Resumos
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:
A dor física no período puerperal em geral decorre das alterações musculoesqueléticas inerentes à gestação, contudo seu curso clínico pode ser alterado na presença dos transtornos de humor. O objetivo deste estudo foi verificar a associação entre dor e depressão pós-parto.
MÉTODOS:
Foram entrevistadas 80 mulheres em pós-parto de 2 a 30 semanas. Os sintomas depressivos foram rastreados através da Escala de Depressão Pós-natal de Edimburgo. A intensidade da dor foi avaliada, por meio da escala analógica visual, enquanto o Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares foi empregado na localização da dor.
RESULTADOS:
A análise univariada mostrou que a depressão pós-parto esteve associada à dor de maior intensidade (p<0,001), a alterações constantes de humor (p=0,001), à iniciação sexual precoce (p<0,05) e ao consumo de álcool (p<0,05). Percepção dolorosa de maior intensidade foi associada a um relacionamento conjugal ruim (p<0,05) e a um maior número pessoas em coabitação (p<0,05). A região torácica foi o local de dor mais apontado pelas puérperas deprimidas (p=0,01). A análise de regressão logística revelou que dor referida de moderada a intensa foi um forte fator preditor de depressão pós-parto (OR=4,6; intervalo de confiança de 95%:1,5-13,9).
CONCLUSÃO:
Dor de intensidade moderada a intensa aumenta a probabilidade de mulheres desenvolverem sintomas depressivos no pós-parto.
Depressão pós-parto; Dor musculoesquelética; Mensuração da dor
BACKGROUND AND OBJECTIVES:
Physical pain during puerperium is in general caused by musculoskeletal changes inherent to gestation; however, its clinical progression may be changed by mood disorders. This study aimed at evaluating the association between pain and postpartum depression.
METHODS:
Participated in the study 80 women at 2 to 30 weeks postpartum. Depressive symptoms were screened with the Edinburgh Postnatal Depression Scale. Pain intensity was evaluated with the analog visual scale, while the Nordic Musculoskeletal Questionnaire was used for pain location.
RESULTS:
Univariate analysis has shown that postpartum depression was associated to more severe pain (p<0.001), to constant mood changes (p=0.001), to early sexual initiation (p<0.05) and to a larger number of people living together (p<0.05). Chest was the most common painful site referred by depressed puerperal women (p=0.01). Logistic regression analysis has shown that moderate to severe pain was a strong predictor of postpartum depression (OR=4.6; confidence interval 95%: 1.5-13.9).
CONCLUSION:
Moderate to severe pain increases the probability of puerperal women developing postpartum depressive symptoms.
Musculoskeletal pain; Pain measurement; Postpartum depression
INTRODUÇÃO
Depressão e ansiedade são transtornos de humor usualmente associados à persistência do quadro doloroso. Em função da tríade medo-tensão-dor11. Cheetham RWS, Rzadkowolski A. Psychiatric aspects of labour and the puerperium. S Afr Med J. 1980;58(20):814-6., o quadro emocional está diretamente relacionado às funções musculares e fisiológicas, refletindo-se no padrão postural e influenciando a gênese da dor22. Morari-Cassol EG, Campos Júnior D, Haeffner LS. Desconforto músculo-esquelético no pós-parto e amamentação. Fisioter Bras. 2008;9(1):9-16..
Nessa perspectiva, dor puerperal e depressão pós-parto (DPP) podem ser fenômenos associados. Os fatores predisponentes às complicações psiquiátricas que ocorrem durante a gestação, o parto e/ou o pós-parto, podem amplificar a percepção da dor33. Gaudet C, Wen SW, Walker MC. Chronic perinatal pain as a risk factor for postpartum depression symptoms in Canadian women. Can J Public Health. 2013;104(5):375-87.. Tais fatores incluem conflitos em relação à identidade feminina, experiências traumáticas durante as primeiras fases do desenvolvimento psicos-sexual, situação socioeconômica adversa, nível educacional, medo e ansiedade particularmente na ausência de apoio do companheiro11. Cheetham RWS, Rzadkowolski A. Psychiatric aspects of labour and the puerperium. S Afr Med J. 1980;58(20):814-6..
Atualmente, a DPP é considerada uma das mais graves complicações após o parto em países desenvolvidos44. Jardri R, Maron M, Delion P, Thomas P. Pain as a confounding factor in postnatal depression screening. J Psychosom Obstet Gynaecol. 2010;31(4):252-5.. Consiste em transtorno de humor com sintomas insidiosos que podem dar início já na segunda ou terceira semana do puerpério e ocorrer num período de até 12 meses após o parto. A estimativa da prevalência varia, de acordo com os procedimentos metodológicos de rastreamento, entre 7,2 e 43,0% em puérperas adultas brasileiras55. Cantilino A, Zambaldi CF, Albuquerque TL, Paes JA, Montenegro AC, Sougey EB. Postpartum depression in Recife - Brazil: prevalence and association with bio-socio-demographic factors. J Bras Psiquiatr. 2010;59(1):1-9..
Além dos transtornos de humor, sintomas físicos tais como fadiga, desconfortos mamários, cefaleia, lombalgia e cervicalgia são frequentemente descritos no período puerperal66. McGovern P, Dowd B, Gjerdingen D, Gross CR, Kenney S, Ukestad L, et al. Postpartum health of employed mothers 5 weeks after childbirth. Ann Fam Med. 2006;4(2):159-67.. A prevalência de dor nas regiões cervical, torácica, lombar e sacral pode variar entre 20 e 67%11. Cheetham RWS, Rzadkowolski A. Psychiatric aspects of labour and the puerperium. S Afr Med J. 1980;58(20):814-6.. Ao verificar os dados disponíveis na literatura sobre dor e DPP, estudo de revisão sistemática observou que embora a dor física puerperal pareça ser função das alterações musculoesqueléticas que ocorrem na gestação, seu curso clínico pode ser alterado na presença dos transtornos de humor77. Angelo RC, Cantilino A, Zambaldi CF, Sougey EB. Dor e depressão pós-parto. Neurobiologia. 2012;75(1-2):154-66..
Diante dessas considerações, é provável que a DPP configure fator de risco potencial para a intensificação e cronicidade dos quadros álgicos no puerpério. Nessa perspectiva, diante das repercussões negativas na qualidade de vida do binômio mãe-filho, o objetivo deste estudo foi averiguar os fatores associados à presença de dor e depressão no puerpério. Acredita-se ser relevante verificar essa associação para que medidas de prevenção, tratamento e reabilitação da dor possam ser estabelecidas nesse período.
MÉTODOS
Estudo analítico, de delineamento transversal, desenvolvido na Região Integrada de Desenvolvimento (RIDE) do Polo Petrolina/PE e Juazeiro/BA, entre julho de 2011 e julho de 2012, numa unidade do Sistema Único de Saúde (SUS), referência em atenção ao pré-natal, parto e nascimento.
Inicialmente, para testar a aplicabilidade e adequação dos instrumentos de pesquisa e estimar o tamanho da amostra, foi desenvolvido um estudo piloto com os mesmos critérios de elegibilidade adotados no presente estudo. A amostra inicial, não probabilística, foi composta por 58 puérperas. O rastreamento de DPP identificou entre as puérperas avaliadas uma frequência de 29,3%. O teste de correlação de Pearson revelou correlação moderada (r=0,37) e estatisticamente significativa (p=0,004) entre as variáveis DPP e dor. A estimativa do tamanho amostral foi conduzida no programa BioEstat (Sociedade Civil Mamirauá, Tefé, AM, Brasil, Realease 5.3, 2008). De acordo com o coeficiente de correlação obtido no estudo piloto, um poder de 80% e um nível de significância de 5%, a amostra foi estimada em 60 puérperas.
Os critérios de inclusão foram idade superior a 18 anos; tempo de pós-parto entre duas e 30 semanas; gestação com resolução entre 34 e 42 semanas; falar e compreender português; parição de bebê saudável e vivo. Foram excluídas as puérperas com diagnóstico de doenças ortopédicas ou reumatológicas; deformidades na coluna vertebral e membros inferiores (MMII); histórico de violência sexual, tratamento psiquiátrico prévio, uso de fármacos psicoativos ou drogas ilícitas.
Todas as pacientes incluídas no estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Com a finalidade de triagem e para traçar o perfil da amostra estudada, foi aplicada entrevista semiestruturada constando de informações sociodemográficas, fatores associados ao comportamento e hábitos de vida, antecedentes pessoais e hereditários, dados da história sexual e reprodutiva, além de dados clínico-obstétricos e neonatais.
O rastreamento dos sintomas depressivos foi feito através da versão validada em amostra brasileira da Escala de Depressão Pós-natal de Edimburgo (EDPE)88. Santos IS, Matijasevich A, Tavares BF, Barros AJ, Botelho IP, Lapolli C, et al. Validation of the Edinburgh Postnatal Depression Scale (EPDS) in a sample of mothers from the 2004 Pelotas Birth Cohort Study. Cad Saude Publica. 2007;23(11):2577-588.. Trata-se de um instrumento de autorregistro contendo 10 questões com opções pontuadas de zero a 3. A somatória dos pontos totaliza escore de 30, sendo considerado de sintomatologia depressiva o valor igual ou superior a 1399. Cox JL, Holden JM, Sagovsky R. Detection of postnatal depression. Development of the 10-item Edinburgh Postnatal Depression Scale. Br J Psychiatry. 1987;150:782-6.. Todas as puérperas que totalizaram escore pertinente à DPP foram reavaliadas por médico psiquiatra para comprovação diagnóstica.
Na averiguação da capacidade de percepção da dor, limitações e dificuldades na execução das atividades laborais e da vida diária, foi aplicada a versão validada do Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares (QNSO) para sintomas osteomusculares na população brasileira1010. Pinheiro FA, Troccoli BT, Carvalho CV. Validity of the Nordic Musculoskeletal Questionnaire as morbidity measurement tool. Rev Saude Publica. 2002;36(3):307-12.. A percepção da intensidade dolorosa foi avaliada através da escala analógica visual (EAV)1111. Huskisson EC. Measurement of pain. Lancet. 1974;304(7889):1127-31., escala pontuada de zero (ausência de dor) a 10 (pior dor imaginável). A intensidade da dor referida foi categorizada utilizando-se a mediana da EAV (5); desse modo, escores menores ou iguais a cinco foram considerados como dor ausente ou leve, enquanto escores superiores a cinco designaram dor moderada a intensa.
A análise descritiva foi realizada com o auxílio do programa computacional SPSS (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA, Release16.0.3, 2010). Após verificação da normalidade (teste de Kolmogorov-Smirnov) e da homocedasticidade (critério de Bartlett) dos dados, variáveis contínuas foram apresentadas em média e desvio padrão, enquanto as variáveis categóricas foram apresentadas em frequências relativa e absoluta.
A relação entre variáveis contínuas foi estabelecida através da correlação linear de Pearson, e a associação entre variáveis categóricas foi calculada através dos testes Qui-quadrado (X22. Morari-Cassol EG, Campos Júnior D, Haeffner LS. Desconforto músculo-esquelético no pós-parto e amamentação. Fisioter Bras. 2008;9(1):9-16.) de Pearson e Exato de Fisher. Diferenças entre médias foram calculadas através do teste tde Student para amostras independentes ou da Análise de Variância (ANOVA) univariada, com pós-teste de Tukey.
Para a análise bivariada utilizou-se regressão logística binária, com o objetivo de identificar preditores para a ocorrência de episódio depressivo após o parto. A modelagem foi realizada com o método enter, considerando separadamente as características sociais e demográficas, fatores associados ao comportamento e hábitos de vida, antecedentes pessoais e hereditários, dados da história sexual e reprodutiva, e dados clínico-obstétricos e neonatais. Em seguida, foram analisadas conjuntamente as variáveis que se mostraram significativas ou com uma relação com o modelo ≤0,20 nas análises de regressão prévias. Possíveis associações entre a variável dependente e cada variável independente foram calculadas por meio do cálculo da razão de chances (odds ratio, OR) não ajustada.
Todas as análises realizadas foram bicaudais, valores de p foram calculados, intervalos de confiança de 95% quando estabelecidos são exatos, e o nível de significância adotado foi 5%.
Este estudo foi conduzido em concordância com a resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco, estando registrado sob CAAE 0072.0.097.000-2011.
RESULTADOS
Durante o período de coleta de dados 1557 mulheres foram contatadas e convidadas a participar do estudo. Dentre as 312 entrevistadas, que preencheram os critérios de elegibilidade adotados e aceitaram tomar parte do estudo, estavam incluídas as participantes do estudo piloto. Segundo a amostragem aleatória simples, por meio de sorteio, foram selecionadas 80 (25,6%) puérperas.
A média de idade foi de 26,6±5,8 anos, sendo que 42 (52,5%) puérperas encontravam-se na faixa etária compreendida entre 20 e 29 anos. Mais da metade das puérperas avaliadas relatou manter parceiro em união consensual (n=51; 63,7%) e ter estudado cerca de 9 a 11 anos (n=47; 58,7%). A maioria declarou ter bom relacionamento conjugal (n=69: 86,2%) e morar com até três pessoas no mesmo domicílio (n=52; 65,1%).
Cerca de 52,5% (n=42) das puérperas não exerceu atividade profissional remunerada durante a gestação. Dentre as que trabalharam (n=38; 47,5%), a atividade de diarista foi a mais frequente (n=14; 17,5%), com a maioria desempenhando suas funções em pé (n=26; 32,5%) durante toda a carga horária trabalhista. Quase todas as puérperas mencionaram que exerciam atividades domésticas (n=77; 96,3%) e carregavam seus bebês no colo (n=74; 92,5%). A maioria (n=78; 97,5%) afirmou trocar as fraldas do bebê e frequentemente utilizou locais baixos para fazê-lo (n=58; 72,5%). O pai ajudou frequentemente nos cuidados com o bebê (n=55; 68,8%).
Dor de intensidade moderada a intensa foi reportada por 33 (41,3%) puérperas avaliadas, enquanto o relato de dor ausente ou leve foi encontrado em 47 (58,7%). A maioria afirmou ingerir bebidas alcoólicas regularmente (n=48; 60,0%); quase a totalidade da amostra (n=79; 98,7%) negou tabagismo. Mudança frequente de humor foi relatada por um grande percentual de puérperas (n=59; 73,8%).
No que diz respeito às características clínico-obstétricas, no momento da entrevista, 52,5% (n=42) das puérperas encontrava-se em período puerperal de até 30 dias. Observou-se predominância de parto por via vaginal (n=56; 70,0%), planejamento da atual gravidez (n=47; 58,8%) e amamentação (n=76; 95,0%). Mais da metade (n=54; 67,6%) das puérperas incluídas relatou início da vida sexual antes dos 18 anos (n=57; 71,0%), ter entre um e dois filhos e não ter histórico de aborto (n=55; 68,8%). Observou-se frequência idêntica quanto ao gênero do bebê (n=40; 50% meninas e n=40; 50% meninos).
Dentre as puérperas que constituíram a amostra, 32,5% (n=26) apresentaram escore indicativo de DPP e constituíram o grupo com depressão (PD); as demais (67,5%, n=54) foram alocadas no grupo sem depressão (PND). Verificou-se correlação positiva (r=0,35; p=0,002) entre os escores das escalas EDPE e EAV.
A análise comparativa entre os grupos PD e PND mostrou associação estatisticamente significativa entre DPP e maior nível de dor referida (p<0,001). Além disso, DPP também esteve associada a mudanças constantes de humor (p=0,001), etilismo (p<0,05) e início da vida sexual até os 18 anos (p<0,05) (Tabela 1).
Associação entre depressão pós-parto e indicadores sociodemográficos, comportamento e hábitos de vida, antecedentes pessoais e hereditários, dados da história sexual e reprodutiva, dados clínico-obstétricos e neonatais (n=80)
Ao separar a amostra por nível de intensidade da dor referida, a comparação entre os distintos grupos demonstrou associação com maior intensidade de dor referida e DPP (p<0,001); bem como associação entre dor moderada a forte com não ter bom convívio com companheiro/cônjuge (p<0,05) e com maior número de pessoas em coabitação (p<0,05) (Tabela 2).
Associação entre dor e indicadores sociodemográficos comportamento e hábitos de vida, antecedentes pessoais e hereditários, dados da história sexual e reprodutiva, dados clínico-obstétrico e neonatais (n=80)
A avaliação do local da dor referida mostrou que a região torácica (72,2%) foi a área dolorosa mais apontada pelas puérperas avaliadas, seguido das regiões lombar (66,1%), quadris/MMII (45,3%) e pescoço (38%). No entanto, as proporções foram estatisticamente semelhantes entre deprimidas e não deprimidas. Por outro lado, a região torácica foi o local doloroso mais indicado pelas puérperas deprimidas (p=0,01) (Tabela 3).
Dentre os fatores avaliados, a análise de regressão logística demonstrou que maior intensidade de dor pode aumentar a chance de a puérpera apresentar DPP (p<0,01), sendo considerada forte preditor de sintomatologia depressiva após o parto (Tabela 4). Além disso, mudanças constantes de humor permaneceram associadas à DPP.
Modelo de regressão logística bivariada dos fatores clínico-obstétricos, dados da história sexual, hábitos de vida relacionados à depressão pós-parto
DISCUSSÃO
No presente estudo, a associação positiva entre dor e DPP soma-se aos dados descritos na literatura33. Gaudet C, Wen SW, Walker MC. Chronic perinatal pain as a risk factor for postpartum depression symptoms in Canadian women. Can J Public Health. 2013;104(5):375-87.,1212. Gutke A, Josefsson A, Oberg B. Pelvic girdle pain and lumbar pain in relation to postpartum depressive symptoms. Spine. 2007;32(13):1430-6.
13. Howell EA, Mora PA, Chassin MR, Leventhal H. Lack of preparation, physical health after childbirth, and early postpartum depressive symptoms. J Womens Health. 2010;19(4):703-8
14. Brown S, Lumley J. Physical health problems after childbirth and maternal depression at six to seven months postpartum. BJOG. 2000;107(10):1194-201.
15. Van De Pol G, Van Brummen HJ, Bruinse HW, Heintz AP, Van Der Vaart CH. Pregnancy-related pelvic girdle pain in the Netherlands. Acta Obstet Gynecol Scand. 2007;86(4):416-22.-1616. Eisenach JC, Pan PH, Smiley R, Lavand'homme P, Landau R, Houle TT. Severity of acute pain after childbirth, but not type of delivery, predicts persistent pain and postpartum depression. Pain. 2008;140(1):87-94. Entretanto, salienta-se que os achados pertinentes à dor são frequentemente interpretados no que diz respeito a duração33. Gaudet C, Wen SW, Walker MC. Chronic perinatal pain as a risk factor for postpartum depression symptoms in Canadian women. Can J Public Health. 2013;104(5):375-87., presença ou ausência1212. Gutke A, Josefsson A, Oberg B. Pelvic girdle pain and lumbar pain in relation to postpartum depressive symptoms. Spine. 2007;32(13):1430-6.
13. Howell EA, Mora PA, Chassin MR, Leventhal H. Lack of preparation, physical health after childbirth, and early postpartum depressive symptoms. J Womens Health. 2010;19(4):703-8
14. Brown S, Lumley J. Physical health problems after childbirth and maternal depression at six to seven months postpartum. BJOG. 2000;107(10):1194-201.-1515. Van De Pol G, Van Brummen HJ, Bruinse HW, Heintz AP, Van Der Vaart CH. Pregnancy-related pelvic girdle pain in the Netherlands. Acta Obstet Gynecol Scand. 2007;86(4):416-22., sem quantificar a intensidade ou ponderar se esse fator influencia os sintomas depressivos. Os resultados aqui apresentados demonstram que, além da relação existente entre essas variáveis, a intensidade na qual a dor é referida no período pós-parto pode ser um sinal preditivo de depressão.
Resultado similar foi encontrado em estudo multicêntrico longitudinal prospectivo1616. Eisenach JC, Pan PH, Smiley R, Lavand'homme P, Landau R, Houle TT. Severity of acute pain after childbirth, but not type of delivery, predicts persistent pain and postpartum depression. Pain. 2008;140(1):87-94, que analisou se a dor aguda puerperal desempenha algum papel no estabelecimento da dor persistente e da DPP. Através de instrumentos de avaliação da dor e de rastreamento da DPP análogos aos utilizados no presente estudo, os dados foram obtidos a partir da revisão de prontuários no prazo de 36 horas após o parto e por meio de entrevistas telefônicas após oito semanas. Os autores constataram que puérperas com dor pós-parto aguda intensa (escore de 7-10) apresentaram um risco 2,5 vezes maior de dor persistente e um risco 3,0 vezes maior de DPP em comparação àquelas com dor pós-parto leve (escore 0-3).
Salienta-se, no entanto, que essa relação não é unânime entre os estudos vigentes44. Jardri R, Maron M, Delion P, Thomas P. Pain as a confounding factor in postnatal depression screening. J Psychosom Obstet Gynaecol. 2010;31(4):252-5.,1717. Tychey C, Briançon S, Lighezzolo J, Spitz E, Kabuth B, Luigi V, et al. Quality of life, postnatal depression and baby gender. J Clin Nurs. 2008;17(3):312-22.. A despeito de constatar escores mais elevados na EAV em puérperas consideradas em risco de depressão, estudo longitudinal prospectivo44. Jardri R, Maron M, Delion P, Thomas P. Pain as a confounding factor in postnatal depression screening. J Psychosom Obstet Gynaecol. 2010;31(4):252-5. desenvolvido na França, não verificou relação estatística entre a dor física e o diagnóstico de DPP num período de 8 semanas. Os autores asseveram que a dor não representa um marcador de risco para DPP e pode influenciar negativamente as escalas de rastreamento resultando em falsos-positivos. No presente estudo, com o intuito de reduzir esse provável viés, adotou-se o maior ponto de corte (13) previamente estabelecido pelo autor da EDPE99. Cox JL, Holden JM, Sagovsky R. Detection of postnatal depression. Development of the 10-item Edinburgh Postnatal Depression Scale. Br J Psychiatry. 1987;150:782-6..
Dentre as variáveis avaliadas neste estudo, o modelo final de regressão logística mostrou que apenas "dor de maior intensidade" e "mudanças constantes de humor" permaneceram associadas à DPP. Estudo55. Cantilino A, Zambaldi CF, Albuquerque TL, Paes JA, Montenegro AC, Sougey EB. Postpartum depression in Recife - Brazil: prevalence and association with bio-socio-demographic factors. J Bras Psiquiatr. 2010;59(1):1-9.desenvolvido no Brasil não encontrou associação entre DPP e variáveis como idade, estado marital, nível educacional, renda familiar e número de filhos. Concomitantemente, estudo realizado na França não encontrou relação entre DPP e variáveis sociodemográficas e clínicas44. Jardri R, Maron M, Delion P, Thomas P. Pain as a confounding factor in postnatal depression screening. J Psychosom Obstet Gynaecol. 2010;31(4):252-5..
Contudo, a relação aqui observada entre flutuações de humor e DPP suscita novamente a discussão de possível interveniência da dor sobre os sintomas depressivos44. Jardri R, Maron M, Delion P, Thomas P. Pain as a confounding factor in postnatal depression screening. J Psychosom Obstet Gynaecol. 2010;31(4):252-5.. Nessa perspectiva, tal relação pode ser atribuída a uma sobreposição de fatores de risco.
Além disso, a análise comparativa entre os grupos separados pela categorização da intensidade da sensação dolorosa mostrou que, além da depressão, a dor de maior intensidade esteve associada a um relacionamento conjugal ruim e à coabitação com muitas pessoas. Uma vez que as emoções negativas estão relacionadas à amplificação da percepção dos sintomas físicos, que variam de acordo com os níveis de sofrimento psicológico1616. Eisenach JC, Pan PH, Smiley R, Lavand'homme P, Landau R, Houle TT. Severity of acute pain after childbirth, but not type of delivery, predicts persistent pain and postpartum depression. Pain. 2008;140(1):87-94, essas variáveis podem ter influenciado o estado emocional da puérpera em função da ausência de privacidade e da falta de suporte do companheiro, levando ao aumento da percepção dolorosa.
No que diz respeito à associação entre o local da dor referida e sintomas depressivos no pós-parto, observa-se divergências na literatura no que concerne à nomenclatura do sítio doloroso e quanto aos parâmetros utilizados na pontuação da EDPE. Desse modo, neste estudo, a região torácica foi a área dolorosa mais apontada pelas puérperas com escore igual ou superior a 131010. Pinheiro FA, Troccoli BT, Carvalho CV. Validity of the Nordic Musculoskeletal Questionnaire as morbidity measurement tool. Rev Saude Publica. 2002;36(3):307-12. na EDPE. Em discordância, estudos de rastreamento de DPP e avaliação da dor citam como locais dolorosos mais frequentes "as costas"33. Gaudet C, Wen SW, Walker MC. Chronic perinatal pain as a risk factor for postpartum depression symptoms in Canadian women. Can J Public Health. 2013;104(5):375-87.,1313. Howell EA, Mora PA, Chassin MR, Leventhal H. Lack of preparation, physical health after childbirth, and early postpartum depressive symptoms. J Womens Health. 2010;19(4):703-8,1818. Von Korff M, Simon G. The relationship between pain and depression. Br J Psychiatry. 1996;168(30):101-8., termo generalizado empregado como sinonímia para as regiões posterior do tronco, lombo-pélvica1212. Gutke A, Josefsson A, Oberg B. Pelvic girdle pain and lumbar pain in relation to postpartum depressive symptoms. Spine. 2007;32(13):1430-6.,1919. Gutke A, Lundberg M, Östgaard HC, Öberg B. Impact of postpartum lumbopelvic pain on disability, pain intensity, health-related quality of life, activity level, kinesiophobia, and depressive symptoms. Eur Spine J. 2011;20(3):440-8. e/ou pélvica1515. Van De Pol G, Van Brummen HJ, Bruinse HW, Heintz AP, Van Der Vaart CH. Pregnancy-related pelvic girdle pain in the Netherlands. Acta Obstet Gynecol Scand. 2007;86(4):416-22..
Além disso, autores1212. Gutke A, Josefsson A, Oberg B. Pelvic girdle pain and lumbar pain in relation to postpartum depressive symptoms. Spine. 2007;32(13):1430-6. verificaram que os sintomas depressivos foram mais frequentes nas puérperas com dor lombar ao aplicar pontos de corte ≥10 e ≥13 na EDPE. Enquanto que para as puérperas com dor na cintura pélvica, essa comparação foi significativa apenas ao aplicar ponto de corte ≥10. Ao investigar a relação entre problemas de saúde física e emocional, num período de 6 a 9 meses após o parto, estudo australiano1313. Howell EA, Mora PA, Chassin MR, Leventhal H. Lack of preparation, physical health after childbirth, and early postpartum depressive symptoms. J Womens Health. 2010;19(4):703-8categorizou as puérperas, de acordo com as respectivas pontuações na EDPE, em grupo de baixa pontuação (EDPE<9), grupo com valores limítrofes para depressão (9<EDPE<12) e grupo de depressão provável (EDPE≥13).
Em detrimento da heterogeneidade metodológica, é fato que a maioria dos estudos sugere uma real associação entre dor e transtornos de humor no puerpério33. Gaudet C, Wen SW, Walker MC. Chronic perinatal pain as a risk factor for postpartum depression symptoms in Canadian women. Can J Public Health. 2013;104(5):375-87.,1212. Gutke A, Josefsson A, Oberg B. Pelvic girdle pain and lumbar pain in relation to postpartum depressive symptoms. Spine. 2007;32(13):1430-6.
13. Howell EA, Mora PA, Chassin MR, Leventhal H. Lack of preparation, physical health after childbirth, and early postpartum depressive symptoms. J Womens Health. 2010;19(4):703-8
14. Brown S, Lumley J. Physical health problems after childbirth and maternal depression at six to seven months postpartum. BJOG. 2000;107(10):1194-201.
15. Van De Pol G, Van Brummen HJ, Bruinse HW, Heintz AP, Van Der Vaart CH. Pregnancy-related pelvic girdle pain in the Netherlands. Acta Obstet Gynecol Scand. 2007;86(4):416-22.-1616. Eisenach JC, Pan PH, Smiley R, Lavand'homme P, Landau R, Houle TT. Severity of acute pain after childbirth, but not type of delivery, predicts persistent pain and postpartum depression. Pain. 2008;140(1):87-94,1818. Von Korff M, Simon G. The relationship between pain and depression. Br J Psychiatry. 1996;168(30):101-8.,1919. Gutke A, Lundberg M, Östgaard HC, Öberg B. Impact of postpartum lumbopelvic pain on disability, pain intensity, health-related quality of life, activity level, kinesiophobia, and depressive symptoms. Eur Spine J. 2011;20(3):440-8. demonstrando que as complicações ocorridas no ciclo gravídico-puerperal são multifatoriais e enfatizam definitivamente as complexas interações mútuas entre ambiente, psique e soma11. Cheetham RWS, Rzadkowolski A. Psychiatric aspects of labour and the puerperium. S Afr Med J. 1980;58(20):814-6..
A despeito dos resultados apresentados, é importante discutir as limitações metodológicas deste estudo. Uma das limitações consiste no emprego de uma escala de autoavaliação no rastreamento da DPP. Salienta-se que, conquanto a EDPE seja comumente utilizada em diversos estudos33. Gaudet C, Wen SW, Walker MC. Chronic perinatal pain as a risk factor for postpartum depression symptoms in Canadian women. Can J Public Health. 2013;104(5):375-87.,1212. Gutke A, Josefsson A, Oberg B. Pelvic girdle pain and lumbar pain in relation to postpartum depressive symptoms. Spine. 2007;32(13):1430-6.,1414. Brown S, Lumley J. Physical health problems after childbirth and maternal depression at six to seven months postpartum. BJOG. 2000;107(10):1194-201.,1616. Eisenach JC, Pan PH, Smiley R, Lavand'homme P, Landau R, Houle TT. Severity of acute pain after childbirth, but not type of delivery, predicts persistent pain and postpartum depression. Pain. 2008;140(1):87-94,1717. Tychey C, Briançon S, Lighezzolo J, Spitz E, Kabuth B, Luigi V, et al. Quality of life, postnatal depression and baby gender. J Clin Nurs. 2008;17(3):312-22.,1919. Gutke A, Lundberg M, Östgaard HC, Öberg B. Impact of postpartum lumbopelvic pain on disability, pain intensity, health-related quality of life, activity level, kinesiophobia, and depressive symptoms. Eur Spine J. 2011;20(3):440-8., ela não foi projetada para fornecer um diagnóstico de DPP, como o é a entrevista clínica semiestruturada aplicada pelo psiquiatra55. Cantilino A, Zambaldi CF, Albuquerque TL, Paes JA, Montenegro AC, Sougey EB. Postpartum depression in Recife - Brazil: prevalence and association with bio-socio-demographic factors. J Bras Psiquiatr. 2010;59(1):1-9.,99. Cox JL, Holden JM, Sagovsky R. Detection of postnatal depression. Development of the 10-item Edinburgh Postnatal Depression Scale. Br J Psychiatry. 1987;150:782-6.. Contudo, reconhecendo as limitações pertinentes ao emprego desse instrumento, todas as puérperas com escore indicativo de DPP foram reavaliadas por um médico psiquiatra para comprovação diagnóstica.
Apesar de a EAV ser considerada uma escala padrão na mensuração da intensidade da dor2020. Souza FA, Silva JA. Avaliação e mensuração de dor em contextos clínicos e de pesquisa. Rev Dor. 2004;5(4):408-29., outra limitação deste estudo reside na aplicação de um instrumento unidimensional na avaliação da dor. A escolha dessa escala no presente estudo se deu em função da verificação do seu uso em estudos que investigavam a relação entre dor e DPP44. Jardri R, Maron M, Delion P, Thomas P. Pain as a confounding factor in postnatal depression screening. J Psychosom Obstet Gynaecol. 2010;31(4):252-5.,1616. Eisenach JC, Pan PH, Smiley R, Lavand'homme P, Landau R, Houle TT. Severity of acute pain after childbirth, but not type of delivery, predicts persistent pain and postpartum depression. Pain. 2008;140(1):87-94,1919. Gutke A, Lundberg M, Östgaard HC, Öberg B. Impact of postpartum lumbopelvic pain on disability, pain intensity, health-related quality of life, activity level, kinesiophobia, and depressive symptoms. Eur Spine J. 2011;20(3):440-8.. Além disso, instrumentos multidimensionais não são práticos2020. Souza FA, Silva JA. Avaliação e mensuração de dor em contextos clínicos e de pesquisa. Rev Dor. 2004;5(4):408-29. e exigem mais tempo na sua aplicação o que acarretaria mais desconforto às puérperas e aos seus bebês. Entretanto, reconhece-se a importância de fomentar estudos que analisem os aspectos afetivos-emocionais da dor através de uma avaliação multidimensional.
Trata-se, ainda, de uma amostra reduzida quando comparada aos estudos internacionais. A utilização de um desenho transversal limita a avaliação da dor no período anterior ao ciclo gravídico-puerperal. Nesta ótica, evidencia-se a importância de fomentar estudos longitudinais que abordem essa temática.
CONCLUSÃO
Os achados do presente estudo evidenciam que dor de intensidade moderada a intensa aumenta a probabilidade de a puérpera desenvolver sintomas depressivos. No universo das mulheres avaliadas, o local doloroso associado à DPP foi a região torácica.
Aceitando que existe associação válida entre dor e DPP, sugere-se estabelecer estratégias de promoção da saúde física e mental das mulheres, envolvendo equipes multidisciplinares e multiprofissionais para avaliação da saúde física das mães que apresentam sintomas depressivos, além de medidas de reabilitação da dor.
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Recebido da Universidade Federal de Pernambuco, Programa de Pós-Graduação em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento, Recife, PE, Brasil.
REFERENCES
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20Souza FA, Silva JA. Avaliação e mensuração de dor em contextos clínicos e de pesquisa. Rev Dor. 2004;5(4):408-29.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Apr-Jun 2014
Histórico
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Recebido
09 Dez 2013 -
Aceito
08 Maio 2014