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Pesquisa clínica no Brasil

EDITORIAL

Pesquisa clínica no Brasil

Luiz Vicente Rizzo; Luis Fernando Aranha Camargo

Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil

Pesquisa clínica é extremamente importante para o avanço da assistência médica. É impossível prever o comportamento de uma droga na população considerando-se suas complexidades, com base apenas em estudos em vitro e em animais. Por outro lado, a proteção dos sujeitos da pesquisa não é apenas uma questão científica, mas de direitos humanos, frente aos abusos ocorridos em passado recente nas assim chamadas sociedades "civilizadas".

O dilema entre os sujeitos da pesquisa e a realização de estudos clínicos ainda tem que ser resolvido, e o melhor que a ciência pode oferecer são diretrizes e a segurança de um revisão feita por comitês de ética, formados por especialistas da área, advogados, representantes de grupos de pacientes e de defesa do consumidor.

Infelizmente as autoridades brasileiras estão colocando o país em uma posição que logo não será mais possível realizar pesquisas clínicas aqui. As inadequações da vigilância centralizada em pesquisa clínica, ainda mais importantes quando há participação internacional, representam significativa limitação para conduzir estudos clínicos no país e deixam o Brasil fora da comunidade das ciências médicas. O resultado final é que os pacientes brasileiros são excluídos da POSSIBILIDADE de ter um medicamento que salva ou modifica sua vida até que seja aprovado em outros mercados; às vezes, muitos anos após este fato. Além disso, os médicos brasileiros não têm tempo para ganhar experiência com o uso de novas drogas, nem com outras questões relevantes, como lidar com os inevitáveis efeitos colaterais. E a situação piora, pois não há acesso a estas drogas durante a fase de pesquisa. As peculiaridades do comportamento da droga na população brasileira não são avaliadas em um ambiente científico controlado, mas no cotidiano caótico de médicos e serviços de saúde, que são essencialmente prestadores de cuidados primários e não cientistas. O resultado é que os dados não são coletados de forma adequada nem oportuna, como seriam se existissem os protocolos de pesquisa.

Acrescente-se a tudo isso o pesadelo de regulamentação da burocracia brasileira, com diversos órgãos envolvidos na definição do que deve vir para o país. Na tragédia recente em Santa Maria, foi preciso trazer medicamentos dos Estados Unidos para tratar os pacientes envenenados por fumaça, pois a droga ainda não é "permitida" no Brasil.

Os estudos clínicos são mais complexos e caros quando comparados a aos da pesquisa básica. Estudos pequenos, locais e regionais, incluindo ensaios clínicos complexos e investigações epidemiológicas, têm um impacto limitado na prática clínica e requerem redes nacionais ou globais. Portanto, a logística, principalmente para os estudos clínicos, demanda uma estrutura complexa. Recrutamento em diversos países, centros de pesquisa clínica bem organizados e com conhecimento das boas práticas clínicas, monitoramento a longo prazo, além da necessidade de oferecer drogas experimentais "benéficas" após o ensaio, aumentam tanto os custos que, hoje em dia, os estudos clínicos envolvendo tratamentos medicamentosos ou novas intervenções são realizados quase que exclusivamente pelas grandes empresas farmacêuticas. Por isso as unidades de investigação dedicadas a realizar estudos internacionais estão tendo problemas com orçamento, principalmente nos países em desenvolvimento.

E os obstáculos não param após a publicação dos bons resultados. Surgem ameaças sobre estudos com dados manipulados, especialmente aqueles (mas não apenas) realizados pelas grandes empresas farmacêuticas. Faltam mecanismos para o devido cumprimento e controle.

Outro problema relacionado ao papel de liderança das indústrias farmacêuticas em pesquisa clínica é o fato dos novos compostos nem sempre atenderem às necessidades dos pacientes e médicos. Vamos citar o exemplo dos antibióticos: não há expectativa, a curto prazo, de novas drogas para bactérias Gram-negativas (grupo de bactérias com espécies resistentes a praticamente todos antimicrobianos). Mas estes medicamentos não estão sendo desenvolvidos, já que a indústria não os considera suficientemente rentáveis. Os infectologistas já fazem restrições ao uso indiscriminado de antibióticos, de modo a preservar sua eficácia. Restrição ao uso significa redução de rentabilidade de desenvolvimento destas drogas.

As indústrias farmacêuticas, entretanto, desempenham um importante papel na descoberta e desenvolvimento de novos fármacos. Novas abordagens terapêuticas, apesar de alguns achados inesperados após os estudos clínicos, com grande número de pacientes tratados, mudaram a prática clínica e salvaram muitas vidas. Novos agentes anticoagulantes, antimicrobianos, antifúngicos, anti-inflamatórios e oncológicos facilitaram o cuidado médico e aumentaram a segurança para os pacientes. Trabalhar em conjunto com as empresas farmacêuticas, em vez cercear unilateralmente seu papel em pesquisas, deve ser a melhor estratégia para ter novos e bons estudos clínicos. Diminuir as barreiras burocráticas e os custos, e elaborar políticas de cumprimento e práticas de controle, especialmente em relação a análise e coleta de dados, e preparo de artigos, são essenciais para uma relação simbiótica.

Os estudos epidemiológicos e translacionais também são relevantes e mais baratos. Deve-se encorajar seu financiamento por órgãos públicos e privados, entendendo que são predecessores dos grandes ensaios clínicos.

Os estudos clínicos beneficiam diretamente os pacientes. Em algumas áreas (oncologia, doenças inflamatórias), os pacientes participam em estudos de novas drogas, pois não há outras opções terapêuticas disponíveis. Existem tantos outros problemas, que os "detalhes" da pesquisa clínica são relevados a segundo, terceiro ou quarto plano, e os cidadãos comuns não conseguem perceber o dano causado a eles por quem deveria trabalhar a seu favor. Portanto, é obrigação de todos profissionais da área - médicos, farmacêuticos, enfermeiros, biólogos, para citar apenas alguns, organizar e propor uma abordagem racional que não irá apenas matar a sede regulatória do governo, mas também servir aos pacientes.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Abr 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 2013
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