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Sexualidade e dor crônica em idosas longevas: descrição de fatores interferenciais* * Recebido da Disciplina de Geriatria e Gerontologia, Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina, São Paulo, SP, Brasil.

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Cerca de 60% dos indivíduos com dor crônica queixam-se de disfunção sexual, cuja prevalência varia de 20 a 88%. Entre as queixas sexuais mais relatadas entre as idosas estão o baixo interesse, a dificuldade de lubrificação vaginal e a incapacidade de alcançar o orgasmo. O objetivo deste estudo foi apurar a prevalência de disfunção sexual entre as idosas longevas com dor crônica, e descrever os fatores de interferência.

MÉTODOS:

Foi realizado um estudo descritivo e analítico de corte-transversal, com indivíduos acima de 80 anos, do gênero feminino. Foram coletados dados sócio-demográficos, de comorbidades e uso de fármacos, além da avaliação e mensuração da dor crônica e apuração das disfunções sexuais através do Short Personal Experiences Questionnaire.

RESULTADOS:

Participaram do estudo 32 idosas com média de idade de 87 anos, a maioria viúva, com menos de 4 anos de escolaridade, boa saúde autorreferida, sem parceiro sexual, e com dor crônica prevalentemente nociceptiva por osteoartrite. A prevalência de disfunção sexual encontrada foi de 78% das idosas com dor crônica, com pontuação média de 7. A principal causa da inatividade sexual foi a ausência de um parceiro. Em cerca de 28,1% observou-se que a dor crônica interferia na sexualidade. Também se observou que nenhuma idosa fora abordada anteriormente quanto a sua sexualidade, apesar de 68,8% delas terem afirmado que gostariam de já ter sido abordadas.

CONCLUSÃO:

A dor crônica foi considerada um fator que interferia na prática sexual das idosas longevas estudadas, sugerindo que esse quadro possa comprometer a sexualidade no envelhecimento.

Disfunção sexual fisiológica; Dor crônica; Geriatria; Saúde do idoso; Sexualidade


BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Approximately 60% of chronic pain individuals complain of sexual dysfunction, the prevalence of which varies from 20 to 88%. Among sexual complaints most reported by elderly females there are low interest, difficult vaginal lubrication and inability to reach orgasm. This study aimed at checking the prevalence of sexual dysfunction among long-lived females with chronic pain and at describing interfering factors.

METHODS:

This was a descriptive, analytical and cross-sectional study with females above 80 years of age. Data were collected on demographics, comorbidities and use of drugs, in addition to chronic pain evaluation and measurement and identification of sexual dysfunctions by the Short Personal Experiences Questionnaire.

RESULTS:

Participated in the study 32 elderly females, with mean age of 87 years, most of them widows, with less than 4 years of education, good self-reported health, without sexual partner and with primarily osteoarthritis-induced nociceptive pain.The prevalenceof sexual dysfunctionwasfoundtobe 78% ofelderlywithchronicpainwith a mean score of7. Major reason for sexual inactivity was lack of a partner. In approximately 28.1% it was observed that chronic pain would interfere with sexuality. It was also observed that no elderly female had been previously addressed as to their sexuality, although 68.8% have stated that would have liked to be addressed.

CONCLUSION:

Chronic pain was considered a factor interfering with sexual practices of studied long-lived females, suggesting that this symptom may impair sexuality during aging.

Chronic pain; Geriatrics; Health of the elderly; Physiological sexual dysfunction; Sexuality


INTRODUÇÃO

A expectativa de vida vem aumentando no mundo todo e, conjuntamente, observa-se também um aumento na prevalência de problemas crônicos entre indivíduos que envelhecem, como os quadros de dor crônica1Maruta T, Osborne D, Swanson DW, Halling JM. Chronic pain patients and spouses: marital and sexual adjustment. Mayo Clinic Proc.1981;56(5):307-10..

Aproximadamente 60% dos indivíduos com dor crônica queixam-se de disfunção sexual1Maruta T, Osborne D, Swanson DW, Halling JM. Chronic pain patients and spouses: marital and sexual adjustment. Mayo Clinic Proc.1981;56(5):307-10.. Entre as principais queixas estão o posicionamento durante o ato sexual, a falta da libido, o medo de exacerbação da dor, a depressão, os problemas de relacionamentos e confidências. Típicas posições durante o coito podem comprimir ou hiper-estender um ponto doloroso, piorando a intensidade da dor e tornando o sexo um fator desencadeante de dor2Ambler N, Williams AC, Hill P, Gunary R, Cratchley G. Sexual difficulties of chronic pain patients. Clin J Pain. 2001;17(2):138-45..

Outras consequências da dor crônica, como depressão, ansiedade, isolamento social, distúrbio do sono, dificuldades de movimentação e deambulação e prejuízo da auto avaliação também comprometem a saúde geral do paciente e o bem-estar sexual3Santos FC, Souza PMR. Força-tarefa na dor em idoso. 1ª ed. Moreira Júnior; 2011.. O arsenal terapêutico usado para controle da dor também está relacionado à redução de libido e incapacidade de alcançar orgasmo4Werneke U, Northey S, Bhugra D. Antidepressants and sexual dysfunction. Acta Psychiatr Scand. 2006;114(6):384-97.. Os analgésicos opioides e os antidepressivos inibidores de recaptação seletiva da serotonina são comumente associados à redução da libido5Ambler DR, Bieber EJ, Diamond MP. Sexual function in elderly women: a review of current literature. Rev Obstet Gynecol. 2012;5(1):16-27.. Os procedimentos cirúrgicos ou radioterápicos realizados previamente também podem desencadear processos de dor durante o ato sexual6Hughes MKU. Disorders of sexuality and reproduction. In: Berger A, et al., editors. Principles and practices of palliative care and supportive oncology. Philadelphia: Lippincott Williams and Wilkins; 1998. 763-74p..

A saúde sexual é um elemento-chave da saúde geral e qualidade de vida (QV)7Lindau ST, Gavrilova N. Sex, health, and years of sexually active life gained due to good health: evidence from two US population based cross sectional surveys of ageing. BMJ. 2010;340(7746):c810.. Manter-se ativo sexualmente pode proporcionar benefícios físicos, tais como, saúde cardiovascular8Chen X, Zhang Q, Tan X. Cardiovascular effects of sexual activity. Indian J Med Res. 2009;130(6):681-8., melhora no exercício físico, redução da sensibilidade à dor, e benefícios psicológicos, como redução da depressão, melhora do bem-estar geral, da QV9Brody S. The relative health benefits of different sexual activities. J Sex Med. 2010;7(4Pt1):1336-61. e aumento da longevidade1010 Onder G, Penninx BW, Guralnik JM, Jones H, Fried LP, Pahor M, et al. Sexual satisfaction and risk of disability in older women. J Clin Psychiatry. 2003;64(10):1177-82.. Um terço dos americanos entre 75 e 85 anos relata ser ativo sexualmente e que a saúde física está mais fortemente correlacionada à atividade sexual do que à própria idade1111 Lindau ST, Schumm LP, Laumann EO, Levinson W, O'Muircheartaigh CA, Waite LJ. A study of sexuality and Health among older adults in the United States. N Engl J Med. 2007;357(8):762-74.. Além da dor crônica, outras causas médicas, psicológicas, mudanças na imagem corporal, redução na sensibilidade, falta de parceiro e costumes religiosos e culturais podem reduzir a atividade sexual no idoso1111 Lindau ST, Schumm LP, Laumann EO, Levinson W, O'Muircheartaigh CA, Waite LJ. A study of sexuality and Health among older adults in the United States. N Engl J Med. 2007;357(8):762-74.. A idade avançada e a saúde debilitada estão associadas negativamente à impossibilidade de manter-se ativo sexualmente1212 Laumann EO, Nicolosi A, Glasser DB, Paik A, Gingell C, Moreira E, et al. Sexual problems among women and men aged 40-80 y: prevalence and correlates identified in the Global Study of Sexual Attitudes and Behaviors. Int J Impot Res. 2005;17(1):39-57..

A disfunção sexual é comum entre as mulheres idosas, com prevalência que varia de 20 a 88%1313 Dennerstein L, Lehert P, Burger H, Guthrie J. Sexuality. Am J Med. 2005;118(Suppl 12B):59-63.,1414 Kingsberg S, Althof SE. Evaluation and treatment of female sexual disorders. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct. 2009;20(Suppl 1):33-4.. Esta ainda poderia afetar significativamente a autoestima e a sua QV1515 Nappi RE, Lachowsky M. Menopause and sexuality: prevalence of symptoms and impact on quality of life. Maturitas. 2009;63(2) 138-41.,1616 McCall-Hosenfeld JS, Jaramillo SA, Legault C, Freund KM, Cochrane BB, Manson JE, et al. Correlates of sexual satisfaction among sexually active postmenopausal women in the Women's Health Initiative-Observational Study. J Gen Intern Med. 2008;23(12):2000-9.. A queixa mais importante relacionada àquela disfunção é o baixo interesse sexual, dificuldade de lubrificação vaginal e incapacidade de alcançar o orgasmo1111 Lindau ST, Schumm LP, Laumann EO, Levinson W, O'Muircheartaigh CA, Waite LJ. A study of sexuality and Health among older adults in the United States. N Engl J Med. 2007;357(8):762-74.. Desconforto durante a relação sexual é um problema comum da menopausa. A ansiedade pode provocar dispaureunia por diminuição do fluxo sanguíneo para a vagina. A diminuição da lubrificação vaginal causa maior irritação e friabilidade do tecido, podendo resultar em dor ou desconforto abdominal5Ambler DR, Bieber EJ, Diamond MP. Sexual function in elderly women: a review of current literature. Rev Obstet Gynecol. 2012;5(1):16-27..

Apesar da relativa frequência de disfunções sexuais, poucos homens e mulheres relatam tais queixas ao profissional da saúde1717 Nicolosi A, Buvat J, Glasser DB, Hartmann U, Laumann EO, Gingell C. Sexual behaviour, sexual dysfunctions and related help seeking patternsn in middle-aged and elderly Europeans: the global study of sexual attitudes and behaviors. World J Urol. 2006;24(4):423-8.. Apenas cerca de 30% dos médicos questionam regularmente a atividade sexual de seus pacientes, sobretudo dos pacientes homens. A principal barreira relatada por 53% dos médicos é o fato de achar o tema embaraçoso ou medo de ofender os pacientes, além da falta de tempo durante as consultas e principalmente da falta de formação acadêmica no tratamento de problemas sexuais. O mercado de fármacos e dispositivos para tratar disfunção sexual tem aumentado e isso, em parte, aumenta a demanda de acesso a serviços de saúde. O assunto sexualidade é praticamente inexistente na atenção básica ao idoso1818 Lindau ST. Sexuality, sexual function and the aging woman. In. Hazzard WR, et al, editors. Geriatric medicine and gerontology. 6th ed. New York: Mc Graw Hill; 2009. 567-82p.. Assim, como os determinantes dos problemas sexuais entre as idosas são multifatoriais, estudar os seus múltiplos fatores teria mérito científico e poderia auxiliar nas orientações na atenção médica da paciente idosa.

O objetivo deste estudo foi apurar a prevalência de disfunção sexual entre as idosas longevas com dor crônica, e descrever os fatores de interferência naquela disfunção, supondo-se que as atitudes negativas da sociedade sobre envelhecimento e sexualidade, particularmente entre as idosas longevas, representaria um grande desafio.

MÉTODOS

Estudo de delineamento observacional, descritivo e de corte transversal realizado a partir do “Projeto Longevos” da Disciplina de Geriatria e Gerontologia (DIGG) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Trata-se de um Estudo observacional longitudinal na cidade de São Paulo, iniciado no ano de 2011, com idosos longevos da comunidade, com 80 anos ou mais, de ambos os gêneros, sem comprometimento cognitivo, capazes de deambular sem auxílio de terceiros e sem o diagnóstico de doença potencialmente grave ou fatal. Foram excluídos os idosos com déficits sensoriais limitantes, déficit cognitivo ou com doenças clínicas debilitantes.

Para a presente casuística foram incluídas as longevas com dor crônica de duração de 6 meses ou mais, e de intensidade maior ou igual a 3 na escala numérica de dor. Período de avaliação de fevereiro 2010 a dezembro de 2012. Todos os pacientes incluídos no estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Foram realizadas entrevistas com questões referentes a dados sócio-demográficos (idade, estado civil, religião e escolaridade), perfil de funcionalidade para atividades de vida diária1919 Katz S, Stroud MW 3rd. Functional assessment in geriatrics. A review of progress and directions. J Am Geriatr Soc. 1989;37(3):267-71.,2020 Lawton MP, Brody EM. Assessment of older people: self-maintaining and instrumental activities of daily living. Gerontologist. 1969;9(3):179-86., e ao uso de fármacos para tratamento de dor crônica que interferem na função sexual, com antidepressivos inibidores da receptação da serotonina, opioides e anticonvulsivantes. Também, foram realizadas avaliações dos quadros dolorosos quanto à localização da dor, frequência, caráter, fatores desencadeantes e atenuantes, natureza segundo sua fisiopatogenia (nociceptiva, neuropática, mista ou psicogênica). Para as mensurações das intensidades dolorosas utilizou-se a escala de descrição verbal de dor (EV) (leve, moderada e intensa) e a escala numérica verbal de dor (ENV)(0–10).

Questões referentes à autopercepção da saúde geral das idosas e referentes à interferência da dor nas pratica sexual delas foram formuladas, além de questões sobre razão/motivo para a redução ou inatividade sexual. Aplicou-se o Short Personal Experiences Questionnaire (SPEQ), que é um instrumento validado em português2121 Valadares AL, Pinto-Neto AM, de Sousa MH, Osis MJ. [Sociocultural adaptation of the short personal experiences questionnaire (SPEQ) in Brazil]. Rev Bras Ginecol Obstet. 2010;32(2):72-6. Portuguese., e composto por nove questões que abordam libido (uma pergunta), responsividade sexual (três perguntas), frequência de atividades sexuais (uma pergunta), sentimentos pelo parceiro (duas perguntas), dificuldades sexuais do parceiro (uma pergunta) e dor durante a penetração (uma pergunta) compreendendo um questionário estruturado e conciso. Esse questionário tem sido usado, principalmente, em estudos com mulheres no climatério, permitindo, assim, avaliar a presença de disfunções sexuais e fatores associados, mas também é usado em indivíduos de diferentes idades e estados menopausais, independentemente da presença ou não de parceiros sexuais, e independentemente do tipo de relação, se heterossexuais ou homossexuais2222 Dennerstein L, Lehert P, Dudley E. Short scale to measure female sexuality: adapted from McCoy Female Sexuality Questionnaire. J Sex Marital Ther. 2001;27(4):339-51.,2323 Dennerstein L, Anderson-Hunt M, Dudley E. Evaluation of a short scale to assess female sexual functioning. J Sex Marital Ther. 2002;28(5):389-97..

Análise estatística

As análises estatísticas foram realizadas utilizando-se o programa estatístico R versão 2.15.2. Para as variáveis de natureza quantitativa (numérica) calcularam-se algumas medidas-resumo, como média, mediana, valores mínimo e máximo, desvio padrão. As variáveis de natureza qualitativa (categorizada) foram analisadas através do cálculo de frequências absoluta e relativa.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFESP/EPM - CEP 443.760.

RESULTADOS

Entre a amostra estudada, observou-se uma média de idade de 87 anos (desvio padrão de 4,6 anos); variando de 80-100 anos, sendo a maioria viúva; 59,4% (21,9% solteira, 15,6% casada, e 3,1% separada), e com uma média de escolaridade de 3,1 anos. Apenas 18 idosas relataram suas religiões, sendo 66,7% católica, 22,2% evangélica, 5,6% espírita e 5,6% mórmon (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização da amostra

E em relação à dor crônica, 87,5% apresentavam dor nociceptiva, 3,1% neuropática e 9,4% mista, e segundo a sua intensidade, obteve-se uma mediana de 8,0 pela ENV. Considerando a etiologia da dor, 71,9% apresentavam dor relacionada a osteoartrite, 6,3% a síndrome miofascial e 21,9% a outros tipos, como cefaleia, radiculopatia, fibromialgia, sequela de fratura óssea, neuralgia pós-herpética, sequela de lesão muscular pós-trauma e lesão do manguito rotador.

Quanto ao uso de fármacos que interferem na função sexual observou-se que 12,5% usavam analgésico opioide, 37,5% algum antidepressivo (duloxetina utilizada por 6,3% das idosas, inibidor da recaptação da serotonina por 18,8% e tricíclico por 12,5%), 6,3% algum anticonvulsivante, e 62,5% não usavam nenhum desses fármacos. Cerca de 28,1% das idosas relataram que a dor crônica interferia na atividade sexual, e nenhuma idosa na casuística referiu já ter sido questionada antes sobre o assunto de sexualidade, apesar de que 68,8% gostariam de já ter sido abordadas em algum momento sobre a sexualidade. Quanto à autopercepção da saúde geral pelas idosas, 3,1% avaliaram sua saúde como excelente, 50,0% como boa, 37,5% como regular e 9,4% como ruim (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição da funcionalidade, autoavaliação da saúde e uso de fármacos analgésicos coadjuvantes ou não

Em toda a amostra foi aplicado o questionário SPEQ. Observou-se que no último mês a grande maioria das idosas (81,3%) não teve qualquer atividade sexual (masturbação, excitação e/ou penetração) (Tabela 3), 9,4% tiveram atividade sexual menos do que 1 vez por semana e 9,4% a teve 2 vezes ou mais por semana. Sobre a frequência de fantasias e pensamentos sexuais e/ou desejo sexual no último mês, 46,9% nunca os apresentou, 43,8% apresentaram menos que 1 vez por semana, 3,1% 1 a 2 vezes por semana e 6,3% apresentaram várias vezes por semana.

Tabela 3
Disfunções sexuais segundo o Short Personal Experiences Questionnaire

Entre as que praticavam algum tipo de atividade sexual (Tabela 2), questionou-se sobre a frequência de ser estimulada ou excitada, obtendo-se de 12 idosas notas variando de 1 a 4 (2,3 de média). A nota de satisfação nas atividades sexuais variou de 1 a 6, (2,7 de média), e aquela atribuída à frequência de orgasmo variou de 1 a 6 (média de 2,6). Apenas 9,4% referiram ter tido parceiro sexual no último mês. Todas as idosas relataram uma preferência heterossexual, e ainda 6,3% relataram atividade sexual com penetração. Segundo o SPEQ, 78% das idosas apresentaram disfunção sexual (escore médio de 7).

DISCUSSÃO

Existem muito poucos estudos sobre sexualidade entre os idosos, principalmente entre aqueles longevos, acima de 80 anos.

A presente casuística, que contou com mulheres muito idosas (média de 87 anos), observou que mais de 70% eram viúvas, solteiras ou separadas, e não tinham parceiro sexual, portanto, essa pode ter sido a principal causa da inatividade sexual encontrada. Alguns autores já observaram que a viuvez foi a principal causa da inatividade sexual entre as idosas2424 Karraker A, Delamater J, Schwartz CR. Sexual frequency decline from midlife to later life. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci. 2011;66(4):502-12.. Goh et al.2525 Goh VH, Tain CF, Tong YY, Mok PP, Ng SC. Sex and aging in the city: Singapore. Aging Male. 2004;7(3):219-26. num estudo com idosos, em Cingapura, encontraram uma significativa redução na atividade sexual com a idade.

Com o aumento da idade, a presença de parceiro sexual pode ser fator protetor contra a inatividade sexual2626 Laumann EO, Paik A, Rosen RC. Sexual dysfunction in the United States: prevalence and predictors. JAMA. 1999;281(6):537-44. Erratum in: JAMA. 1999;281(13):1174.,2727 Blümel JE, Castelo-Branco C, Cancelo MJ, Romero H, Aprikian D, Sarrá S. Impairment of sexual activity in middle-aged women in Chile. Menopause. 2004;11(1):78-81.. Num estudo com idosas até 79 anos observou-se que aquelas mais satisfeitas sexualmente eram as que tinham parceiro sexual1616 McCall-Hosenfeld JS, Jaramillo SA, Legault C, Freund KM, Cochrane BB, Manson JE, et al. Correlates of sexual satisfaction among sexually active postmenopausal women in the Women's Health Initiative-Observational Study. J Gen Intern Med. 2008;23(12):2000-9..

Nesta amostra, em relação à autopercepção da saúde geral pelas idosas com dor crônica, obteve-se que 50% consideraram boa a sua saúde, apesar da intensidade média da dor crônica ser grave (EN=7,8), e de uma prática sexual infrequente. Lindau e Gavrilova7Lindau ST, Gavrilova N. Sex, health, and years of sexually active life gained due to good health: evidence from two US population based cross sectional surveys of ageing. BMJ. 2010;340(7746):c810. analisando dois grandes estudos populacionais afirmaram que, entre os longevos, existe uma correlação positiva entre saúde, presença de parceiro e atividade sexual. Também, alguns trabalhos têm mostrado relação entre manter-se sexualmente ativo e o estado de saúde geral1111 Lindau ST, Schumm LP, Laumann EO, Levinson W, O'Muircheartaigh CA, Waite LJ. A study of sexuality and Health among older adults in the United States. N Engl J Med. 2007;357(8):762-74.,1212 Laumann EO, Nicolosi A, Glasser DB, Paik A, Gingell C, Moreira E, et al. Sexual problems among women and men aged 40-80 y: prevalence and correlates identified in the Global Study of Sexual Attitudes and Behaviors. Int J Impot Res. 2005;17(1):39-57.,2626 Laumann EO, Paik A, Rosen RC. Sexual dysfunction in the United States: prevalence and predictors. JAMA. 1999;281(6):537-44. Erratum in: JAMA. 1999;281(13):1174..

Em relação à dor crônica, 28% das idosas afirmaram que o sintoma dor poderia atrapalhar a vida sexual, e tal porcentagem é considerada significativa. Alguns trabalhos já mostraram efeito negativo da dor na função sexual. Em um trabalho envolvendo mulheres jovens com espondilite anquilosante observou-se uma alta prevalência de disfunção sexual, possivelmente por altos níveis de depressão, diminuição da funcionalidade, mau controle da dor e diminuição da QV2828 Demir SE, Rezvani A, Ok S. Assessment of sexual functions in female patients with ankylosing spondylitis compared with healthy controls. Rheumatol Int. 2013;33(1):57-63.. Outro trabalho mostrou que uma melhor função sexual poderia aumentar o controle da dor2929 Arabkheradmand J, Foroutan SK, Ranjbar S, Abbasi T, Hessami S, Gorji A. Improvement of chronic pain by treatment of erectile dysfunction. J Sex Med. 2008;5(12):2911-6..

Quanto a fármacos que possivelmente interferem na função sexual, observou-se que as idosas do presente estudo faziam uso frequente daqueles fármacos (12,5% usavam analgésico opioide, 37,5% antidepressivo e 6,3% anticonvulsivante), e a disfunção sexual pode ser considerada um efeito adverso comum de antidepressivos3030 Basson R. Women's sexual dysfunction: revised and expanded definitions. CMAJ. 2005;172(10):1327-33.. McCall-Hosenfeld et al.1616 McCall-Hosenfeld JS, Jaramillo SA, Legault C, Freund KM, Cochrane BB, Manson JE, et al. Correlates of sexual satisfaction among sexually active postmenopausal women in the Women's Health Initiative-Observational Study. J Gen Intern Med. 2008;23(12):2000-9. observaram que idosas mais satisfeitas sexualmente eram aquelas mais velhas, casadas e com parceiro, e ainda aquelas emocionalmente saudáveis e que não usavam antidepressivos seletivos para a recaptação de serotonina.

Aqui também se obteve que a maioria não praticou qualquer tipo de atividade sexual (masturbação, excitação e/ou penetração) no último mês. Com relação à responsividade sexual, a maioria pontuou notas baixas para o estímulo/excitação, satisfação sexual e frequência de orgasmo. Lindau et al.1111 Lindau ST, Schumm LP, Laumann EO, Levinson W, O'Muircheartaigh CA, Waite LJ. A study of sexuality and Health among older adults in the United States. N Engl J Med. 2007;357(8):762-74. encontrou que as principais disfunções sexuais entre as idosas eram a incapacidade para alcançar o orgasmo, além do baixo desejo sexual e a dificuldade de lubrificação. Tem-se que a prevalência de masturbação diminui com a idade, mas segundo alguns autores1111 Lindau ST, Schumm LP, Laumann EO, Levinson W, O'Muircheartaigh CA, Waite LJ. A study of sexuality and Health among older adults in the United States. N Engl J Med. 2007;357(8):762-74., a sexualidade não reduz drasticamente com a idade. Do total estudado, apenas 6,3% apresentavam atividade sexual com penetração, e já foi verificado que a importância da penetração vaginal aumenta com o envelhecimento para as idosas3131 Vares T, Potts A, Gavey N, Grace VM. Reconceptualizing cultural narratives of mature women's sexuality in the Viagra era. J Aging Stud. 2007;21(2):153-64..

Já foi verificado que a taxa de disfunção sexual entre os idosos varia de 42 a 88%1313 Dennerstein L, Lehert P, Burger H, Guthrie J. Sexuality. Am J Med. 2005;118(Suppl 12B):59-63.. E a disponibilidade de um parceiro é fator importante para a função sexual, sobretudo entre os mais idosos3232 Delamater J, Karraker A. Sexual functioning in older adults. Curr Psychiatry Rep. 2009;11(1):6-11.. O questionário SPEQ sobre sexualidade tem um escore com pontuação de corte inferior ou igual a 7 para considerar a presença de disfunção sexual, e aqui, utilizando-se esse instrumento, obteve-se uma média de 7 pontos, sendo que 78% da amostra foram consideradas com disfunção sexual. Da transição menopausal precoce para a tardia, a porcentagem de mulheres com SPEQ com baixa função sexual aumenta muito, variando de 42 a 88%3333 Yee L. Aging and sexuality. Aust Fam Physician. 2010;39(10):718-21.. Segundo a literatura mundial, é alta a prevalência da disfunção sexual com a idade, e apesar disso, a abstinência sexual não é uma consequência inevitável da passagem do tempo, e uma alta proporção de homens e mulheres permanece sexualmente ativa até o fim da vida3434 Nicolosi A, Moreira ED Jr, Villa M, Glasser DB. A population study of the association between sexual function, sexual satisfaction and depressive symptoms in men. J Affect Disord. 2004;82(2):235-43.. O declínio na função sexual do idoso parece ser mais uma resposta a múltiplos estressores em outros fatores, que vão da saúde física ao relacionamento intimo3535 Laumann EO, Waite LJ. Sexual dysfunction among older adults: prevalence and risk factors from a nationally-representative U.S. probability sample of men and women 57-85 years of age. J Sex Med. 2008;5(10):2300-11..

Interessantemente, no presente estudo observou-se que nenhuma idosa já havia sido questionada sobre o assunto sexualidade, e também se observou que a maioria (68,8%) gostaria de já ter sido questionada previamente. Sugere-se que talvez isso tenha ocorrido porque a maioria dos médicos considera a disfunção sexual como “natural” ao próprio envelhecimento, e não como uma condição médica possivelmente modificável3333 Yee L. Aging and sexuality. Aust Fam Physician. 2010;39(10):718-21..

A expectativa de vida vem aumentando, sobretudo no nosso meio, assim seria necessário manter o idoso funcional e satisfeito até o final da vida, em todas as suas funções, inclusive na sua sexualidade, que pode ser considerada um aspecto importante na QV, assim, não podendo ser menosprezada.

As principais limitações encontradas neste estudo foram a pequena amostragem e também a realização de análises apenas descritivas da sexualidade de longevas da comunidade. Contudo, o presente trabalho poderia contribuir com dados científicos inusitados no nosso meio. Os dados apurados reforçam a questão de que os profissionais médicos devam abordar o tema da sexualidade nas suas consultas, mesmo com os muito idosos, valorizando a dor crônica como uma interferência na atividade sexual do indivíduo.

CONCLUSÃO

Na amostra estudada, a maioria das idosas longevas com dor crônica apresentaram-se com disfunção sexual, segundo o instrumento SPEQ, e a principal causa da inatividade sexual referida foi a falta de um parceiro. A dor crônica foi descrita como fator de interferência na prática sexual das idosas estudadas, fato que acaba comprometendo ainda mais a sexualidade no envelhecimento.

Diante desses achados, sugere-se que os profissionais de saúde abordem a sexualidade nas consultas médicas envolvendo mulheres idosas, não se deixando de incluir nessas abordagens também as idosas longevas.

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    Recebido da Disciplina de Geriatria e Gerontologia, Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina, São Paulo, SP, Brasil.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2014
  • Aceito
    19 Fev 2015
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