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Associação entre capacidade respiratória, qualidade de vida e cognição em idosos

RESUMO

Objetivo

Investigar a associação entre capacidade respiratória, qualidade de vida e função cognitiva em idosos.

Métodos

A amostra incluiu 386 idosos (232 mulheres). A capacidade respiratória foi avaliada pela pressão expiratória máxima obtida no pico de fluxo expiratório. Com base nos resultados máximos de fluxo expiratório, os indivíduos foram classificados de acordo com o valor previsto para sexo, idade e estatura em capacidade respiratória normal (curva de fluxo expiratório de pico inferior a 80% e superior a 60%) ou capacidade respiratória reduzida (curva de fluxo expiratório de pico menor que 60%). O questionário World Health Organization Quality of Life e o Miniexame do Estado Mental foram utilizados para avaliar a qualidade de vida e a função cognitiva, respectivamente.

Resultados

Em comparação com mulheres idosas com capacidade respiratória normal, as pessoas com capacidade respiratória reduzida apresentaram escores mais baixos para o Miniexame do Estado Mental (p=0,048) e qualidade de vida (p=0,040). Nos homens, não foram observadas diferenças (p>0,05).

Conclusão

Capacidade respiratória reduzida foi associada à pior qualidade de vida e à função cognitiva em mulheres idosas. Essas associações não foram observadas em idosos do sexo masculino.

Idoso; Qualidade de vida; Cognição; Ventilação voluntária máxima

ABSTRACT

Objective

To investigate associations between respiratory capacity, quality of life and cognitive function in elderly individuals.

Methods

The sample included 386 elderly individuals (232 women). Respiratory capacity assessment was based on maximal expiratory pressure measured at peak expiratory flow. Subjects were classified according to peak expiratory flow values adjusted for sex, age and height of individuals with normal (peak expiratory flow curve <80% and >60%) or reduced (peak expiratory flow curve < 60%) respiratory capacity. The World Health Organization Quality of Life Questionnaire and the Mini-Mental State Examination were used to assess quality of life and cognitive function, respectively.

Results

Elderly women with reduced respiratory capacity scored lower on the Mini-Mental State Examination (p=0.048) and quality of life questionnaire (p=0.040) compared to those with normal respiratory capacity. These differences were not observed in men (p>0.05).

Conclusion

Reduced respiratory capacity was associated with poorer quality of life and cognitive function in elderly women. These associations were not observed in elderly men.

Aged; Quality of life; Cognition; Maximal voluntary ventilation

INTRODUÇÃO

O envelhecimento promove alterações pulmonares estruturais e fisiológicas associadas à redução de função e capacidade respiratórias. Assim, pequenos esforços impõem maior demanda ventilatória em idosos, levando à dispneia e à fadiga. Além disso, o comprometimento respiratório é a fase final de diversas doenças pulmonares e cardiovasculares, do câncer e de muitas outras doenças.(11. Taffet GE, Donohue JF, Altman PR. Considerations for managing chronic obstructive pulmonary disease in the elderly. Clin Interv Aging. 2014;9:23-30. Review.,22. Gorzoni ML. O envelhecimento respiratório. In: Freitas EV, Py L. Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2016. 4a ed. p. 677-9.)

As relações entre função respiratória e distúrbios cognitivos em idosos foram demonstradas em estudos clínicos e populacionais.(33. Cleutjens FA, Ponds RW, Spruit MA, Burgmans S, Jacobs HI, Gronenschild EH, et al. The relationship between cerebral small vessel disease, hippocampal volume and cognitive functioning in patients with COPD: An MRI study. Front Aging Neurosci. 2017;9:88.

4. Cleutjens FA, Wouters EF, Dijkstra JB, Spruit MA, Franssen FM, Vanfleteren LE, et al. The COgnitive-Pulmonary Disease (COgnitive-PD) study: protocol of a longitudinal observational comparative study on neuropsychological functioning of patients with COPD. BMJ Open. 2014;4(3):e004495.
-55. Zhang X, Cai X, Shi X, Zheng Z, Zhang A, Guo J, et al. Chronic obstructive pulmonary disease as a risk factor for cognitive dysfunction: a meta-analysis of current studies. J Alzheimers Dis. 2016;52(1):101-11.)Acredita-se que tais associações se devam aos efeitos da hipóxia sobre a síntese de neurotransmissores, como acetilcolina, levando à confusão mental e ao comprometimento da memória.(66. Torres-Sánchez I, Rodríguez-Alzueta E, Cabrera-Martos I, López-Torres I, Moreno-Ramírez MP, Valenza MC. Cognitive impairment in COPD: a systematic review. J Bras Pneumol. 2015;41(2):182-90. Review.)Considerando os efeitos diretos da perda cognitiva sobre a qualidade de vida em idosos,(77. Pereira RJ, Cotta RM, Franceschini SC, Ribeiro RC, Sampaio RF, Priore SE, et al. Contribuição dos domínios físico, social, psicológico e ambiental para a qualidade de vida global de idosos. Rev Psiquiatr. 2006;28(1):27-38.,88. Carneiro RS, Falcone E, Clark C, Del Prette Z, Del Prette A. Qualidade de vida, apoio social e depressão em idosos: relação com habilidades sociais. Psicol Reflex Crit. 2007;20(2):229-37.)distúrbios psicoemocionais, como baixa autoestima e depressão, podem decorrer do comprometimento da função respiratória.

Em que pesem as evidências de perda de desempenho cognitivo e qualidade de vida em idosos com comprometimento da função respiratória,(66. Torres-Sánchez I, Rodríguez-Alzueta E, Cabrera-Martos I, López-Torres I, Moreno-Ramírez MP, Valenza MC. Cognitive impairment in COPD: a systematic review. J Bras Pneumol. 2015;41(2):182-90. Review.)falta esclarecer se essa relação depende do sexo. Sabe-se que o número de comorbidades, a velocidade de declínio da função respiratória e a prevalência de incapacidade são maiores em idosos do sexo feminino do que naqueles do sexo masculino.(99. Santos DC, Bianchi LR. Envelhecimento morfofuncional: diferença entre os gêneros. Arq MUDI. 2014;18(2):33-46.)Segundo estudo recente, o pico de fluxo expiratório (PFE) guarda relação com variáveis funcionais, como força de preensão palmar e desempenho no teste Timed Up and Go (TUG) em mulheres, mas não em homens.(1010. Ritti-Dias RM, Cucato GG, de Mello Franco FG, Cendoroglo MS, Nasri F, Monteiro-Costa ML, et al. Peak expiratory flow mediates the relationship between handgrip strength and timed up and go performance in elderly women, but not men. Clinics (São Paulo). 2016;71(9):517-20.)

Neste estudo, o desempenho cognitivo e a qualidade de vida de idosos dos sexos feminino e masculino, com PFE preservado ou reduzido, foram comparados para investigar possíveis diferenças em relação ao sexo.

OBJETIVO

Investigar se idosos do sexo feminino com comprometimento do pico de fluxo expiratório apresentam pior função cognitiva e qualidade de vida do que os do sexo masculino.

MÉTODOS

Amostra

A amostra estudada incluiu 386 idosos (232 mulheres) recrutados em um hospital geriátrico em São Paulo (SP). Esta unidade é especializada em cuidados de idosos institucionalizados e membros da comunidade com mais de 60 anos de idade. Nessa unidade, uma equipe multidisciplinar (médicos, fisioterapeutas, psicólogos, enfermeiras, nutricionistas e especialistas em cinesiologia) oferece cuidado e apoio social de alta qualidade a idosos.

Os seguintes critérios de inclusão foram adotados: idade ≥65 anos, ausência de doença pulmonar obstrutiva crônica e ausência de incapacidade ou sinais de demência com base no histórico clínico ou no Miniexame do Estado Mental (MEEM; ponto de corte ajustado para escolaridade). Idosos com idade inferior a 65 anos, histórico de doença pulmonar obstrutiva crônica (bronquite ou enfisema), dificuldade respiratória induzida por exercícios moderados, incapacidade funcional (acamado ou incapaz de se deslocar no ambulatório) ou demência diagnostica pela equipe médica com base na história clínica ou resultados do MEEM (ponto de corte ajustado para escolaridade) foram excluídos.

Os procedimentos foram realizados em conformidade com os padrões éticos do Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Humanos do Hospital Israelita Albert Einstein, e da Declaração de Helsinki (versão de 1975; revisão de 1983), sob o parecer 05/275, CAAE: 0051.0.028.000-05.

Dados clínicos e sociodemográficos

Dados referentes às características clínicas, como presença de enfermidades crônicas e tabagismo (fumante ou ex-fumante), foram extraídos dos registros de anamneses e exames físicos. O tabagismo foi calculado multiplicando-se o número de maços de cigarros fumados por dia pelo número de anos de vigência do hábito. Os indivíduos que tinham fumado um mínimo 100 cigarros ao longo da vida, mas que já não fumavam na época da entrevista, foram considerados ex-fumantes. O consumo de álcool foi mensurado com base no número de unidades de álcool consumidas (10mL) por semana. Volumes superiores a 14 unidades por semana foram considerados excessivos. Outros dados sociodemográficos coletados foram sexo, idade, escolaridade, estado civil e ocupação.

Mensurações

O grau de depressão foi determinado com base na Escala de Depressão Geriátrica com 15 itens (EDG-15) em sua versão brasileira,(1111. Yesavage JA, Brink TL, Rose TL, Lum O, Huang V, Adey M, et al. Development and validation of a geriatric depression screening scale: a preliminary report. J Psychiatr Res. 1982-1983;17(1):37-49.)empregando-se o ponto de corte de 3. O teste do desenho do relógio(1212. Manos PJ, Wu R. The ten point clock test: a quick screen and grading method for cognitive impairment in medical and surgical patients. Int J Psychiatry Med. 1994;24(3):229-44.)foi empregado para avaliação do estado cognitivo. As atividades instrumentais e básicas da vida diária foram avaliadas por meio dos questionários de Lawton-Brody e Katz, respectivamente.(1313. Lawton MP, Brody EM. Assessment of older people: self-maintaining and instrumental activities of daily living. Gerontologist. 1969;9(3):179-86.,1414. Katz S, Downs TD, Cash HR, Grotz RC. Progress in development of the index of ADL. Gerontologist. 1970;10(1):20-30.)A capacidade funcional foi analisada com base na força de preensão palmar(1515. Rantanen T, Era P, Heikkinen E. Maximal isometric strength and mobility among 75-year-old men and women. Age Ageing. 1994;23(2):132-7.)e no teste TUG.(1616. Podsiadlo D, Richardson S. The timed “Up & Go”: a test of basic functional mobility for frail elderly persons. J Am Geriatr Soc. 1991;39(2):142-8.)

Fluxo expiratório

O PFE foi mensurado com o paciente em pé, após fornecimento das instruções de uso do medidor de PFE (Assess®Peak Flow Meter, Philips, Holanda). Com o bocal acoplado e o pescoço em posição neutra (ou seja, sem flexão ou extensão), os pacientes foram instruídos a inspirar o mais profundamente possível, até a insuflação pulmonar completa e, em seguida, a realizar a expiração máxima no aparelho. O procedimento foi realizado duas vezes, e o valor mais elevado (L/min) foi empregado na análise. Os limites superiores e inferiores de referência foram ajustados para idade e sexo, empregando-se a equação de predição de Neder et al.,(1717. Neder JA, Andreoni S, Lerario MC, Nery LE. Reference values for lung function tests. II. Maximal respiratory pressures and voluntary ventilation. Braz J Med Biol Res. 1999;32(6):719-27.)O PFE guarda relação direta com a força da musculatura respiratória e não permite o diagnóstico de doença obstrutiva ou restritiva.

Qualidade de vida relacionada à saúde

A qualidade de vida relacionada à saúde foi avaliada com base na versão brasileira do instrumento World Health Organization Quality of Life (WHOQOL).(1818. The Whoqol Group. The World Health Organization Quality of Life assessment (WHOQOL): development and general psychometric properties. Soc Sci Med. 1998;46(12):1569-85.)Trata-se de um questionário que contém perguntas distribuídas em seis domínios: saúde física, psicológico, grau de dependência, relações sociais, ambiente e espiritualidade/religião/crenças pessoais. O escore é estabelecido com base em uma escala de zero a 100 (pior e melhor qualidade de vida possível, respectivamente). Os participantes responderam o questionário por conta própria. Quando solicitado, o auxílio prestado pelos pesquisadores se limitou à releitura das perguntas em velocidade menor.

Função cognitiva

A função cognitiva foi avaliada por meio do MEEM, que inclui respostas verbais (orientação temporal e espacial, memória imediata, memória evocativa e processual, atenção e linguagem) e não verbais (coordenação perceptual-motora e compreensão de instruções). Os escores variam de zero a 30, sendo os escores mais altos indicativos de função cognitiva superior. O ponto de corte foi ajustado para escolaridade, conforme descrito.(1919. Brucki SM, Nitrini R, Caramelli P, Bertolucci PH, Okamoto IH. [Suggestions for utilization of the mini-mental state examination in Brazil]. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61(3B):777-81. Portuguese.)

Análise estatística

A normalidade dos dados foi verificada por meio do teste de Shapiro-Wilk. Os procedimentos estatísticos empregados foram média, desvio padrão, análise de covariância (ANCOVA) para investigação das relações entre qualidade de vida, PFE e saúde mental, com ajuste para variáveis de confusão e teste t para comparações entre homens e mulheres. A frequência de doenças crônicas e fatores de risco foi analisada empregando-se o modelo χ 22. Gorzoni ML. O envelhecimento respiratório. In: Freitas EV, Py L. Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2016. 4a ed. p. 677-9. . O nível de significância adotado nas análises inferenciais foi de 0,05 (p<0,05). As análises estatísticas foram realizadas por meio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.

RESULTADOS

As características da amostra encontram-se dispostas na tabela 1 . Os parâmetros antropométricos e clínicos não diferiram entre idosos com fluxo expiratório preservado ou reduzido, exceto pela maior prevalência de hipertensão em homens com fluxo expiratório reduzido. Conforme mostra a tabela 2 , observaram-se maiores consumo de álcool (p=0,013) e incidência de derrame (p=0,023) em mulheres com fluxo expiratório reduzido.

Tabela 1
Características clínicas da amostra
Tabela 2
Distribuição de grupos por doenças relacionadas à idade

As figuras 1 e 2 ilustram a comparação entro o desempenho no MEEM e a qualidade de vida relacionada à saúde em homens e mulheres com fluxo expiratório preservado ou reduzido. Mulheres com fluxo expiratório reduzido apresentaram desempenho inferior no MEEM (p=0,048) e pior qualidade de vida relacionada à saúde (p=0,040), diferenças estas não observadas em homens (p>0,05).

Figura 1
Miniexame do Estado Mental por fluxo expiratório

Figura 2
Escore World Health Organization Quality of Lif e por fluxo expiratório

DISCUSSÃO

Neste estudo, mulheres idosas com PFE reduzido apresentaram função cognitiva e qualidade de vida relacionada à saúde inferiores em relação àquelas com PFE preservado. Curiosamente, tais diferenças não foram observadas em idosos do sexo masculino.

O comprometimento cognitivo e a dependência física foram associados a desfechos desfavoráveis de saúde, incluindo baixa qualidade de vida e distúrbios psicológicos.(2020. Gorska-Ciebiada M, Saryusz-Wolska M, Ciebiada M, Loba J. Mild cognitive impairment and depressive symptoms in elderly patients with diabetes: prevalence, risk factors, and comorbidity. J Diabetes Res. 2014;2014:179648.,2121. Langlois F, Vu TT, Kergoat MJ, Chassé K, Dupuis G, Bherer L. The multiple dimensions of frailty: physical capacity, cognition, and quality of life. Int Psychogeriatr. 2012;24(9):1429-36.)Assim, a compreensão dos possíveis fatores envolvidos nas perdas relacionadas a esses aspectos pode contribuir para o desenvolvimento de práticas e terapias eficazes voltadas para a melhoria da qualidade de vida relacionada à saúde, e para a promoção da independência funcional em idosos. Os resultados deste estudo indicam que a função cognitiva é pior em mulheres com PFE reduzido. Resultados semelhantes foram obtidos por Yaffe et al.,(2222. Yaffe K, Laffan AM, Harrison SL, Redline S, Spira AP, Ensrud KE, et al. Sleep-disordered breathing, hypoxia, and risk of mild cognitive impairment and dementia in older women. JAMA. 2011;306(6):613-9.)em um estudo envolvendo 298 mulheres com problemas respiratórios. No estudo em questão, os distúrbios respiratórios se revelaram preditores robustos de perda cognitiva leve e demência. Uma possível explicação seria a perda progressiva de força muscular respiratória e massa muscular esquelética em mulheres, sobretudo após a menopausa, levando a perdas cognitivas decorrentes da hipóxia.(2323. Albuquerque IM, Emmanouilidis A, Ortolan T, Cardoso DM, Gass R, Jost RT, et al. Capacidade funcional submáxima e força muscular respiratória entre idosas praticantes de hidroginástica e dança: um estudo comparativo. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2013;16(2):327-36.

24. Yaffe K, Sawaya G, Lieberburg I, Grady D. Estrogen therapy in postmenopausal women: effects on cognitive function and dementia. JAMA. 1998;279(9):688-95.
-2525. Viegas CA. Epidemiologia dos distúrbios respiratórios do sono. J Bras Pneumol. 2010;36(2 suppl 2):S1-61.)Dentre os possíveis mecanismos subjacentes, destaca-se a queda dos níveis circulantes de hormônios, como a testosterona, que ocorre de forma acentuada em mulheres entre 20 e 45 anos de idade.(2626. Vitale G, Cesari M, Mari D. Aging of the endocrine system and its potential impact on sarcopenia. Eur J Intern Med. 2016;35:10-5. Review.,2727. Morley JE, Perry HM 3rd. Androgens and women at the menopause and beyond. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2003;58(5):M409-16. Review.)A testosterona é um hormônio anabólico responsável pela síntese proteica no músculo esquelético, que age também na regeneração muscular.(2828. La Colla A, Pronsato L, Milanesi L, Vasconsuelo A. 17 β-Estradioland testosterone in sarcopenia: role of the satellite cells. Ageing Res Rev. 2015;24(Pt B):166-77. Review.)

A presença de comorbidades associadas ao envelhecimento, como obesidade, diabetes mellitus , hipertensão arterial sistêmica e a fragilidade, dificulta a investigação dos mecanismos responsáveis pelos efeitos da hipoxemia sobre a função cognitiva feminina, com base em amostras como a utilizada neste estudo.(2929. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, Seeman T, Tracy R, Kop WJ, Burke G, McBurnie MA; Cardiovascular Health Study Collaborative Research Group. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2001;56(3):M146-56.)Entretanto, o envolvimento de alterações no córtex pré-frontal foi sugerido por Beebe et al.(3030. Beebe DW, Gozal D. Obstructive sleep apnea and the prefrontal cortex: towards a comprehensive model linking nocturnal upper airway obstruction to daytime cognitive and behavioral deficits. J Sleep Res. 2002;11(1):1-16. Review.)Acredita-se que o estresse oxidativo resulte em desequilíbrio homeostático e alterações neuronais em regiões específicas, especialmente no córtex pré-frontal, levando à desregulação do sistema executivo e ao consequente declínio das habilidades cognitivas primárias.(2929. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, Seeman T, Tracy R, Kop WJ, Burke G, McBurnie MA; Cardiovascular Health Study Collaborative Research Group. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2001;56(3):M146-56.)

Na amostra analisada, a qualidade de vida relacionada à saúde também foi pior em mulheres idosas com PFE reduzido do que naquelas com PFE preservado. A relação entre a qualidade de vida relacionada à saúde e a função respiratória foi investigada em um estudo realizado por Renwick et al.,(3131. Renwick DS, Connolly MJ. Impact of obstructive airways disease on quality of life in older adults. Thorax. 1996;51(5):520-5.)que revelou escores mais elevados em mulheres com função respiratória preservada. Tais achados podem ser explicados pela relação entre qualidade de vida relacionada à saúde e capacidade física, uma vez que a fraqueza da musculatura respiratória se traduz em dispneia e fadiga no desempenho das atividades da vida diária.

Curiosamente, este estudo não indicou diferenças de qualidade de vida relacionada à saúde e função cognitiva entre homens com PFE reduzido e preservado. Tais diferenças relacionadas ao sexo carecem de esclarecimento. Sabe-se que a perda de massa muscular se acelera em mulheres após a menopausa.(3232. Chen HI, Kuo CS. Relationship between respiratory muscle function and age, sex, and other factors. J Appl Physiol (1985). 1989;66(2):943-8.)Além disso, mulheres apresentam mais indicadores de fragilidade e maior prevalência de fragilidade do que homens.(3333. Langholz PL, Strand BH, Cook S, Hopstock LA. Frailty phenotype and its association with all-cause mortality in community-dwelling Norwegian women and men 70 years and older: the Tromsø study 2001-2016. Geriatr Gerontol Int. 2018;18(8):1200-5.)Os fatores mencionados contribuem para os efeitos negativos da perda de força muscular respiratória sobre o fluxo expiratório.

Este estudo tem algumas limitações. O desenho transversal impede inferências de causalidade. Além disso, a amostra analisada engloba diversos fatores de risco e faltam informações sobre o uso de medicações, o que impossibilita análises futuras dessas variáveis. Finalmente, o PFE é uma medida de força respiratória e não permite a determinação de volume e capacidade pulmonares.

CONCLUSÃO

Mulheres idosas com pico de fluxo expiratório reduzido apresentaram qualidade de vida relacionada à saúde e função cognitiva inferiores em relação àquelas com pico de fluxo expiratório preservado. Tais diferenças não foram observadas em idosos do sexo masculino.

São necessárias novas pesquisas para esclarecer os achados deste estudo, incluindo a avaliação mais precisa de possíveis variáveis de interferência, como uso de medicações e hábitos de vida.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jan 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    23 Jan 2018
  • Aceito
    1 Jun 2018
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