é paradoxal na medida em que os motivos que trazem a aprendizagem para centralidade da sustentabilidade abordam justamente a necessidade de um processo no qual a colaboração, o compartilhamento, o significado compartilhado e as sinergias com múltiplos atores precisam ser considerados. O ponto principal é que não existe um modelo único de educação e aprendizagem para a sustentabilidade, embora se reconheça a necessidade de que seja orientada para a ação de forma colaborativa, participativa e transformadora (Wals & Benavot, 2017Wals, A. E. J., & Benavot, A. (2017). Can we meet the sustainability challenges? The role of education and lifelong learning. European Journal of Education, 52(4), 404–413. doi:10.1111/ejed.12250
https://doi.org/10.1111/ejed.12250...
).

3

PERCURSO METODOLÓGICO

Para alcançarmos o objetivo deste estudo, conduzimos uma pesquisa qualitativa de caráter descritivo, em que se utilizou como estratégia o estudo de caso único (Flick, 2004Flick, U. (2004). Introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Bookman.; Stake, 2016Stake, R. (2016). Pesquisa qualitativa: Estudando como as coisas funcionam. Porto Alegre: Penso.). O estudo de caso foi realizado em uma das operações de colheita (Colheita SUL01) da empresa Flora, nome fictício utilizado para preservar a identidade dos envolvidos. A empresa foi criada em 2009, resultante de um processo de fusão de duas empresas brasileiras: empresa A, fundada em 1967, e empresa B, fundada em 1988.

A pesquisa encontra um potencial considerável de compreensão sobre o tema investigado, pois se concentra nas questões práticas da operação de colheita florestal SUL01, cuja organização tem a sustentabilidade no núcleo de sua estratégia de negócios, sendo considerada requisito fundamental para o crescimento e a criação de valor para os negócios. Ademais, ao nos aproximarmos dessa operação, ampliamos a possibilidade de compreender a jornada de aprendizagem desses atores organizacionais a partir das práticas observadas e de suas narrativas. Para isso, utilizamos como instrumentos de coleta a observação direta, a entrevista semiestruturada e a pesquisa documental.

A observação direta foi realizada em áreas da colheita florestal, em três municípios da Região Sudeste, em que se acompanharam as operações de planejamento de corte, derrubada, descascamento e preparo da madeira para o transporte. Durante o período de observação, produziram-se vídeos e fotos, bem como fizeram-se anotações, tudo registrado no caderno de campo (CC). Além disso, participamos de treinamentos técnicos e de segurança, e de reuniões técnicas e gerenciais no período de agosto de 2017 a janeiro de 2018, totalizando 80 horas de observação.

Durante a fase de observação, conduzimos 15 entrevistas semiestruturadas com operadores (EOp1, EOp2 e EOp3), técnicos (ET1 e ET2), coordenadores (EC1, EC2, EC3, EC4, EC5 e EC6) e gerentes (EG1, EG2, EG3 e EG4) com o objetivo de ampliar a compreensão do que estava sendo observado. As entrevistas foram gravadas e transcritas com a autorização dos entrevistados. Por fim, os documentos selecionados para análise foram o manual de colheita florestal (D1), o procedimento de capacitação (D2), a matriz de treinamento de operadores (D3) e o diagnóstico técnico operacional (D4).

Analisaram-se os dados com base na análise temática de narrativas (Riessman, 2008Riessman, C. K. (2008). Narrative methods for the human sciences. London: Sage.) por ser um método aplicado a diversas histórias que se desenvolvem em conversas, entrevistas e documentos escritos, de modo a buscar o conteúdo que as narrativas comunicam e os significados temáticos semelhantes entre elas. Na análise temática, o foco se concentra no conteúdo da narrativa, e o que se busca no texto é o que é dito e experienciado pelo narrador. Tendo como base as premissas de Riessman (2008)Riessman, C. K. (2008). Narrative methods for the human sciences. London: Sage., todas as entrevistas foram transcritas e lidas, isolando e ordenando episódios em uma ordem cronológica. Além disso, analisamos os registros do CC e os documentos com o objetivo de identificar os temas estabelecidos a priori: 1. fluxo do conhecimento sobre sustentabilidade e 2. práticas estabelecidas no contexto investigado. Posteriormente, a partir das observações e narrativas, as práticas de segurança, planejamento e discursivas foram tematizadas e discutidas.

Apresentamos na sequência a caracterização do estudo de caso, a narrativa do aprender sustentabilidade nesse contexto e a discussão sobre o aprender sustentabilidade e o saber em prática.

4

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS

4.1

O contexto da pesquisa

A operação de colheita florestal engloba o corte e o preparo da madeira para o transporte e abastecimento de fábricas de celulose, e caracteriza-se pelo conjunto de atividades de produção de toras curtas e longas de madeira, com e sem casca. É realizada com a utilização de equipamentos que cortam, derrubam, desgalham, descascam e traçam o eucalipto, retiram as toras de madeira do interior do plantio e levam-nas até a beira das estradas, formando as pilhas para posteriormente serem transportadas (CC). O corte da floresta é realizado a partir de um planejamento feito por equipes especializadas e obedece às diretrizes internas para a operação, contidas em manual próprio e monitoradas por um sistema de indicadores (D1).

A operação de Colheita SUL01, lócus da pesquisa, está situada na Região Sudeste do Brasil e funciona em sistema de 24 horas, em três turnos de revezamento. É formada por uma equipe de dois técnicos operacionais e 49 operadores florestais, e uma equipe terceirizada de aproximadamente 38 profissionais de três diferentes prestadores de serviço das áreas de manutenção e abastecimento. A equipe própria é formada por 100% de profissionais do sexo masculino, cujo tempo médio na empresa é de 16 anos, todos oriundos da empresa A. O acompanhamento e a orientação das rotinas são feitos pelo técnico operacional, pois a estrutura de gestão (supervisores e gerentes) permanece em áreas administrativas.

O módulo operacional, que funciona como base administrativa e de vivência da operação, é móvel e instalado próximo às áreas de corte próprias da empresa ou de terceiros. Essas áreas são provisórias e alteradas conforme o plano de corte. As observações foram feitas em três municípios distintos, acompanhando a mesma equipe operacional.

4.2

A narrativa do aprender sustentabilidade nas práticas de colheita florestal

Um dia típico em uma operação de colheita começa com o deslocamento dos profissionais em ônibus fretado, tendo como destino uma área operacional. No desembarque, são levados para o módulo para a primeira refeição, a reunião diária de segurança, a ginástica laboral e depois distribuídos para as suas áreas de trabalho até que novamente se reúnam para a segunda refeição ou ao final de um turno (CC).

Durante o turno, operando máquinas de corte ou baldeio, esses profissionais buscam “produzir madeira limpa empilhada, com segurança, qualidade e baixo custo” (EC1). Para cumprir a meta, os operadores baseiam-se no manual da operação, definido pelo EC4 como a “bússola da operação”, que estabelece padrões para a realização da colheita, seguindo os critérios técnicos, ambientais, de qualidade e de segurança, saúde e higiene do trabalho (D1), e o plano de corte disponível em cada máquina.

Para assegurar que as práticas de manejo florestal reflitam os parâmetros de produtividade, baixo custo, responsabilidade ambiental e social, a organização fornece de forma estruturada um corpo de conhecimentos, tais como treinamentos (D2, D3, D4), procedimentos normativos (D1), painel de indicadores e rotinas de monitoramento. No trabalho de campo (CC), identificamos os esforços organizacionais para disseminar uma noção compartilhada sobre práticas de manejo sustentáveis. Entretanto, embora se possa inferir, a partir das narrativas, que esses mecanismos funcionem como uma condição para o compartilhamento dessa noção comum, na visão do EC2 “a sustentabilidade que chega aos níveis operacionais está equalizada via procedimento, mas não está resolvida”.

A despeito da percepção de EC2 de que a sustentabilidade não está resolvida, o que observamos é que, por meio das práticas de trabalho, esse grupo conhece o manejo sustentável, pratica-o e aprende sobre ele ao produzir e reproduzir práticas de antecipação e de responsabilidade com o futuro, a visão sistêmica, o cuidado de si e do outro e a responsabilidade na tomada de decisão de forma integrativa (CC). Ou seja, em atividades localizadas nas práticas, em um processo de construção social, aprendem-se novos modos de trabalho sustentados por um entrelaçamento de práticas. Entre as diversas práticas observadas nessa operação, três serão destacadas: 1. práticas de planejamento, 2. práticas de segurança e 3. práticas discursivas. A escolha se dá pela intensidade com que foram vivenciadas durante o período em campo, seja pela observação e/ou pelas inúmeras narrativas (CC).

As práticas de planejamento têm permitido a esse grupo praticar novas formas de trabalho por meio de uma habilidade coletiva que organiza e define limites de atuação, estabelece as formas do fazer e ressignifica a visão de curto, médio e longo prazos, a visão do todo, a responsabilidade e a sustentabilidade. Seja nas práticas de planejamento anual e do microplanejamento ou no planejamento diário de cada operador, o que observamos é que, no contexto da Colheita SUL01, há uma participação coletiva em torno de uma prática situada do planejar conjugando os procedimentos organizacionais com o modo de fazer desse grupo (CC).

Acompanhamos reuniões com o objetivo de elaborar o planejamento anual de corte, assim como a realização de duas rodadas de microplanejamento. No planejamento anual, o objetivo é traçar o fluxo da colheita a partir das diretrizes da organização, e o do microplanejamento é monitorar os possíveis impactos socioambientais que ocorrerão antes e depois de cada operação. Na observação dessas duas práticas, assim como nas diferentes interações, o que identificamos foi um processo intenso de negociação, de ampla participação e de produção de ordem que gerava uma compreensão comum sobre o que, como e por que fazer (CC).

Para o EOP1, diferentemente do passado, hoje eles operam com a “preocupação em não passar por cima de toco pra não prejudicar os brotos que vão nascer”. Essa preocupação é necessária porque para ET1, “se a gente não fizer direito, a gente não passa de novo”. O “passar de novo” na linguagem desse grupo representa o retorno da operação na mesma comunidade, em intervalos de cinco a sete anos quando se inicia o novo ciclo de colheita.

A ampla participação observada é relatada como avanço pelo EG2 quando afirma que “Antes, o direito de pensar era de poucos. Hoje, tem muito mais gente pensando e avaliando”. Ainda para o ET1, por meio do planejar, “temos aprendido a olhar pra frente e não aumentar o ritmo”. Narrativas como essas foram predominantes, indicando que as práticas de planejamento alteraram o trabalho na operação da Colheita SUL01. Para o ET1, “os operadores de hoje pensam e planejam. Diferente do passado que não pensavam, não planejavam e se matavam”.

Nesse relato, assim como em outros, os profissionais narram sobre a importância do planejamento para as suas atividades e para o aprendizado de uma nova forma de agir (CC). Essa “nova forma de agir” significa produzir considerando os pilares de produtividade, segurança e qualidade. Segundo os operadores, quando no passado não eram considerados, havia acidentes, adoecimentos e ocorrências ambientais e sociais com impactos na comunidade.

Durante a observação de um microplanejamento em uma das áreas operacionais, as conversas giravam em torno da qualidade do plantio e das estradas, dos riscos da operação, do posicionamento para instalação do módulo operacional, do local para empilhamento de madeira, da rota das máquinas, dos prazos para cumprimento de tarefas por parte da empresa terceirizada, entre outros fatores. Durante o trajeto entre fazendas, ouvimos relatos sobre a rejeição inicial a esse processo por parte dos supervisores da colheita, por não decidirem mais sozinhos. Adicionalmente, apontavam os ganhos para as comunidades evitando-se agora muitos problemas e pelo fato de a prática servir como um banco de dados ao armazenar informações sobre a área (CC).

Além de práticas que materializam o olhar de longo prazo e a visão sistêmica, que são exercidas por meio do planejamento, identificamos que, no dia a dia do trabalho, esse grupo vem produzindo uma visão situacional de respeito, segurança pessoal e do outro, e respeito à vida. Por meio das práticas de trabalho seguro, esses profissionais têm produzido e reproduzido esse conhecimento, sustentados por um valor de cuidado e responsabilidade entre eles. Na visão do EG2, a segurança “mudou as relações na operação a partir de um forte senso de responsabilidade que foi sendo desenvolvido”.

A despeito do trabalho isolado em suas máquinas, os operadores utilizam o sistema de radiocomunicação para praticar atos seguros, como alertar os demais sobre riscos na operação e presença de animais, e pedir ajuda em operações arriscadas. Durante nossas observações, presenciamos um grupo compartilhando experiências e produzindo significados sobre perigo, segurança e cuidado, e os respectivos comportamentos que deveriam ser adotados naquele momento. Presenciamos ainda a utilização de relatórios, diálogos sobre segurança nos encontros presenciais em início e fim de turno, registros em cadernos de turno com as ocorrências de segurança, análise preliminar de qualquer trabalho, entre outras práticas.

Nas narrativas, a segurança foi apontada como uma das formas de compreensão da sustentabilidade por ambos os conceitos estarem relacionados à sobrevivência. A visão de que a segurança é algo que é aprendido na prática é compartilhada por diversos membros dessa comunidade ocupacional. Em uma das interações durante a observação, o EOp3, novato na operação, ressaltou o quanto os experientes na operação o ajudaram a compreender o valor da segurança, da saúde e do cuidado com o meio ambiente a partir da sua inserção nas práticas do grupo.

Observamos ainda que as práticas de segurança têm conferido a essa comunidade uma identidade a partir do desenvolvimento do significado coletivo do que é ser/estar seguro e da compreensão do que é operar de forma sustentável. Durante a pesquisa, esse grupo já estava há 43 meses sem qualquer acidente de trabalho, tornando-o referência para toda a empresa que, mesmo tendo os mesmos procedimentos para todas as unidades, não possui outra operação florestal e/ou industrial que mantenha esse indicador.

Tanto as práticas de planejamento quanto as de segurança são mediadas pela linguagem, e distintas práticas discursivas foram identificadas, como as diferentes reuniões de planejamento e de avaliação de resultado, as práticas de segurança, como o fique alerta e frequência segura, o book operacional que é produzido pela equipe que conduz o microplanejamento e depois é disponibilizado para consulta como forma de registro de tudo o que foi negociado entre os envolvidos, diálogos sobre meio ambiente e segurança, reuniões no início de turnos, entre outras. Tanto nos relatos quanto nas observações e nos documentos, é possível identificar outras práticas nas quais a linguagem organiza a prática e confere participação.

Nas reuniões, observamos uma intensa participação, e esse comportamento, segundo os operadores, faz parte de uma mudança no fluxo de comunicação e da ampliação do nível de educação formal. Essa mudança de comportamento é citada por vários deles como uma transição do papel do operador de “carregador de pau para dono do processo” (ET1). Essa expressão, ouvida diversas vezes durante a pesquisa, foi usada para mostrar o maior nível de participação dos profissionais no processo.

Por fim, a partir de tudo o que coletamos, argumentamos que, no contexto da Colheita SUL01, a partir das práticas de planejamento, de segurança e discursivas, tem sido possível a esse grupo praticar e aprender os pressupostos contidos no ideal de sustentabilidade por meio das interações entre os praticantes organizacionais e de forma situada, o que passamos a discutir a partir de agora.

4.3

A discussão sobre o aprender sustentabilidade e o saber em prática

A aprendizagem vem sendo apontada como um dos temas centrais para a operacionalização da sustentabilidade por permitir desenvolvimento de comportamento sustentável (Moyer & Sinclair, 2020Moyer, J. M., & Sinclair, A. J. (2020). Learning for sustainability: Considering pathways to transformation. Adult Education Quarterly, 70(4), 340–359. doi:10.1177/0741713620912219
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). Entretanto, ainda se identifica nos estudos o predomínio da uma perspectiva instrumental e cognitiva da aprendizagem associada a um processo de mudança individual (Moyer & Sinclair, 2020Moyer, J. M., & Sinclair, A. J. (2020). Learning for sustainability: Considering pathways to transformation. Adult Education Quarterly, 70(4), 340–359. doi:10.1177/0741713620912219
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; Wals & Benavot, 2017Wals, A. E. J., & Benavot, A. (2017). Can we meet the sustainability challenges? The role of education and lifelong learning. European Journal of Education, 52(4), 404–413. doi:10.1111/ejed.12250
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).

Ao optarmos pela abordagem da aprendizagem situada, buscamos contribuir para o entendimento de que a sustentabilidade é um conceito de diferentes dimensões que não é assimilado por todos da mesma forma, mas, sim, compreendido e apropriado à medida que se insere no cotidiano das organizações como um conjunto de práticas que são criadas, reproduzidas e apropriadas pelos seus atores (Silva & Figueiredo, 2017Silva, M. E., & Figueiredo, M. D. (2017). Sustainability as practice: Reflections on the creation of an institutional logic. Sustainability, 9(10), 1–13. doi:10.3390/su9101839
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, 2020). A despeito da transformação de elementos organizacionais (Engert & Baumgartner, 2016Engert, S., & Baumgartner, R. J. (2016). Corporate sustainability strategy: Bridging the gap between formulation and implementation. Journal of Cleaner Production, 113, 822–834. doi:10.1016/j.jclepro.2015.11.094
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), é preciso que os indivíduos apresentem valores, saberes e práticas diferentes do modelo de gestão tradicional, como discutido por Gladwin et al. (1995)Gladwin, T. N., Kennelly, J. J., & Krause, T. (1995). Shifting paradigms for sustainable development: Implications for management theory and research. Academy of Management Review, 20(4), 874–907. doi:10.5465/amr.1995.9512280024
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e Le Roux e Pretorius (2016)Le Roux, C., & Pretorius, M. (2016). Navigating sustainability embeddedness in management decision-making. Sustainability, 8(5), 1–23. doi:10.3390/su8050444
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.

Identificamos que, não obstante os mecanismos institucionais da empresa Flora estarem estruturados para disponibilizar um corpo de conhecimento sobre sustentabilidade, no contexto da Colheita SUL01, o conhecimento sobre sustentabilidade não é um ativo localizado nas mentes dos indivíduos, mas, sim, uma atividade localizada na participação (Gherardi & Nicolini, 2001Gherardi, S., & Nicolini, D. (2001). The sociological foundations of organizational learning. In M. Dierkes, A. Berthoin Antal, I. Nonaka, & J. Child (Orgs.), Handbook of organizational learning and knowledge (pp. 35–60). Oxford: Oxford University Press.; Gherardi, 2001Gherardi, S. (2001). From organizational learning to practice-based knowing. Human Relations, 54(1), 131–139. doi:10.1177/0018726701541016
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, 2011). Ou seja, por meio de práticas que produzem ordem e significado no dia a dia, esse grupo tem experimentado em seu fazer diário elementos centrais da sustentabilidade, como inclusão, conectividade, prudência e segurança (Gladwin et al., 1995Gladwin, T. N., Kennelly, J. J., & Krause, T. (1995). Shifting paradigms for sustainable development: Implications for management theory and research. Academy of Management Review, 20(4), 874–907. doi:10.5465/amr.1995.9512280024
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), além da visão de longo prazo e cuidado consigo e com os outros. Entretanto, diferentemente de uma perspectiva instrumental e cognitiva associada a um processo de mudança individual ainda tão presente nos modelos de aprendizagem para a sustentabilidade (Moyer & Sinclair, 2020Moyer, J. M., & Sinclair, A. J. (2020). Learning for sustainability: Considering pathways to transformation. Adult Education Quarterly, 70(4), 340–359. doi:10.1177/0741713620912219
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; Wals & Benavot, 2017Wals, A. E. J., & Benavot, A. (2017). Can we meet the sustainability challenges? The role of education and lifelong learning. European Journal of Education, 52(4), 404–413. doi:10.1111/ejed.12250
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), nesse contexto, o conhecimento sobre sustentabilidade é ativado nas práticas, em que o conhecer e o fazer se entrelaçam (Bispo, 2013Bispo, M. S. (2013). Aprendizagem organizacional baseada no conceito de prática: Contribuições de Silvia Gherardi. Revista de Administração Mackenzie, 14(6), 132–161. doi:1590/S1678-69712013000600007
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; Gherardi, 2001Gherardi, S. (2001). From organizational learning to practice-based knowing. Human Relations, 54(1), 131–139. doi:10.1177/0018726701541016
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, 2009; Nicolini, 2011Nicolini, D. (2011). Practice as the site of knowing: Insights from the field of telemedicine. Organization Science, 22(3), 602–620. doi:10.1287/orsc.1100.0556
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).

Ao nos aproximarmos das práticas de trabalho dessa comunidade ocupacional, identificamos que, ao trabalharem juntos na criação e na sustentação de práticas negociadas no dia a dia, esses profissionais têm se concentrado no que importa para eles, a partir da compreensão do que é ser sustentável. Em um processo de construção social em um entrelaçamento de práticas, e de forma específica nas práticas de planejamento, de segurança e discursivas, esse grupo tem experimentado, em seu fazer diário, elementos centrais da sustentabilidade que são incorporados nas suas rotinas de trabalho e nas tomadas de decisão.

Por meio dessas práticas, em uma relação de contenção, constituição mútua e de equivalência, o conhecimento se torna observável e é produzido e reproduzido (Gherardi, 2009Gherardi, S. (2009). Knowing and learning in practice-based studies: An introduction. The Learning Organization, 16(5), 352–359. doi:10.1108/09696470910974144
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, 2014), ativando o saber em prática da visão sistêmica, do cuidado, da responsabilidade, da visão integrativa e do olhar para o futuro. Nesse contexto, a sustentabilidade se viabiliza com a busca do equilíbrio das dimensões, por meio da ativação de vários conhecimentos produzidos por essa comunidade, sem que seja necessário o domínio total individual, criando uma interdependência nas ações que se refletem na tomada de decisão. Cabe destacar que a interpretação sobre o que são os resultados tríplices de negócios é uma das lacunas de operacionalização discutidas por Waas et al. (2014)Waas, T. , Hugé, J., Block, T. , Wright, T. , Benitez-Capistros, F. , & Verbruggen, A. (2014). Sustainability assessment and indicators: Tools in a decision-making strategy for sustainable development. Sustainability, 6(9), 5512–5534. doi:10.3390/su6095512
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, e a forma como os profissionais dessa operação conferem significado a essas dimensões pode indicar que, nesse contexto, já há uma compreensão a partir das práticas estabelecidas pelo grupo.

Um outro aspecto a ser destacado está relacionado às práticas de segurança observadas. Na prática do trabalho seguro, essa comunidade desenvolve um significado coletivo do que é ser/estar seguro e sobre o que é ser sustentável. Esse entendimento coletivo possibilita tomadas de decisão baseadas em uma negociação, o que acarreta, por vezes, mudanças nas práticas que visam à preservação da vida, do ambiente e da produção. Ou seja, nesse contexto há indicativos de que a segurança é uma competência emergente que se realiza na prática, que é socialmente construída e transmitida a novos membros dessa comunidade e que está embutida em valores, normas e instituições sociais (Gherardi, 2018Gherardi, S. (2018). A practice-based approach to safety as an emergent competence. In C. Bieder, C. Gilbert, B. Journé, & H. Laroche (Eds.), Beyond safety training: Embedding safety in professional skills (pp.11–21). Paris: Springer Open.), além de evidenciar o que é discutido por Gherardi e Nicolini (2002)Gherardi, S., & Nicolini, D. (2002). Learning in a constellation of interconnected practices: Canon or dissonance? Journal of Management Studies, 39(4), 419–436. doi:10.1111/1467-6486.t01-1-00298
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sobre não se aprender segurança, mas, sim, práticas de trabalho seguras.

As narrativas dos operadores novatos na operação sobre o que precisaram aprender para serem considerados operadores experientes indicam a existência de um currículo situado, que é de natureza tácita e que expressa as práticas de trabalho em curso e as interações sociais (Gherardi et al., 1998Gherardi, S., Nicolini, D., & Odella, F. (1998). Toward a social understanding of how people learn in organizations the notion of situated curriculum. Management Learning, 29(3), 273–297. doi:10.1177%2F1350507698293002
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). A análise permite inferir que, dada a natureza da atividade, esse currículo situado e o currículo de aprendizagem proposto pela empresa, baseado nos procedimentos relacionados à operação da máquina, nas rotinas administrativas e nos manuais de segurança, são complementares, e isso assegura que um operador novato possa ser considerado experiente na operação.

Logo, podemos argumentar que nossas observações vão ao encontro do que é discutido por Gherardi (2006Gherardi, S. (2006). Organizational knowledge: The texture of workplace learning. Oxford: Blackwell., 2014) sobre a natureza situada da aprendizagem e das características do conhecimento relacional e da aprendizagem baseada em formas de envolvimento e apropriação participativa, criando associações entre elementos mentais e materiais, e produzindo um corpo de conhecimento compartilhado pelas comunidades envolvidas. A linguagem é o instrumento essencial dessa mediação, e, por meio das práticas discursivas, esse grupo tem estabelecido alianças, construído conceitos comuns, produzindo e reproduzindo práticas que alteram a forma de fazer e de conhecer.

Todas essas práticas parecem indicar uma narrativa recorrente de que, nesse contexto de trabalho, houve uma mudança no fluxo de comunicação, no volume e na qualidade da informação com a ampliação da participação das pessoas, e tudo isso permite que o grupo se organize em torno do “saber como vamos” (Gherardi, 2018Gherardi, S. (2018). A practice-based approach to safety as an emergent competence. In C. Bieder, C. Gilbert, B. Journé, & H. Laroche (Eds.), Beyond safety training: Embedding safety in professional skills (pp.11–21). Paris: Springer Open.). A ampliação da participação desses operadores sugere um rompimento de uma lógica mecanicista que predominou nessa organização, em que o operador não era um ser pensante, mas um braço de trabalho no qual se privilegiavam a força física e a capacidade de repetição.

Entretanto, como também é discutido por Wals (2011)Wals, A. E. J. (2011). Learning our way to sustainability. Journal of Education for Sustainable Development, 5(2), 177–186. doi:10.1177%2F097340821100500208
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, é por meio do diálogo que objetivos de copropriedade e significados compartilhados podem favorecer a construção de um futuro desejado por todas as partes envolvidas, e, diferentemente do passado, em que a sustentabilidade era responsabilidade daqueles com mais autoridade e influência, a partir do saber em prática e do saber na prática, aumenta-se a possibilidade de apropriação do conceito e de mudanças no agir. Portanto, diante da necessidade do estabelecimento de modelos de negócio que levem em conta os pilares econômico, ambiental e social de forma integrada, contenham uma visão de longo prazo e de responsabilidade para com as gerações futuras e, sobretudo, assumam que a aprendizagem é imprescindível para essa mudança, consideramos necessário o deslocamento do entendimento da aprendizagem para a sustentabilidade como um mero processo cognitivo, com o objetivo de obter um processo de participação e interação.

O processo de aprender, portanto, está associado a uma prática desenvolvida por um grupo que, no dia a dia, negocia, compartilha significados e estabelece novos fazeres e novos saberes, evidenciando a indissolubilidade entre prática e aprendizagem (Vogt et al., 2020Vogt, S., Bulgacov, Y. L. M., & Machado, R. C. (2020). “Quem sabe faz (ou já fez) ao vivo!”: Um ensaio teórico sobre a indissolubilidade entre a prática e a aprendizagem. Revista Ciências Administrativas, 25(4), 1–14. doi:10.5020/2318-0722.2020.8199
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). Argumentamos ainda que essas práticas estão ancoradas em conhecimentos normativos e de um sistema cultural, não havendo um dualismo entre o que se aprende por meio das rotinas da empresa e o que se produz nas comunidades, mas, sim, uma associação dessas duas práticas, em um movimento em que todos os elementos contribuem para esse processo.

5

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para compreender como a aprendizagem para a sustentabilidade acontece em uma operação florestal, conduzimos uma pesquisa qualitativa na operação de Colheita SUL01, pertencente a uma empresa brasileira que tem a sustentabilidade no núcleo de sua estratégia de negócios. Neste estudo, a aprendizagem é compreendida como uma prática situada (Bispo, 2013Bispo, M. S. (2013). Aprendizagem organizacional baseada no conceito de prática: Contribuições de Silvia Gherardi. Revista de Administração Mackenzie, 14(6), 132–161. doi:1590/S1678-69712013000600007
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; Gherardi et al., 1998Gherardi, S., Nicolini, D., & Odella, F. (1998). Toward a social understanding of how people learn in organizations the notion of situated curriculum. Management Learning, 29(3), 273–297. doi:10.1177%2F1350507698293002
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; Nicolini et al., 2003Nicolini, D., Gherardi, S., & Yanow, D. (2003). Introduction: Towards a practice-based view of knowing and learning in organisations. In D. Nicolini, S. Gherardi, & D. Yanow (Eds.), Knowing in organisations: A practice-based approach (pp. 3–31). London: M. E. Sharpe.) e a sustentabilidade, como um conceito multidimensional associado à visão de longo prazo e de responsabilidade para com as gerações futuras (Ciegis et al., 2009Ciegis, R., Ramanauskiene, J., & Martinkus, B. (2009). The concept of sustainable development and its use for sustainability scenarios. Inzinerine Ekonomika-Engineering Economics, (2), 28–37. Recuperado de https://www.inzeko.ktu.lt/index.php/EE/article/view/11609
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) e que se reflete nas práticas dos atores organizacionais (Silva & Figueiredo, 2017Silva, M. E., & Figueiredo, M. D. (2017). Sustainability as practice: Reflections on the creation of an institutional logic. Sustainability, 9(10), 1–13. doi:10.3390/su9101839
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, 2020). Guiados pelo objetivo e pela lente teórica, construímos os dados a partir de observação direta, entrevistas semiestruturadas e pesquisa documental. Os dados foram analisados com base na análise temática de narrativas (Riessman, 2008Riessman, C. K. (2008). Narrative methods for the human sciences. London: Sage.).

Identificamos que mecanismos institucionais da empresa Flora, como treinamentos e procedimentos normativos, orientam quanto aos parâmetros sociais, ambientais e econômicos esperados para uma operação florestal sustentável. Entretanto, por meio de um entrelaçamento das práticas dessa comunidade ocupacional e, de forma específica, das práticas de planejamento, de segurança e discursivas, esses praticantes têm ativado conhecimento sobre os elementos centrais da sustentabilidade, incorporando-os em suas rotinas de trabalho e tomadas de decisão. No dia a dia dessa operação, o saber em prática da visão sistêmica, do cuidado, da responsabilidade, da visão integrativa e do olhar para o futuro vem sendo exercido, e, em uma construção coletiva, que confere significado e identidade, esse grupo tem produzido e reproduzido práticas que permitem o aprender sustentabilidade.

Reconhecemos as limitações do estudo, como restringir a compreensão ao contexto da Colheita SUL01 e não considerar o fazer junto de forma contínua, o que reduz o entendimento do processo de fazer e aprender sustentabilidade. Entretanto, a despeito das limitações apontadas, e já encorajando novas pesquisas que ampliem esse debate, compreendemos que, ainda assim, a pesquisa traz contribuições.

Ao argumentarmos que o aprender no contexto da sustentabilidade implica o saber situado, buscamos contribuir para uma visão mais integrativa do aprender e para a ampliação de pesquisas que buscam identificar novas lentes e novas práticas nos contextos organizacionais, considerando que não existe um modelo único de aprendizagem para a sustentabilidade (Wals & Benavot, 2017Wals, A. E. J., & Benavot, A. (2017). Can we meet the sustainability challenges? The role of education and lifelong learning. European Journal of Education, 52(4), 404–413. doi:10.1111/ejed.12250
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). Na perspectiva teórica, o estudo contribui para o amadurecimento do tema aprendizagem para a sustentabilidade e para os debates sobre a compreensão da sustentabilidade como um conjunto de práticas e um conceito situado. Por sua vez, nas implicações práticas, esperamos que o fluxo do conhecer e do aprender identificados possa servir como referência para que gestores e educadores corporativos estruturem projetos de educação corporativa mais integradores, nos quais as iniciativas organizacionais estejam integradas às práticas das comunidades ocupacionais.

Esperamos que essas contribuições auxiliem na busca de alternativas para a aprendizagem para a sustentabilidade, considerando a importância do tema diante dos desequilíbrios existentes e da complexidade dos desafios atuais.

  • 1
    O segundo autor recebe apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio do Processo nº 311291/2020-1, e da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes), por meio do Termo de Outorga nº 229/2019.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    22 Abr 2020
  • Aceito
    27 Nov 2020
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