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Estresse relacionado ao trabalho e queixas musculoesqueléticas em músicos de orquestra* * Received from the Center of Health and Sports Sciences, University of the State of Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brazil.

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Músicos profissionais são comumentemente acometidos por desconfortos musculoesqueléticos. O conhecimento da associação desses acometimentos com a saúde psíquica pode contribuir para a promoção da saúde desses profissionais. Assim, este estudo teve como objetivo investigar as associações entre estresse relacionado ao trabalho e queixas musculoesqueléticas em músicos de orquestra.

RESULTADOS:

As maiores queixas musculoesqueléticas foram nas regiões do pescoço, hemi-corpo esquerdo e costas. Quarenta e um por cento dos músicos apresentaram percepção de trabalho ativo, com altas demandas (81%), alto controle nas dimensões de discernimento intelectual (95,4%) e autoridade sobre decisões (72,7%). Os músicos, no geral, apresentaram percepção positiva na análise de apoio social. Trabalhadores com percepção de trabalho com alto desgaste e ativo apresentaram maiores frequências de queixas. Foram apresentados fatores com questões que podem ser alocadas para futuras medidas de intervenção em ergonomia.

CONCLUSÃO:

Uma tendência de maiores frequências de queixas musculares nos trabalhadores com percepção de trabalho com maiores demandas foi verificada.

Desenvolvimento humano; Dor musculoesquelética; Estresse psicológico; Saúde do trabalhador; Saúde mental


BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Professional musicians are commonly affected by musculoskeletal discomfort. Understanding the association of such affections with psychic health may contribute to promote the health of such professionals. So, this study aimed at investigating associations between work-related stress and musculoskeletal complaints of orchestra musicians.

METHODS:

This study was developed with 22 orchestra musicians. Evaluation of the frequency of musculoskeletal complaints in different body regions and of work-related stress was carried out according to Theorell and Karasek's demand-control model.

RESULTS:

Most musculoskeletal complaints were on neck, left hemi-body and back. Forty one percent of musicians had perception of active work, with high demands (81%), high intellectual judgment (95.4%) and authority over decisions (72.7%). Musicians in general had positive perception of social support. Workers with work perception with major stress and active had most frequent complaints. Factors were presented with questions which may be allocated for future ergonomic interventions.

CONCLUSION:

A trend to more frequent muscle complaints of workers with work perception with higher demands was observed.

Human development; Mental health; Musculoskeletal pain; Psychological stress; Worker's health


INTRODUÇÃO

Os músicos formam um grupo especialmente exposto a riscos ocupacionais. Além da necessidade de grandes períodos de treinamento que podem gerar sobrecargas musculoesqueléticas, a profissão, em muitas realidades, não é valorizada considerando as adequações de leis trabalhistas, bem como remuneração e benefícios, incluindo atrasos nos pagamentos, falta de carteira assinada e de planos de saúde11. Larsson LG, Baum J, Mudholkar GS, Kollia GD. Nature and impact of musculoskeletal problems in a population of musicians. Med Probl Perform Art. 1993;8(3):73-6.

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O estudo do estresse no trabalho é uma questão importante na discussão da saúde do trabalhador e está relacionado a um conjunto de reações que o organismo desenvolve ao ser submetido a circunstâncias que exigem esforço de adaptação, sendo uma resposta a situações que ameaçam romper seu equilíbrio. O estresse é importante para a evolução do ser humano, pois pode levar a um comportamento ativo de aprendizagem e enfrentamento, mas, no entanto, quando há falhas dos mecanismos de adaptação, pode desencadear eventos de alta gravidade para a saúde das pessoas1010. Alves MG, Hokerberg YH, Faerstein E. Trends and diversity in the empirical use of Karasek's demand-control model (job strain): a systematic review. Rev Bras Epidemiol. 2013;16(1):125-36. Portuguese..

O modelo demanda e controle de Karasek e Theorell vem sendo um dos mais utilizados no estudo do estresse ocupacional. Nesse modelo, a percepção dos trabalhadores a respeito das sobrecargas de trabalho é classificada em função da combinação da demanda das atividades, do controle do trabalhador e do apoio social recebido no trabalho. Assim, as demandas psicológicas estão relacionadas ao ritmo do trabalho, o quanto ele é excessivo e difícil de ser realizado bem como a quantidade de conflito existente nas relações de trabalho. O controle sobre o trabalho é a amplitude ou margem de decisão que o trabalhador possui em relação a dois aspectos: a autonomia para tomar decisões sobre seu próprio trabalho, incluindo o ritmo em que ele é executado e a possibilidade de ser criativo, usar suas habilidades e desenvolvê-las, bem como adquirir novos conhecimentos1111. Karasek RA, Theorell T. Healthy work-stress, productivity, and the reconstruction of working life. New York: Basic Books; 1990.,1212. Theorell T, Karasek RA. Current issues relating to psychosocial job strain and cardiovascular disease research. J Occup Health Psychol. 1996;1(1):9-26..

O modelo demanda e controle vendo sendo utilizado como abordagem científica para a compreensão em diferentes tipos de trabalhadores como enfermeiros1313. Urbanetto Jde S, Magalhães MC, Maciel VO, Sant'Anna VM, Gustavo Ada S, Poli-de-Figueiredo CE, et al. [Work-related stress according to the Demand-Control Model and Minor Psychic Disorder in nursing workers]. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(5):1186-93. Portuguese., policiais1414. Ferreira DK, Bonfim C, Augusto LG. Condições de trabalho e morbidade referida de policiais militares, Recife-PE, Brasil. Saúde Soc. 2012;21(4):989-1000., bancários1515. Silva LS, Barreto SM. [Stressful working conditions and poor self-rated health among financial services employees]. Rev Saude Publica. 2012; 46(3):407-16. Portuguese. e professores16 16. Cardoso JP, Araújo TM, Carvalho FM, Oliveira NF, Reis EJ. [Psychosocial work-related factors and musculoskeletal pain among schoolteachers]. Cad Saude Publica. 2011;27(8):1498-506. Portuguese.e demonstra que a combinação entre as demandas do trabalho e liberdade na tomada de decisões é decisiva para o bem-estar ou para o adoecimento desses trabalhadores. Apesar do exposto, a literatura, especialmente nacional, é restrita em análises de diversos acometimentos em músicos fazendo-se necessárias investigações da saúde física e psíquica com vistas a propostas de intervenções ergonômicas no posto e nas práticas laborais destes trabalhadores. Buscando contribuir para o preenchimento dessa lacuna, objetivou-se neste estudo investigar a frequência das queixas musculoesqueléticas de acordo com o estresse relacionado ao trabalho com base na teoria de demanda e controle em músicos de orquestra.

MÉTODOS

O presente estudo foi conduzido em uma orquestra da região sul do Brasil formada por 29 músicos. Considerou-se para efeito de análise os resultados de 22 músicos (17 homens e cinco mulheres), com idade média de 26,55±11,33 anos, que aceitaram fazer parte do estudo, responderam aos questionários e retornaram para os pesquisadores os instrumentos preenchidos e os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Os músicos pesquisados atuavam em três diferentes naipes (tipos de instrumentos): cordas (violino, viola, violoncelo e contrabaixo), madeiras (clarinete e flauta transversal) e metais (trompete e trombone). A média de prática com o instrumento atual executado na orquestra foi de 7,82±10,33 anos. Os músicos considerados nesta análise realizavam todas suas atividades laborais relacionadas à música.

Os dados foram coletados por meio de um questionário subdividido em: a) questões sociodemográficas; b) análise das queixas musculoesqueléticas e c) análise do estresse relacionado ao trabalho. Os músicos responderam aos questionários sob a supervisão dos autores/ pesquisadores.

A análise das queixas musculoesqueléticas foi realizada por meio do questionário do mapa corporal1717. Kourinka I, Jonsson B, Kilbom Å, Vinterberg H, Biering-Sorensen F, Andersson G, et al. Standardized Nordic questionnaire for the analysis of musculoskeletal symptoms. Appl Ergon. 1987;18(3):223-37.,1818. Engquist K, Orbaek P, Jakobsson K. Musculoskeletal pain and impact on performance in orchestra musicians and actors. Med Probl Perform Art. 2004;19(2):55-61. adaptado culturalmente para a língua portuguesa por de Barros e Alexandre1919. de Barros EN, Alexandre NM. Cross-cultural adaptation of the Nordic musculoskeletal questionnaire. Int Nurs Rev. 2003;50(2):101-8.. O instrumento apresenta índices de confiabilidade variando de 0,88 a 1, segundo o coeficiente de Kappa e índices bons de validade concorrente conforme análise de Pinheiro, Tróccoli e Carvalho2020. Pinheiro FA, Troccoli BT, Carvalho CV. [Validity of the Nordic Musculoskeletal Questionnaire as morbidity measurement tool]. Rev Saude Publica. 2002;36(3):307-12. Portuguese.. Trata-se de um instrumento autoaplicável que apresenta uma figura humana para identificação da presença de queixas musculoesquelética nos últimos sete dias.

Para cada região corporal foi considerado um índice de queixas21 21. Corlett EN, Manenica I. The effects and measurement of working postures. Appl Ergon. 1980;11(1):7-16.sendo os sujeitos classificados sem queixas e com queixas nas regiões de tronco e membros superiores. As queixas musculoesqueléticas avaliadas por esse instrumento referem-se a relatos de dor, desconforto, formigamento ou dormência1919. de Barros EN, Alexandre NM. Cross-cultural adaptation of the Nordic musculoskeletal questionnaire. Int Nurs Rev. 2003;50(2):101-8..

Para avaliação do estresse foi utilizada a "Job Stress Scale" traduzida e validada para o português por Alves et al.2222. Alves MG, Chor D, Faerstein E, Lopes Cde S, Werneck GL. [Short version of the "job stress scale" a Portuguese-language adaptation] . Rev Saude Publica. 2004;38(2):164-71. Portuguese.. O questionário é formado por 17 questões que são marcadas considerando uma escala Likert (1-4) e tratam de situações que possivelmente causam estresse ao trabalhador referente a seu trabalho. O instrumento considera três dimensões:

  • Demanda no trabalho: pressões de natureza psicológica sejam elas quantitativas, tais como, tempo e velocidade na realização do trabalho, ou qualitativas, como os conflitos entre demandas contraditórias;

  • Controle no trabalho: possibilidade de o trabalhador utilizar suas habilidades intelectuais para a realização de seu trabalho, bem como possuir autoridade suficiente para tomar decisões sobre a forma de realizá-lo;

  • Apoio social: refere-se às relações com colegas e chefes.

A combinação da análise de demanda e de controle permite classificar a percepção de estresse relacionado ao trabalho em quatro quadrantes de acordo com a figura 1.

Figura 1
Modelo demanda-controle1212. Theorell T, Karasek RA. Current issues relating to psychosocial job strain and cardiovascular disease research. J Occup Health Psychol. 1996;1(1):9-26.

De acordo com Alves et al.2222. Alves MG, Chor D, Faerstein E, Lopes Cde S, Werneck GL. [Short version of the "job stress scale" a Portuguese-language adaptation] . Rev Saude Publica. 2004;38(2):164-71. Portuguese. o estudo de confiabilidade teste-reteste revelou coeficientes de correlação intra-classe para as dimensões de "demanda", "controle" e "apoio social" de 0,88, 087 e 0,85 respectivamente, sendo que para as mesmas dimensões, as estimativas de consistência interna (Alpha de Cronbach) foram, respectivamente, 0,79; 0,67 e 0,85.

Os escores das questões foram alocados de acordo com as respostas de cada sujeito nos quatro quadrantes de demanda e controle. Para identificação de indicadores de alta e baixa demanda para classificação nos quadrantes foram utilizadas as medianas observadas para cada dimensão. As frequências dos índices gerais de demanda, controle e apoio social foram calculadas considerando-se o ponto médio entre a mínima e máxima pontuação possível para cada dimensão.

A análise fatorial para componentes principais foi realizada com o objetivo de formar agrupamentos relacionados com as 17 questões de estresse relacionado ao trabalho considerando fatores com autovalores maiores que 1. Com o objetivo de minimizar a relação entre os fatores foi utilizada a rotação ortogonal "varimax normalized" no cálculo dos fatores. Nesses fatores, foram consideradas significativas as questões que apresentaram o módulo de p>0,7.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina conforme protocolo nº 940/2010.

RESULTADOS

As maiores frequências de presença de queixas musculoesqueléticas foram nas regiões do pescoço, das costas e do hemi-corpo esquerdo, especificamente, para as regiões do pescoço, ombro esquerdo, região superior das costas, punho esquerdo, mão esquerda e braço esquerdo (Tabela 1). A maior parte dos músicos (41%) apresentou percepção de trabalho ativo e 31,8% percepção de trabalho passivo (Figura 2). Considerando o ponto médio das pontuações mínimas e máximas possíveis para cada dimensão do estresse relacionado ao trabalho o maior percentual de músicos (81,8%) apresentou percepção de alta demanda na profissão.

Tabela 1
Frequências das queixas musculoesqueléticas analisadas
Figura 2
Frequências de músicos de acordo com os quadrantes do modelo demanda-controle

Com relação ao controle, a maior parte dos músicos (95,4%) percebeu sua atividade profissional como de alto controle com relação ao discernimento intelectual e 72,7% dos músicos perceberam alto controle na dimensão autoridade sobre decisões. Cem por cento dos músicos perceberam grande apoio social no seu trabalho. As medianas das dimensões do estresse relacionado ao trabalho foram: demanda=14; controle=20 e apoio social=21.

A análise pontual de cada questão da escala de estresse relacionado ao trabalho revelou que, considerando a demanda, a questão "O seu trabalho costuma apresentar exigências contraditórias ou discordantes?" apresentou pior avaliação ao passo que a questão "Você tem tempo suficiente para cumprir todas as tarefas de seu trabalho?" foi a que apresentou percepção mais positiva. Na dimensão controle, as questões que apresentaram uma percepção mais negativa foram: "Você pode escolher como fazer o seu trabalho?" e "Você pode escolher o que fazer no seu trabalho?". Na dimensão apoio social as questões "Existe um ambiente calmo e agradável onde trabalho" e "Se eu não estiver num bom dia, meus colegas compreendem" foram as que apresentaram percepções mais negativas.

Ao alocar as frequências de queixas musculoesqueléticas nos quadrantes de demanda e controle (Tabela 2) foi possível verificar maiores queixas, em primeiro lugar nos músicos com percepção de alto desgaste, e, em seguida, naqueles com percepção de trabalho ativo. Considerando os trabalhadores com percepção de trabalho de alto desgaste, as regiões com maiores freqüências de queixas foram o pescoço, ombro esquerdo, braço esquerdo, punho esquerdo, região paravertebral e região lombar.

Tabela 2
Prevalências de queixas musculoesqueléticas de acordo com os quadrantes de demanda-controle

A análise fatorial para componentes principais extraiu seis fatores com autovalores maiores que 1. Esses fatores foram responsáveis por 13,73% da variância total explicada. As questões agrupadas e seus respectivos domínios estão apresentadas na tabela 3. O fator 3, responsável pelo maior percentual isolado de explicação, foi formado por três questões de controle e uma de demanda. Todas as questões de apoio social foram agrupadas. As questões "O seu trabalho costuma apresentar exigências contraditórias ou discordantes?" de demanda e "Você pode escolher como fazer o seu trabalho?" de controle não foram agrupadas nos fatores.

Tabela 3
Distribuição das questões da avaliação da motivação de acordo com os fatores de agrupamento

DISCUSSÃO

Este estudo apresentou algumas tendências de associações entre as queixas musculoesqueléticas e o estresse relacionado ao trabalho em músicos de orquestra. Considerando o modelo de demanda-controle, a maior parte dos músicos apresentou percepção de trabalho ativo. Esse tipo de trabalho, segundo Karasek e Theorell1111. Karasek RA, Theorell T. Healthy work-stress, productivity, and the reconstruction of working life. New York: Basic Books; 1990., apresenta altas demandas psicológicas. No entanto, possibilita que o trabalhador tenha uma ampla possibilidade de decisão sobre como e quando desenvolver suas tarefas bem como usar toda a sua potencialidade intelectual para isso, possibilitando crescimento e aprendizado. No caso da orquestra investigada essa percepção pode ter sido influenciada também pela grande percepção positiva de apoio social revelada pelos músicos que pode colaborar de forma importante para a saúde do trabalhador. Assim, infere-se que essa atividade laboral permite que seus profissionais tenham autonomia criativa em suas apresentações, incluindo, por exemplo, a escolha por peças mais clássicas ou contemporâneas, destacando-se o apoio dos colegas nessas decisões. Essas tendências devem ser confirmadas em novos estudos com outras orquestras para que se possa ter um panorama geral dessa atividade profissional.

O trabalho ativo, apesar de representar uma situação positiva, também pode, conforme verificado em professores2323. Reis EJ, Araújo TM, Carvalho FM, Barbalho L, Silva M. Docência e exaustão emocional. Educ Soc. 2006;27(94):229-53., desencadear maiores cobranças pessoais e maiores índices de cansaço mental, nervosismo e diminuição da qualidade de vida. Assim, embora os músicos tenham, no geral, apresentado uma percepção positiva de seu trabalho, intervenções nas situações apontadas com percepção negativa pelo grupo investigado, como por exemplo, a existência de tarefas contraditórias e falta de controle de como e o que fazer com relação às tarefas propostas podem contribuir para a melhoria das condições de trabalho desses profissionais.

Altas demandas cognitivas são características presentes nas atividades de músicos profissionais e já verificadas em outros estudos44. Teixeira CS, Kothe F, Pereira EF, Lopes LF, Merino EA. Superuso musculoesquelético e fatores associados em músicos de orquestra. Motriz. 2010;16(1):17-27.,2424. Lederman RJ. Neuromuscular and musculoskeletal problems in instrumental musicians. Muscle Nerve. 2003;27(5):549-61.,25 25. Araújo NC, Cardia MC. A presença de vícios posturais durante a execução do violino. Anais Congresso Brasileiro de Biomecânica; 18-22 de junho 2005; João Pessoa, Brasil. João Pessoa: Sociedade Brasileira de Biomecânica; 2005.e estão associadas às características da profissão que exige um desempenho preciso conseguido por meio de grandes períodos de treinamento e de demanda de concentração. Os resultados deste estudo apresentaram tendências semelhantes ao estudo com músicos na Turquia7 7. Akel S, Düger T. Psychosocial risk factors of musicians in Turkey. Med Probl Perform Art. 2007;22(4):147-52.que verificou maiores desconfortos corporais nos músicos com percepção de maiores demandas e menor controle. Além de treinamentos exaustivos, aponta-se como importante aspecto de demanda o pouco tempo que o músico de orquestra tem para dominar uma série de canções para determinada apresentação. No entanto, embora o estudo7 7. Akel S, Düger T. Psychosocial risk factors of musicians in Turkey. Med Probl Perform Art. 2007;22(4):147-52.não tenha apresentado a classificação dos quadrantes de demanda e controle, os músicos brasileiros apresentaram, no geral, uma percepção mais positiva do estresse relacionado ao trabalho.

As frequências altas de queixas musculoesqueléticas apresentadas pelos músicos confirmam dados da literatura33. Teixeira CS, Kothe F, Pereira EF, Mota CB. Características cinéticas durante a marcha de um músico com e sem o transporte de seu instrumento. Rev Bras Cineantropom Desempenho Humano. 2009;11(1):43-50.,44. Teixeira CS, Kothe F, Pereira EF, Lopes LF, Merino EA. Superuso musculoesquelético e fatores associados em músicos de orquestra. Motriz. 2010;16(1):17-27.,2626. Petrus AM, Echternacht EH. O. Dois violinistas e uma orquestra: diversidade operatória e desgaste músculo-esquelético. Rev Bras Saúde Ocup. 2004;29(109):31-6., ao apontarem que se trata de uma profissão que pode levar a um grande desgaste físico e mesmo ao afastamento profissional. No estudo de Araújo e Cardia2525. Araújo NC, Cardia MC. A presença de vícios posturais durante a execução do violino. Anais Congresso Brasileiro de Biomecânica; 18-22 de junho 2005; João Pessoa, Brasil. João Pessoa: Sociedade Brasileira de Biomecânica; 2005. é discutido que a tensão e desconforto musculares nos instrumentistas são causados pela má postura ao executar o instrumento; pelas inadequações posturais decorrentes da inadequação da relação das dimensões dos acessórios do instrumento; por vícios técnicos de execução sem grandes repercussões posturais, mas causadoras de tensão ou contração muscular excessiva com sobrecarga articular ou neuromuscular e doenças musculares e articulares.

Alem disso, os músicos de acordo com Frank e Mühlen2727. Frank A, Mühlen CA. Queixas musculoesqueléticas em músicos: prevalência e fatores de risco. Rev Bras Reumatol. 2007;47(3):188-90., normalmente, não procuram auxílio de profissionais da saúde ao surgirem sinais físicos de alerta, com receio de perda de espaço profissional e diminuição de ganho financeiro o que leva ao agravamento do quadro clínico, que começa com um simples desconforto e pode se transformar em doenças que levam ao afastamento do emprego. Medidas ergonômicas educativas para a melhoria do trabalho dos músicos são apontadas no estudo33. Teixeira CS, Kothe F, Pereira EF, Mota CB. Características cinéticas durante a marcha de um músico com e sem o transporte de seu instrumento. Rev Bras Cineantropom Desempenho Humano. 2009;11(1):43-50. como uma possibilidade de intervenção, além da necessidade de melhores políticas públicas para essa categoria profissional que por vezes pode atuar na informalidade.

CONCLUSÃO

De forma geral, os resultados apontaram para regiões corporais com maiores frequências de queixas que devem ser prioritariamente atendidas por medidas ergonômicas. Com relação ao estresse relacionado ao trabalho, as questões que podem ser foco de intervenções são aquelas alocadas no fator com maior explicação do estresse, ou seja, a freqüência de trabalho intenso em pouco tempo, necessidade de conhecimentos especializados, necessidade de tomadas de iniciativas e possibilidade de escolha do que fazer no trabalho.

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    Recebido do Centro de Ciências da Saúde e do Esporte da Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    07 Fev 2014
  • Aceito
    05 Maio 2014
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