Acessibilidade / Reportar erro

Associação entre inflamação subclínica, hemoglobina glicada e risco de apneia obstrutiva do sono

RESUMO

Objetivo

Investigar a inter-relação entre proteína C-reativa de alta sensibilidade e hemoglobina glicada na predição do risco de apneia obstrutiva do sono.

Métodos

Foram incluídos todos os indivíduos participantes do programa de check-up do Centro de Medicina Preventiva Hospital Israelita Albert Einstein em 2014. Foi aplicado o questionário de Berlin sobre risco de apneia do sono, e avaliadas as dosagens de hemoglobina glicada e proteína C-reativa de alta sensibilidade.

Resultados

Foram incluídos 7.115 participantes (idade 43,4±9,6 anos, 24,4% mulheres). A prevalência de alteração no questionário de Berlin foi de 434 (6,1%). A alteração do questionário de Berlin associou-se positivamente aos resultados da proteína C-reativa de alta sensibilidade e da hemoglobina glicada (p<0,001). No entanto, apenas a associação entre o resultado do questionário de Berlin e a hemoglobina glicada permaneceu significativa na análise multivariada ajustada tanto para fatores de risco tradicionais quanto para um modelo adicional, que incluiu também lipoproteína de alta densidade-colesterol (HDL-c) e triglicérides.

Conclusão

A hemoglobina glicada, mesmo em valores abaixo do critério diagnóstico para diabetes mellitus, está associada de forma independente ao risco para síndrome da apneia obstrutiva do sono, mesmo após ajuste para obesidade e proteína C-reativa. Estes achados sugerem possível ligação fisiopatológica entre alterações na resistência insulínica e a síndrome da apneia obstrutiva do sono, que independe da obesidade ou inflamação de baixo grau.

Apneia obstrutiva do sono; Hemoglobina A glicosilada; Doenças cardiovasculares; Inflamação

ABSTRACT

Objective

To investigate the inter-relation between high sensitivity C-reactive protein and glycated hemoglobin in prediction of risk of obstructive sleep apnea.

Methods

We included all individuals participating in a check-up program at the Preventive Medicine Center of Hospital Israelita Albert Einstein in 2014. The Berlin questionnaire for risk of obstructive sleep apnea was used, and the high sensitivity C-reactive protein and glycated hemoglobin levels were evaluated.

Results

The sample included 7,115 participants (age 43.4±9.6 years, 24.4% women). The Berlin questionnaire showed changes in 434 (6.1%) individuals. This finding was associated with high sensitivity C-reactive protein and glycated hemoglobin levels (p<0.001). However, only the association between the Berlin questionnaire result and glycated hemoglobin remained significant in the adjusted multivariate analysis, for the traditional risk factors and for an additional model, including high-density lipoprotein cholesterol and triglycerides.

Conclusion

The glycated hemoglobin, even below the threshold for diagnosis of diabetes, is independently associated with obstructive sleep apnea syndrome, even after adjustment for obesity and C-reactive protein. These findings suggest a possible pathophysiological link between changes in insulin resistance and obstructive sleep apnea syndrome, independently from obesity or low-grade inflammation.

Sleep apnea, obstructive; Hemoglobin A, glycosylated; Cardiovascular diseases; Inflammation

INTRODUÇÃO

A síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) é um distúrbio do sono caracterizado por episódios de obstrução, parcial ou total, do fluxo de ar das vias aéreas superiores, podendo apresentar alterações na saturação arterial de oxigênio e prejuízo na qualidade do sono. Este quadro pode gerar graves consequências físicas e cognitivas, como sonolência excessiva e alteração de memória. Entretanto, o ponto mais preocupante é a SAOS estar associada a doenças cardiovasculares e diabetes mellitus.11. Khayat R, Pleister A. Consequences of Obstructive Sleep Apnea: Cardiovascular Risk of Obstructive Sleep Apnea and Whether Continuous Positive Airway Pressure Reduces that Risk. Sleep Med Clin. 2016;11(3):273-86. Review.,22. Storgaard H, Mortensen B, Almdal T, Laub M, Tarnow L. At least one in three people with Type 2 diabetes mellitus referred to a diabetes centre has symptomatic obstructive sleep apnoea. Diabet Med. 2014;31(11):1460-7.

Como os indivíduos com SAOS apresentam aumento de marcadores inflamatórios, sugere-se que a inflamação subclínica seja uma explicação fisiopatológica para esta conexão. No entanto, como indivíduos com diabetes mellitus têm maior prevalência de SAOS, inflamação subclínica e doenças cardiovasculares,33. Wild S, Roglic G, Green A, Sicree S, King H. Global prevalence of diabetes: estimates for the year 2000 and projections for 2030. Diabetes Care. 2004; 27(5):1047-53.

4. Schmidt MI, Duncan BB, Sharrett AR, Lindberg G, Sarage PJ, Offenbacher S, et al. Markers of inflammation and prediction of diabetes mellitus in adults (Atherosclerosis Risk in Communities Study): a cohort study. Lancet. 1999; 353(9165):1649-52.
-55. Pradhan AD, Manson JE, Rifai N, Buring J, Ridker PM. C-Reactive protein, interleukin 6, and risk of developing type 2 diabetes mellitus. JAMA. 2001; 286(3):327-34.é possível que o diabetes mellitus seja um fator de confusão da associação entre SAOS e doença cardiovascular.

Apesar de diversos estudos sugerirem que a associação entre diabetes mellitus e SAOS aumente ainda mais o risco cardiovascular,11. Khayat R, Pleister A. Consequences of Obstructive Sleep Apnea: Cardiovascular Risk of Obstructive Sleep Apnea and Whether Continuous Positive Airway Pressure Reduces that Risk. Sleep Med Clin. 2016;11(3):273-86. Review.,22. Storgaard H, Mortensen B, Almdal T, Laub M, Tarnow L. At least one in three people with Type 2 diabetes mellitus referred to a diabetes centre has symptomatic obstructive sleep apnoea. Diabet Med. 2014;31(11):1460-7.,66. Fitzgerald DB, Kent BD, Garvey JF, Russell A, Nolan G, McNicholas WT. Screening for diabetes mellitus in patients with OSAS: a case for glycosylated haemoglobin. Eur Respir J. 2012;40(1):273-4.,77. Kim J, Yoon DW, Lee SK, Lee S, Choi KM, Robert TJ, et al. Concurrent presence of inflammation and obstructive sleep apnea exacerbates the risk of metabolic syndrome: a KoGES 6-year follow-up study. Medicine (Baltimore). 2017;96(7):e4488.não há evidência consistente de que a associação entre as alterações do metabolismo de glicose e a SAOS ocorra antes da manifestação de DM. Da mesma forma, não está clara a implicação do processo inflamatório de baixa intensidade no risco de desenvolvimento de SAOS na população de indivíduos sem diabetes mellitus.

OBJETIVO

Investigar a inter-relação entre proteína C-reativa de alta sensibilidade e hemoglobina glicada na predição do risco de apneia obstrutiva do sono.

MÉTODOS

Trata-se de estudo epidemiológico transversal realizado no Centro de Medicina Preventiva do Hospital Israelita Albert Einstein. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética, sob o número 1.011.818, CAAE: 42387814.0.0000.0071.

Foram avaliados todos os indivíduos adultos que compareceram à unidade para realizar check-up no período de janeiro a dezembro de 2014; coletaram exames laboratoriais para análise de hemoglobina glicada (HbA1c), proteína C-reativa de alta sensibilidade (PCRas) e perfil lipídico; responderam o questionário de Berlin e passaram em consulta com nutricionista e fisioterapeuta. Foram excluídos os pacientes com idade inferior a 18 anos e diabéticos. Foram considerados diabéticos os indivíduos em tratamento com antidiabéticos orais e indivíduos com critérios diagnósticos para diabetes mellitus pelos níveis de glicemia e/ou HbA1c.

Foram realizados testes laboratoriais clínicos, após 12 horas de jejum. Colesterol total, lipoproteína de alta densidade-colesterol (HDL-c), triglicérides (TG), glicemia (mg/dL) e HbA1c foram determinados por métodos enzimáticos em plataformas in vitro (Johnson & Johnson Clinical Diagnostics, EUA). A lipoproteína de baixa densidade-colesterol (LDL-c) foi calculada pela fórmula de Friedewald para TG <400mg/dL. A glicemia de jejum foi considerada alterada quando os valores encontrados permaneceram entre 100mg/dL e 126mg/dL. Em relação a HbA1c, valores entre 5,7% e 6,4% foram considerados pré-diabéticos, e valor igual ou superior a 6,5%, diabéticos, como recomendado para a prática clínica.88. Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). Posicionamento oficial SBD nº 02/2015. Conduta terapêutica no diabetes tipo 2: algoritmo SBD 2015 [Internet]. São Paulo: SBD; 2015 [citado 2017 Abr 6]. Disponivel em: http://www.diabetes.org.br/profissionais/images/2017/posicionamento-2.pdf
http://www.diabetes.org.br/profissionais...
Como os diabéticos foram excluídos do estudo, o valor de 5,7% foi utilizado para a categorização da HbA1c. Os valores de proteína C-reativa (PCR) em mg/L foram determinados por imunoturbidimetria (Dade-Boehring, EUA). A presença de inflamação subclínica foi considerada para valores de PCR >2mg/L, como utilizado em estudos prévios que usaram este marcador para a definição de aterosclerose subclínica.99. Ridker PM. The JUPITER trial: results, controversies and implications for prevention. Circ Cardiovasc Qual Outcomes. 2009;2(3):279-85.

Os participantes foram questionados sobre o histórico de dislipidemia (diagnóstico prévio ou uso de hipolipemiante), hipertensão arterial (diagnóstico prévio de hipertensão ou uso de anti-hipertensivos), diabetes (uso prévio de medicamentos para diabetes ou glicemia de jejum >126mg/dL) e tabagismo prévio e atual (consumo de pelo menos um cigarro nos últimos 30 dias).

O índice de massa corporal (IMC) foi obtido para classificar indivíduos como eutróficos (IMC <25kg/m2), sobrepeso (25 a 29,9kg/m2) e obesos (≥30kg/m2). A circunferência abdominal foi medida para avaliar a adiposidade visceral. A pressão arterial sistólica e diastólica foi verificada seguindo os critérios da American Heart Association,1010. Pickering TG, Hall JE, Appel LJ, Falkner BE, Graves J, Hill MN, Jones DW, Kurtz T, Sheps SG, Roccella EJ; Subcommittee of Professional and Public Education of the American Heart Association Council on High Blood Pressure Research. Recommendations for blood pressure measurement in humans and experimental animals: Part 1: blood pressure measurement in humans: a statement for professionals from the Subcommittee of Professional and Public Education of the American Heart Association Council on High Blood Pressure Research. Hypertension. 2005;45(1):142-61. utilizando esfigmomanômetro calibrado e manguito adequado para a circunferência do braço. A pressão arterial foi medida três vezes, sendo considerado o valor médio obtido.

O questionário de Berlin é um questionário validado1111. Netzer NC, Stoohs RA, Netzer CM, Clark K, Strohl KP. Using the Berlin Questionnaire to identify patients at risk for the sleep apnea syndrome. Ann Intern Med. 1999;131(7):485-91. que avalia três categorias: presença de ronco noturno (cinco questões), sonolência excessiva diurna (quatro questões) e diagnóstico de hipertensão arterial e/ou obesidade (uma questão). A pontuação das categorias é: duas ou mais respostas positivas nas categorias 1 e 2 e resposta positiva da questão da categoria 3 ou IMC >30kg/m2. Quando duas ou mais categorias são consideradas positivas, há indicação de alto risco para SAOS.

Análise estatística

As variáveis categóricas estão descritas por frequência absoluta e relativa. As variáveis contínuas estão descritas como média e desvio padrão, exceto os TG e a PCRas, que têm distribuição sabidamente não normal e que se encontram descritos como mediana e quartis.

As comparações de variáveis foram realizadas com testes χΧ2, teste t de Student e de Mann-Whitney, e as análises múltiplas foram conduzidas por meio de modelos logísticos, cujos resultados estão apresentados como razões de chance (RC) de risco de apneia e intervalos de confiança de 95%. Para ajuste de possíveis fatores de confusão, foram construídos modelos multivariados. O modelo 1, ajustado para fatores de risco cardiovascular conhecidos, incluiu idade, sexo, hipertensão, pressão arterial sistólica e circunferência abdominal. O modelo 2 acrescentou ainda o ajuste para o HDL-c e TG. Nos modelos multivariados a PCRas e os TG foram incluídos após transformação logarítmica, para tornar a distribuição da variável aproximadamente normal.

As análises foram realizadas utilizando-se o programa Stata versão 13.0, e o nível de significância adotado foi p=0,01, em razão do grande número de indivíduos analisados.

RESULTADOS

Foram incluídos 7.115 indivíduos com média de idade de 43,4±9,6 anos, sendo 1.732 (24,4%) mulheres. A HbA1c média foi 5,46±0,36, e a mediana da PCRas foi 1,2 (intervalo interquartil − IQR: 0,6 – 2,4). As características detalhadas da população são apresentadas na tabela 1.

Tabela 1
Características da população de acordo com os valores de proteína C-reativa de alta sensibilidade

Os valores de PCRas acima de 2,0 foram associados com o sexo masculino, presença de hipertensão arterial, tabagismo, IMC elevado e circunferência abdominal alterada, porém não com a idade ou diagnóstico clínico de dislipidemia. Valores elevados de PCRas também foram associados a níveis elevados de TG e LDL-c e níveis baixos de HDL-c (Tabela 1).

Indivíduos com HbA1c >5,7% eram mais velhos, predominantemente homens e tinham alta prevalência de fatores de risco cardiovascular (circunferência abdominal aumentada, IMC elevado, HDL-c baixo, LDL-c, TG e PCRas elevados) (Tabela 2).

Tabela 2
Características da população de acordo com os valores de hemoglobina glicada (HbA1c)

A prevalência de resultados positivos do questionário de Berlin foi de 6,1%. Esta prevalência aumentava de acordo com a elevação das concentrações de PCRas, HbA1c ou ambos (p<0,001) (Figura 1).

Figura 1
Risco de apneia do sono pelo questionário de Berlin associado à proteína C-reativa de alta sensibilidade (PCRas), hemoglobina glicada (HbA1c) ou ambos

Enquanto a PCRas e a HbA1c, após transformação logarítmica, estiveram associadas a resultados anormais no questionário de Berlin na análise univariada, quando ajustado para potenciais fatores de confusão (idade, sexo, pressão arterial sistólica e circunferência da cintura), a associação entre PCRas e alto risco para apneia perdeu significância (Tabela 3).

Tabela 3
Análise uni e multivariada da associação entre proteína C-reativa de alta sensibilidade e hemoglobina glicada com alto risco de apneia obstrutiva do sono (Berlin) por regressão logística

Por outro lado, a HbA1c manteve a associação após similar ajuste (OR: 1,67; IC95%: 1,23-2,28) e para outros componentes da síndrome metabólica, HDL-c e triglicérides (OR: 1,61; IC95%: 1,19-2,20).

DISCUSSÃO

Tanto os níveis elevados de PCRas como de HbA1c estiveram associados ao alto risco de apneia do sono. No entanto, após ajustes para fatores de risco clássicos, como idade, sexo, hipertensão arterial e circunferência de cintura, apenas a HbA1c demonstrou associação positiva com o questionário de Berlin alterado.

Apesar de controversa, a associação entre apneia obstrutiva do sono e alterações nas concentrações de HbA1c vem sendo apontada em diversos estudos.1212. Aronsohn RS, Whitmore H, Van Cauter E, Tasali E. Impact of untreated obstructive sleep apnea on glucose control in type 2 diabetes. Am J Respir Crit Care Med. 2010;181(5):507-13.,1313. Kent BD, Grote L, Bonsignore MR, Saaresranta T, Verbraecken J, Lévy P, Sliwinski P, Tkacova R, Kvamme JA, Fietze I, Hedner J, McNicholas WT; European Sleep Apnoea Database collaborators. Sleep apnoea severity independently predicts glycaemic health in nondiabetic subjects: the ESADA study. Eur Respir J. 2014;44(1):130-9. No entanto, a maior parte deles avaliou a associação entre a apneia do sono e HbA1c somente em pacientes com diabetes. Hermans et al.,1414. Hermans MP, Ahn SA, Mahadeb YP, Rousseau MF. Sleep apnoea syndrome and 10-year cardiovascular risk in females with type 2 diabetes: relationship with insulin secretion and insulin resistance. Diabetes Metab Res Rev. 2013; 29(3):227-34. demonstraram que a apneia do sono é uma comorbidade frequente em mulheres diabéticas. Como o presente estudo incluiu apenas pacientes sem diabetes, demonstramos que a associação entre HbA1c e apneia do sono ocorre como um contínuo: desde valores abaixo do valor de corte para diabetes já há relação direta com o alto risco de apneia obstrutiva do sono.

No entanto, o mecanismo pelo qual a HbA1c está associada à SAOS não é claramente definido. Estudos em diversas populações sugerem que esta associação esteja relacionada a uma alteração no metabolismo de glicose desencadeada pela hipóxia causada pela SAOS, independentemente da presença de diabetes ou glicemia de jejum alterada.1515. Tamura A, Kawano Y, Watanabe T, Kadota J. Obstructive sleep apnea increases hemoglobin A1c levels regardless of glucose tolerance status. Sleep Med. 2012;13(8):1050-5. Alguns estudos sugerem, inclusive, que este fenômeno está associado à gravidade da SAOS mesmo em indivíduos sem diabetes.1313. Kent BD, Grote L, Bonsignore MR, Saaresranta T, Verbraecken J, Lévy P, Sliwinski P, Tkacova R, Kvamme JA, Fietze I, Hedner J, McNicholas WT; European Sleep Apnoea Database collaborators. Sleep apnoea severity independently predicts glycaemic health in nondiabetic subjects: the ESADA study. Eur Respir J. 2014;44(1):130-9.,1616. Priou P, Le Vaillant M, Meslier N, Chollet S, Masson P, HumeauMP et al. Independent association between obstructive sleep apnea severity and glycated hemoglobin in adults without diabetes. Diabetes Care. 2012;35(9): 1902-06. Ainda, já foi descrito que a SAOS leva a um quadro de resistência insulínica e piora do controle glicêmico, levando ao aumento do risco de doença cardiovascular.1717. Pamidi S, Wroblewski K, Broussard J, Day A, Hanlon EC, Abraham V, et al. Obstructive sleep apnea in young lean men: impact on insulin sensitivity and secretion. Diabetes Care. 2012;35(11):2384-9.,1818. Cizza G, Piaggi P, Lucassen EA, de Jonge L, Walter M, Mattingly MS, Kalish H, Csako G, Rother KI; Sleep Extension Study Group. Obstructive sleep apnea is a predictor of abnormal glucose metabolism in chronically sleep deprived obese adults. PLoS One. 2013;8(5):e65400.

Apesar desta possível conexão fisiopatológica, o diabetes mellitus e a apneia obstrutiva do sono são doenças que apresentam diversos fatores de riscos em comum (como a obesidade, por exemplo), e elas podem ocorrer de forma concomitante, como um cluster. Inclusive, alguns dados sugerem que a ocorrência simultânea está associada ao aumento da morbimortalidade pela elevação de complicações cardiovasculares.1919. Vale J, Manuel P, Oliveira E, Oliveira AR, Silva E, Melo V, et al. Obstructive sleep apnea and diabetes mellitus. Rev Port Pneumol (2006). 2015;21(2):55-60.

Alterações discretas nos níveis de HbA1c são preditores independente para o desenvolvimento de diabetes e mortalidade cardiovascular a longo prazo, também em indivíduos não diabéticos.1313. Kent BD, Grote L, Bonsignore MR, Saaresranta T, Verbraecken J, Lévy P, Sliwinski P, Tkacova R, Kvamme JA, Fietze I, Hedner J, McNicholas WT; European Sleep Apnoea Database collaborators. Sleep apnoea severity independently predicts glycaemic health in nondiabetic subjects: the ESADA study. Eur Respir J. 2014;44(1):130-9.,2020. American Diabetes Association. Diagnosis and classification of diabetes mellitus. Diabetes Care. 2011;34:Suppl 1:S62-9.,2121. Selvin E, Steffes MW, Zhu H, Matsushita K, Wagenknecht L, Pankow J, et al. Glycated hemoglobin, diabetes, and cardiovascular risk in non-diabetic adults. N Engl J Med. 2010;362(9):800-11. Como a dosagem da HbA1c é recomendada no rastreamento de diabetes em pacientes assintomáticos, seu resultado pode ser útil na avaliação de risco de apneia do sono. No entanto, estudos que definam valores de corte ou algoritmos que combinem os resultados da HbA1c com escores de risco clínico para a SAOS são necessários antes que estas dosagens possam ser utilizadas de forma prática na avaliação destes pacientes.

Existe uma consistente relação entre SAOS e inflamação sistêmica. A presença de hipoxemia e a fragmentação do sono, ocasionadas pela SAOS, podem provocar um quadro de inflamação sistêmica, apontado pela alteração nos valores de PCRas, interleucina 6 (IL-6) e fator de necrose tumoral alfa (TNF-α).2222. Carneiro G, Ribeiro Filho FF, Togeiro SM, Tufik S, Zanella MT. [Interactions between obstructive sleep apnea syndrome and insulin resistance]. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2007;51(7):1035-40. Review.,2323. Shamsuzzaman AS, Winnicki M, Lanfranchi P, Wolk R, Kara T, Accurso V, et al. Elevated C-reactive protein in patients with obstructive sleep apnea. Circulation. 2002;105(21):2462-4. Apesar de estudos prévios já terem demonstrado a associação entre PCRas e SAOS,2323. Shamsuzzaman AS, Winnicki M, Lanfranchi P, Wolk R, Kara T, Accurso V, et al. Elevated C-reactive protein in patients with obstructive sleep apnea. Circulation. 2002;105(21):2462-4.,2424. Tie YX, Fu YY, Xu Z, Peng Y. Relationship between C-reactive protein levels and obstructive sleep apnea syndrome. Genet Mol Res. 2016;15(2):1-5. o presente estudo demonstrou que, após ajustes clínicos, a associação entre PCRas e alto risco de apneia do sono deixou de ser significativa. Como a PCR está muito associada com outros fatores de risco cardiovasculares,2525. Ridker PM. High-sensitivity C-reactive protein: potential adjunct for global risk assessment in the primary prevention of cardiovascular disease. Circulation. 2001;103(13):1813-8. principalmente fatores associados à síndrome metabólica (HDL-c baixo, elevação de TG, aumento de circunferência abdominal e aumento de pressão arterial), a inclusão destes cofatores no modelo multivariado pode explicar a perda de significância, como também já foi demonstrado previamente.2626. Cheng TO. Could elevated C-reactive protein in patients with obstructive sleep apnea be due to obesity per se? Circulation. 2003;107(1):e9; author reply e9.,2727. Cintra FD, Poyares D, Guilleminault D, Carvalho AC, Tufik S, Paola AA. [Cardiovascular comorbidities and obstructive sleep apnea]. Arq Bras Cardiol. 2006;86(6):399-407. Review. Portuguese.

O presente estudo deve ser interpretado levando-se em conta seu desenho e suas implicações na análise. Primeiro, enquanto a maioria dos estudos avaliou a associação entre a gravidade do quadro de apneia obstrutiva do sono e o valor de HbA1c, o presente estudo investigou a associação entre o alto risco de desenvolver apneia do sono, avaliado pelo questionário de Berlin, e alterações nas concentrações de HbA1c e PCRas. Ainda, seu desenho transversal permite apenas mostrar associação e não causalidade, da mesma forma os achados associam-se apenas com o alto risco de SAOS e não com sua real presença, que necessitaria ser confirmada por exame de polissonografia. Finalmente, devido ao caráter observacional da análise, é impossível excluir a existência de fatores de confusão não incluídos nos modelos multivariados utilizados na presente análise.

CONCLUSÃO

A hemoglobina glicada, ainda que em valores abaixo do critério diagnóstico para diabetes mellitus, está associada de forma independente ao alto risco para síndrome da apneia obstrutiva do sono, mesmo após ajuste para obesidade e proteína C-reativa de alta sensibilidade. Estes achados sugerem uma possível ligação fisiopatológica entre alterações na resistência insulínica e a síndrome da apneia obstrutiva do sono, que independe da obesidade ou da inflamação de baixo grau.

REFERENCES

  • 1
    Khayat R, Pleister A. Consequences of Obstructive Sleep Apnea: Cardiovascular Risk of Obstructive Sleep Apnea and Whether Continuous Positive Airway Pressure Reduces that Risk. Sleep Med Clin. 2016;11(3):273-86. Review.
  • 2
    Storgaard H, Mortensen B, Almdal T, Laub M, Tarnow L. At least one in three people with Type 2 diabetes mellitus referred to a diabetes centre has symptomatic obstructive sleep apnoea. Diabet Med. 2014;31(11):1460-7.
  • 3
    Wild S, Roglic G, Green A, Sicree S, King H. Global prevalence of diabetes: estimates for the year 2000 and projections for 2030. Diabetes Care. 2004; 27(5):1047-53.
  • 4
    Schmidt MI, Duncan BB, Sharrett AR, Lindberg G, Sarage PJ, Offenbacher S, et al. Markers of inflammation and prediction of diabetes mellitus in adults (Atherosclerosis Risk in Communities Study): a cohort study. Lancet. 1999; 353(9165):1649-52.
  • 5
    Pradhan AD, Manson JE, Rifai N, Buring J, Ridker PM. C-Reactive protein, interleukin 6, and risk of developing type 2 diabetes mellitus. JAMA. 2001; 286(3):327-34.
  • 6
    Fitzgerald DB, Kent BD, Garvey JF, Russell A, Nolan G, McNicholas WT. Screening for diabetes mellitus in patients with OSAS: a case for glycosylated haemoglobin. Eur Respir J. 2012;40(1):273-4.
  • 7
    Kim J, Yoon DW, Lee SK, Lee S, Choi KM, Robert TJ, et al. Concurrent presence of inflammation and obstructive sleep apnea exacerbates the risk of metabolic syndrome: a KoGES 6-year follow-up study. Medicine (Baltimore). 2017;96(7):e4488.
  • 8
    Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). Posicionamento oficial SBD nº 02/2015. Conduta terapêutica no diabetes tipo 2: algoritmo SBD 2015 [Internet]. São Paulo: SBD; 2015 [citado 2017 Abr 6]. Disponivel em: http://www.diabetes.org.br/profissionais/images/2017/posicionamento-2.pdf
    » http://www.diabetes.org.br/profissionais/images/2017/posicionamento-2.pdf
  • 9
    Ridker PM. The JUPITER trial: results, controversies and implications for prevention. Circ Cardiovasc Qual Outcomes. 2009;2(3):279-85.
  • 10
    Pickering TG, Hall JE, Appel LJ, Falkner BE, Graves J, Hill MN, Jones DW, Kurtz T, Sheps SG, Roccella EJ; Subcommittee of Professional and Public Education of the American Heart Association Council on High Blood Pressure Research. Recommendations for blood pressure measurement in humans and experimental animals: Part 1: blood pressure measurement in humans: a statement for professionals from the Subcommittee of Professional and Public Education of the American Heart Association Council on High Blood Pressure Research. Hypertension. 2005;45(1):142-61.
  • 11
    Netzer NC, Stoohs RA, Netzer CM, Clark K, Strohl KP. Using the Berlin Questionnaire to identify patients at risk for the sleep apnea syndrome. Ann Intern Med. 1999;131(7):485-91.
  • 12
    Aronsohn RS, Whitmore H, Van Cauter E, Tasali E. Impact of untreated obstructive sleep apnea on glucose control in type 2 diabetes. Am J Respir Crit Care Med. 2010;181(5):507-13.
  • 13
    Kent BD, Grote L, Bonsignore MR, Saaresranta T, Verbraecken J, Lévy P, Sliwinski P, Tkacova R, Kvamme JA, Fietze I, Hedner J, McNicholas WT; European Sleep Apnoea Database collaborators. Sleep apnoea severity independently predicts glycaemic health in nondiabetic subjects: the ESADA study. Eur Respir J. 2014;44(1):130-9.
  • 14
    Hermans MP, Ahn SA, Mahadeb YP, Rousseau MF. Sleep apnoea syndrome and 10-year cardiovascular risk in females with type 2 diabetes: relationship with insulin secretion and insulin resistance. Diabetes Metab Res Rev. 2013; 29(3):227-34.
  • 15
    Tamura A, Kawano Y, Watanabe T, Kadota J. Obstructive sleep apnea increases hemoglobin A1c levels regardless of glucose tolerance status. Sleep Med. 2012;13(8):1050-5.
  • 16
    Priou P, Le Vaillant M, Meslier N, Chollet S, Masson P, HumeauMP et al. Independent association between obstructive sleep apnea severity and glycated hemoglobin in adults without diabetes. Diabetes Care. 2012;35(9): 1902-06.
  • 17
    Pamidi S, Wroblewski K, Broussard J, Day A, Hanlon EC, Abraham V, et al. Obstructive sleep apnea in young lean men: impact on insulin sensitivity and secretion. Diabetes Care. 2012;35(11):2384-9.
  • 18
    Cizza G, Piaggi P, Lucassen EA, de Jonge L, Walter M, Mattingly MS, Kalish H, Csako G, Rother KI; Sleep Extension Study Group. Obstructive sleep apnea is a predictor of abnormal glucose metabolism in chronically sleep deprived obese adults. PLoS One. 2013;8(5):e65400.
  • 19
    Vale J, Manuel P, Oliveira E, Oliveira AR, Silva E, Melo V, et al. Obstructive sleep apnea and diabetes mellitus. Rev Port Pneumol (2006). 2015;21(2):55-60.
  • 20
    American Diabetes Association. Diagnosis and classification of diabetes mellitus. Diabetes Care. 2011;34:Suppl 1:S62-9.
  • 21
    Selvin E, Steffes MW, Zhu H, Matsushita K, Wagenknecht L, Pankow J, et al. Glycated hemoglobin, diabetes, and cardiovascular risk in non-diabetic adults. N Engl J Med. 2010;362(9):800-11.
  • 22
    Carneiro G, Ribeiro Filho FF, Togeiro SM, Tufik S, Zanella MT. [Interactions between obstructive sleep apnea syndrome and insulin resistance]. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2007;51(7):1035-40. Review.
  • 23
    Shamsuzzaman AS, Winnicki M, Lanfranchi P, Wolk R, Kara T, Accurso V, et al. Elevated C-reactive protein in patients with obstructive sleep apnea. Circulation. 2002;105(21):2462-4.
  • 24
    Tie YX, Fu YY, Xu Z, Peng Y. Relationship between C-reactive protein levels and obstructive sleep apnea syndrome. Genet Mol Res. 2016;15(2):1-5.
  • 25
    Ridker PM. High-sensitivity C-reactive protein: potential adjunct for global risk assessment in the primary prevention of cardiovascular disease. Circulation. 2001;103(13):1813-8.
  • 26
    Cheng TO. Could elevated C-reactive protein in patients with obstructive sleep apnea be due to obesity per se? Circulation. 2003;107(1):e9; author reply e9.
  • 27
    Cintra FD, Poyares D, Guilleminault D, Carvalho AC, Tufik S, Paola AA. [Cardiovascular comorbidities and obstructive sleep apnea]. Arq Bras Cardiol. 2006;86(6):399-407. Review. Portuguese.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2016
  • Aceito
    7 Abr 2017
Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein Avenida Albert Einstein, 627/701 , 05651-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 2151 0904 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@einstein.br