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Neuropatia periférica induzida por quimioterapia: uma revisão de literatura

RESUMO

A neuropatia periférica é um efeito colateral comum em pacientes sob tratamento quimioterápico. Essa condição pode se manifestar de diversas maneiras, interferindo na qualidade de vida e na autonomia nas atividades de vida diária dos pacientes em questão. O presente trabalho teve como objetivo revisar a literatura referente à neuropatia periférica induzida por quimioterapia, bem como propostas de tratamento e intervenção para o efeito colateral em questão. Foi possível observar que a neuropatia periférica induzida por quimioterapia é uma condição comum a pacientes sob tratamento com alguns quimioterápicos específicos. Além disso, foi possível identificar, embora sem evidência significativa, que diversas substâncias vêm sendo utilizadas como possível tratamento ou paliativo para o efeito colateral em questão.

Descritores:
Doenças do sistema nervoso periférico/induzido quimicamente; Quimioterapia/efeitos adversos

ABSTRACT

Peripheral neuropathy is a common side effect in patients undergoing cancer treatment with chemotherapy. This condition can affect patients in several different ways, interfering in their activities of daily living and autonomy. The present study aimed to review the literature on chemotherapy-induced peripheral neuropathy and its treatment or other possible interventions. The findings reveal that chemotherapy-induced peripheral neuropathy is a common condition that affects patients undergoing treatment with some specific drugs. Besides, several different substances have been used to treat or control this condition, although no significant evidence could be found in these studies.

Keywords:
Peripheral nervous system diseases/chemically induced; Drug therapy/adverse effects

INTRODUÇÃO

Estudos indicam que a quimioterapia é o tratamento de escolha da maioria dos casos de câncer(11. Butters DJ, Ghersi D, Wilcken N, Kirk SJ, Mallon PT. Addition of drug/s to a chemotherapy regimen for metastatic breast cancer. Cochrane Database Syst Rev. 2010;(11):CD003368.,22. Mauri D, Polyzos N P, Salanti G, Pavlidis N, Ioannidis J P. Multiple-treatments meta-analysis of chemotherapy and targeted therapies in advanced breast cancer. J Natl Cancer Inst. 2008;100(24):1780-91.). Contudo, a despeito de sua vasta utilização clínica em oncologia, apresentam-se na literatura diversos relatos de queixas associadas aos efeitos colaterais do tratamento em questão(33. National Cancer Institute. What you need to know about cancer [Internet]. Bethesda: National Institutes of Health; 2006 [cited 2011 Nov 24]. p. 66. Available from: http://www.cancer.gov/cancertopics/covers-wyntk-cancer.pdf.
http://www.cancer.gov/cancertopics/cover...
). Dentre os efeitos colaterais está a neurotoxicidade. A literatura da área aponta como neurotóxicas as seguintes drogas administradas na quimioterapia antineoplásica: vincristina, vimblastina, vinorelbina, cisplatina, oxaliplatina, citarabina, ifosfamida, 5-fluorouracil, metotrexato, paclitaxel, docetaxel, altretamina, procarbazina, interleucina-2, fludarabina, cladribina e pentostatina(44. DeVita VT Jr, Hellman S, Rosenberg SA. Cancer: principles and practice of oncology. 6th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins. 2001. Section 8, Miscellaneous toxicities; p.2964-76.).

A neuropatia periférica é o acometimento de neurônios que formam nervos periféricos ou raízes nervosas. A doença causa sintomas motores e sensitivos, que podem incluir fraqueza, atrofia e hipotonia muscular, hipo ou arreflexia, hipoestesia, parestesia, disestesia, ataxia sensitiva, levando ao comprometimento do desempenho do indivíduo em suas atividades de vida diária e sua independência funcional. Considerando a etiologia da doença, a neuropatia periférica pode ser associada a condições médicas gerais, a processos inflamatórios ou infecciosos, a processos metabólicos e à hereditariedade. A neuropatia periférica sobre a qual o presente trabalho discorre enquadra-se em processos metabólicos, dado o efeito tóxico dos quimioterápicos e sua interferência no metabolismo saudável da célula nervosa(55. Misra UK, Kalita J. Toxic neuropathies. Neurol India. 2009;57(6):697-705.88. Kimura J. Electrodiagnosis in diseases of nerve and muscle: principles and practice. 2nd ed. Philadelphia: FA Davis; 1989. Chapter 25, Polyneuropathies; p. 462-81.).

Os principais sintomas da neuropatia periférica induzida por quimioterapia (NPIQ) podem depender da droga e da dose utilizadas, porém, geralmente manifestam-se como fraqueza, perda de sensibilidade e de reflexos de predomínio distal. A descontinuidade do uso das drogas desencadeadoras da neuropatia periférica parece suprimir os sintomas, entretanto, há de se observar os indícios de toxicidade ainda presentes e atentar para a presença de lesões permanentes(77. Schestatsky P, Zanonato A, Lladó-Carbó A. Polineuropatias. In: Chavez ML, Finkelsztejn A, Stefani MA. Rotinas em neurologia e neurocirurgia. Porto Alegre: Artmed; 2009. p. 223-34.,88. Kimura J. Electrodiagnosis in diseases of nerve and muscle: principles and practice. 2nd ed. Philadelphia: FA Davis; 1989. Chapter 25, Polyneuropathies; p. 462-81.).

Estima-se que de 30 a 40% dos pacientes que recebem quimioterapia desenvolvem neuropatia periférica(99. Wolf S, Barton D, Kottschade L, Grothey A, Loprinzi C. Chemotherapy-induced peripheral neuropathy: prevention and treatment strategies. Eur J Cancer. 2008;44(11):1507-15.1111. Cavaletti G, Marmiroli P. The role of growth factors in the prevention and treatment of chemotherapy-induced peripheral neurotoxicity. Curr Drug Saf. 2006;1(1):35-42.). Existem relatos, entretanto, de incidências que chegam a 60% quando as drogas administradas são cisplatina(1212. Chaudhry V, Rowinsky EK, Sartorius SE, Donehower RC, Cornblath DR. Peripheral neuropathy from taxol and cisplatin combination chemotherapy: clinical and electrophysiological studies. Ann Neurol. 1994;35(3):304-11.,1313. von Schlippe M, Fowler CJ, Harland SJ. Cisplatin neurotoxicity in the treatment of metastatic germ cell tumour: time course and prognosis. Br J Cancer. 2001;85(6):823-6.), paclitaxel(1414. Sparano JA, Wang M, Martino S, Jones V, Perez EA, Saphner T, et al. Weekly paclitaxel in the adjuvant treatment of breast cancer. N Engl J Med. 2008;358(16):1663-71.), docetaxel(1515. Pronk LC, Hilkens PH, van den Bent MJ, van Putten WL, Stoter G, Verweij J. Corticosteroid co-medication does not reduce the incidence and severity of neurotoxicity induced by docetaxel. Anticancer Drugs. 1998;9(9):759-64.), vincristina(1616. Sarris AH, Hagemeister F, Romaguera J, Rodriguez MA, McLaughlin P, Tsimberidou AM, et al. Liposomal vincristine in relapsed non-Hodgkin's lymphomas: early results of na ongoing phase II trial. Ann Oncol. 2000;11(1):69-72.), oxaliplatina e bortezomib(1717. Kelly H, Goldberg RM. Systemic therapy for metastatic colorectal cancer: current options, current evidence. J Clin Oncol. 2005;23(20):4553-60.).

Esse estudo dedica-se à investigação da neurotoxicidade dos quimioterápicos manifestada sob a forma de neuropatia periférica. A literatura apresenta diversos estudos que investigam a relação entre a administração de quimioterápicos, sua neurotoxicidade e a presença de patologias neurológicas, dentre elas a neuropatia periférica(1818. Grothey A. Clinical management of oxaliplatin-associated neurotoxicity. Clin Colorectal Cancer. 2005;5 Suppl 1:S38-46.2323. Hausheer FH, Schilsky RL, Bain S, Berghorn EJ, Lieberman F. Diagnosis, management, and evaluation of chemotherapy-induced peripheral neuropathy. Semin Oncol. 2006;33(1):15-49.).

Dadas as evidências mostradas na literatura, faz-se necessário investigar a incidência, os sintomas e as condutas terapêuticas associadas à NPIQ. Dessa forma, acredita-se que profissionais que se dedicam ao cuidado ao paciente oncológico possam delinear os padrões de acometimento da doença, bem como planos de intervenção precoce e, sobretudo, estratégias de conduta terapêutica que incluam auxílio e adaptação em atividades de vida diária junto a essa população, garantindo-lhe maior independência, autonomia e qualidade de vida.

OBJETIVOS

  • -

    Identificar em literatura artigos que abordem a NPIQ.

  • -

    Identificar em literatura proposta de prevenção e tratamento da NPIQ.

MÉTODOS

Estudo descritivo, exploratório, do tipo revisão narrativa da literatura. Perguntas norteadoras: “Como se caracteriza a NPIQ? Existe prevenção e tratamento para a doença em questão?”.

As bases de dados eleitas, no decorrer do segundo semestre de 2010, foram: Scientific Electronic Library Online (SciELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Pubmed, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) e Web of Science. Foram incluídos os estudos científicos nos idiomas português, inglês e espanhol publicados entre setembro de 2005 e setembro de 2010.

Os descritores pesquisados foram: “tratamento” (“treatment“) e “neuropatia periférica induzida por quimioterapia” (“chemotherapy-induced peripheral neuropathy“).

Foi feita a catalogação dos conteúdos advindos das publicações incluídas na coleta de dados seguindo-se um roteiro semiestruturado (Quadro 1).

Quadro 1
Caracterização dos artigos selecionados

Os dados encontrados foram catalogados e os temas relevantes sobre os quais versavam os artigos geraram categorias temáticas, sobre as quais se discorreu nos resultados e na discussão do presente trabalho.

RESULTADOS

Foram localizados 57 artigos, dentre os quais 26 enquadraram-se nos critérios de inclusão estabelecidos.

Dos 26 artigos selecionados, foram identificadas 5 categorias temáticas (Figura 1). Ressalta-se que no presente estudo serão discutidos apenas os resultados referentes ao tratamento da NPIQ.

Figura 1
Temas centrais

DISCUSSÃO

Na apresentação dos resultados, foi possível verificar que a maior parte das publicações localizadas têm como tema central o tratamento da NPIQ. Observa-se uma heterogeneidade nas substâncias e técnicas utilizadas no tratamento da NPIQ. Dessa forma, apresentam-se a seguir as técnicas e substâncias identificadas nos artigos que compuseram a amostra da presente revisão.

Ablação por radiofrequência

Um estudo indiano publicou um estudo de caso sobre um paciente do sexo masculino, de 63 anos de idade, com diagnóstico de câncer de próstata com metástase óssea em acetábulo, ísquio esquerdo, cabeça do fêmur, vértebras, costelas, pelve e crânio. O paciente foi submetido à cirurgia e, posteriormente, à radioterapia e à quimioterapia adjuvante com docetaxel e prednisolona. Três meses após a cirurgia e o fim dos ciclos de quimioterapia, o paciente começou a apresentar dor e formigamento na palma direita, seguido de parestesia no braço, antebraço e palma da mão direita. O relato indica que o paciente foi refratário a tratamentos para NPIQ que incluíam gabapentina, morfina e pregabalina. Após feito o diagnóstico diferencial para síndrome do túnel do carpo, deu-se início o tratamento com radiofrequência. As estimulações por radiofrequência continuada ocorreram em 2 ciclos de 90 segundos nos nervos ulnar e mediano. Após 2 a 4 horas da estimulação, o paciente referiu melhora dos sintomas. No dia seguinte o paciente referiu diminuição de 40% na dor e, 2 dias depois, melhora de 90%, sendo suspenso, assim, o uso de morfina e demais medicamentos para dor. Observa-se que o estudo em questão traz a técnica da ablação por radiofrequência continuada como uma alternativa para o manejo da dor advinda da NPIQ. Contudo, não foram observados apontamentos que referissem diminuição dos déficits sensoriais e motores que pudessem interferir na melhora da qualidade de vida relacionada à maior independência nas atividades de vida diária(2424. Yadav N, Philip FA, Gogia V, Choudhary P, Rana S P, Mishra S, et al. Radio Frequency Ablation in Drug Resistant Chemotherapy-induced Peripheral Neuropathy: A Case Report and Review of Literature. Indian J Palliat Care. 2010;16(1):48-51.).

Baclofen, amitriptilina HCL e ketamina

Pesquisadores americanos investigaram, em um estudo randomizado e placebo-controlado, a eficácia de um organogel de lecitina tópico composto de baclofen 10 mg, amitriptilina HCL 40 mg e ketamina 20 mg em 203 pacientes com NPIQ sob tratamento com diversos quimioterápicos (alcaloides da vinca, oxaliplatina, cisplatina, taxanos, talidomida e outros). A justificativa da eleição dos compostos do organogel se dá pelo mecanismo de ação das substâncias: baclofen é um agonista do receptor GABA; a amitriptilina HCL afeta receptores de adenisina A e os canais de sódio; e a ketamina inibe os receptores glutaminérgicos NMDA. A instrução dada aos pacientes participantes do estudo era aplicar uma colher de sopa do gel na região onde se manifestava dor, perda de sensibilidade e/ou formigamento, 2 vezes ao dia – ao se levantar e ao deitar, durante 4 semanas. Para avaliação da NPIQ, foi utilizado um questionário de 20 itens denominado European Organization for Research and Treatment of Cancer – Chemotherapy Induced Peripheral Neuropathy (EORTC – CIPN20), que contém questões que avaliam sintomas sensitivos, motores, autonômicos e funcionais. Após análise estatística dos dados registrados, os pesquisadores verificaram que os pacientes que aplicaram o gel tópico, em comparação ao grupo placebo-controle, apresentaram tendências de melhoras em componentes sensitivos (p = 0,053) e melhoras estatisticamente significativas (p = 0,021) em componentes motores(2525. Barton DL, Wos EJ, Qin R, Mattar BI, Green NB, Lanier KS, et al. A double-blind, placebo-controlled trial of a topical treatment for chemotherapy-induced peripheral neuropathy: NCCTG trial N06CA. Support Care Cancer. 2011;19(6):833-41.).

Vitamina E

Estudiosos indicam que os sintomas da NPIQ, tais como perda de reflexos e parestesia em botas e luvas, assemelham-se àqueles apresentados por pacientes com neuropatia periférica decorrente de síndromes por deficiência de vitamina E, como má absorção lipídica e fibrose cística. Além disso, aponta-se que o tratamento com cisplatina reduz significativamente os níveis de vitamina E e, consequentemente, leva os pacientes à experiência da NPIQ(2626. Bove L, Picardo M, Maresca V, Jandolo B, Pace A. A pilot study on the relation between cisplatin neuropathy and vitamin E. J Exp Clin Cancer Res. 2001;20(2):277-80.,2727. Pace A, Savarese A, Picardo M, Maresca V, Pacetti U, Del Monte G, et al. Neuroprotective effect of vitamin E supplementation in patients treated with cisplatin chemotherapy. J Clin Oncol. 2003;21(5):927-31.).

Com base nessas premissas, foi realizado um estudo clínico em que se buscou avaliar os efeitos neuroprotetivos da vitamina E em 47 pacientes sob tratamento com cisplatina (dose cumulativa média de 420 mg/m2). Os pacientes foram randomizados e divididos em dois grupos, um dos quais recebia apenas cisplatina ao passo que o segundo recebia cisplatina e 300 mg/dia de vitamina E. Observou-se que houve uma significativa queda na incidência de NPIQ no grupo que recebeu vitamina E concomitante ao tratamento quimioterápico (31 versus 86%)(2727. Pace A, Savarese A, Picardo M, Maresca V, Pacetti U, Del Monte G, et al. Neuroprotective effect of vitamin E supplementation in patients treated with cisplatin chemotherapy. J Clin Oncol. 2003;21(5):927-31.).

Um segundo estudo randomizado avaliou 40 pacientes recebendo quimioterapia com cisplatina e paclitaxel, utilizando a mesma metodologia descrita no estudo anteriormente citado, a não ser pela diferença da dosagem administrada: parte dos pacientes recebia, além dos quimioterápicos, 300 mg de vitamina E, duas vezes ao dia. Os resultados encontrados a partir da comparação entre os dois grupos assemelham-se às conclusões do estudo anterior: houve incidência de 25% de NPIQ no grupo tratado com vitamina E e de 73% de NPIQ no grupo controle(2828. Argyriou AA, Chroni E, Koutras A, Ellul J, Papapetropoulos S, Katsoulas G, et al. Vitamin E for prophylaxis against chemotherapy-induced neuropathy: a randomized controlled trial. Neurology. 2005;64(1):26-31.).

Ambas as pesquisas revelam efeitos protetivos da vitamina E na incidência de NPIQ. Entretanto, os estudos não apresentam amostras quantitativamente representativas para que se afirme que a substância em questão de fato apresentará efeitos semelhantes em outras amostras de pacientes sob tratamento quimioterápico. Contudo, foi localizado um estudo fase III, duplocego, randomizado, placebo-controlado em andamento no North Central Cancer Treatment Group, nos Estados Unidos. A pesquisa em questão contará com a análise dos efeitos neuroprotetivos da vitamina E junto a 200 pacientes sob tratamento quimioterápico. Espera-se que os resultados do estudo em questão possam elucidar os efeitos da vitamina E sobre a NPIQ e prover dados acerca da eficácia da substância em questão no tratamento da NPIQ(2929. Kottschade L, Loprinzi C, Rao R. Vitamin e for the prevention of chemotherapy-induced peripheral neuropathy: rationale for an ongoing clinical trial. Support Cancer Ther. 2007;4(4):251-3.).

Glutamina

Estudos sugerem que a glutamina pode interferir em diversos efeitos colaterais vivenciados por pacientes sob tratamento quimioterápico, dentre os quais elencam-se: mucosites, mialgias, artralgias, diarreia, cardiotoxicidade e caquexia. Além disso, devido à função de regulação do fator de crescimento neuronal, acredita-se que a glutamina possa apresentar potencial neuroprotetivo, reduzindo, assim, a NPIQ(3030. Visovsky C, Collins M, Abbott L, Aschenbrenner J, Hart C. Putting evidence into practice: evidence-based interventions for chemotherapy-induced peripheral neuropathy. Clin J Oncol Nurs. 2007;11(6):901-13.3232. Decker GM. Glutamine: indicated in cancer care? Clin J Oncol Nurs. 2002;6(2):112-5.).

Pesquisadores avaliaram os efeitos neuroprotetivos de glutamina em 45 pacientes com câncer de mama em estágio 4 recebendo tratamento com altas doses de paclitaxel. A primeira coorte (n = 33) não recebeu glutamina, ao passo que a segunda (n = 12) recebia 10 g de glutamina via oral, 3 vezes por dia, durante 4 dias, com início 24 horas após a administração de paclitaxel. Os resultados do estudo mostraram que pacientes recebendo glutamina apresentaram significativamente menos sintomas de disestesias e diminuição de propriocepção de intensidade moderada a grave em dedos das mãos e dos pés. Ainda, pacientes sob tratamento com glutamina também apresentaram menos perda de reflexos e menos comprometimento nas atividades de vida diária. Ressalta-se que todos os sintomas de toxicidade mostraram-se reversíveis com o passar do tempo(3333. Vahdat L, Papadopoulos K, Lange D, Leuin S, Kaufman E, Donovan D, et al. Reduction of paclitaxel-induced peripheral neuropathy with glutamine. Clin Cancer Res. 2001;7(5):1192-7.).

Outro grupo de pesquisadores avaliou o papel do uso de glutamina oral junto a 86 pacientes em estágio metastático de câncer de colo ou reto tratados com oxaliplatina (85 mg/m2 nos dias 1 e 15 de cada ciclo de 28 dias). Os pacientes foram randomizados para receber glutamina (n = 42) ou não (n = 44). O grupo que recebeu glutamina na dosagem de 15 g, 2 vezes ao dia, durante 7 dias, a cada 2 semanas, foi comparado ao grupo que não recebeu glutamina segundo sintomas de NPIQ avaliados após 2, 4 e 6 ciclos de tratamento pela escala NCI-CTC. O estudo ainda avaliou condução nervosa, resposta à quimioterapia e comprometimento das atividades de vida diária. Os resultados mostraram que pacientes que receberam glutamina apresentaram menos sintomas de NPIQ e menos interferência em atividades de vida diária quando comparados ao grupo controle. Os pesquisadores destacam que não houve diferenças na condução nervosa, na resposta ao tratamento quimioterápico ou na média de sobrevida desses pacientes. Esse estudo sugere, portanto, que a glutamina pode reduzir a ocorrência de NPIQ, evitando tanto a eficácia da oxaliplatina como a necessidade de diminuição da dosagem da droga(3434. Wang WS, Lin JK, Lin TC, Chen WS, Jiang JK, Wang HS, et al. Oral glutamine is effective for preventing oxaliplatin-induced neuropathy in colorectal cancer patients. Oncologist. 2007;12(3):312-9.).

Verifica-se, portanto, que apesar dos estudos apresentados mostrarem resultados favoráveis ao uso de glutamina oral junto a pacientes em tratamento quimioterápico, eles falham em avaliar os efeitos neuroprotetivos da substância em amostras quantitativamente adequadas que possam prover dados estatisticamente significativos que comprovem a eficácia da glutamina na redução da incidência de NPIQ(3535. Amara S. Oral glutamine for the prevention of chemotherapy-induced peripheral neuropathy. Ann Pharmacother. 2008;42(10):1481-5.).

Canabinoides

Estudiosos canadenses investigaram o impacto de canabinoides na redução de sintomas relacionados à NPIQ junto a oito pacientes, dentre os quais, seis recebiam tratamento com derivados de platina. Após a administração de canabinoides junto a esses pacientes, notou-se melhora em sete dos oito pacientes estudados, por meio da comparação das pontuações da escala NCI-CTC antes e após o tratamento. Por se tratar de um estudo com uma amostragem muito reduzida, os próprios autores apontam limitações do estudo referentes à replicação do estudo em amostras quantitativamente mais expressivas. Apontam, ainda, a necessidade de investigações mais amplas junto aos efeitos terapêuticos de canabinoides em pacientes com NPIQ(3636. Gingerich J, Wadhwa D, Lemanski L, Krahn M, Daeninck PJ. The use of cannabinoids (CBs) for the treatment of chemotherapy-induced peripheral neuropathy (CIPN): a retrospective review [abstract]. J Clin Oncol. 2009;27(15):e20743.).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considera-se que o presente trabalho atingiu os objetivos aos quais se propôs, na medida em que foi possível identificar estudos que exploravam a NPIQ, bem como os diversos aspectos que cercam tal tema, em especial as propostas de intervenção para minimizar os danos causados pelo acometimento das fibras nervosas periféricas.

CONCLUSÕES

O campo para estudo, pesquisa e intervenção na área é amplo e necessita de maior investigação. Observou-se que diversos estudos têm sido conduzidos recentemente para avaliar a resposta de medicamentos e procedimentos que hipoteticamente minimizem os sintomas e acometimentos da NPIQ. Entretanto, os estudos apresentam limitações que convergem para a necessidade de adequações metodológicas, como composição de amostras quantitativamente representativas e delineamentos de pesquisa que favoreçam a obtenção de dados mais fidedignos, que possam ser generalizados para outras amostras de pacientes sob condições patológicas semelhantes.

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Disponibilidade de dados

Citações de dados

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2011

Histórico

  • Recebido
    02 Ago 2011
  • Aceito
    03 Nov 2011
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