Acessibilidade / Reportar erro

Imunosenescência: participação de linfócitos T e células mieloides supressoras nas alterações da resposta imune relacionadas ao envelhecimento

RESUMO

O envelhecimento saudável está relacionado, pelo menos em parte, com a função adequada do sistema imunológico. Isso porque já foi relatado que, com o envelhecimento, algumas mudanças desse sistema são observadas, como a diminuição da percentagem e do repertório de células T pela involução tímica, acúmulo de células T de memória por infecções crônicas, compensação do número de células T naïve por proliferação homeostática, diminuição da capacidade de proliferação das células T frente a um estímulo, encurtamento dos telômeros, senescência replicativa das células T, e inflammaging, além do acúmulo de células mieloides supressoras. Este artigo visa esclarecer cada uma das mudanças, mencionadas, com o intuito de buscar meios de minimizar as limitações da imunosenescência. Caso seja possível estabelecer tais relações, essas células podem ser utilizadas como marcadores precoces e pouco invasivos de doenças relacionadas ao envelhecimento, além da possibilidade de serem utilizadas para indicar intervenções, avaliar a eficácia das intervenções e como ferramenta para alcance da longevidade com qualidade de vida.

Descritores:
Imunosenescência; Linfócitos T; Inflamação; Células supressoras mieloides; Envelhecimento

ABSTRACT

Healthy aging is partly related to appropriate function of the immune system. As already reported, some changes in this system are observed, including reduced number and repertoire of T cells due to thymic involution, accumulation of memory T cells by chronic infections, homeostatic proliferation compensating for the number of naïve T cells, decreased proliferation of T cells against a stimulus, telomere shortening, replicative senescence of the T cells, and inflammaging, besides the accumulation of myeloid-derived suppressor cells. The purpose of this article is to clarify each of these changes, aiming to minimize limitations of immunosenescence. If such associations can be established, these cells may be used as early and less invasive markers of aging-related diseases, as well as to indicate interventions, evaluate the efficacy of interventions and be a tool to achieve longevity with quality of life.

Keywords:
Immunosenescence; T-lymphocytes; Inflammation; Myeloid-derived suppressor cells; Aging

INTRODUÇÃO

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil será o sexto país do mundo com o maior número de pessoas idosas até 2025. Esse aumento do número de idosos pode gerar um impacto socioeconômico no país, como já se tem observado em outros lugares do mundo, visto que a maioria dos idosos atinge a terceira idade com morbidades associadas (comorbidades). Algumas das comorbidades frequentes em idosos estão relacionadas com alterações características do sistema imune, que ocorrem com o avanço da idade, denominadas imunosenescência. Essas alterações conduzem ao aumento da incidência e da gravidade das doenças infecciosas, e à insuficiente proteção após a vacinação, acarretando elevado número de internações.(11. Felix J. Economia da longevidade: uma revisão da bibliografia brasileira sobre o envelhecimento populacional. In: Anais VIII Encontro da Associação Brasileira de Economia da Saúde [Internet]. São Paulo 7-9 Nov 2007 [citado 2019 Fev 5]. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Economia da Saúde; 2007. Disponível em: http://www.observatorionacionaldoidoso.fiocruz.br/biblioteca/_artigos/45.pdf
http://www.observatorionacionaldoidoso.f...
)

IMUNOSENESCÊNCIA

A imunosenescência foi definida inicialmente como um conjunto de alterações que ocorrem na resposta imune, de acordo com o envelhecimento, sendo um sinônimo de imunodegeneração. Isso porque foi considerado que o sistema imune entrava em colapso com o avanço da idade, visto o aumento da suscetibilidade desses indivíduos às doenças infecciosas e ao desenvolvimento do câncer, a diminuição da produção de anticorpos contra antígenos específicos, o aumento de autoanticorpos, a diminuição da proliferação de linfócitos T e a involução tímica.(22. Thoman ML, Weigle WO. The cellular and subcellular bases of immunosenescence. AdvImmunol. 1989;46:221-61. Review.,33. Pawelec G. Immunosenescence: impact in the young as well as the old? Mech Ageing Dev. 1999;108(1):1-7.) Porém, atualmente, a imunosenescência é definida por alguns pesquisadores como remodelação do sistema imune, sugerindo que há plasticidade do sistema imune com o envelhecimento. Segundo esses pesquisadores, com o avanço da idade não ocorre necessariamente um declínio inevitável das funções imunes, mas um rearranjo ou a adaptação do sistema imune, para adequar o organismo que foi exposto a diferentes patógenos ao longo da vida. Dependendo desse rearranjo ou da adaptação ser bem-sucedida o idoso pode chegar à longevidade com qualidade de vida ou, caso contrário, apresentar doenças crônicas (comorbidades) e/ou sofrer frequentes hospitalizações, devido à gravidade das infecções.(44. Vallejo AN. Immune remodeling: lessons from repertoire alterations during chronological aging and in immune-mediated disease. Trends Mol Med. 2007;13(3):94-102. Review.,55. Dewan SK, Zheng SB, Xia SJ, Bill K. Senescent remodeling of the immune system and its contribution to the predisposition of the elderly to infections.Chin Med J (Engl). 2012;125(18):3325-31. Review.)

Essa adaptação do sistema imune, com o avanço da idade, parece ter como resultado a diminuição da percentagem e do repertório de células T pela involução tímica, o acúmulo de células T de memória por infecções crônicas, a compensação do número de células T naïve por proliferação homeostática, a diminuição da capacidade de proliferação das células T frente a um estímulo, a senescência replicativa das células T e inflammaging, além do acúmulo de células mieloides supressoras (MDSC - myeloid-derived suppressor cells)(66. Dorrington MG, Bowdish DM. Immunosenescence and novel vaccination strategies for the elderly. Front Immunol. 2013;4:171.) (Figura 1).

Figura 1
Alterações resultantes do envelhecimento

MDSC: células mieloides supressoras; RCT: receptor de células T; CMV: citomegalovírus; IL-2: interleucina 2.


Com o envelhecimento, há, durante a hematopoiese na medula óssea, a tendência de aumento da linhagem mieloide, o que pode favorecer o acúmulo de células mieloides supressoras. Essas células têm capacidade de suprimir a proliferação e a função de células T, além de produzir citocinas pró-inflamatórias. Além disso, observam-se a involução tímica e a substituição do tecido tímico por tecido adiposo. Com isso, há redução da variabilidade do receptor de células T e da liberação de células T naïve. A diminuição da liberação tímica de células naïve, somada a resposta imune contra infecções ao longo da vida, leva ao acúmulo de células T de memória. Tanto as células naïve quanto as de memória, nesses indivíduos, conseguem se manter graças à proliferação homeostática, que leva ao encurtamento dos telômeros dessas células, levando à senescência replicativa de células T, que são produtoras de citocinas pró-inflamatórias e favorecem o quadro inflammaging. O encurtamento dos telômeros também diminui a capacidade de proliferação de células T, que produzem menos interleucina (IL) 2, diminuindo ainda mais a proliferação dessas células.

Considerando que as células T são essenciais para a resposta adequada contra agentes patogênicos e neoplasias, além de sua função na proteção após a vacinação, parece razoável que mudanças no número, no fenótipo e na função das células T desempenham papel importante na imunosenescência e, então, podem ser usadas como biomarcadores. Assim, nosso grupo focou na avaliação do fenótipo e da função das células T, além das células MDSC, que recentemente foram relacionadas ao envelhecimento, e pouco se sabe sobre seu papel nesse processo; alguns trabalhos apontam o aumento da percentagem dessas células em tumores, infecções e um possível papel na doença de Alzheimer.(77. Verschoor CP, Johnstone J, Millar J, Dorrington MG, Habibagahi M, Lelic A, et al. Blood CD33(+)HLA-DR(−) myeloid-derived suppressor cells are increased with age and history of cancer. J Leukoc Biol. 2013;93(4):633-7.,88. Le Page A, Garneau H, Dupuis G, Frost EH, Larbi A, Witkowski JM, et al. Differential phenotypes of myeloid-derived suppressor and T regulatory cells and cytokine levels in amnestic mild cognitive impairment subjects compared to mild Alzheimer diseased patients. Front Immunol. 2017;8:783.) A seguir, é detalhado como ocorre cada um dos mecanismos citados originados pela remodelação do sistema imune com o envelhecimento.

CÉLULAS T

Timo

Com a imunosenescência, há diminuição do reconhecimento de novos antígenos, que ocorre pela redução da variabilidade do receptor de células T (RCT) pela involução tímica, o que contribui para o aumento da suscetibilidade de idosos a doenças infecciosas ou à resposta ineficaz à vacinação.(66. Dorrington MG, Bowdish DM. Immunosenescence and novel vaccination strategies for the elderly. Front Immunol. 2013;4:171.) Francisco et al., avaliaram dados de idosos de São Paulo e observaram que, mesmo eles sendo vacinados contra o vírus influenza, o número de idosos (acima de 80 anos) internados por doenças respiratórias foi maior, se comparado com idosos de 60 a 64 anos.(99. Francisco PM, Donalisio MR, Lattorre MR. Internação por doenças respiratórias em idosos e a intervenção vacinal contra influenza no Estado de São Paulo. Rev Bras Epidemiol. 2004,7(2):220-7.) Porém, considerando a menor resposta imune pós-vacinação em alguns idosos, essa forma de prevenção é essencial, pois o levantamento de dados feito por Nichol et al., mostrou que, em dez temporadas de vacinação, houve redução de 27% do risco de hospitalização por pneumonia por influenza, e redução de 48% do risco de morte.(1010. Nichol KL, Nordin JD, Nelson DB, Mullooly JP, Hak E. Effectiveness of influenza vaccine in the community-dewelling elderly. N Engl J Med. 2007;357(14): 1373-81.)

A involução tímica também está relacionada com a baixa produção de células T naïve em idosos. No jovem, a percentagem de células T naïve e a percentagem da soma das células de memória são semelhantes. Na imunosenescência, a percentagem da soma das células de memória passa a predominar sobre a percentagem de células T naïve.(1111. GinaldI L, De Martinis M, Modesti M, Loreto F, Corsi MP, Quaglino D. Immunophenotypical changes of t lymphocytes in the elderly. Gerontology. 2000;46(5):242-8.)

Fenótipo

Em estudo recente, realizado por nosso grupo, foi observado que, no estágio inicial do envelhecimento (60 a 65 anos), já existiam mudanças como a diminuição das células T naïve e o acúmulo de células T de memória terminal (TEMRA); e que, em homens, essa alteração era mais proeminente.(1212. Teixeira D, Ishimura ME, Longo-Maugeri IM, Lebrão ML, Duarte YA, Bueno V. Biological markers changes at the very early stage of ageing (60-65 years). Is there a gender-related effect? Aging Sci. 2015;3(1):1-5.) Hamann et al., também encontraram relação entre o envelhecimento e o aumento da percentagem de células TCD8+TEMRA.(1313. Hamann D, Kostense S, Wolthers KC, Otto SA, Baars PA, Miedema F, et al. Evidence that human CD8+ CD45RA+CD27- are induced by antigen and evolve through extensive rounds of division. Int Immunol.1999;11(7):1027-33.) Esse acúmulo de células de memória em indivíduos idosos e a relativa diminuição da diversidade de especificidade de reconhecimento RCT podem interferir no processo da montagem de respostas imunes a novos antígenos no indivíduo idoso.

A infecção por citomegalovírus (CMV) é associada ao aumento das células T de memória efetora (TEM).(1414. Derhovanessian E, Maier AB, Hähnel K, Beck R, De Craen AJ, Slagboom EP, et al. Infection with cytomegalovirus but not herpes simplex virus induces the accumulation of late-differentiated CD4+ and CD8+ T-cells in humans. J Gen Virol. 2011;92(Pt 12):2746-56.) Os papéis relativos que o envelhecimento e a infecção por CMV ao longo da vida têm na formação de células TCD4+ naïve e de memória em idosos saudáveis não são claros. No entanto, foi observado que o envelhecimento tem maior relevância que a soropositividade ao CMV para a diminuição das células T naïve ao longo do tempo. Porém, o aumento das células TCD4+TEM e TEMRA é quase exclusivamente o resultado da soropositividade ao CMV. Grande proporção das células TCD8+TEM e TEMRA em indivíduos idosos também pode ser específica para CMV. Desse modo, embora a infecção por CMV seja inofensiva para indivíduos jovens saudáveis, a infecção com este vírus pode ter um papel na disfunção imune durante o envelhecimento, que está associado com o acúmulo de células T de memória específicas para CMV.(1515. Libri V, Azevedo RI, Jackson SE, Di Mitri D, Lachmann R, Fuhrmann S, et al. Cytomegalovirus infection induces the accumulation of short-lived, multifunctional CD4+CD45RA+CD27+ T cells: the potential involvement of interleukin-7 in this process. Immunology. 2011;132(3):326-39.)

Proliferação

Para compensar a exportação tímica diminuída em idosos, as células T naïve existentes aumentam por meio da proliferação homeostática periférica. Tem sido demonstrado que a citocina IL-7 desempenha papel crucial no controle da proliferação homeostática de células TCD4+ e TCD8+naïve.(1616. Schluns KS, Kieper WC, Jameson SC, Lefrançois L. Interleukin-7 mediates the homeostasis of naïve and memory CD8 T cells in vivo. Nat Immunol. 2000;1(5):426-32.) Durante o envelhecimento, também é observado um aumento no número de células T de memória resultante da proliferação homeostática, que, diferente das células T naïve, dependem tanto da citocina IL-7 quanto da citocina IL-15.(1717. Surh CD, Sprent J. Homeostasis of naive and memory T cells. Immunity. 2008;29(6):848-62. Review.) Esses achados sugerem que o aumento das citocinas homeostáticas durante o envelhecimento pode favorecer também a sobrevivência e a expansão das células de memória.(1717. Surh CD, Sprent J. Homeostasis of naive and memory T cells. Immunity. 2008;29(6):848-62. Review.)

Outra alteração encontrada em indivíduos idosos é a capacidade diminuída de proliferação de células T in vitro em resposta a diferentes mitógenos, quando comparada a jovens.(1818. Peres A, Nardi NB, Chies JA. Imunossenescência: o envolvimento das células T no envelhecimento. Biociências. 2003;11(2):187-94. Revisão.,1919. Tortorella C, Loria MP, Piazzolla G, Schulze-Koops H, Lipsky PE, Jirillo E, et al. Age-related impairment of T cell proliferative responses related to the decline of CD28+ T cell subsets. Arch Gerontol Geriatr. 1998;26(1):55-70.) Acredita-se que a redução na secreção de IL-2 e na expressão das moléculas CD25 (cadeia alfa do receptor de IL-2) e CD28 (a qual, após ligação com a molécula B7, induz transcrição de IL-2 e do receptor da citocina IL-2/IL-2R) deva contribuir de maneira crucial para esta diminuição da capacidade proliferativa da célula T observada no indivíduo idoso.(2020. Wakikawa A, Utsuyama M, Hirokawa K. Altered expression of various receptors on T cells in young and old mice after mitogenic stimulation: a flow cytometric analysis. Mech Ageing Dev. 1997;94(1-3):113-22.)

A imunosenescência também pode ser atribuída a um fenômeno conhecido como senescência replicativa de células T. A senescência replicativa refere-se ao processo pelo qual as células somáticas normais atingem estágio irreversível do ciclo celular após vários ciclos de replicação. Atualmente, é sabido que, entre os agentes que levam à senescência replicativa de células T in vivo, estão os vírus persistentes e os antígenos tumorais. As células TCD8+ senescentes, que se acumulam nos idosos, têm, frequentemente, a especificidade do antígeno contra o CMV, sugerindo que esta infecção comum e persistente possa impulsionar a senescência imune e resultar em alterações funcionais e fenotípicas no repertório de células T. As células T senescentes também foram identificadas em pacientes com certos tipos de câncer, doenças autoimunes e infecções crônicas, como o HIV. Essas células são caracterizadas pela perda da molécula coestimuladora CD28, telômeros encurtados e produção elevada de citocinas pró-inflamatórias.(2121. Chou JP, Effros RB. T cell replicative senescence in human aging. Curr Pharm. 2013;19(9):1680-98. Review.)

Citocinas

O aumento de citocinas pró-inflamatórias e a diminuição de citocinas anti-inflamatórias estão presentes no processo de envelhecimento − quadro conhecido como inflammaging.(2222. Franceschi C, Bonafè M, Valensin S, Olivieri F, De Luca M, Ottaviani E, et al. Inflamm-aging. An evolutionary perspective on immunosenescence. Ann N Y Acad Sci. 2000;908:244-54. Review.) A alteração na produção de citocinas pode estar relacionada com a senescência das células T. São encontrados danos no DNA nessas células como quebra de cadeia dupla, reparo ineficiente e redução da atividade da telomerase. As respostas resultantes do dano de DNA crônico envolvem principalmente a ativação de DNA-PKcs, uma subunidade catalítica do DNA dependente de proteína quinase. A atividade de DNA-PKcs influencia as vias de sinalização intracelular por meio da atividade aumentada do NF-kB, que pode contribuir para a produção de citocinas pró-inflamatórias, como IL-1, IL-6 e fator de necorese tumoral alfa (TNF-α), caracterizando o perfil inflammaging em idosos.(2323. Olivieri F, Albertini MC, Orciani M, Ceka A, Cricca M, Procopio AD, et al. DNA damage response (DDR) and senescence: shuttled inflamma-miRNAs on the stage of inflamm-aging. Oncotarget. 2015;6(34):35509-21. Review.) O aumento da produção de progenitores mieloides pela medula óssea em idosos também pode estar associado ao processo de inflammaging, pois os monócitos de idosos apresentam um aumento da secreção de citocinas no estado basal, como citocinas pró-inflamatórias (IL-6, TNF-α) e baixos níveis de citocinas anti-inflamatórias(IL-10).(2424. Hearps AC, Martin GE, Angelovich TA, Cheng WJ, Maisa A, Landay AL, et al. Aging is associated with chronic innate immune activation and dysregulation of monocyte phenotype and function. Aging Cell. 2012;11(5):867-75.)

A secreção de IL-2 é reduzida com a progressão do envelhecimento. Com isso, ocorrem perda de capacidade de proliferação de células T, declínio na síntese e liberação de IL-2 (feedback), além de declínio na capacidade da célula T, para expressar o receptor de IL-2.(2525. Song L, Kim YH, Chopra RK, Proust JJ, Nagel JE, Nordin AA, et al. Age-related effects in T cell activation and proliferation. Exp Gerontol. 1993;28(4-5):313-21. Review.)

Indivíduos idosos longevos geralmente apresentam sinais de inflamação sistêmica, bem como diminuição de antioxidantes, e mostram estado de hipercoagulabilidade caracterizado pelo maior nível plasmático de fatores importantes envolvidos no equilíbrio da hemostasia. No entanto, esses indivíduos evitam ou retardam o aparecimento de doenças crônicas relacionadas ao envelhecimento, como diabetes mellitus tipo 2, doenças cardiovasculares e câncer invasivo, sugerindo que o estado inflamatório e hipercoagulável são compatíveis com a saúde e a longevidade. Franceschi et al., desenvolveram a hipótese de que as alterações do sistema imune são propriedades de uma remodelação imune com o envelhecimento, na qual mecanismos de adaptação podem ter evoluído sob pressão seletiva, para otimizar a manutenção e o reparo de órgãos, tecidos ou células, viabilizando a longevidade em alguns indivíduos.(2626. Franceschi C, Campisi J. Chronic inflammation (inflammaging) and its potential contribution to age-associated diseases. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2014;69(Suppl 1):S4-9. Review.)

CÉLULAS MIELOIDES SUPRESSORAS

O desbalanço entre a produção de progenitores mieloides e linfoides no envelhecimento favorece a linhagem mieloide, e, assim, essa tendência pode estar relacionada ao aumento das MDSC em idosos. As MDSCs são heterogêneas com população de células mieloides (granulócitos, macrófagos e células dendríticas), que estão em estágio inicial de desenvolvimento e têm capacidade de supressão imune.(2727. Beerman I, Bhattacharya D, Zandi S, Sigvardsson M, Weissman IL, Bryder D, et al. Functionally distinct hematopoietic stem cells modulate hematopoietic lineage potential during aging by a mechanism of clonal expansion. Proc Natl Acad Sci U S A. 2010;107(12):5465-70.)

Em indivíduos saudáveis, na medula óssea, as células hematopoiéticas se diferenciam em células comuns de progenitores mieloides e, em seguida, em células mieloides imaturas (CMI). Em condições fisiológicas, as CMI migram para diferentes órgãos periféricos, nos quais se diferenciam em células dendríticas, macrófagos ou granulócitos. No entanto, os fatores produzidos no microambiente do câncer, várias doenças infecciosas, sepse, trauma, transplante de medula óssea ou algumas doenças autoimunes promovem o acúmulo de CMI nesses locais, impedem sua diferenciação e induzem sua ativação. Nesse contexto, tais células são denominadas MDSCs. Em indivíduos saudáveis, CMI compreendem aproximadamente 0,5% das células mononucleares do sangue periférico.(2828. Gabrilovich DI, Nagaraj S. Myeloid-derived suppressor cells as regulators of the immune system. Nat Rev Immunol. 2009;9(3):162-74. Review.)

A maioria dos estudos mostra que as funções imunossupressoras das MDSC requerem contato direto com as células, o que sugere que elas atuem tanto por meio dos receptores da superfície das células T, como o RCT, quanto pela liberação de mediadores solúveis de curta duração. Os principais mecanismos envolvidos na supressão mediada por MDSC da função das células T são por arginase (codificado por ARG1), óxido nítrico sintase induzida (iNOS, também conhecido como NOS2), aumento na produção de óxido nítrico (NO) e espécies reativas de oxigênio (ROS).(2828. Gabrilovich DI, Nagaraj S. Myeloid-derived suppressor cells as regulators of the immune system. Nat Rev Immunol. 2009;9(3):162-74. Review.)

As MDSCs podem desempenhar papel importante em algumas das principais morbidades associadas ao envelhecimento, como infecções, câncer e doenças autoimunes. Verschoor et al., analisaram as MDSCs em células mononucleares de sangue periférico de adultos (19 a 59 anos), idosos (61 a 76 anos) e idosos frágeis (67 a 99 anos). Eles encontraram aumento significativo no número de MDSC em idosos e idosos frágeis, em comparação com adultos jovens saudáveis. Além disso, 23 doadores idosos e idosos frágeis que possuíam um histórico de câncer (mama, pulmão, próstata, pele e cólon) apresentaram números significativamente maiores de MDSC, embora estivessem em remissão parcial ou completa.(77. Verschoor CP, Johnstone J, Millar J, Dorrington MG, Habibagahi M, Lelic A, et al. Blood CD33(+)HLA-DR(−) myeloid-derived suppressor cells are increased with age and history of cancer. J Leukoc Biol. 2013;93(4):633-7.)

Não é clara a função das MDSCs, tanto no estado fisiológico, ou seja, em indivíduos jovens e saudáveis, quanto no envelhecimento. A elevação relacionada à idade na frequência de MDSC pode contribuir para o aumento da incidência das doenças mencionadas, que estão correlacionadas com a idade, ou ser um fator protetor, como em doenças autoimunes. Uma investigação mais aprofundada sobre as consequências funcionais do acúmulo no sangue periférico de MDSC proporcionará um prognóstico das patologias relacionadas à idade, podendo ser utilizado como biomarcador.(77. Verschoor CP, Johnstone J, Millar J, Dorrington MG, Habibagahi M, Lelic A, et al. Blood CD33(+)HLA-DR(−) myeloid-derived suppressor cells are increased with age and history of cancer. J Leukoc Biol. 2013;93(4):633-7.)

CONCLUSÃO

Conhecendo cada um dos mecanismos originados pela remodelação do sistema imune com o envelhecimento, há possibilidade de utilização das células discutidas no presente trabalho (células T e células mieloides supressoras) como marcadores precoces e pouco invasivos de doenças associadas ao envelhecimento, com o intuito de minimizar as limitações de imunosenescência e garantir um melhor tratamento da população idosa vulnerável. Assim, conhecer com mais detalhes o sistema imune em longevos pode direcionar políticas preventivas e/ou de intervenção.

REFERENCES

  • 1
    Felix J. Economia da longevidade: uma revisão da bibliografia brasileira sobre o envelhecimento populacional. In: Anais VIII Encontro da Associação Brasileira de Economia da Saúde [Internet]. São Paulo 7-9 Nov 2007 [citado 2019 Fev 5]. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Economia da Saúde; 2007. Disponível em: http://www.observatorionacionaldoidoso.fiocruz.br/biblioteca/_artigos/45.pdf
    » http://www.observatorionacionaldoidoso.fiocruz.br/biblioteca/_artigos/45.pdf
  • 2
    Thoman ML, Weigle WO. The cellular and subcellular bases of immunosenescence. AdvImmunol. 1989;46:221-61. Review.
  • 3
    Pawelec G. Immunosenescence: impact in the young as well as the old? Mech Ageing Dev. 1999;108(1):1-7.
  • 4
    Vallejo AN. Immune remodeling: lessons from repertoire alterations during chronological aging and in immune-mediated disease. Trends Mol Med. 2007;13(3):94-102. Review.
  • 5
    Dewan SK, Zheng SB, Xia SJ, Bill K. Senescent remodeling of the immune system and its contribution to the predisposition of the elderly to infections.Chin Med J (Engl). 2012;125(18):3325-31. Review.
  • 6
    Dorrington MG, Bowdish DM. Immunosenescence and novel vaccination strategies for the elderly. Front Immunol. 2013;4:171.
  • 7
    Verschoor CP, Johnstone J, Millar J, Dorrington MG, Habibagahi M, Lelic A, et al. Blood CD33(+)HLA-DR(−) myeloid-derived suppressor cells are increased with age and history of cancer. J Leukoc Biol. 2013;93(4):633-7.
  • 8
    Le Page A, Garneau H, Dupuis G, Frost EH, Larbi A, Witkowski JM, et al. Differential phenotypes of myeloid-derived suppressor and T regulatory cells and cytokine levels in amnestic mild cognitive impairment subjects compared to mild Alzheimer diseased patients. Front Immunol. 2017;8:783.
  • 9
    Francisco PM, Donalisio MR, Lattorre MR. Internação por doenças respiratórias em idosos e a intervenção vacinal contra influenza no Estado de São Paulo. Rev Bras Epidemiol. 2004,7(2):220-7.
  • 10
    Nichol KL, Nordin JD, Nelson DB, Mullooly JP, Hak E. Effectiveness of influenza vaccine in the community-dewelling elderly. N Engl J Med. 2007;357(14): 1373-81.
  • 11
    GinaldI L, De Martinis M, Modesti M, Loreto F, Corsi MP, Quaglino D. Immunophenotypical changes of t lymphocytes in the elderly. Gerontology. 2000;46(5):242-8.
  • 12
    Teixeira D, Ishimura ME, Longo-Maugeri IM, Lebrão ML, Duarte YA, Bueno V. Biological markers changes at the very early stage of ageing (60-65 years). Is there a gender-related effect? Aging Sci. 2015;3(1):1-5.
  • 13
    Hamann D, Kostense S, Wolthers KC, Otto SA, Baars PA, Miedema F, et al. Evidence that human CD8+ CD45RA+CD27- are induced by antigen and evolve through extensive rounds of division. Int Immunol.1999;11(7):1027-33.
  • 14
    Derhovanessian E, Maier AB, Hähnel K, Beck R, De Craen AJ, Slagboom EP, et al. Infection with cytomegalovirus but not herpes simplex virus induces the accumulation of late-differentiated CD4+ and CD8+ T-cells in humans. J Gen Virol. 2011;92(Pt 12):2746-56.
  • 15
    Libri V, Azevedo RI, Jackson SE, Di Mitri D, Lachmann R, Fuhrmann S, et al. Cytomegalovirus infection induces the accumulation of short-lived, multifunctional CD4+CD45RA+CD27+ T cells: the potential involvement of interleukin-7 in this process. Immunology. 2011;132(3):326-39.
  • 16
    Schluns KS, Kieper WC, Jameson SC, Lefrançois L. Interleukin-7 mediates the homeostasis of naïve and memory CD8 T cells in vivo. Nat Immunol. 2000;1(5):426-32.
  • 17
    Surh CD, Sprent J. Homeostasis of naive and memory T cells. Immunity. 2008;29(6):848-62. Review.
  • 18
    Peres A, Nardi NB, Chies JA. Imunossenescência: o envolvimento das células T no envelhecimento. Biociências. 2003;11(2):187-94. Revisão.
  • 19
    Tortorella C, Loria MP, Piazzolla G, Schulze-Koops H, Lipsky PE, Jirillo E, et al. Age-related impairment of T cell proliferative responses related to the decline of CD28+ T cell subsets. Arch Gerontol Geriatr. 1998;26(1):55-70.
  • 20
    Wakikawa A, Utsuyama M, Hirokawa K. Altered expression of various receptors on T cells in young and old mice after mitogenic stimulation: a flow cytometric analysis. Mech Ageing Dev. 1997;94(1-3):113-22.
  • 21
    Chou JP, Effros RB. T cell replicative senescence in human aging. Curr Pharm. 2013;19(9):1680-98. Review.
  • 22
    Franceschi C, Bonafè M, Valensin S, Olivieri F, De Luca M, Ottaviani E, et al. Inflamm-aging. An evolutionary perspective on immunosenescence. Ann N Y Acad Sci. 2000;908:244-54. Review.
  • 23
    Olivieri F, Albertini MC, Orciani M, Ceka A, Cricca M, Procopio AD, et al. DNA damage response (DDR) and senescence: shuttled inflamma-miRNAs on the stage of inflamm-aging. Oncotarget. 2015;6(34):35509-21. Review.
  • 24
    Hearps AC, Martin GE, Angelovich TA, Cheng WJ, Maisa A, Landay AL, et al. Aging is associated with chronic innate immune activation and dysregulation of monocyte phenotype and function. Aging Cell. 2012;11(5):867-75.
  • 25
    Song L, Kim YH, Chopra RK, Proust JJ, Nagel JE, Nordin AA, et al. Age-related effects in T cell activation and proliferation. Exp Gerontol. 1993;28(4-5):313-21. Review.
  • 26
    Franceschi C, Campisi J. Chronic inflammation (inflammaging) and its potential contribution to age-associated diseases. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2014;69(Suppl 1):S4-9. Review.
  • 27
    Beerman I, Bhattacharya D, Zandi S, Sigvardsson M, Weissman IL, Bryder D, et al. Functionally distinct hematopoietic stem cells modulate hematopoietic lineage potential during aging by a mechanism of clonal expansion. Proc Natl Acad Sci U S A. 2010;107(12):5465-70.
  • 28
    Gabrilovich DI, Nagaraj S. Myeloid-derived suppressor cells as regulators of the immune system. Nat Rev Immunol. 2009;9(3):162-74. Review.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    20 Ago 2018
  • Aceito
    10 Fev 2019
Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein Avenida Albert Einstein, 627/701 , 05651-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 2151 0904 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@einstein.br