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Alterações eletrocardiográficas em espondiloartrites e uso de anti-TNF-α: estudo retrospectivo em 100 pacientes

RESUMO

Objetivo

Avaliar a prevalência de alterações eletrocardiográficas em pacientes com espondiloartrites, correlacionando-as com o uso de medicações antifator de necrose tumoral alfa (TNF-α) e presença do HLA-B27.

Métodos

Estudo retrospectivo com 100 pacientes com diagnóstico de espondiloartrites pelo critério Assessment of SpondyloArthritis International Society (ASAS) e 50 controles. Foram coletados nos prontuários dos pacientes, dados epidemiológicos, clínicos, exames de atividade inflamatória, presença do HLA-B27, e uso de medicamentos. A atividade de doença foi avaliada pelo Bath Ankylosing Spondylitis Disease Activity Index (BASDAI). Todos foram submetidos a eletrocardiograma realizado com aparelho de 12 derivações, sendo analisados ritmo, frequência cardíaca, distúrbios de condução e intervalo QT corrigido pela fórmula de Bazett.

Resultados

Dos 100 pacientes com espondiloartrites, 49 não usavam anti-TNF-α e 51 utilizavam este medicamento. O HLA-B27 estava presente em 53,1% da amostra. A frequência cardíaca foi mais baixa (p=0,06), o intervalo QT foi mais prolongado (p<0,0001) e existia mais perturbação de condução do ramo direito (p=0,014) nos pacientes com espondiloartrites do que nos controles. Uma modesta correlação de tempo de doença com frequência cardíaca foi encontrada (Rho=0,26; IC95%: 0,06-0,44; p=0,008). A presença do HLA-B27 aumentou a prevalência de perturbação de condução do ramo direito. Nenhum dos parâmetros eletrocardiográficos analisados alterou-se com uso de anti-TNF-α.

Conclusão

Pacientes com espondiloartrites tiveram frequência cardíaca menor, maior intervalo QT e prevalência maior de perturbação de condução do ramo direito do que controles. O HLA-B27 influi no aparecimento de perturbação de condução do ramo direito. O uso de anti-TNF-α não influiu nos achados eletrocardiográficos.

Espondiloartropatias; Eletrocardiografia; Bloqueio de ramo; Antígeno HLA-B27; Anti-TNF-α; Fator de necrose tumoral alfa

ABSTRACT

Objective

To investigate the prevalence of electrocardiographic changes in patients with spondyloarthritis and to correlate these changes with use of anti-tumor necrosis factor-alpha (TNF-α) drugs and HLA-B27 positivity.

Methods

Retrospective study including 100 patients diagnosed with spondyloarthritis according to Assessment of SpondyloArthritis International Society (ASAS) criteria and 50 controls. Epidemiological and clinical features, results of inflammatory activity tests, HLA-B27 positivity, and medication use data were extracted from medical records. Disease activity was assessed using the Bath Ankylosing Spondylitis Disease Activity Index (BASDAI). All participants were submitted to electrocardiogram performed using a 12-lead device; rhythm, heart rate, conduction disorders and QT interval corrected using the Bazett formula were analyzed.

Results

Of 100 patients with spondyloarthritis, 51 were on anti-TNF-α drugs and 49 were not. HLA-B27 was detected in 53.1% of patients in the sample. Patients with spondyloarthritis had lower heart rate (p=0.06), longer QT interval (p<0.0001) and higher prevalence of right bundle branch block (p=0.014) compared to controls. Duration of disease was weakly correlated with heart rate (Rho=0.26; 95%CI: 0.06-0.44; p=0.008). The prevalence of right bundle branch block was positively correlated with HLA-B27 positivity. Use of Anti-TNF-α drugs did not interfere with electrocardiographic parameters.

Conclusion

Patients with spondyloarthritis had lower heart rate, longer QT interval and a higher prevalence of right bundle branch block compared to controls. HLA-B27 positivity was associated with the prevalence of right bundle branch block. Anti-TNF-α drugs had no impact on electrocardiographic findings.

Spondylarthropathies; Electrocardiography; Bundle-branch block; HLA B27 antigen; Anti TNF-α; Tumor necrosis factor-alpha

INTRODUÇÃO

As espondiloartrites (EpA) compõem um grupo de doenças crônicas no qual se incluem a espondilite anquilosante (EA), a artrite psoriática (AP), a artrite reativa (ARe), a EpA juvenil, a EpA associada à doença inflamatória intestinal e a EpA indiferenciada.(11. Rodrigues C, Vieira WP, Bortoluzzo AB, Gonçalves CR, Silva J, Ximenes AC, et al. Baixa prevalência das manifestações extra-articulares renais, cardíacas, pulmonares e neurológicas nas espondiloartrites: análise do Registro Brasileiro de Espondiloartrites. Rev Bras Reumatol. 2012;52(3):375-83.,22. Gallinaro AL, Ventura C, Barros P, Gonçalves CR. Espondiloartrites: análise de uma série brasileira comparada a uma grande casuística Ibero-americana (estudo RESPONDIA). Rev Bras Reumatol. 2010;50(5):581-9.)Embora as principais queixas de um paciente com EpA sejam musculoesqueléticas, essas enfermidades apresentam várias manifestações extra-articulares, como as cardíacas, que aparecem em torno de 10% dos pacientes. Destacam-se a aortite, a insuficiência aórtica, os distúrbios de condução e os bloqueios de condução atrioventricular.(11. Rodrigues C, Vieira WP, Bortoluzzo AB, Gonçalves CR, Silva J, Ximenes AC, et al. Baixa prevalência das manifestações extra-articulares renais, cardíacas, pulmonares e neurológicas nas espondiloartrites: análise do Registro Brasileiro de Espondiloartrites. Rev Bras Reumatol. 2012;52(3):375-83.)Geralmente o envolvimento cardíaco é subclínico e associa-se à doença de longa data,(11. Rodrigues C, Vieira WP, Bortoluzzo AB, Gonçalves CR, Silva J, Ximenes AC, et al. Baixa prevalência das manifestações extra-articulares renais, cardíacas, pulmonares e neurológicas nas espondiloartrites: análise do Registro Brasileiro de Espondiloartrites. Rev Bras Reumatol. 2012;52(3):375-83.,33. Restrepo JP, Molina MD. Bloqueio cardíaco completo em espondilite anquilosante. Rev Bras Reumatol. 2012;52(5):800-3.)não estando relacionado à atividade de doença articular.(11. Rodrigues C, Vieira WP, Bortoluzzo AB, Gonçalves CR, Silva J, Ximenes AC, et al. Baixa prevalência das manifestações extra-articulares renais, cardíacas, pulmonares e neurológicas nas espondiloartrites: análise do Registro Brasileiro de Espondiloartrites. Rev Bras Reumatol. 2012;52(3):375-83.)Dependendo da gravidade de cada caso, a implantação de marca-passos e a substituição valvar podem ser necessárias.(44. Forsblad-d’Elia H, Wallberg H, Klingberg E, Carlsten H, Bergfeldt L. Cardiac conduction system abnormalities in ankylosing spondylitis: a cross-sectional study. BMC Musculoskelet Disord. 2013;14:237.)A EA é a forma de EpA melhor estudada neste contexto, no qual também são descritos bloqueios atrioventriculares (BAVs), arritmias e disfunção ventricular por fibrose. Bloqueios atrioventriculares de primeiro grau aumentam o risco para a fibrilação atrial (FA),(55. Cheng S, Keyes MJ, Larson MG, McCabe EL, Newton-Cheh C, Levy D, et al. Long-term outcomes in individuals with prolonged PR interval or first-degree atrioventricular block. JAMA. 2009;301(24):2571-7.)a qual se associa com acidentes vasculares cerebrais, insuficiência cardíaca e aumento de mortalidade.(66. European Heart Rhythm Association; European Association for Cardio-Thoracic Surgery, Camm AJ, Kirchhof P, Lip GY, Schotten U, Savelieva I, Ernst S, Van Gelder IC, Al-Attar N, Hindricks G, Prendergast B, Heidbuchel H, Alfieri O, Angelini A, Atar D, Colonna P, De Caterina R, De Sutter J, Goette A, Gorenek B, Heldal M, Hohloser SH, Kolh P, Le Heuzey JY, Ponikowski P, Rutten FH. Guidelines for the management of atrial fibrillation: the Task Force for the Management of Atrial Fibrillation of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2010;31(19):2369-429. Erratum in: Eur Heart J. 2011;32(9):1172.)

Em estudo europeu(77. Aksoy H, Okutucu S, Sayin BY, Ercan EA, Kaya EB, Ozdemir O, et al. Assessment of cardiac arrhythmias in patients with ankylosing spondylitis by signal-averaged P wave duration and P wave dispersion. Eur Rev Med Pharmacol Sci. 2016;20(6):1123-9.)em pacientes com EA, as arritmias supraventriculares foram os achados mais frequentes; a duração e a dispersão da onda P prolongados estiveram associadas com atividade inflamatória medida pelo Bath Ankylosing Spondylitis Disease Activity Index (BASDAI).

Existe forte ligação entre as EpAs, especialmente da EA, e o antígeno leucocitário humano (HLA) B27,(44. Forsblad-d’Elia H, Wallberg H, Klingberg E, Carlsten H, Bergfeldt L. Cardiac conduction system abnormalities in ankylosing spondylitis: a cross-sectional study. BMC Musculoskelet Disord. 2013;14:237.)o qual está presente em até 90% dos casos.(33. Restrepo JP, Molina MD. Bloqueio cardíaco completo em espondilite anquilosante. Rev Bras Reumatol. 2012;52(5):800-3.)A simples ocorrência de BAV de terceiro grau com necessidade de marca-passo sem causa definida em homens jovens parece estar associada ao HLA-B27,(11. Rodrigues C, Vieira WP, Bortoluzzo AB, Gonçalves CR, Silva J, Ximenes AC, et al. Baixa prevalência das manifestações extra-articulares renais, cardíacas, pulmonares e neurológicas nas espondiloartrites: análise do Registro Brasileiro de Espondiloartrites. Rev Bras Reumatol. 2012;52(3):375-83.)e 15 a 20% dos indivíduos com implante definitivo de marca-passos apresentavam esse antígeno.(33. Restrepo JP, Molina MD. Bloqueio cardíaco completo em espondilite anquilosante. Rev Bras Reumatol. 2012;52(5):800-3.)Todavia, Forsblad-d’Elia et al . ,(44. Forsblad-d’Elia H, Wallberg H, Klingberg E, Carlsten H, Bergfeldt L. Cardiac conduction system abnormalities in ankylosing spondylitis: a cross-sectional study. BMC Musculoskelet Disord. 2013;14:237.)não encontraram associação entre presença do HLA-B27 com anormalidades de condução, gerando controvérsias sobre este dado.

O fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) é uma citocina pró-inflamatória que desempenha importante papel na patogênese das EpAs. Alguns agentes farmacológicos possuem ação que bloqueia esse mecanismo inflamatório − os chamados anti-TNFα, medicamentos que podem ser utilizados no tratamento das EpAs.(88. Mota LM, Cruz BA, Brenol CV, Pollak DF, Pinheiro GR, Laurindo IM, et al. Segurança do uso de terapias biológicas para o tratamento de artrite reumatoide e espondiloartrites. Rev Bras Reumatol. 2015;55(3):281-309.)

Apesar de existirem vários estudos sobre a influência dos anti-TNF-α em insuficiência cardíaca e na aterogênese de doenças reumáticas crônicas, muito pouco é pesquisado acerca de sua atuação sobre os distúrbios de condução.

OBJETIVO

Avaliar a prevalência de alterações eletrocardiográficas em pacientes com espondiloartrite, correlacionando-as com o uso de medicações de efeito anti-TNF-α e presença de HLA-B27.

MÉTODOS

Trata-se de estudo retrospectivo abrangendo amostra de conveniência formada por pacientes que se consultaram no ambulatório de reumatologia do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba entre os anos de 2016 e 2017. Foram incluídos todos os pacientes com diagnóstico de EpA pelo critério Assessment of SpondyloArthritis International Society (ASAS)(99. Rudwaleit M, van der Heijde D, Landewé R, Akkoc N, Brandt J, Chou CT, et al. The Assessment of SpondyloArthritis International Society classification criteria for peripheral spondyloarthritis and for spondyloarthritis in general. Ann Rheum Dis. 2011;70(1):25-31.)e idade acima de 18 anos. Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Sociedade Evangélica Beneficente de Curitiba, sob parecer 1.779.523, CAAE: 60727616.9.0000.0103, com isenção do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os prontuários foram revisados para dados epidemiológicos, clínicos, presença de comorbidades, valores de velocidade de hemossedimentação (VHS) e proteína C-reativa (PCR) e presença do HLA-B27. A atividade de doença foi avaliada pelo BASDAI,(1010. Barros PD, Azevedo VF, Bonfiglioli R, Campos WR, Carneiro SC, Carvalho MA, et al. Consenso Brasileiro de Espondiloartropatias: espondilite anquilosante e artrite psoriásica diagnóstico e tratamento - Primeira Revisão. Rev Bras Reumatol. 2007;47(4):233-42.)que analisa fadiga, dor na coluna, artrite periférica, entesite, intensidade e duração da rigidez matinal.(77. Aksoy H, Okutucu S, Sayin BY, Ercan EA, Kaya EB, Ozdemir O, et al. Assessment of cardiac arrhythmias in patients with ankylosing spondylitis by signal-averaged P wave duration and P wave dispersion. Eur Rev Med Pharmacol Sci. 2016;20(6):1123-9.)Este instrumento pontua de zero a 10, sendo valores ≥4 sugestivos de doença em atividade.(1010. Barros PD, Azevedo VF, Bonfiglioli R, Campos WR, Carneiro SC, Carvalho MA, et al. Consenso Brasileiro de Espondiloartropatias: espondilite anquilosante e artrite psoriásica diagnóstico e tratamento - Primeira Revisão. Rev Bras Reumatol. 2007;47(4):233-42.)Anotaram-se os medicamentos em uso, e os pacientes foram divididos em dois grupos, de acordo com uso ou não de anti-TNF-α que foram comparados entre si.

O Grupo Controle foi composto por pacientes que procuravam atendimento no Serviço de Clínica Médica para realizar check-up sem apresentar sintomatologia que pudesse ser atribuída a doenças reumatológicas e que continham os mesmos exames anexados em seus prontuários. Os grupos foram pareados de acordo com sexo e idade, uso de fumo e presença de hipertensão e diabetes mellitus .

Excluíram-se mulheres grávidas, pacientes com insuficiência renal crônica, doença hepática crônica, doenças neurológicas, doença cardíaca estrutural e em uso de medicações com efeitos sobre o sistema nervoso autônomo, além daqueles com dados faltantes no prontuário.

Todos os eletrocardiogramas analisados foram realizados por um único indivíduo após repouso por 15 minutos, com aparelho de superfície de 12 derivações, velocidade de 25mm/seg e calibração (ganho) de 10mm/mV, sendo feitos de maneira sistemática. O intervalo QT foi corrigido (QTc) pela frequência cardíaca conforme fórmula de Bazett.(1111. Oliveira NA Jr, Andréa EM, Maciel WA, Siqueira LR, Atié J, Consenza R. O eletrocardiograma e a síndrome de QT longo. Rev Bras Cardiol. 2004; 17(3):117-82.,1212. Lemos LF. Medicamentos com potencial para prolongar o intervalo QT e precauções a ter na prática clínica com a sua utilização. Experiência profissionalizante na vertente de farmácia comunitária e investigação [Dissertação]. Covilhã: Faculdade Ciências da Saúde, Universidade da Beira Interior; 2013.)Para avaliação da perturbação de condução do ramo direito (PCRD), foram analisados: alargamento do QRS com duração ≥0,12s, ondas S empastadas em D1, aVL, V5 e V6, ondas qR em aVR com R empastadas, rSR’ ou rsR’ em V1 com R’ espessado, eixo elétrico de QRS variável, tendendo para a direita no plano frontal, e onda T assimétrica em oposição ao retardo final de QRS.(1313. Pastore CA, Pinho C, Germiniani H, Samesima N, Mano R. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Ánalise e Emissão de Laudos Eletrocardiográficos. Arq Bras Cardiol. 2009;93(3):1-19.)Todas as leituras foram feitas por um único pesquisador, o qual se encontrava cego para os dados clínicos.

Foram considerados valores limites de normalidade do intervalo QTc de 0,46 segundo (460 milissegundos), para homens, e 0,47 segundo, (470 milissegundos) para mulheres, assim como frequência cardíaca normal foi aquela com intervalo entre 50 e 100bpm.

Os dados foram coletados em tabelas de frequência e de contingência. As medidas de tendência central foram expressas em média e desvio padrão em amostras gaussianas, e mediana e intervalos interquartis em amostras não gaussianas. A normalidade das amostras foi julgada pelo teste de Shapiro-Wilk. A comparação de dados nominais foi feita pelos testes de Fisher ou de χ 22. Gallinaro AL, Ventura C, Barros P, Gonçalves CR. Espondiloartrites: análise de uma série brasileira comparada a uma grande casuística Ibero-americana (estudo RESPONDIA). Rev Bras Reumatol. 2010;50(5):581-9. e de dados numéricos pelos testes t de Student ou de Mann-Whitney. Estudos de correlação foram feitos pelo teste de Spearman. A significância adotada foi de 5% (p=0,05). Os cálculos foram feitos com auxílio do software Medcalc10.0.

RESULTADOS

Foram incluídos no estudo 150 indivíduos, sendo 51 com EpA usando anti-TNF-α, 49 com EpA sem uso de anti-TNF-α e 50 controles. Os dados da amostra estudada podem ser apreciados na tabela 1 .

Tabela 1
Dados descritivos da amostra estudada de 100 pacientes com espondiloartrites

Os dados de pareamento mostraram que pacientes de EpA e controles eram similares quanto a sexo (razão homens/mulheres de 57% versus 58%; p=0,90), idade (média de 48,9±11,9 anos versus 46,0±13,4 anos; p=0,19), tabagismo (21% versus 28%; p=0,33), etilismo (10% em cada grupo; p=1,0), prevalência de hipertensão arterial (32% versus 36%; p=0,46), diabetes mellitus (10% versus 4%; p=0,21) e hipotireoidismo (14% versus 8%; p=0,42).

Na tabela 2 , está a comparação dos achados eletrocardiográficos entre pacientes e controles. A frequência cardíaca foi mais baixa nos pacientes com EpA e aqueles com EpA apresentaram mais PCRD do que controles. Também o intervalo QT dos pacientes com EpA estava mais prolongado; o QTc mostrou tendência a ser mais prolongado nos pacientes que controles.

Tabela 2
Análise dos achados eletrocardiográficos dos pacientes com espondiloartrites em comparação ao Grupo Controle

Uma modesta correlação de tempo de doença com frequência cardíaca foi encontrada, com p=0,008 (Rho=0,26; intervalo de confiança de 95% − IC95%: 0,06-0,44). Em relação ao estudo da PCRD, a presença do HLA-B27 aumentou sua prevalência (p=0,03), não sendo observada associação de sua presença com atividade de doença medida por BASDAI, PCR e VHS (todos com p=ns).

O estudo das demais alterações eletrocardiográficas, de acordo com o HLA-B27, está na tabela 3 .

Tabela 3
Características eletrocardiográficas e presença do HLA-B27 no grupo dos pacientes com espondiloartrites

Analisando-se os dados obtidos de eletrocardiogramas de maneira comparativa, o uso do anti-TNF-α não alterou os achados eletrocardiográficos ( Tabela 4 ).

Tabela 4
Comparação de achados eletrocardiográficos de pacientes com espondiloartrites com e sem uso de anti-TNF-α

Na amostra de pacientes com EpA, três pacientes do sexo masculino tinham intervalo QTc ≥0,46 segundo. Destes, dois faziam uso de anti-TNF-α, e um não utilizava este tipo de medicamento. Nenhum controle apresentou QTc alterado.

DISCUSSÃO

No presente estudo, foi possível constatar que pacientes com EpA, quando comparados a indivíduos controle, apresentavam frequência cardíaca menor, maior prevalência de PCRD e maiores valores de QTc. Em relação ao intervalo QTc, três pacientes apresentavam valores iguais ou superiores aos considerados normais. Não foi possível associar estas alterações ao HLA-B27, salvo o número de PCRD. O uso do anti-TNF-α não alterou a frequência destes achados.

A amostra em estudo tem algumas peculiaridades. A primeira delas é que, diferentemente dos demais estudos, ela abrangeu pacientes com vários tipos de EpA e não somente aqueles com EA, o que acontece na maioria das pesquisas.(33. Restrepo JP, Molina MD. Bloqueio cardíaco completo em espondilite anquilosante. Rev Bras Reumatol. 2012;52(5):800-3.,44. Forsblad-d’Elia H, Wallberg H, Klingberg E, Carlsten H, Bergfeldt L. Cardiac conduction system abnormalities in ankylosing spondylitis: a cross-sectional study. BMC Musculoskelet Disord. 2013;14:237.,77. Aksoy H, Okutucu S, Sayin BY, Ercan EA, Kaya EB, Ozdemir O, et al. Assessment of cardiac arrhythmias in patients with ankylosing spondylitis by signal-averaged P wave duration and P wave dispersion. Eur Rev Med Pharmacol Sci. 2016;20(6):1123-9.,1010. Barros PD, Azevedo VF, Bonfiglioli R, Campos WR, Carneiro SC, Carvalho MA, et al. Consenso Brasileiro de Espondiloartropatias: espondilite anquilosante e artrite psoriásica diagnóstico e tratamento - Primeira Revisão. Rev Bras Reumatol. 2007;47(4):233-42.)Como a frequência do HLA-B27 é maior na EA,(33. Restrepo JP, Molina MD. Bloqueio cardíaco completo em espondilite anquilosante. Rev Bras Reumatol. 2012;52(5):800-3.)entende-se que esta amostra tenha menor presença deste antígeno de histocompatibilidade, o que talvez justifique sua não associação com alterações eletrocardiográficas encontradas por outros autores. Uma segunda explicação, ainda ligada a menor prevalência de HLA-B27, é a de que a população estudada é brasileira. Em nosso meio, observa-se menor presença de HLA-B27 do que na população majoritariamente caucasiana, devido ao alto grau de miscigenação racial local.(11. Rodrigues C, Vieira WP, Bortoluzzo AB, Gonçalves CR, Silva J, Ximenes AC, et al. Baixa prevalência das manifestações extra-articulares renais, cardíacas, pulmonares e neurológicas nas espondiloartrites: análise do Registro Brasileiro de Espondiloartrites. Rev Bras Reumatol. 2012;52(3):375-83.)

Não foi possível observar alterações dos resultados eletrocardiográficos quando pacientes com e sem anti-TNF-α foram estudados, incluindo nisto as PCRD. Duas teorias, ainda sem comprovação, tentam explicar os distúrbios de condução no presente contexto: anomalias na artéria do nó atrioventricular e inflamação no septo intraventricular.(33. Restrepo JP, Molina MD. Bloqueio cardíaco completo em espondilite anquilosante. Rev Bras Reumatol. 2012;52(5):800-3.)A endarterite de pequenos vasos, que suprem a válvula aórtica e o nó atrioventricular, com obliteração dos mesmos por processo inflamatório − muito semelhante ao encontrado em articulações −, tem sido descrita.(44. Forsblad-d’Elia H, Wallberg H, Klingberg E, Carlsten H, Bergfeldt L. Cardiac conduction system abnormalities in ankylosing spondylitis: a cross-sectional study. BMC Musculoskelet Disord. 2013;14:237.)Caso o processo inflamatório causasse as alterações eletrocardiográficas, seria possível hipotetizar que a correção deste, pelo anti-TNF-α, melhorasse tais alterações. Nossos resultados apontam que isto não acontece. Todavia, o tempo de duração de doença na amostra estudada era relativamente longo, possibilitando que muitas das possíveis alterações inflamatórias fossem substituídas por fibrose irreversível. Embora modesta, uma correlação entre tempo de doença e PCRD foi encontrada. Estudos em pacientes logo após o diagnóstico e que tenham recebido anti-TNF-α precocemente podem ajudar a esclarecer este ponto.

Uma frequência cardíaca mais baixa foi vista nos pacientes com EpA. O mesmo foi observado por Dik et al.,(1414. Dik VK, Peters MJ, Dijkmans PA, Van der Weijden MA, De Vries MK, Dijkmans BA, et al. The relationship between disease-related characteristics and conduction disturbances in ankylosing spondylitis. Scand J Rheumatol. 2010;39(1):38-41.)que encontraram bradicardia em 30% de sua amostra de 130 pacientes com EA. Anormalidades da função autonômica, principalmente da parassimpática, têm sido encontradas em pacientes com artrite psoriática(1515. Syngle A, Verma I, Garg N, Krishan P. Autonomic dysfunction in psoriatic arthritis. Clin Rheumatol. 2013;32(7):1059-64.)e poderiam ser uma explicação para este achado. Outra explicação é a de que a bradicardia é apenas um reflexo dos demais distúrbios de condução observados.(1212. Lemos LF. Medicamentos com potencial para prolongar o intervalo QT e precauções a ter na prática clínica com a sua utilização. Experiência profissionalizante na vertente de farmácia comunitária e investigação [Dissertação]. Covilhã: Faculdade Ciências da Saúde, Universidade da Beira Interior; 2013.)

Este estudo também demonstrou tendência para aumento do intervalo QTc independente do uso de anti-TNF-α. Nossos resultados contrastam com os de DI Franco et al.,(1616. DI Franco M, Paradiso M, Ceccarelli F, Scrivo R, Spinelli FR, Iannuccelli C, et al. Biological drug treatment of rheumatoid arthritis and spondyloarthritis: effects on QT interval and QT dispersion. J Rheumatol. 2012;39(1):41-5.)que observaram que o tratamento com anti-TNF-α aumentava de maneira assintomática o intervalo e a dispersão do QT em pacientes com poliartrite inflamatória. Em nossa amostra de EpA, três pacientes tinham intervalo QTc acima da normalidade, o que aumenta o risco para taquicardias do tipo torsade de pointes. (1212. Lemos LF. Medicamentos com potencial para prolongar o intervalo QT e precauções a ter na prática clínica com a sua utilização. Experiência profissionalizante na vertente de farmácia comunitária e investigação [Dissertação]. Covilhã: Faculdade Ciências da Saúde, Universidade da Beira Interior; 2013.)Destes, somente um fazia uso de anti-TNF-α.

Este estudo tem várias limitações: não possuir dosagem de HLA-B27 nos indivíduos controles e ter uma amostra de pequeno tamanho. Outra limitação foi seu desenho retrospectivo, o qual não leva em conta o tempo de uso de anti-TNF-α. Estudos de desenho prospectivo podem completar o conhecimento na área. Entretanto, nossos achados realçam a alta prevalência de alterações eletrocardiográficas nestes pacientes, os quais já são desfavorecidos do ponto de vista cardiovascular, por portarem uma doença inflamatória crônica,(1717. van der Horst-Bruinsma IE, Nurmohamed MT, Landewé RB. Comorbidities in patients with spondyloarthritis. Rheum Dis Clin North Am. 2012;38(3): 523-38.)exigindo do médico atendente um cuidado especial neste aspecto.

CONCLUSÃO

Pacientes com espondiloartrite apresentaram frequência cardíaca menor, maior intervalo QT corrigido e prevalência maior perturbação de condução do ramo direito do que controles. O uso de anti-TNF-α não alterou os achados eletrocardiográficos.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    21 Abr 2018
  • Aceito
    29 Out 2018
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