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As práticas sociais da imigração: o cotidiano da imigração de brasileiros na Dinamarca

Las prácticas sociales de la inmigración: la cotidianidad de la inmigración de brasileños en Dinamarca

Resumo

Esta pesquisa teve como objetivo geral compreender como as práticas sociais da imigração de brasileiros na Dinamarca se organizam na composição do seu cotidiano em resposta às leis de imigração daquele país. Nesse aspecto, usamos uma abordagem baseada na prática, por meio da qual recorremos ao conceito de prática de Michel de Certeau, que considera que pessoas comuns podem reinventar o cotidiano com a ajuda de táticas e astúcias incorporadas nas suas formas de fazer, que são as práticas cotidianas. Associamos a questão de dispositivos de poder, conceito trabalhado por Michel Foucault, com o conceito de conveniência, trabalhado por Pierre Mayol. No que pese à pesquisa empírica, para a execução deste estudo, fizemos uma investigação etnográfica por um período de aproximadamente 12 meses na Dinamarca, por meio de observação participante de atividades cotidianas de imigrantes brasileiros já estabelecidos no país e entrevistas com roteiro semiestruturado com 15 integrantes da pesquisa. Como contribuições principais desta pesquisa, destacamos, primeiramente, que a prática social da imigração ocorre em diferentes momentos do cotidiano da vida de um imigrante, desde sua chegada ao país anfitrião até seu envelhecimento na sociedade local. No que diz respeito às contribuições práticas desse estudo, também é um avanço considerarmos que o ato da imigração é um fenômeno composto por táticas, estratégias e resistências que se organizam com base na relação entre praticantes e dispositivos de forma conveniente. Empiricamente, o estudo avança no reconhecimento e na compreensão da organização da comunidade de imigrantes brasileiros na Dinamarca.

Palavras-chave:
Prática de imigração; Organizar; Dispositivos; Conveniência; Cotidiano

Resumen

Esta investigación tuvo el objetivo general de comprender cómo las prácticas sociales de la inmigración brasileña a Dinamarca se organizan en la composición de su vida cotidiana en respuesta a las leyes de inmigración de ese país. En este sentido, empleamos un enfoque basado en la práctica, en el que recurrimos al concepto de práctica de Michel de Certeau, que considera que la gente común puede reinventar su vida cotidiana a través de tácticas y trucos incrustados en sus formas de hacer las cosas. En este contexto, asociamos la cuestión del aparato de poder, concepto trabajado por Michel Foucault, con el concepto de concepto de conveniencia trabajado por Pierre Mayol. En cuanto a la investigación empírica, para la ejecución de este estudio se realizó una investigación etnográfica por un período de aproximadamente doce meses en Dinamarca, a través de la observación participante de las actividades cotidianas de los inmigrantes brasileños ya establecidos en el país, y entrevistas con guión semiestructurado a 15 participantes. Como principales aportes de esta investigación, destacamos en primer lugar el aporte teórico de que la práctica social de la inmigración se da en diferentes momentos de la vida cotidiana de un inmigrante, desde su llegada al país de acogida, hasta su envejecimiento en la sociedad local. En cuanto a los aportes prácticos de este estudio, también es un avance considerar que las prácticas de inmigración son un fenómeno compuesto por tácticas, estrategias y resistencias que se organizan a partir de la relación entre practicantes y aparatos de forma convenientemente. Empíricamente, el estudio avanza en el reconocimiento y comprensión de la organización de la comunidad de inmigrantes brasileños en Dinamarca.

Palabras clave:
Práctica de la inmigración; Organizar; Dispositivos; Conveniencia; Cotidianidad

Abstract

This research aimed to understand how the social practices of Brazilian immigrants in Denmark are organized in the composition of their everyday lives in response to the immigration laws of that country. We employ a practice-based approach using Michel de Certeau’s concept of practice, which considers that people can reinvent their everyday life through tactics and strategies embedded in their ways of doing things. In this context, we associate the matter of power apparatus, a concept worked by Michel Foucault, with the concept of propriety, worked by Pierre Mayol. The empirical research used ethnographic research for a period of approximately twelve months in Denmark through participant observation of the daily activities of Brazilian immigrants already established in the country and semi-structured interviews with 15 participants. As the main contributions of this research, we first highlight the theoretical contribution that the social practice of immigration occurs at different moments in the daily life of an immigrant, from their arrival in the host country to aging in the local society. Regarding the practical contributions of this study, it is important to consider that immigration practices are a phenomenon composed of tactics, strategies, and resistances organized based on the relationship between practitioners and apparatus, which can also be conveniently operated by propriety. Empirically, the study advances in the recognition and understanding of the organization of the community of Brazilian immigrants in Denmark.

Keywords:
Immigration practice; Organize; Apparatus; Propriety; Everyday Life

INTRODUÇÃO

O conceito de imigração é ligado à perspectiva de um local de chegada, em que o imigrante internacional é a pessoa que se muda para um país que não é o da nacionalidade própria, de forma que o país de destino passa a ser o seu novo país de residência habitual (International Organization for Migration [IOM], 2019International Organization for Migration. (2019). International Migration Law: Glossary on Migration(nº 34). Geneva, Switzerland: Autor.). Não obstante, ser imigrante, além de uma classificação demográfica, é uma prática social, na qual o fenômeno é constituído coletivamente, por meio de práticas do dia a dia, como ao se comunicar em um idioma que não é o nativo ou ao fazer compras em um mercado no país anfitrião. Diversos processos atravessam o cotidiano de imigrantes, e ser imigrante é, consequentemente, vivenciar esses processos.

A imigração já é uma questão presente na vida do brasileiro por meio da história, a exemplo de migrações internas de povos originários antes do período colonial, assim como do deslocamento forçado de sujeitos que foram escravizados. Todavia, fluxos migracionais mais recentes no Brasil passaram também a configurar o país como um local de emigração. Irigaray e Freitas (2014Irigaray, H. A., & Freitas, M. E. D. (2014). Diáspora brasileira e os trabalhadores retornados do exterior: quando a fantasia encontra a realidade. Gestão & Planejamento, 15(3), 628-641. Recuperado de https://revistas.unifacs.br/index.php/rgb/article/view/3029/2529
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) afirmam que, nos anos 1980, houve um forte fluxo migracional de brasileiros para a Europa Ocidental, sendo esse movimento caracterizado por pessoas que não foram expulsas formalmente do Brasil, ao contrário do que ocorreu durante o período da ditadura militar iniciada com o Golpe de 1964, mas que buscaram, por meio do deslocamento, condições melhores em outros países.

Outrossim, Irigaray e Freitas (2014Irigaray, H. A., & Freitas, M. E. D. (2014). Diáspora brasileira e os trabalhadores retornados do exterior: quando a fantasia encontra a realidade. Gestão & Planejamento, 15(3), 628-641. Recuperado de https://revistas.unifacs.br/index.php/rgb/article/view/3029/2529
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) propõem que esses processos migratórios não compulsórios da história recente do país sejam considerados como parte da “diáspora brasileira”. Ainda hoje, há um grande movimento de imigrantes brasileiros insatisfeitos com suas realidades no Brasil que optam pela prática da imigração. De acordo com Nakagawa (2022Nakagawa, F. (2022, setembro 03). Número de brasileiros no exterior cresce e chega a 4,2 milhões. CNN Brasil. Recuperado de https://www.cnnbrasil.com.br/business/numero-de-brasileiros-no-exterior-cresce-e-chega-a-42-milhoes/
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), o número de brasileiros no exterior, em 2020, teve aumento de 18% comparativamente com os dados de 2018, chegando a um total de 4,2 milhões de imigrantes. Ainda, segundo pesquisa do Datafolha de 2020, 70 milhões de brasileiros com mais de 16 anos afirmaram que se mudariam para o exterior em busca de melhor condições de vida (Veiga, 2021Veiga, E. (2021, dezembro 13). Brasil vive o maior êxodo de sua história. Deutsche Welle. Recuperado de https://www.dw.com/pt-br/brasil-vive-o-maior-êxodo-de-sua-história/a-59698193
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).

Dessa forma, justificamos a execução deste estudo pela necessidade de entender como se dá o fenômeno da imigração de brasileiros para a Dinamarca, levando em consideração que o país não possui uma comunidade de brasileiros formalmente estabelecida e reconhecida, sendo pertinente compreender como se organizam os imigrantes que ali se estabelecem. Nesse aspecto, Azevedo (2022Azevedo, L. (2022). Este país é para velhos? Migrações e envelhecimento em Portugal. Fórum sociológico, 40, 73-84. Recuperado de https://doi.org/10.4000/sociologico.10567
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) afirma que a condução de estudos específicos sobre fluxos imigracionais é urgente em determinados contextos, para que políticas públicas possam ser desenvolvidas em resposta às contingências impostas pelo fenômeno, como no caso de Portugal, que também possui um processo de diáspora de seus nacionais e enfrentam desafios socioeconômicos decorrentes de dinâmicas de deslocamento atuais.

Entender as práticas sociais de fluxos mais recentes da diáspora brasileira também ajudará a direcionar medidas públicas para lidar com a emigração em massa do Brasil, a fim de evitar precarização da mão de obra de seus nacionais emigrados e fenômenos decorrentes como “fuga de cérebros” e desequilíbrio da segurança social do país. Nesse sentido, Meunier (2019Meunier, I. (2019). O estado em interação: o Conselho Nacional de Imigração e a coordenação na política migratória brasileira. Revista Brasileira de Políticas Públicas e Internacionais, 4(3), 219-240. Recuperado de https://doi.org/10.22478/ufpb.2525-5584.2019v4n3.47493
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) elaborou um estudo sobre o Concelho Nacional de Imigração (CNIg) do Brasil, que é o órgão deliberativo constituído por representantes do Governo e diferentes setores da sociedade civil para atuar na formulação da política nacional de imigração, que demonstra que a demanda de nacionais brasileiros emigrados para o exterior desencadeou na inclusão da questão da emigração no escopo de atuação órgão.

Este artigo é o resultado da pesquisa etnográfica que um dos autores conduziu entre janeiro de 2020 e janeiro de 2021 em Copenhagen, Dinamarca. Durante esse ano, houve a oportunidade de conhecer outros imigrantes brasileiros residentes no país e acompanhar algumas de suas atividades cotidianas, sempre de acordo com a orientação vigente na época para o combate da COVID-19, que foi classificada, em 11 de março de 2020, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como pandemia, dois meses depois do início dessa pesquisa.

Previamente ao início da pandemia, em 2020, a imigração já era um fenômeno de relevância global, dado que, de acordo com a ONU (The United Nations, 2019The United Nations. (2019, setembro). International Migrant Stock 2019. Recuperado de https://www.un.org/en/development/desa/population/migration/publications/migrationreport/docs/MigrationStock2019_TenKeyFindings.pdf
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), existem cerca de 153 milhões de pessoas no mundo com status de imigrante. A Europa se destaca como uma região de fluxos migracionais, pois possui livre circulação entre cidadãos dos Estados-Membros da União Europeia (UE) e representa o destino de 55% dos refugiados do mundo, segundo o relatório Mid-Year Trends da United Nations High Commissioner for Refugees (UNHCR, 2020United Nations High Commissioner for Refugees. (2020). Mid-Year Trends 2021. Recuperado de https://www.unhcr.org/statistics/unhcrstats/618ae4694/mid-year-trends-2021.html#_ga=2.64533423.1877270915.1646333161-1098223838.1646333161
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), em português, Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Em resposta aos seus fluxos imigracionais, a Dinamarca possui algumas práticas já instituídas pelo Estado para o trato de residentes estrangeiros, a exemplo dos Centros de Língua (sprogcenter), que ministram aula de dinamarquês para imigrantes. Além das iniciativas oferecidas pelo governo para integrar imigrantes que se encontram legalmente no território, o país isola as pessoas que tiveram pedido de asilo negado em instituições prisionais chamadas Centros de Saída1 1 Segundo matéria do El País (Cebrián, 2018), em 05 de dezembro de 2018, a Dinamarca possuía dois centros de isolamento de imigrantes ilegais, Kærshovedgård e Sjælsmark, e o governo estava considerando construir mais um centro na ilha de Lindholm. Ambos os centros Kærshovedgård e Sjælsmark continuam ativos no momento do fechamento desta pesquisa. , sendo essas instituições mantidas pelo Serviço Prisional e de Liberdade Condicional da Dinamarca.

Nesse âmbito, levantamos algumas questões: quem são os imigrantes para os quais a Dinamarca prioriza integração no país? Como o Estado trata quem não é parte do grupo prioritário? A sociedade local é conivente com essas práticas? Como imigrantes brasileiros se organizam cotidianamente ante essa realidade? Diante disso, definimos como objetivo geral desta pesquisa compreender como as práticas sociais da imigração de brasileiros na Dinamarca se organizam na composição de seu cotidiano em resposta às leis de imigração daquele país.

Ao traçar esse objetivo, assumimos que um imigrante experimenta a integração em coletividades por diversas formas ao se estabelecer em um país anfitrião, até nas práticas mais corriqueiras, como se deslocar e cozinhar. Por meio dessa concepção, passamos a considerar a formalidade das práticas, que Certeau (2018Certeau, M. (2018). A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes.) informa ser a lógica por trás das práticas, sendo essa lógica possível de se endereçar ao se pesquisarem culturas por meio da apreensão de fazeres populares e comuns do dia a dia. No próximo tópico, apresentaremos a abordagem teórica adotada neste artigo.

ABORDAGEM TEÓRICA

Para apreensão e análise dos fenômenos debatidos neste trabalho, conduzimos a discussão com base em uma abordagem baseada na prática. Nessa abordagem, a menor unidade de análise é a prática em si e, neste artigo, no que diz respeito à prática, nos respaldamos, principalmente, nas teorias de Michel de Certeau. Certeau (2018Certeau, M. (2018). A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes.) nos apresenta as práticas cotidianas como forma de fazer as coisas, ou “modo de operar” no dia a dia, que permitem os usuários se reapropriarem cotidianamente do espaço organizado por intermédio de técnicas de produção sociocultural.

O cotidiano é também um conceito que tem ganhado espaço como tema de estudo em administração (p. ex., Cabana & Ichikawa, 2017Cabana, R. D. P. L., & Ichikawa, E. Y. (2017). As identidades fragmentadas no cotidiano da feira do produtor de Maringá. Organizações & Sociedade, 24(81), 285-304. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1984-9230815
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; Gouvêa & Ichikawa, 2015Gouvêa, J. B., & Ichikawa, E. Y. (2015). Alienação e resistência: um estudo sobre o cotidiano cooperativo em uma feira de pequenos produtores do oeste do Paraná. Revista Gestão & Conexões, 4(1), 68-90. Recuperado de https://periodicos.ufes.br/ppgadm/article/view/8015
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; Rodrigues & Ichikawa, 2015Rodrigues, F., & Ichikawa, E. Y. (2015). O cotidiano de um catador de material reciclável: a cidade sob o olhar do homem ordinário. Revista de Gestão Social e Ambiental, 9(1), 97-112. Recuperado de https://rgsa.emnuvens.com.br/rgsa/article/view/999
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; Teixeira, Carrieri, & Peixoto, 2015Teixeira, J., Carrieri, A. P., & Peixoto, T. C. (2015). O cotidiano da cidade de Belo Horizonte na revista Veja BH: a classe média alta, a cidade poderosa e os dilemas do planejado versus o vivido. Revista Gestão & Conexões, 4(2), 7-40. Recuperado de https://periodicos.ufes.br/ppgadm/article/view/10535
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). Para Heller (2008Heller, A. (2008). O cotidiano e a história. São Paulo, SP: Paz e Terra.), a vida cotidiana é vivida por todos, independentemente do cargo na divisão do trabalho intelectual e físico, dado que ninguém pode se identificar com sua atividade humano-genérica de forma que possa se desligar totalmente da cotidianidade. Assim, a vida cotidiana é a vida do indivíduo inteiro, o que significa que a pessoa participa da vida cotidiana com todos os seus aspectos individuais e de personalidade, colocando em funcionamento todos os seus sentidos, habilidades, capacidades intelectuais, paixões, sentimentos, ideias e ideologias (Heller, 2008Heller, A. (2008). O cotidiano e a história. São Paulo, SP: Paz e Terra.).

Netto e M. C. B. Carvalho (2012Netto, J. P., & Carvalho, M. C. B. (2012). Cotidiano: conhecimento e crítica (10a ed.). São Paulo, SP: Cortez.) afirmam que a vida cotidiana é a vida de todos os dias e de todas as pessoas, que é notada e apresentada de forma diversa em suas variadas faces, englobando as inter-relações e atividades rotineiras de todos os dias. Na linguagem coloquial corriqueira, constantemente nos referimos ao cotidiano meramente como uma dimensão temporal, e discorrem que, em sua insuprimibilidade ontológica, o cotidiano não se mantém em uma relação seccionada com a história, pois ele não se descola do histórico. Outrossim, Netto e M. C. B. Carvalho (2012Netto, J. P., & Carvalho, M. C. B. (2012). Cotidiano: conhecimento e crítica (10a ed.). São Paulo, SP: Cortez.) apresenta que o cotidiano é um dos níveis constitutivos da história, em que a reprodução social se realiza na reprodução dos indivíduos como tais. Nesse sentido, Lefébvre (1968Lefebvre, H. (1968). A vida quotidiana no mundo moderno. São Paulo, SP: Ática) também afirma que a cotidianidade é o principal produto de uma sociedade dita organizada e que o cotidiano não é um espaço-tempo abandonado, deixado à liberdade e à razão, há o controle do desejo e do aperfeiçoamento do cotidiano, de modo que é possível pensar em um domínio sobre um espaço organizado a partir dele.

No entanto, em razão da abordagem empregada neste trabalho com base em Certeau (2018Certeau, M. (2018). A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes.), consideramos que o cotidiano não é um campo entregue à disciplina e à passividade. O cotidiano, para Certeau (2018Certeau, M. (2018). A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes.), é o que nos mantém de forma intencional dentro do nosso caminho, no sentido de ser nosso todo dia e nossa vida diária, havendo a existência do hábito. Segundo Franco e Oliveira (2016Franco, B. L., & Oliveira, J. (2016). As práticas de constituição dos espaços organizacionais e dos espaços das cidades: contribuições de Michel de Certeau aos estudos organizacionais. In Anais do 4º Congresso Brasileiro de Estudos Organizacionais, Porto Alegre, RS. Recuperado de https://anaiscbeo.emnuvens.com.br/cbeo/article/view/24
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), a teoria de prática de Certeau apresenta o cotidiano como algo que nos obriga a, constantemente, jogar no sistema e com o sistema para que, entre os interstícios das práticas, possamos nos reapropriar do cotidiano e nos colocar como sujeitos de nossas histórias. Nesse sentido, Franco e Oliveira (2016) defendem que o cotidiano também pode ser compreendido como processo por causa do constante movimento produzido pelos jogos políticos advindos das práticas cotidianas.

O conceito de cotidiano que nos foi apresentado por Michel de Certeau no primeiro volume de A invenção do cotidiano trabalha a atuação de sujeitos com base na oportunidade. Para Certeau (2018), a retomada ao conceito de cotidiano é importante para que possamos obter um panorama para além dos modos de operar e dos modos de ação. Nesse âmbito, Leite (2010Leite, R. P. (2010). A inversão do cotidiano: práticas sociais e rupturas na vida urbana contemporânea. Dados, 53(3), 737-756. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0011-52582010000300007
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) afirma que, para Certeau, o cotidiano é composto por procedimentos, sendo sua perspectiva heterodoxa caracterizada por não definir o cotidiano por suas regularidades sociais, mesmo que ele possa ser formado por recorrências, o que representa um rompimento da definição de cotidiano como rotinização, abrindo lugar para se conceber o cotidiano como movimento. À vista disso, Leite (2010Leite, R. P. (2010). A inversão do cotidiano: práticas sociais e rupturas na vida urbana contemporânea. Dados, 53(3), 737-756. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0011-52582010000300007
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) destaca que o cotidiano em Certeau representa uma ruptura total do binarismo conceitual entre estrutura e ação, dado que o foco não é investigar as determinações estruturais na nossa ação cotidiana, mas, sim, a análise da vida cotidiana que possui seus lances táticos e situacionais nas artes de fazer que são as práticas.

Sobre as formas de fazer o cotidiano, Certeau (2018Certeau, M. (2018). A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes.) distingue duas práticas principais: estratégia e tática. As práticas com base em estratégias ocorrem quando um sujeito de vontade e poder pode ser isolado de um ambiente, tornando possível o cálculo das relações de forças (Certeau, 2018Certeau, M. (2018). A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes.). Certeau (2018Certeau, M. (2018). A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes.) chama de tática a posição “contrária” à estratégia, em que o cálculo não pode contar com um “próprio” e o lugar da tática pertence ao outro, não havendo possibilidade de expandir, capitalizar suas vontades e garantir independência diante das circunstâncias. As práticas-táticas dependem do tempo, pois não possuem lugar, demandando uma atenção contínua às oportunidades, devendo manipular constantemente os eventos para os transformar em oportunidades (Certeau, 2018Certeau, M. (2018). A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes.).

É importante ressaltar que essa distinção entre estratégia e tática não é dicotômica ou excludente, ainda que tenha um caráter classificatório, pois as práticas podem ter diferentes dimensões que possibilitam articular táticas e estratégias simultaneamente. Nesse sentido, segundo Bernardo, Shimada, e Ichikawa (2015Bernardo, P., Shimada, N. E., & Ichikawa, E. Y. (2015). O formalismo e o “jeitinho” a partir da visão de estratégias e táticas de Michel de Certeau: apontamentos iniciais. Revista Gestão & Conexões, 4(1), 45-67. Recuperado de https://periodicos.ufes.br/ppgadm/article/view/8006
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), a relação entre estratégias e táticas está associada ao movimento de “microrresistência”, em que indivíduos podem resistir à ordem dominante, que é marcada pela estratégia, por meio de manobras táticas que contornam, burlam e fogem, ainda que por momentos, da norma imposta. Esse movimento relacional é o que possibilita a reinvenção do cotidiano (Bernardo et al., 2015Bernardo, P., Shimada, N. E., & Ichikawa, E. Y. (2015). O formalismo e o “jeitinho” a partir da visão de estratégias e táticas de Michel de Certeau: apontamentos iniciais. Revista Gestão & Conexões, 4(1), 45-67. Recuperado de https://periodicos.ufes.br/ppgadm/article/view/8006
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).

Para ilustrar a ocorrência de táticas e estratégias, recorremos a um exemplo do espaço de trabalho, em que um funcionário pode usar sua pausa remunerada para tratar de questões pessoais. Supondo que o que precisa ser resolvido demanda mais tempo do que o delimitado pela pausa e que os demais colegas não estão atentos ao trabalho do funcionário em pausa, seria possível que essa pausa fosse prolongada, ainda que seja um comportamento passível de reprovação pelo coletivo em organização.

Dessa forma, se o funcionário for capaz de estender sua pausa para além do tempo previsto em prol da resolução de sua questão pessoal, haverá um aproveitamento da oportunidade em um ambiente marcado por práticas estratégias, uma vez que se evitam as perdas impostas pelo coletivo do espaço por não se estar trabalhando de forma estrategicamente posicionada. Nessa questão, o espaço de trabalho, que é um lugar praticado socialmente, também possui dispositivos organizadores de práticas. Por exemplo, a máquina de bater ponto, que controla a presença dos funcionários por meio da alimentação cotidiana de informação no sistema físico da empresa, é uma prática estratégia que atua como dispositivo de conveniência com base em um instrumento material, a máquina de ponto.

No entanto, a máquina de ponto controla somente a presença física do funcionário de forma limitada, uma vez que não é possível a vigilância constante de cada membro da coletividade. É, portanto, na articulação de práticas de forma conveniente mediante um dispositivo de controle que enfocamos a análise da imigração como prática social neste artigo, no intuito de apreender a organização do fenômeno nos seus diferentes lances situacionais. Ainda que dispositivos de controle se manifestem constantemente no dia a dia dos sujeitos em busca de preservar os objetivos de pontos de poder, os trabalhadores não são seres passivos, dado que em momentos de oportunidade há a possibilidade de empregar práticas de subversão e resistência, como ilustrado no exemplo da pausa remunerada. A transgressão, também praticada, representa momentos de ruptura para o conjunto de práticas cotidianas organizadas por meio de dispositivos de conveniência, sendo essas rupturas também parte do processo de organização do fenômeno.

Introdutoriamente, segundo o Dicionário Brasileiro On-line Michaelis (2022Dicionário Brasileiro On-line Michaelis. (2022). Conveniência. Recuperado de https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/conveniência/
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), conveniência é o que está consoante as normas morais e sociais, sendo sinônimo de compostura, decência e decoro, representando usos sociais ou políticos estabelecidos. Ao trabalhar a operação de dispositivos, referenciamos o conceito de conveniência desenvolvido por Pierre Mayol (Certeau, Giard, & Mayol, 2019Certeau, M., Giard, L., & Mayol, P. (2019). A invenção do cotidiano (Vol. 2: Morar, cozinhar). Petrópolis, RJ: Editora Vozes.) na pesquisa que teve como resultado a publicação do livro A invenção do cotidiano - volume 2: morar, cozinhar, uma obra organizada e liderada por Michel de Certeau. A conveniência, segundo Pierre Mayol (Certeau et al., 2019Certeau, M., Jameson, F., & Lovitt, C. (1980). On the oppositional practices of everyday life. Social Text, 3, 3-43. Recuperado de https://doi.org/10.2307/466341
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), é o que atua no lugar de lei, que reprime o que “não convém” e o que “não se faz”, atuando a distância, filtrando e banindo os comportamentos intoleráveis.

A conveniência possui um caráter normativo em nível social, de modo que o que é considerado conduta indesejada em um espaço organizado é passível de reprovação, forçando a pessoa comum a manter os comportamentos indesejáveis em seu âmbito pessoal caso não esteja disposta a pagar o “preço” da transgressão (Certeau et al., 2019Certeau, M., Giard, L., & Mayol, P. (2019). A invenção do cotidiano (Vol. 2: Morar, cozinhar). Petrópolis, RJ: Editora Vozes.). Além disso, a conveniência mantém relações muito próximas aos processos de educação implícitos ao grupo social (Certeau et al., 2019Certeau, M., Giard, L., & Mayol, P. (2019). A invenção do cotidiano (Vol. 2: Morar, cozinhar). Petrópolis, RJ: Editora Vozes.), o que pode ser considerado uma característica estruturante da teoria da conveniência.

Tendo em vista todas essas operações multiformes e fragmentárias que envolvem também coisas materiais, para a execução empírica deste trabalho, foi necessário buscar a formalidade da prática da imigração. Para apreender essa formalidade, Certeau (2018Certeau, M. (2018). A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes.) demonstra um caminho, por meio da pesquisa da “cultura popular”, que é formulada essencialmente sobre as “artes de fazer”, para perceber as maneiras de pensar investidas no modo de os sujeitos agirem.

E é por meio da pesquisa sobre as práticas cotidianas de pessoas comuns que podemos compreender a cultura popular, tendo Certeau, Jameson, e Lovitt (1980Certeau, M., Jameson, F., & Lovitt, C. (1980). On the oppositional practices of everyday life. Social Text, 3, 3-43. Recuperado de https://doi.org/10.2307/466341
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) afirmado que a lógica disjuntiva dos espaços não pode simplesmente ser concebida como fato empírico generalizador. Esse movimento de valorização da cultura popular respalda a necessidade de apreensão das maneiras de fazer cotidianas dos sujeitos comuns na pesquisa organizacional baseada na prática sob a perspectiva de Michel de Certeau. Nesse sentido, a apreensão da formalidade da prática possibilita a associação da teoria da prática cotidiana de Michel de Certeau com a concepção de resistência de Michel Foucault, pois, segundo Faria e Silva (2017Faria, A. M., & da Silva, A. R. L. (2017). Estudos organizacionais baseados em Michel de Certeau: a produção internacional entre 2006 e 2015. Revista Alcance, 24(2), 209-226. Recuperado de https://periodicos.univali.br/index.php/ra/article/view/9624
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), a noção de tática de Certeau (2018)Certeau, M., Giard, L., & Mayol, P. (2019). A invenção do cotidiano (Vol. 2: Morar, cozinhar). Petrópolis, RJ: Editora Vozes. se aproxima das manobras de contrapoder que Foucault (2016Foucault, M. (2016). Microfísica do poder. São Paulo, SP: Paz e Terra.) afirma ser articulado com mecanismos de domesticação.

Segundo Revel (2010Revel, J. (2010). Diccionario Foucault. Buenos Aires, Argentina: Nueva Visión.), o termo “dispositivo” apareceu na obra de Foucault na década de 1970 e foi utilizado, inicialmente, para designar os operadores materiais do poder, além de ter sido direcionado para as técnicas, estratégias e formas de sujeição associadas ao dispositivo. No livro Microfísica do poder, é apresentada uma entrevista em que Foucault é questionado sobre o sentido de dispositivo (Foucault, 2016Foucault, M. (2016). Microfísica do poder. São Paulo, SP: Paz e Terra.), levando em consideração a utilização do termo no História da sexualidade I. Foucault (2016Certeau, M., Giard, L., & Mayol, P. (2019). A invenção do cotidiano (Vol. 2: Morar, cozinhar). Petrópolis, RJ: Editora Vozes.) afirma que dispositivo é um termo que procura demarcar, primeiramente, um conjunto que é explicitamente heterogêneo e que engloba instituições, discursos, decisões regulamentares, organizações e medidas científicas, filosóficas, morais e filantrópicas. Foucault (2016Foucault, M. (2016). Microfísica do poder. São Paulo, SP: Paz e Terra.) ainda argumenta que o dispositivo é composto por elementos “ditos” e “não ditos” e é a rede estabelecida entre esses elementos. Assim, é por meio da apreensão de diferentes práticas do cotidiano, que se relacionam com dispositivos de poder, que propomos obter material que evidencie a formalidade da organização da prática social da imigração.

De acordo com Cresswell (2011Cresswell, T. (2011). Mobilities I: catching up. Progress in Human Geography, 35(4), 550-558. Recuperado de https://doi.org/10.1177/0309132510383348
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), a migração, tradicionalmente, foca um fato geográfico fundamental da vida, que é o movimento, sendo privilegiada a análise de uma forma particular de movimento. Cresswell (2011Cresswell, T. (2011). Mobilities I: catching up. Progress in Human Geography, 35(4), 550-558. Recuperado de https://doi.org/10.1177/0309132510383348
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) diferencia estudos tradicionais sobre migração de estudos sobre mobilidade, que tendem a considerar todas as formas de movimento, abrangendo desde movimentos corporais, como a dança, até fatores infraestruturais e de transporte. Estudar a imigração de acordo com uma abordagem baseada na prática é, portanto, considerar que o fenômeno abrange diferentes dimensões da vida de um sujeito, que, por vezes, podem ser consideradas separadamente, a exemplo da cultura e do movimento.

A pesquisa etnográfica fez também a indução da categoria sistema legal do país na imigração de brasileiros na Dinamarca e, nesse aspecto, Solano e Huddleston (2021Solano, G., & Huddleston, T. (2021). Beyond immigration: moving from Western to global indexes of migration policy. Global Policy, 12(3), 327-337. Recuperado de https://doi.org/10.1111/1758-5899.12930
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) informam que políticas públicas de migração no mundo ocidental centram seus esforços, primeiramente, em regular a entrada e permanência de imigrantes, sendo a integração normalmente associada à questão de integrar o mercado de trabalho local. Boucher (2020Boucher, A. K. (2020). How “skill” definition affects the diversity of skilled immigration policies. Journal of Ethnic and Migration Studies, 46(12), 2533-2550. Recuperado de https://doi.org/10.1080/1369183X.2018.1561063
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) afirma que cada vez mais governos têm selecionado imigrantes qualificados para preencher lacunas no mercado de trabalho de seus países, todavia, em um estudo com 22 países europeus, Helbling, Simon, e Schmid (2020Helbling, M., Simon, S., & Schmid, S. D. (2020). Restricting immigration to foster migrant integration? A comparative study across 22 European countries. Journal of Ethnic and Migration Studies, 46(13), 2603-2624. Recuperado de https://doi.org/10.1080/1369183X.2020.1727316
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) apreenderam que algumas políticas de imigração mais restritivas não aumentaram a probabilidade de imigrantes mais qualificados serem admitidos no país, mas, sim, privilegiaram imigrantes de outros países europeus membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD).

Helbling et al. (2020Helbling, M., Simon, S., & Schmid, S. D. (2020). Restricting immigration to foster migrant integration? A comparative study across 22 European countries. Journal of Ethnic and Migration Studies, 46(13), 2603-2624. Recuperado de https://doi.org/10.1080/1369183X.2020.1727316
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) ainda concluem que as medidas de imigração desses países tendem a ter efeitos de baixo alcance, fomentando a integração somente de imigrantes de determinadas regiões. Tendo em vista que a Dinamarca é um país altamente restritivo no processo de entrada e que o Brasil não é membro da OECD, é pertinente compreender como esses imigrantes se organizam cotidianamente perante o contexto em que estão inseridos na Dinamarca.

No próximo tópico, apresentaremos os caminhos metodológicos percorridos para a concretização dessa pesquisa.

CAMINHOS METODOLÓGICOS

Para que fosse possível o registro desses inúmeros momentos cotidianos de manifestação das práticas de imigrantes brasileiros na Dinamarca, a metodologia que optamos para a operacionalização da pesquisa foi a etnografia. Sobre a etnografia como método, Geertz (1999Geertz, C. (1999). Os usos da diversidade. Horizontes Antropológicos, 5(10), 13-34. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0104-71831999000100002
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) ensina que sua tarefa é fornecer narrativas e cenários para refocalizar nossa atenção na compreensão sobre um mundo cheio de estranhamentos irremovíveis e que não podem ser mantidos a distância.

Dessa forma, o local de pesquisa escolhido foi a Dinamarca, onde foi conduzida a pesquisa etnográfica entre janeiro de 2020 e janeiro de 2021 com imigrantes brasileiros estabelecidos no país. A Dinamarca, país escandinavo cuja língua oficial é o dinamarquês, está localizada ao norte da Alemanha e é composta por uma península principal chamada Jylland, pela ilha de Fyn e pela ilha de Sjælland, onde está localizada a capital do país, Copenhagen. A pesquisa foi majoritariamente conduzida presencialmente com imigrantes brasileiros residentes da Região Metropolitana de Copenhagen e contou também com a participação de três imigrantes residentes na Jylland e no interior da Sjælland, que foram entrevistados online.

Durante o período da pesquisa, buscamos a apreensão das práticas operadas cotidianamente. Nesse âmbito, Ferraço (2007Ferraço, C. E. (2007). Pesquisa com o cotidiano. Educação & Sociedade, 28(98), 73-95. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0101-73302007000100005
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) explica que a própria forma de conceber o cotidiano impacta na pesquisa, sendo sugerido que passemos a pensar o cotidiano como redes de fazer e saberes tecidas pelos sujeitos cotidianos, além de ser destacado que é importante ter em mente que essas redes não estão no cotidiano, pois elas são o cotidiano.

À vista disso, foram realizadas observações participantes e entrevistas durante o período de campo. Formalmente, 15 pessoas foram entrevistadas (Quadro 1). As entrevistas tiveram duração média de 52 minutos e foram conduzidas em português, ainda que o idioma dinamarquês permeasse a comunicação em alguns momentos. Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas, o que resultou em um total de 187 páginas de transcrição de entrevista. Para auxiliar a produção de material empírico, também foram registradas, em formato de notas e diário de campo, as interações estabelecidas por meio de observação participante, o que resultou em diários de campo gravados sobre 24 encontros com imigrantes brasileiros durante o período da pesquisa. Esses encontros tiveram diferentes durações, e os respectivos diários foram posteriormente transcritos, o que gerou 76 páginas.

Quadro 1
Características dos entrevistados

A pandemia da COVID-19 trouxe implicações para a pesquisa empírica, de modo que foi necessária a readaptação dos procedimentos no campo de forma que fossem contornadas as limitações que o período pandêmico impôs ao cotidiano na Dinamarca. Durante o período de campo, o pesquisador que realizou as entrevistas fez quatro testes de COVID-19 em centros de testagem do governo dinamarquês para garantir que era seguro continuar a conduzir a pesquisa.

Dois dias depois que eu marquei a entrevista, começou a avançar a COVID-19 aqui na Dinamarca. A universidade fechou as portas. A universidade tinha decidido fechar na sexta-feira, dia 13 de março, mas na própria quarta-feira, à noite, no dia 11, a primeira-ministra fez um pronunciamento falando que fecharia os serviços públicos do país, com indicação para que se fizesse home office (Diário de Campo, 14 de março de 2020).

Por causa dos desafios da pesquisa com seres humanos em um contexto pandêmico, seus procedimentos, com foco em implicações éticas, foram discutidos e supervisionados por um professor da Danish School of Education, da Aarhus University, em Copenhagen. Ainda, todos os participantes entrevistados leram e assinaram o termo de consentimento de participação antes da entrevista e, posteriormente, foram oferecidas as opções de excluir, adicionar ou alterar informações do conteúdo transcrito.

Durante o período do primeiro isolamento, por causa da impossibilidade de fazer pesquisa presencialmente com imigrantes brasileiros, continuamos as atividades de produção de material empírico por meio de dois grupos no Facebook voltados para imigrantes brasileiros na Dinamarca, que se configuram um meio de comunicação e troca de informações entre pessoas que tentavam se estabelecer no país. Permanecemos acompanhando as postagens de ambos os grupos durante todo o período da pesquisa, empregando observação não participante. Nesses grupos, os participantes postavam dúvidas e comentários sobre acontecimentos no Brasil e na Dinamarca.

Assim como em outros espaços sociais, um grupo de Facebook também é um campo de relações e disputas, manifestadas, muitas vezes, por comentários mais ríspidos, com crítica sobre a postura do imigrante, como, por exemplo, alguém repreender outro participante do grupo por morar há muitos anos no país e não falar dinamarquês o suficiente para entender algum processo legal cuja orientação se encontra disponível em sites do governo em dinamarquês. Posteriormente, alguns informantes da pesquisa confidenciaram que tinham receio de publicar posts no grupo por medo da reação dos participantes, enquanto outros ressaltaram a importância do grupo, pois muitas dúvidas são tiradas com base na experiência de outros imigrantes brasileiros. Diante do comportamento do grupo de Facebook, passamos a considerar que, para se inserir no espaço social de outros imigrantes, seria necessária atenção às normatividades já operadas pela coletividade. Percebemos que, para aprofundar a pesquisa, era preciso estabelecer vínculos de confiança com os sujeitos, que relataram ter receio com “recém-chegados” no país, pois há muita fofoca na comunidade local e algumas tentativas de golpe.

Dessa forma, nos três primeiros meses de pesquisa, foi necessário um empenho nas interações com os possíveis informantes para que fosse estabelecido um vínculo de confiança. Para alguns, o vínculo se deu por meio de indicação. Para outras pessoas, ele ocorreu pelo compartilhamento de informação sobre a pesquisa e os pesquisadores, com a identificação de similaridades, como no caso de Maria, demonstrado a seguir. Porque estava finalizando a graduação, Maria expressava curiosidade e conhecimento sobre procedimentos de pesquisa.

Ela pediu para conversar comigo primeiro por ligação. Por questões próprias, ela queria sentir mais confiança conversando com a pessoa por ligação. Ela disse que queria sentir minha energia. Eu liguei um dia para ela e a gente ficou aproximadamente 40 minutos no telefone conversando. Ela pediu para eu explicar a pesquisa, perguntou se eu tinha hipóteses, qual era minha questão de pesquisa, falou um pouco de sua vida e do seu trabalho. Durante a ligação, ela foi bem agradável e falava com formalidade. Ela ainda ofereceu para encontrar outras pessoas para me ajudar na pesquisa, porque ela achou a temática interessante. Depois desse contato, a gente ainda trocou e-mail duas vezes, quando me foi solicitado o termo de consentimento, que eu enviei (Diário de campo, 16 de abril de 2020).

Na apresentação de informantes por intermediários, houve um movimento aglutinador de “bola de neve” no que diz respeito à prospecção de pessoas a serem entrevistadas formalmente, como foi o caso de Pedro, cujo contato foi fornecido por Sandra, que foi previamente indicada por Fernanda, que foi apresentada por um professor brasileiro que também passou um período na Dinamarca. Nesse âmbito, Spradley e McCurdy (1972Spradley, J. P., & McCurdy, D. W. (1972). The cultural experience: ethnography in complex society. Long Grove, IL: Waveland Press.) afirmam que qualquer pessoa pode ser um intermediário na localização de informantes na pesquisa etnográfica, ressaltando que a prospecção por meio de intermediários oferece uma vantagem importante, que é confiança no pesquisador derivada da confiança que o informante tem em relação ao intermediário.

Para a análise do material empírico, usamos a técnica interpretativa da etnografia baseada em Spradley e McCurdy (1972Spradley, J. P., & McCurdy, D. W. (1972). The cultural experience: ethnography in complex society. Long Grove, IL: Waveland Press.), que oferecem a possibilidade de trabalhar elementos básicos de conhecimento cultural, por meio de categorias, sendo o interesse direcionado para obter definições de componentes com base em pedaços de informação ou atributos, que são componentes constituidores de significado em categorias culturais. Desse modo, buscamos, em um primeiro momento, apreender práticas cotidianas nas diferentes atividades do dia a dia dos informantes da pesquisa, e para operacionalizar esse processo, todas as transcrições foram relidas em busca de operações comuns narradas por meio da oralidade.

Segundo Spradley (2016Spradley, J. P., & McCurdy, D. W. (1972). The cultural experience: ethnography in complex society. Long Grove, IL: Waveland Press.), a entrevista etnográfica é composta por uma série de conversas amigáveis nas quais o pesquisador introduz lentamente novos elementos para auxiliar os informantes a responderem como informantes. Assim sendo, elaboramos um roteiro-guia para nos auxiliar no processo das entrevistas, tanto formais quando informais. Criamos o roteiro em formato de tópicos, endereçando diversas práticas e atividades do dia a dia das pessoas, como lugares onde a pessoa já residiu ou quem é responsável pela limpeza no ambiente familiar. O intuito do roteiro era auxiliar na organização de informações e orientar a condução da entrevista, de forma que as práticas cotidianas na imigração fossem ressaltadas.

Dos achados apresentados neste trabalho, as práticas cotidianas advieram predominantemente das entrevistas formais, sendo as categorias principais complementadas por informação dos diários de campo, sobretudo no que diz respeito à organização das práticas na relação de forças atuantes no cotidiano dos participantes da pesquisa. Depois de uma primeira revisão do material empírico produzido por meio da transcrição das entrevistas, obtivemos 231 trechos que, por interpretação etnográfica auxiliada pelos blocos de notas e diários de campos, se referiam a práticas cotidianas. Posteriormente, organizamos esses 231 trechos em 24 categorias de práticas cotidianas que foram, por fim, reordenadas em três categorias teóricas principais que versam sobre a atuação de dispositivos no cotidiano de imigrantes brasileiros na Dinamarca.

Nesse sentido, a categorização de práticas cotidianas auxilia no processo de entendimento de fenômenos sociais. Spradley e McCurdy (1972Spradley, J. P., & McCurdy, D. W. (1972). The cultural experience: ethnography in complex society. Long Grove, IL: Waveland Press.) informam que a categorização é o tratamento de diferentes objetos e eventos “como se fossem equivalentes”, mas que, obviamente, culturas são mais que listas de categorias, sendo o categorizar uma forma de classificar e organizar a experiência etnográfica, pois, caso não seja feito esse processo, podemos ficar muito focados nas singularidades de cada evento.

No próximo tópico, apresentaremos os principais resultados com as respectivas análises, que foram obtidos segundo o material empírico construído.

AS PRÁTICAS DE DESLOCAMENTO DOS IMIGRANTES BRASILEIROS

Para muitos, a Dinamarca foi o primeiro destino internacional em seu processo imigratório, mas, para um grupo de participantes da pesquisa, o país não foi a primeira experiência de imigração entre países. A vivência em outros países, como no caso de Maria, que morou na Alemanha antes se mudar para a Dinamarca, é fator constituinte da realidade da imigração atual, ressaltando sua história de vida e seu conhecimento prévio no experienciar da imigração.

Além da imigração internacional na composição prévia de experiências de imigrantes brasileiros, a nacional se destaca como um dos primeiros contatos mais diretos desses sujeitos com a mobilidade. O Brasil, com seu território de proporções continentais, é um local fortemente marcado pela migração nacional. Ao tratar deslocamentos anteriores à chegada à Dinamarca com os participantes da pesquisa, a migração nacional estava fortemente marcada em suas experiências, como relatado abaixo por Adriana.

Tive oportunidade de trabalhar nessa cidade. Tive outras experiências. Aí conheci o mundo. De lá, fui morar em São Paulo e também consegui trabalho lá. São Paulo é perto da minha cidade, 80 quilômetros de São José dos Campos, mas é outra cidade. Muito grande, muita gente. Foi muito legal, tive experiência de dirigir em São Paulo. Eu achava que nunca iria dirigir em São Paulo. Nossa, muitas outras coisas. Eu sempre tinha viajado com minha família, mas nunca viajado sozinha. Aí aprendi a andar de ônibus, metrô. Viajar de uma cidade para outra de ônibus por horas, de avião, com mais facilidade. Depois comecei a trabalhar, e foi bom, foi legal. Foi uma experiência muito boa. Acho que sou o que sou graças às experiências que tive. Vejo que mudei também. Foi muito bom (Adriana, junho de 2020).

Sendo assim, a experiência de migração nacional de Adriana, bem como em outras práticas, como o seu deslocamento cotidiano por diferentes meios de transporte, é o que a faz “ser o que é”. À vista disso, um indivíduo é imigrante ao ter praticado a imigração, ao ter experienciado socialmente o que é ser uma pessoa deslocada, sendo o saber e o fazer inextricavelmente emaranhados, o que é característico da prática (Gherardi, 2011Gherardi, S. (2011). Organizational learning: the sociology of practice. In M. Easterby,-Smith; & M. A. Lyles (Eds.), Handbook of Organizational Learning and Knowledge Management (pp. 43-65). Hoboken, NJ: John Wiley & Sons.). Vanessa - outra entrevistada - também afirmou, durante a pesquisa, que não pode menosprezar os anos em que viveu no Brasil, pois são “bagagens” que leva consigo e que afetam o seu cotidiano atual.

Os resultados dessa pesquisa sobre experiências prévias de mobilidade são corroborados por resultados de estudos sobre a adaptação intercultural, como, por exemplo, o trabalho de Ferreira (2017Ferreira, A. L. G. (2017). Gestão intercultural: a adaptação de expatriados brasileiros em Portugal. E-Revista de Estudos Interculturais, 5, 1-21. Recuperado de https://doi.org/10.34630/erei.vi5.4013
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), que demonstrou que o perfil mais “flexível” de imigrantes brasileiros em Portugal auxiliou na integração de alguns entrevistados. Calderón, Guedes, e R. W. Carvalho (2016Calderón, P. A. L., Guedes, A. L. M., & de Carvalho, R. W. (2016). Gestão internacional de recursos humanos: Adaptabilidade intercultural na expatriação de brasileiros. Internext, 11(2), 6-20. Recuperado de https://doi.org/10.18568/1980-4865.1126-20
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) também apresentam como resultado de sua pesquisa que a adaptação de profissionais brasileiros expatriados desencadeou um processo de “revisão de valores” iniciais para lidar com as diferenças do país anfitrião, em que a flexibilidade do brasileiro foi igualmente ressaltada como um facilitador na integração.

O deslocamento é uma dimensão intrínseca à existência da imigração, mas, do ponto de vista da prática social da imigração, são os aportes financeiros e legais prévios de cada imigrante que influenciarão mais fortemente o processo de estabelecimento no país. Sob esse aspecto, cada sujeito possui uma margem de manobra para suas práticas cotidianas (Certeau, 2018Certeau, M. (2018). A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes.). Imigrantes que têm seu processo de legalização facilitado, com condições de arcar com ele, adquirem mais possibilidades de se estabelecer no país. Essa diferença na margem de operação de cada sujeito é demonstrada explicitamente pelos imigrantes brasileiros que participaram da pesquisa e que informaram já possuir nacionalidade europeia previamente à imigração para a Dinamarca. Dessa forma, por obter a documentação dinamarquesa mais rapidamente e possuir facilidade de acesso ao auxílio social do Estado, como isenção de anuidade escolar e auxílio-moradia, imigrantes brasileiros-europeus podem focar, no período inicial, em outras práticas do fenômeno da imigração, como aprender a língua do país, o que facilita sua inserção na sociedade local.

Em contrapartida, outros participantes relataram que seus processos de imigração ocorreram de forma dispersa, como no caso de Pedro, que era concursado como nutricionista no Brasil e relatou ter decidido imigrar para a Dinamarca de uma hora para outra, sem ter caminhos legais diretos para esse processo. Ainda que pareça uma ação simples, Pedro enfrentou diversos obstáculos no caminho para se legalizar, pois o não planejamento prévio gerou implicações na hora de obter autorização de residência, sendo necessário buscar um enquadramento de visto que possibilitasse sua permanência no país.

Em razão da necessidade de Pedro de se legalizar para permanecer no território, bem como obter melhores condições de trabalho, no período inicial da imigração, ele teve que focar suas práticas cotidianas em prol da sua regularização. Nessa temática, no próximo tópico, apresentaremos as práticas de legalização, que, no caso da Dinamarca, são fatores importantes para imigrantes, uma vez que pessoas não legalizadas enfrentam diversos obstáculos na procura por trabalho, estando, inclusive, sujeitas a responder processos de deportação, que podem levar ao encarceramento, conforme relatamos na introdução deste artigo.

Práticas de legalização: dispositivos de controle legal e táticas de transgressão

A legalização de imigrantes é uma etapa importante da prática de imigração, pois seu status (legal ou ilegal) definirá o acesso a direitos e proteções da pessoa imigrante no país anfitrião. Se impedido de exercer a cidadania, o indivíduo que pratica a imigração se encontra em uma situação de acentuada vulnerabilidade, pois seus direitos serão afetados por esse contexto, como na não possibilidade de acesso ao sistema público de saúde. O conjunto de instituições, leis e medidas administrativas que versam sobre a autorização de residência são componentes do dispositivo (Gordon, 1980Gordon, C. (1980). Power/knowledge. In C. Gordon (Ed.), Power/knowledge selected interviews and other writings. New York, NY: Pantheon.) legal que organiza a imigração na Dinamarca, por meio da operação desses elementos heterogêneos para que atuem na regulamentação e no controle da entrada de estrangeiros no país.

Por mais que os dispositivos legais de imigração operem no controle de entrada no país, a Dinamarca possui especificidades na atuação desse controle, pois seu território não tem fiscalização de todos os passantes de suas fronteiras por causa da União Europeia (UE). O acesso de imigrantes ilegais ao país também é limitado geograficamente, uma vez que possui fronteira seca somente com o norte da Alemanha, e a outra fronteira internacional é estabelecida pela ponte com a Suécia no Canal de Örestad, de modo que a viagem entre a Dinamarca e a Suécia é efetuada, principalmente, de carro ou trem. Dessa forma, para que imigrantes brasileiros cheguem ilegalmente à Dinamarca, é necessário que essas pessoas passem por controle de entrada em outras unidades do bloco. Brasileiros possuem autorização para visitar o Espaço Schengen por até 90 dias sem a necessidade de visto, e as entrevistas informais no período em campo demonstraram que algumas pessoas entraram no país com autorização de turismo e se legalizaram eventualmente por meio do casamento com dinamarqueses.

Ainda que o dispositivo legal da imigração na Dinamarca opere em prol do bloqueio de práticas consideradas delituosas, há a possibilidade de jogos de força entre a estrutura de poder de acordo com a situação de cada pessoa, o que evidencia a visão ontológica de Foucault (2016Foucault, M. (2016). Microfísica do poder. São Paulo, SP: Paz e Terra.), de que o poder não é emanado de um ponto determinado, pois é o reflexo de relações estabelecidas, o que permite a existência de pessoas que subvertem o dispositivo regulador da mobilidade por meio de capitalização de oportunidades.

Dos participantes da pesquisa, três informantes relataram ter se legalizado por “caminhos alternativos” ao oficial, sendo essa ação de legalização dependente da oportunidade, característica da prática com base na tática (Certeau, 2018Certeau, M. (2018). A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes.). Em consequência, imigrantes brasileiros conseguiram “driblar” o dispositivo de legalização por meio da astúcia de subversão, como, por exemplo, ao manter as aparências de residir com uma pessoa dinamarquesa que é paga para auxiliar na obtenção de cidadania por meio do casamento.

No entanto, a prática de legalização por intermédio de casamento falso, que a princípio tem sua origem na oportunidade, efetivando-se por meio da tática, pode vir a se configurar uma prática estratégica caso os sujeitos envolvidos assumam o próprio processo de se legalizar na Dinamarca. Ao controlarem a situação, ainda que por um caminho “alternativo”, os imigrantes podem estabelecer uma prática estratégia que joga com o dispositivo de legalização.

Maria informou que o processo de legalização de cônjuges de dinamarqueses demandava que o cônjuge dinamarquês depositasse a quantia de 100 mil coroas dinamarquesas (aproximadamente 86 mil reais no momento da pesquisa), sob a tutela do Estado, como forma de “caução” obrigatória para que seja autorizada a residência do cônjuge estrangeiro no país. Essa demanda é uma reação do Estado dinamarquês para evitar casamentos falsos realizados no país em prol da obtenção de cidadania, o que é condizente com a afirmativa de Foucault (2016Foucault, M. (2016). Microfísica do poder. São Paulo, SP: Paz e Terra.), de que o dispositivo possui, em sua formação, a tentativa de responder a uma urgência causada por uma prática delituosa. Por conseguinte, o dispositivo de legalização na Dinamarca, por meio de suas redes estabelecidas entre os elementos do fenômeno, como leis e procedimentos burocráticos, consegue readaptar seus processos em busca da sua efetividade.

A reação do Estado às práticas operadas em resistência ao dispositivo legal demanda que os imigrantes fiquem atentos ao aparelho legal do país em busca de chances de se obter a residência. Além disso, por haver processos materializados e custos financeiros, pessoas com menos acesso a bens materiais encontram mais dificuldades para sua legalização e, por efeito, o acesso ao mercado de trabalho é prejudicado, impactando outras práticas envolvidas na imigração, como a habitação. Dessa forma, às pessoas comuns que não possuem condições sociomateriais para efetivar sua imigração nos parâmetros estabelecidos pelo Estado dinamarquês, cabe jogar à margem das oportunidades presentes em seu cotidiano caso queiram ser imigrantes na Dinamarca.

Nesse aspecto, em diversos momentos, fica evidenciada a desigualdade sociomaterial dos imigrantes brasileiros, pois a Dinamarca seleciona quais imigrantes devem permanecer de acordo com seu retorno financeiro para o país. Pessoas que se encaixam no perfil desejado têm o processo facilitado, pois as empresas costumam arcar com os custos do processamento da documentação e o país possui sistemas de análise de vistos com base no tipo de atividade exercida pelo imigrante, dado que profissionais em falta no país são priorizados na concessão de autorização de residência.

Os custos financeiros da imigração, que podem chegar a 7 mil reais por pessoa somente para o processamento da documentação, são o instrumento mais eficiente do dispositivo legal para barrar a imigração de pessoas “não desejadas”. Além destes, os custos iniciais da imigração ainda englobam passagem, caução de aluguel e compra de móveis caso a moradia não seja mobiliada, que conjuntamente impossibilitam o processo de imigração legal para a Dinamarca para pessoas que não podem arcar com essas despesas. Com esses custos financeiros ainda se juntam os custos emocionais e físicos que envolvem o deslocamento, tanto na despedida do país natal quando na chegada ao país anfitrião.

Ainda conforme o relato abaixo, de Pedro, o sistema legal dinamarquês prioriza sujeitos que são convenientes para o país, que, do ponto de vista do aparelho legal, são mensurados de acordo com a capacidade contributiva de cada imigrante.

Aí eu recebi uma permanência especial, porque eles avaliavam, naquela época, se você tem uma educação, certo? Se você aprendeu a língua e se você trabalhou o período todo. Se você não fez nada dessas três coisas, então você não está adapto para viver aqui. Eles arrumavam mais ainda para colocar você para fora. Mas se você é trabalhador… porque o que acontece aqui na Dinamarca é: é melhor ter você como um cozinheiro do que ter você como lavador de prato. Por quê? Porque um cozinheiro paga muito mais impostos do que um lavador de prato. Você está entendendo? Então eles dão e tiram. Você está entendendo? A verdade é essa (Pedro, junho de 2020).

Diante disso, o ato de legalização se articula com as práticas econômicas e de trabalho, em que pese ao governo dinamarquês priorizar pessoas com ensino superior, contribuição tributária e produtividade econômica na concessão do direito de permanência no país. Todavia, assim como apreendido no estudo de Helbling et al. (2020Helbling, M., Simon, S., & Schmid, S. D. (2020). Restricting immigration to foster migrant integration? A comparative study across 22 European countries. Journal of Ethnic and Migration Studies, 46(13), 2603-2624. Recuperado de https://doi.org/10.1080/1369183X.2020.1727316
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), a política de imigração restritiva da Dinamarca dá preferência, primeiramente, a cidadãos brasileiros que também são cidadãos de países europeus da OECD.

A legalização da imigração, seja de forma prévia ao deslocamento, seja diretamente no país, é um processo disperso em diversos momentos do cotidiano dos imigrantes, desde a preparação da documentação para atender aos requisitos do processo de autorização de residência até o exercício de atividade remunerada para arcar com os custos financeiros da legalização. Dessa forma, legalizar-se na imigração também é uma prática social marcada por lances situacionais que fazem uso da oportunidade para obter “ganhos” dentro das margens de operação de cada sujeito, como evidenciado nas diferentes formas de se regularizar no país. Tendo em vista que tanto a autorização prévia quanto a manutenção de residência na Dinamarca demandam meios de subsistência, no próximo tópico, abordaremos práticas econômicas e de trabalho importantes para a concretização da execução da imigração de brasileiros na Dinamarca.

Práticas econômicas e de trabalho

Em que pesem as práticas de trabalho empregadas na imigração, apreendemos, durante a pesquisa, quatro status de subsistência que predominam entre os imigrantes brasileiros na Dinamarca (Quadro 2): empregados invisibilizados, empregados reconhecidos, subsistência por conta de outrem e empreendedorismo. O primeiro status, de empregado invisibilizado, é uma categoria bem presente na imigração, sendo esse tipo de inserção muitas vezes a única via possível para os imigrantes que são pessoas comuns.

Quadro 2
Ocupações dos entrevistados

A experiência laboral de João descreve a invisibilização de imigrantes com menos acesso legal no país, mesmo que possuam qualificação acadêmica de nível superior. Em prol de sua subsistência, estes precisam se resignar a realizar trabalho braçal, que exige muito do físico, como funções de carregamento e limpeza, sendo, inclusive, excluídos das proteções legais do ambiente de trabalho. Nessa temática, João denunciou, em seu relato, que sua carga de trabalho chegava a 12 horas diárias, sem permissão para ir ao banheiro fora da pausa não remunerada de 30 minutos para almoço, tendo o funcionário que ficar sob aviso em relação à hora que deve iniciar no trabalho. João também explicou que, em seu local de trabalho, todos os funcionários eram imigrantes provenientes majoritariamente da África Subsaariana, da América Latina e do subcontinente indiano, e que tais condições de trabalho eram possíveis na Dinamarca pela ausência de acordos coletivos sindicais que protegessem os imigrantes que trabalhavam em supermercados.

Os colegas de João, imigrantes que tiveram dificuldade de acesso ao mercado de trabalho antes de iniciar na empresa mesmo tendo concluído cursos de nível superior, eram contratados para trabalhar em regime de pagamento por hora e não estavam protegidos legalmente da exploração de mão de obra. Por conseguinte, os funcionários da empresa manifestavam medo de exigir melhores condições ou apresentar denúncia e se virem fadados a voltar para a vulnerabilidade do desemprego e ter sua residência no país inviabilizada.

No que diz respeito ao status de subsistência de empregados reconhecidos, além da questão documental, foi possível perceber que outros aspectos socioeconômicos dos imigrantes influenciam o acesso a essas vagas de trabalho. Consequentemente, as pessoas formadas no ensino superior, com permissão legal de trabalho e condição de arcar com os custos do reconhecimento de diploma, possuem maiores chances de atuar na área em que trabalhavam previamente à imigração. Assim como as condições físicas de trabalhos reconhecidos são melhores, o salário também é maior quando comparado com as funções invisibilizadas.

Apesar da remuneração de empregos reconhecidos, cabe discorrer sobre a tributação na Dinamarca, dado que o país possui uma forte estrutura tributária que escalona de acordo com a renda do indivíduo. Dessa forma, pessoas com altos salários chegam a pagar próximo da metade de sua renda em prol da manutenção da estrutura estatal de bem-estar social. Esse panorama afeta diretamente a relação do dinamarquês com o “outro”, pois há uma atribuição de valor com base na contribuição tributária de cada habitante do país, e imigrantes que “contribuem mais” são priorizados, conforme relatado anteriormente por Pedro.

Além da qualificação de sujeitos com base na capacidade contributiva, por meio da operação de dispositivos econômico-legais, outros dispositivos também se manifestam no dia a dia laboral de imigrantes brasileiros na Dinamarca, a exemplo do caso de Antônia, que narrou uma experiência de trabalho em que a chefia exigia que as funcionárias utilizassem saia quando havia festividades na instituição.

Quando ia servir em festa, porque eles achavam que era mais feminino, mas eu não trabalho de saia no dia a dia, porque às vezes tenho que subir e descer escada. Porque eu achava assim… eu tinha que servir homem, tinha que estar sexy? Para quê? Então meu uniforme era calça, botava o paletozinho, como todo mundo, camisa branca, sapatinho preto, mas era calça e acabou. Nunca tive nenhum problema com isso, porque disse a ele no primeiro dia que não ia usar saia (Antônia, agosto de 2020).

Nesse caso, o chefe de Antônia tentou operar em prol do controle de sua corporeidade exercendo a autoridade atribuída estrategicamente a seu cargo no ambiente de trabalho, sendo essa prática combatida diretamente, o que demonstra a manipulação de forças em práticas cotidianas, em que Antônia pôde assumir o controle do seu corpo.

Algumas participantes da pesquisa relataram que o empreendedorismo é uma forma de ter controle de suas atividades laborais, além de obter melhores perspectivas financeiras, por meio de negócios como prestação de serviços educacionais para estrangeiros, prestação de serviços para pets, clínica estética e restauração. Esse é o caso de Maria, que trabalhava em cozinha profissional, mas que passou a oferecer serviço de mentoria a imigrantes, pois percebeu que outras famílias de imigrantes tinham dificuldade de integrar os filhos no sistema educacional dinamarquês:

A princípio, pensei que era uma coisa que eu só poderia ter campo no Brasil, mas descobri que, na verdade, tem muitas famílias que sofrem muito com a dificuldade de entender o sistema dinamarquês. E combinou que eu decidi abrir minha empresa, porque ter a experiência que eles exigem na área, não tinha trabalhado para outras empresas, mas eu tinha para mim mesma (Maria, maio de 2020).

Ao empreender, Maria também está sujeita às incertezas intrínsecas ao empreendedorismo, mas, em seu caso, por já possuir nacionalidade dinamarquesa, foi relatado que o risco associado às atividades autônomas é diluído, pois o Estado oferece os programas de auxílio à renda aos cidadãos do país. Nessa perspectiva, Fernanda, que também é naturalizada no país, relatou que ser empreendedora lhe possibilitava organizar suas atividades de acordo com a necessidade, o que representava uma vantagem que pesou na hora de sua escolha.

Ademais, em relação ao quarto status de subsistência percebido na imigração brasileira na Dinamarca, temos o caso de pessoas que têm sua subsistência promovida por outrem. Essa situação se aplica, normalmente, a estudantes ou pessoas que imigraram com seus parceiros e ainda não conseguiram se inserir no mercado de trabalho, o que é usual no início da imigração. Habitualmente, essas pessoas possuem melhor condição financeira prévia, mas ainda assim estão sujeitas a questionamentos em suas atividades cotidianas sobre sua contribuição econômica para o país.

A discussão sobre as práticas econômicas e de trabalho de imigrantes brasileiros na Dinamarca é importante para a compreensão do organizar da prática social da imigração desses sujeitos, pois quase todos os imigrantes precisam encontrar formas de subsistência. Ainda, é no espaço de trabalho que os indivíduos passam grande parte do dia, engajados em ações contínuas de produção de significado. Para os imigrantes brasileiros casados com outros imigrantes, por exemplo, o local de trabalho também representa o lugar de maior contato direto com a cultura local e com os dispositivos operados cotidianamente, com base na conveniência da sociedade anfitriã, a exemplo da demanda do chefe de Antônia para que ela vestisse saia como uniforme em dias festivos. Mesmo na prática cotidiana de se vestir para o trabalho, houve espaço para que Antônia resistisse a uma demanda com a qual não concordava, denotando novamente a não passividade dos imigrantes brasileiros em suas relações do dia a dia.

Para além da inter-relação dos imigrantes com o Estado e com os cidadãos do país anfitrião, também apreendemos que a prática de cuidado, sobre a qual discutiremos no próximo tópico, age por meio da sociabilidade de redes de imigrantes, que atuam em pontos que o poder público e o terceiro setor dinamarquês não alcançam os imigrantes.

Práticas de cuidado ao longo da vida

O tempo livre dos imigrantes é um dos pontos de partida para entendermos as práticas de cuidado operadas por brasileiros na Dinamarca. No geral, os imigrantes já estabelecidos há mais tempo no país relataram que, atualmente, eles têm mais tempo livre, que antes era gasto em outras práticas cotidianas, como deslocamento pendular. Entre as práticas do tempo livre, destacamos o cuidado como um dos primeiros processos de socialização entre os imigrantes no país anfitrião. Foi possível perceber que certos conhecimentos do saber fazer do novo contexto que os envolve são repassados para os imigrantes, com o objetivo de amenizar o impacto do ajustamento de recém-chegados à nova rotina e espaços.

O contato está bem interessante com a comunidade. É muito interessante também que eu me encontre na situação de imigrante ao fazer essa pesquisa, então, nós temos certos reconhecimentos. A Ana passou o endereço de onde comprar polvilho na cidade. A comunicação ocorreu no momento da necessidade da informação, na busca de um alimento de que tenho saudades. Então essas outras práticas que trazemos incorporadas no nosso dia a dia, como cozinhar, é um ponto de aproximação com outros imigrantes (Diário de Campo, 22 de maio de 2020).

A atuação de OSC, ONGs e instituições religiosas na promoção do cuidado de imigrantes na Dinamarca evidencia que a atenção maior com o imigrante é provido, no geral, pela comunidade, e não pelo Estado. Para aqueles imigrantes que não têm familiares no país, e mesmo para alguns que possuem, a assistência provida pelos amigos na velhice foi ressaltada pelos informantes. Nessa direção, Antônia informa que, em seu tempo livre, auxilia um amigo, que também é imigrante brasileiro, a realizar algumas atividades cotidianas, conforme relatado abaixo:

Terça tem um senhor que é praticamente como pai aqui, um brasileiro, acho que ele foi um dos primeiros brasileiros que veio para a Dinamarca. E eu já conheço ele há 36 anos, só que agora ele está muito velhinho, então não pode fazer muita coisa. Então vou lá, faço comida, às vezes, levo comida para dois, três dias. Ajudo a fazer um pouco da limpeza dele. E assim a minha vida livre é essa. Meu tempo livre, né? (Antônia, agosto de 2020).

Assim como Antônia auxilia um copatriota semanalmente por causa da limitação física dele decorrente do envelhecimento, Maria também se deslocava semanalmente para visitar sua amiga, também imigrante brasileira, em uma casa de repouso. Maria reside na Região Metropolitana de Copenhagen e precisa ir até outra cidade localizada a aproximadamente 40 quilômetros de sua residência.

Tivemos oportunidade de realizar observação participante durante alguns dias, acompanhando as atividades de Maria, que incluiu visitar sua amiga.

Foi um momento bem pesado, dava uma sensação de abandono. Por causa da falta de memória da amiga, a comunicação com os funcionários fica limitada, já que, em diversos momentos, ela se expressa em português, e não há nenhum funcionário no local que fale a língua. O lugar é bem estruturadinho, é um quarto para cada um, mas possui algumas limitações, como a impossibilidade de ter um acompanhamento mais próximo com cada residente. A amiga perdeu peso, pois, em momentos de crise, ela acaba por perder refeições. A gente ficou lá das 16h até as 20h, foram várias situações emocionantes. Durante esse tempo, ela também me informou que tem feito essa visita sempre que pode, de acordo com as contingências impostas pela pandemia (Diário de Campo, 9 de julho de 2020).

A visita à sua amiga demonstra também que a prática social da imigração ocorre em diferentes momentos da vida da pessoa imigrante. A prática de cuidado, portanto, representa uma ação social de apoio entre sujeitos imigrantes em dois níveis principais. Temos, primeiramente, os imigrantes recém-chegados que não estão abrangidos pelo aparato do Estado, que busca cortar o máximo possível os gastos com cidadãos estrangeiros em prol da manutenção do bem-estar social dos cidadãos dinamarqueses. O cuidado é, então, praticado por imigrantes, que se organizam para auxiliar outras pessoas que estão “por conta própria”, o que representa uma quebra ao silêncio conveniente da sociedade dinamarquesa perante a exclusão de imigrantes da seguridade social do Estado. No segundo nível, temos o cuidado como prática de assistência a imigrantes amigos de longa data, que presta um papel que talvez seria responsabilidade da família ou de uma casa de repouso. Tendo em vista que a imigração muitas vezes não é praticada coletivamente com familiares, o cuidado representa também uma relação de afeto constituído na imigração.

No geral, os imigrantes brasileiros com idade mais avançada que participaram da pesquisa já possuíam cidadania do país e, portanto, tinham acesso a apoio socioeconômico oferecido pelo Estado. Todavia, a Dinamarca, um país em que o estado de bem-estar social é enaltecido, possui, paradoxalmente, no aproveitamento de direitos universais, um motivo para se ter vergonha perante a coletividade, pois é exigido dos dinamarqueses, nas entrelinhas de conversas do cotidiano, que eles sejam produtivos e contribuam com a sociedade.

Durante as conversas informais da observação participante, foi explicitado que os nacionais dinamarqueses possuem um discurso de que é preciso ser produtivo para a sociedade e que depender de auxílio do Estado vai de encontro à conveniência da sociedade local. Alguns dinamarqueses que conhecemos durante a pesquisa corroboram essa afirmativa, uma vez que consideram que seus tributos estão sendo usados por pessoas que “não querem trabalhar”.

Nesse aspecto, a conveniência opera na coletividade, e Pierre Mayol (Certeau et al., 2019Certeau, M., Giard, L., & Mayol, P. (2019). A invenção do cotidiano (Vol. 2: Morar, cozinhar). Petrópolis, RJ: Editora Vozes.) afirma que o coletivo é o lugar social em que um comportamento prático é induzido de modo que todos os usuários se ajustem ao processo geral do reconhecimento, bem como cada um cede uma parte de si à jurisdição do outro. O sistema tributário-legal da Dinamarca se destaca, portanto, como um dispositivo que reflete as práticas “individuais” dos sujeitos, que demonstram, pelo ato discursivo, a necessidade de organizar a coletividade em prol de sua manutenção. Tendo em vista o alto preço de custear o estado de bem-estar social da Dinamarca, os dinamarqueses operam cotidianamente em suas relações uma qualificação informal de pessoas de acordo com sua “contribuição” tributária.

No entanto, o fato de o usufruto de programas de assistência socioeconômica ser considerado um motivo de vergonha para parte da sociedade dinamarquesa não impede imigrantes de fazer uso do que lhe é direito em momentos de necessidade. Nesse aspecto, seis dos entrevistados informaram já terem usufruído de apoio como auxílio-estágio, auxílio-estudo, auxílio-desemprego ou pensão do Estado para a criação de filhos.

Mesmo com o apoio oferecido pelo Estado dinamarquês, as práticas de cuidado são uma ação cotidiana movida e permeada pelo afeto e reconhecimento das necessidades do outro. O fato de imigrantes utilizarem seu tempo livre para oferecer um cuidado aos amigos também imigrantes demonstra uma reinvenção do seu cotidiano e da ordem estabelecida de uma forma estratégica.

Ainda, ao retratarmos diferentes momentos do cotidiano do imigrante, desde o conhecimento prévio à chegada até o vivenciar da velhice no país, conseguimos contribuir empiricamente para o campo com o entendimento de que o processo da imigração é contínuo e perpassado por diversos fenômenos, enunciados inicialmente como práticas cotidianas e repletos de significados uma vez que analisados em seus pormenores.

CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

A comunidade de imigrantes brasileiros na Dinamarca, que em um primeiro momento pode não parecer estabelecida e organizada, apresenta em partes do cotidiano sua operação. Por meio da pesquisa empírica, chegamos a algumas práticas sociais que compõem o fenômeno da imigração de brasileiros na Dinamarca: práticas de deslocamento; práticas de legalização; práticas econômicas e de trabalho e práticas de cuidado.

A primeira prática, a de deslocamento, no geral, se mostrou presente na vida dos brasileiros antes mesmo de a imigração internacional se concretizar. Em nível nacional, o deslocamento dentro do Brasil foi apontado como uma experiência marcante e que gera uma base de vivência que influencia outras práticas migracionais posteriores ao deslocamento nacional. Adiante, apresentamos a prática da legalização, que é um processo longo e contínuo, que impacta diretamente outras práticas importantes para a estabilização de imigrantes no país. É preciso estar legalizado para conseguir acesso ao sistema público de saúde, fator importante, sobretudo ao se considerar o momento pandêmico. Ademais, a empregabilidade também é afetada pela prática de legalização, pois é exigência da maior parte dos empregadores a apresentação da autorização de trabalho, que é concedida conforme o tipo de autorização de residência que se possui.

Também discorremos sobre a prática econômica e de trabalho. Nela apontamos quatro tipos de status de subsistência de imigrantes brasileiros na Dinamarca: empregado invisibilizado, empregado reconhecido, empreendedorismo e subsistência por conta de outrem. Primeiramente, empregos invisibilizados foram apreendidos na pesquisa como uma fonte de exploração de mão de obra de imigrantes com condições de trabalho precarizadas, ainda que essa situação ocorra dentro do espectro da legalidade. Em relação às vagas de emprego reconhecidas, os imigrantes brasileiros que possuem melhores condições socioeconômicas tendem a obtê-las de forma mais fácil, o que para eles provêm um conforto maior, sendo informado que, apesar de serem totalmente responsáveis pela criação de seus filhos e pela manutenção de suas moradias na Dinamarca, funções essas que eram terceirizadas no Brasil, foi narrado que, no cotidiano dos imigrantes no país anfitrião, há um tempo livre maior. Para os imigrantes que têm dificuldade em obter emprego reconhecido, mas que buscam melhores condições de trabalho, o empreendedorismo se mostrou um caminho viável para se obterem melhores condições laborais.

Temos também o status de subsistência por conta de outrem. Esse status normalmente se aplica a estudantes e pessoas que imigraram por causa de casamento. Nesse caso, a cultura dinamarquesa possui dispositivos de poder manifestos, sobretudo na prática de linguagem, por meio de questionamentos acerca da produtividade da pessoa, sendo destacado que, eventualmente, esses sujeitos necessitam obter algum dos outros três status de subsistência, como no caso de imigrantes estudantes que decidem permanecer no país depois do término de seus cursos.

Por fim, apresentamos a prática de cuidado, muitas vezes associada à prática de deslocamento pendular, que demonstrou uma auto-organização dos imigrantes para que outros imigrantes, amigos de longa data ou recém-chegados, tenham o apoio que nacionais poderiam obter por outros meios, como por auxílio socioeconômico do Estado. À vista disso, a prática de cuidado é essencialmente relacional e interacional, pois é necessário mais de um indivíduo diretamente no processo para que seja possível praticar o cuidado.

Do ponto de vista teórico, avançamos neste trabalho com a contribuição do entendimento de que a prática social da imigração brasileira ocorre em diferentes momentos do cotidiano da vida de um imigrante, desde sua chegada ao país anfitrião até seu envelhecimento na sociedade local. Dessa forma, empiricamente, entendemos que a Dinamarca possui uma comunidade de brasileiros organizados. Ainda que essa organização não ocorra de modo institucionalizado, os imigrantes brasileiros praticam cotidianamente sua imigração e, consequentemente, se organizam, orientando-se, muitas vezes, por meio do reconhecimento.

A comunicação, seja por meio de redes sociais, seja por conversas presenciais, é também instrumento de reconhecimento de sujeitos, mesmo em um fenômeno idiossincrático como a imigração de brasileiros, o que reflete a disparidade socioeconômica de seus nacionais. Nesse sentido, dentre a comunidade brasileira, também há esforços internos para organizar os imigrantes residentes da Dinamarca. Assim sendo, o grupo de imigrantes no Facebook possui manifestação no espaço virtual, que é um campo de práticas, já que essa coletividade é regida por certas práticas que ordenam o ambiente de acordo com o pacto social implícito estabelecido e renovado cotidianamente.

Outro fator que possivelmente influencia o comportamento do grupo é o fato de a Dinamarca possuir uma fiscalização de imigração austera e o ambiente on-line do grupo ser público, o que ressalta a importância de se levarem em consideração as práticas sociais em resposta às leis de controle da imigração no país. Dessa forma, procedimentos ilegais explicitados em publicações são fortemente repreendidos, dado que alguns participantes do grupo afirmaram que órgãos de fiscalização do país monitoram esses grupos.

As práticas cotidianas que constituem a cultura popular dos imigrantes brasileiros na Dinamarca são permeadas por táticas, estratégias e resistências, em que eles jogam de acordo com a situação na qual estão inseridos, seja no processo de legalização por meio de casamento falso, seja pela recusa de usar saia no local de trabalho. O contexto de manifestação das práticas é essencialmente importante para o fenômeno, pois dispositivos de controle atuam nas inter-relações estabelecidas entre os imigrantes.

A contribuição principal desta pesquisa, portanto, é o entendimento de como a conveniência atua como um dispositivo de poder, enquanto o sujeito aquiesce momentaneamente àquele dispositivo, mas fica sempre à “espreita” para voltar a utilizar suas táticas e eventuais estratégias para “burlar” o sistema.

De forma aplicada, caberiam estudos futuros sobre a temática de imigração que verificassem a precarização de mão de obra em países altamente sindicalizados, pois imigrantes tendem a ficar excluídos dos acordos desse sistema trabalhista. Nesse sentido, alguns países têm cada vez mais empenhado esforços para lidar com o fenômeno da diáspora, como é o caso do programa multiministerial de Portugal, para promover o regresso físico de emigrantes portugueses, que visava, de acordo com Pinho, Marques, e Góis (2022Pinho, F., Marques, J. C., & Góis, P. (2022). Portugal e Espanha, países para regressar. Uma análise comparativa de políticas de recuperação de emigrantes. Cidades, Comunidades e Territórios, 44, 104-120. Recuperado de https://doi.org/10.15847/cct.26508
https://doi.org/10.15847/cct.26508...
), compensar déficits demográficos e equilibrar a gestão da segurança social do país.

A diáspora brasileira precisa de atenção, dado que o Brasil tem tido um fluxo recente de imigração de jovens formados que estão iniciando sua carreira e estão deixando o país por não possuírem perspectivas de crescimento, conforme evidenciado pelo trabalho de Cruz, Falcão, e Paula (2020Cruz, E. P., Falcão, R. P. Q., & Paula, F. O. (2020). Imigrantes ou consumidores de intercâmbio? As agências como possíveis facilitadores da imigração de brasileiros para Austrália. Turismo: Visão e Ação, 22(2), 297-317. Recuperado de https://doi.org/10.14210/rtva.v22n2.p297-317
https://doi.org/10.14210/rtva.v22n2.p297...
). Entender as motivações de fluxos mais recentes da diáspora brasileira também ajudará a direcionar medidas públicas para lidar com a emigração em massa do Brasil e evitar fenômenos como a “fuga de cérebros” do país.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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  • 1
    Segundo matéria do El País (Cebrián, 2018)Cebrián, B. D. (2018, dezembro 05). Dinamarca propone enviar a un islote a los migrantes que el país rechaza. El País. Recuperado de https://elpais.com/internacional/2018/12/04/actualidad/1543924465_617697.html
    https://elpais.com/internacional/2018/12...
    , em 05 de dezembro de 2018, a Dinamarca possuía dois centros de isolamento de imigrantes ilegais, Kærshovedgård e Sjælsmark, e o governo estava considerando construir mais um centro na ilha de Lindholm. Ambos os centros Kærshovedgård e Sjælsmark continuam ativos no momento do fechamento desta pesquisa.
  • 4
    Artigo submetido para o Call for Papers "Trabalho, migrações e mobilidade: um diálogo lusófono"

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    31 Out 2022
  • Aceito
    01 Mar 2023
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