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Teoria fenomenológica do processo de relaxação dielétrica

Phenomenological theory of dielectric relaxation process

Resumos

O objetivo deste trabalho é introduzir o conceito de não simultaneidade entre causa e efeito, o que não é muito comum em diversos problemas de física e biologia, mostrando como tratá-los e verificando em que condições os dois modelos conduzem a resultados similares. Para este estudo usaremos os dielétricos. A teoria de Pellat-Debye para a relaxação dielétrica é modificada introduzindo-se uma atraso de resposta (polarização) à ação de um estímulo (campo elétrico), de modo a tornar válido o princípio de causalidade.

relaxação dielétrica; simultaneidade


The goal of this work is to introduce the concept of non simultaneity between cause-effect, which is not very common in several problems of physics and biology, showing how to treat these problems and verifying the results. For this study we will use the dielectrics. Pellat-Debye's theory for dielectric relaxation is modified introducing a delay in the Response ( polarization ) to the action (electric field), so as the validity of the causality principle is satisfied.

dielectric relaxation; simultaneity


ARTIGOS GERAIS

Teoria fenomenológica do processo de relaxação dielétrica

Phenomenological theory of dielectric relaxation process

Renê Robert

Departamento de Engenharia Elétrica, UFPR, Curitiba, PR, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Renê Robert E-mail: rene@lactec.org.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho é introduzir o conceito de não simultaneidade entre causa e efeito, o que não é muito comum em diversos problemas de física e biologia, mostrando como tratá-los e verificando em que condições os dois modelos conduzem a resultados similares. Para este estudo usaremos os dielétricos. A teoria de Pellat-Debye para a relaxação dielétrica é modificada introduzindo-se uma atraso de resposta (polarização) à ação de um estímulo (campo elétrico), de modo a tornar válido o princípio de causalidade.

Palavras-chave: relaxação dielétrica, simultaneidade.

ABSTRACT

The goal of this work is to introduce the concept of non simultaneity between cause-effect, which is not very common in several problems of physics and biology, showing how to treat these problems and verifying the results. For this study we will use the dielectrics. Pellat-Debye's theory for dielectric relaxation is modified introducing a delay in the Response ( polarization ) to the action (electric field), so as the validity of the causality principle is satisfied.

Keywords: dielectric relaxation, simultaneity.

1. Introdução

H. Pellat (1899) [1] provou experimentalmente que os dielétricos manifestam uma polarização inicial instantânea à qual é acrescentada uma segunda polarização variável no tempo, sendo que esta última tende a um valor de equilíbrio com uma velocidade proporcional à diferença entre o valor de equilíbrio e o valor presente. Analiticamente pode-se escrever P(t) = P1(t) + P2 (t), onde P1 (t) é o valor da polarização instantânea e P2 (t)é o valor da polarização variável no tempo. Esta última obedece a equação diferencial [1,2,3]: = Ps - P2 (t), onde Ps é a polarização de equilíbrio e é chamado tempo de relaxação. Define-se relaxação como o atraso da resposta de um sistema devido a variação das forças sob o qual esta sujeito.

Este modelo permite calcular a permissividade relativa do dielétrico, que no caso de campo alternado senoidal com freqüência angular w, dá origem a uma função complexa (w) = e¢(w) - ie¢¢(w). As expressões de e¢(w) e e¢¢(w)são conhecidas como permissividade relativa verdadeira e fator de perda, respectivamente.

Neste trabalho, para efeito de cálculo, usa-se a hipótese de que o dielétrico é homogêneo, isolante perfeito e está colocado entre os eletrodos de um capacitor de placas planas e paralelas e despreza-se os efeitos de borda.

A equação diferencial proposta por Pellat afirma que P2(t) define, no mesmo instante, a derivada , o que não é compatível com o princípio de causalidade. O objetivo deste trabalho é verificar o que ocorre com o comportamento da polarização variável no tempo e com a permissividade relativa complexa quando introduzimos um atraso no tempo ou ''time lag'' r em P2 (t), isto é, substituímos t por (t - r).

2. Teoria

Quando submetemos um material dielétrico à ação de um campo elétrico uniforme E(t), o dielétrico se polariza. A polarização é composta de duas partes: P1 (t) resultante de processos eletrônicos e atômicos e P2 (t) resultante de processos de orientação dipolar. Para baixas freqüências P1 (t) segue o campo elétrico com desprezível atraso, de modo que P1 (t) = c1e0E(t), onde c1 é a susceptibilidade relativa em altas freqüências, ao passo que com P2 (t) ocorre uma defasagem com relação ao campo elétrico. Um modelo [1,2,3] simples e comumente usado para a definição de P2 (t) é aquele dado pela seguinte equação:

onde c2 é a susceptibilidade elétrica relativa em baixas freqüências, e0 é a permissividade do vácuo, e é chamado tempo de relaxação. A grandeza Ps = c2e0E(t) é chamada polarização de saturação.

Se E(t) = E0u(t), onde E0 é constante e u(t) é a função degrau de Heaviside, e P2 (0) = 0, a solução da equação diferencial (1) é:

Portanto, a polarização total é dada pela equação:

De maneira similar, se E(t) = E0 exp(iwt), a polarização total fica:

A permissividade relativa complexa é calculada, obtendo-se:

onde e e es e e¥ são, respectivamente, os limites de quando w ® 0 e w ® ¥, isto é, c1 = e¥ - 1 e c2 = es - e¥ . As duas últimas equações, para e¢(w) e e¢¢(w) são conhecidas como equações de Debye [2] e foram deduzidas por Debye a partir de hipótese moleculares.

O vetor deslocamento elétrico D(t) consiste de duas componentes: e¢E(t) em fase com o campo elétrico e e¢¢E(t) em quadratura com o campo elétrico e atrasada.

Uma das aproximações feitas na física, às vezes inconscientemente, é aquela da simultaneidade. Usualmente assume-se que o valor de uma função desconhecida e suas derivadas que ocorrem numa equação diferencial são todas avaliadas no mesmo instante. Por exemplo: na modelagem do decaimento radioativo supõe-se que = -lN(t) ou na modelagem da cinética química = - kC(t). Existem inúmeros exemplos em física e biologia nos quais a velocidade de variação de uma função do tempo depende do valor passado desta função [4]. No caso de dielétricos certamente os mecanismos de orientação molecular não ocorrem simultaneamente com o campo e sim com um certo atraso ou defasagem. Para levar em conta este fato, vamos postular um novo modelo, escrevendo a Eq. (1) sob a forma:

onde r é uma medida do atraso da resposta dos dipolos em relação ao campo elétrico aplicado. A equação diferencial (6) é conhecida como [4,5,6] ''Delay Differential Equation''.

Na hipótese do campo elétrico ser dado por E(t) = E0u(t) obtém-se o seguinte para a Eq. (6):

sendo a e b as raízes reais não nulas da equação s+ exp( - rs) = 0. Usou-se como condição de contorno [6,7] P2 (t) = 0 para t Î [ - r,0 ].

A equação diferencial (6) também pode ser resolvida numericamente (ver apêndice) ou em forma de série utilizando a transformada de Laplace [5]. Neste último caso a solução encontrada é:

Os três resultados da integração da equação diferencial (6) conduzem a resultados numéricos idênticos.

Analogamente para campos do tipo E(t) = E0 exp(iwt) obtém-se a solução da equação diferencial (6), no domínio da freqüência, usando a técnica da transformada de Fourier [8], obtendo-se a expressão:

Para campos alternados senoidais de freqüência w tem-se E(w) = E0 . Nesta nova condição a permissividade relativa verdadeira e o fator de perdas serão dados, respectivamente pelas equações:

3. Cálculo numérico

Para exemplificar numericamente o novo modelo acima exposto, vamos considerar um cristal de KBr+Ca + + com as seguintes características: e¥ = 2,33, es - e¥ = 2,45, = 0,001s.

Fixando o valor de r = 0,0003s, obtém-se para as raízes reais da equação s+ exp( - rs) = 0 os valores: a = - 1631,34 e b = - 5937,79. A Fig. 1 mostra P2(t) em função do tempo segundo as Eqs. (2) e (7) Observa-se uma acentuada a diferença entre os dois modelos, em particular entre o inicio e a saturação. A medida que < 0,0001 a diferença entre os dois modelos desaparece completamente.


Para campos elétricos senoidais de freqüência w, as Figs. 2 e 3 mostram os valores de e¢(w) e e¢¢(w) no qual utilizamos r = 0,0003. Para valores pequenos da relação < 0,0001 a diferença entre os dois modelos é imperceptível.



A Fig. 4 mostra o diagrama de Cole-Cole para r = 0,0003. De maneira similar, quando < 0,0001, o diagrama de Cole-Cole não apresenta diferença entre os dois modelos.


4. Conclusão

O problema aqui exposto não é comumente tratado na literatura. Conforme pode-se constatar para valores pequenos da relação r / a diferença entre os dois modelos é desprezível, o mesmo não ocorrendo para valores de r da ordem de grandeza de , não importando se o problema lida com campos elétricos constantes ou alternados. O problema aqui resolvido serve como exemplo para o estudo de sistemas similares, tais como, em farmacologia, a absorção de drogas pelo organismo humano.

Recebido em 18/05/04; Aceito em 19/07/04

Apêndice

Seja a equação diferencial:

onde se supõe que << 1. Baseado no ''Method of Steps'' proposto por Driver [4], façamos a seguinte transformação:

Onde y(t) é uma função a ser determinada. A equação diferencial (A1) pode ser escrita como:

Se r for pequeno e definirmos o passo no tempo como sendo r, a derivada na Eq. (A3) aproximada por:

Conseqüentemente, a Eq. (A3) transforma-se na relação de recorrência:

Voltando à Eq. (A2) e lembrando que y(0) = c2e0E0 ficamos com:

  • [1] R. Fournier, Les Isolants en Électrotechnique, Concepts et théorie (Editions Eyrolles, Paris, 1986), p. 8, 65.
  • [2] W.F. Brown, Dielektrika Handbuch Der Physik (Springer-Verlag, Berlin, 1956), p. 119.
  • [3] V.V. Daniel, Dielectric Relaxation (Academic Press, London, 1967), p. 12-19.
  • [4] R.D. Driver, Ordinary and Delay Differential Equation (Springer-Verlag, N.Y., 1977), p. 225.
  • [5] V. Ditkine et A. Proudnikov, Calcul Opérationnel (Editions Mir, Moscou, 1979), p. 246.
  • [6] R.D. Driver, Journal of Mathematical Analysis and Applications 157, 591 (1991).
  • [7] D. Zwillinger, Handbook of Differential Equations (Academic Press, San Diego, 1998), p. 230-237.
  • [8] P.H. Hsu, Analisis de Fourier (Addison Wesley Iberoamericana, USA, 1987), p. 74, 83, 87.
  • Endereço para correspondência
    Renê Robert
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jan 2005
    • Data do Fascículo
      2004

    Histórico

    • Aceito
      19 Jul 2004
    • Recebido
      18 Maio 2004
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