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Demonstração experimental da dilatação do tempo e da contração do espaço dos múons da radiação cósmica

Experimental demonstration of time dilatation and space contraction of cosmic-ray muons

Resumos

Apresentamos uma atividade experimental de física moderna realizada com um telescópio de múons da radiação cósmica. A montagem do telescópio, feita com cintiladores plásticos, e a eletrônica utilizada são descritas. Utilizando a mecânica clássica e a teoria especial da relatividade, calculamos a intensidade esperada para os múons na superfície da Terra. Medimos uma intensidade vertical de (141 ± 1) múons/(m².s.sr) em Campinas e demonstramos que somente com a dilatação do tempo de vida dos múons, ou a contração do espaço no referencial do múon, podemos explicar os resultados experimentais.

relatividade especial; raios cósmicos; múons; detectores de partículas


We present a modern physics experiment using a cosmic ray muons telescope. The telescope assembly with plastic scintillators and modular electronics is described. The classical mechanics and the special theory of relativity are used to calculate the intensity of múons on the Earth's surface. The vertical intensity measured at Campinas was (141 ± 1) muons/(m².s.sr) and can be explained with the muons lifetime dilatation or length contraction in the muon rest frame.

especial theory of relativity; cosmic rays; muons; particle detectors


PRODUTOS E MATERIAIS DIDÁTICOS

Demonstração experimental da dilatação do tempo e da contração do espaço dos múons da radiação cósmica

Experimental demonstration of time dilatation and space contraction of cosmic-ray muons

A.C. Fauth I,1 1 E-mail: fauth@if.unicamp.br. ; J.C. PenereiroI, II,2 2 E-mail: jcp@puc-campinas.edu.br. ; E. KempI; W.C. GrizolliI; D.M. ConsalterI; L.F.G. GonzalezI

IInstituto de Física 'Gleb Wataghin', Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil

IIFaculdade de Matemática, Centro de Ciências Exatas, Ambientais e de Tecnologias, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, SP, Brasil

RESUMO

Apresentamos uma atividade experimental de física moderna realizada com um telescópio de múons da radiação cósmica. A montagem do telescópio, feita com cintiladores plásticos, e a eletrônica utilizada são descritas. Utilizando a mecânica clássica e a teoria especial da relatividade, calculamos a intensidade esperada para os múons na superfície da Terra. Medimos uma intensidade vertical de (141 ± 1) múons/(m2.s.sr) em Campinas e demonstramos que somente com a dilatação do tempo de vida dos múons, ou a contração do espaço no referencial do múon, podemos explicar os resultados experimentais.

Palavras-chave: relatividade especial, raios cósmicos, múons, detectores de partículas.

ABSTRACT

We present a modern physics experiment using a cosmic ray muons telescope. The telescope assembly with plastic scintillators and modular electronics is described. The classical mechanics and the special theory of relativity are used to calculate the intensity of múons on the Earth's surface. The vertical intensity measured at Campinas was (141 ± 1) muons/(m2.s.sr) and can be explained with the muons lifetime dilatation or length contraction in the muon rest frame.

Keywords: especial theory of relativity, cosmic rays, muons, particle detectors.

1. Introdução

O descobrimento de uma radiação extraterrestre em altas energias foi conseqüência de experimentos desenvolvidos entre o final do século XIX e início do XX para estudar a condutividade dos gases. Acreditava-se que um gás, na ausência de radiação, devia ser um sistema não condutor. Entretanto observou-se que mesmo num gás isolado de fontes de radiação havia sempre uma ionização residual de aproximadamente 10 pares iônicos por cm3 que não podia ser explicada pela teoria.

Essa radiação foi investigada pela primeira vez em 1910 por Theodor Wulf, que a denominou de "raios de grandes altitudes" e assim conjecturou que eles viriam do espaço, e não da superfície ou profundezas da Terra. Em 1912, Victor Hess instalou alguns eletroscópios em um balão atmosférico conseguindo detectar pela primeira vez uma radiação descendente de grande poder de penetração, constatando desta forma a existência da agora denominada "radiação cósmica", ou dos "raios cósmicos". Esse fato abriu uma nova área de investigação associada à física moderna.

As pesquisas com raios cósmicos dividem-se, de uma forma geral, em dois grandes campos de atuação: o primeiro relacionado com as partículas elementares e as suas interações com a matéria; o segundo é referente aos seus aspectos geofísicos e astrofísicos. Apesar dos experimentos com as tecnologias atuais e com os recentes avanços teóricos na área, ainda existem várias questões em aberto quanto à natureza e origem dessa radiação [1].

Do ponto de vista pedagógico e de divulgação, felizmente alguns aspectos da física moderna são abordados em revistas e outros meios de informação, além de livros didáticos de nível universitário. É notório o exemplo do decaimento das partículas elementares denominadas de múons, produzidas a partir dos píons em grandes altitudes, tratado em capítulos envolvendo a relatividade restrita [2]. Os fenômenos da radiação cósmica instigam um particular interesse, pois estabelecem facilmente a conexão entre partículas elementares e relatividade. Essa conexão pode ser explorada em atividades experimentais para demonstração de efeitos relativísticos e conceitos relacionados ao modelo padrão. Neste artigo descrevemos uma atividade experimental desenvolvida para explorar o potencial didático dos raios cósmicos. Abordamos a presença constante do fluxo de múons cósmicos que nos atinge e, em particular, a teoria restrita (ou especial) da relatividade (TRR), enfatizando seus dois postulados e as implicações devidas às transformações de Lorentz.

A atividade é realizada através de um telescópio de múons (TM), isto é, um arranjo experimental composto de placas de cintiladores plásticos alinhados verticalmente e operando em regime de coincidência temporal de sinais. A taxa de contagem de partículas do TM varia segundo o arranjo geométrico e permite demonstrar a existência de um fluxo de múons descendentes. Esse fluxo não é possível ser explicado pela física clássica, mas somente pela teoria da relatividade.

Na seção 2 explicaremos o mecanismo da produção de Chuveiros Atmosféricos Extensos (CAE) e da produção de múons na atmosfera. Na seção 3 calcularemos a chance dos múons produzidos na alta atmosfera alcançarem a superfície da Terra. A descrição do telescópio de múons desenvolvido está na seção 4. Na seção 5 calcularemos a intensidade vertical dos múons em Campinas e discutiremos os resultados. Finalizaremos com as conclusões e considerações finais sobre o uso didático dessas atividades na seção 6.

2. Chuveiro atmosférico extenso e múons da radiação cósmica

Múons são partículas elementares instáveis. Nesta seção descrevemos como essas partículas, que utilizamos no nosso experimento, são produzidas na atmosfera terrestre.

Quando um raio cósmico de alta energia (partícula primária cuja origem ainda é desconhecida pela ciência) colide com núcleos de moléculas na alta atmosfera terrestre, ele dá origem a uma seqüência de interações nucleares e eletromagnéticas, produzindo uma cascata de partículas que se deslocam com velocidades próximas à velocidade da luz (denominadas de partículas secundárias). Essa cascata é designada de Chuveiro Atmosférico Extenso (CAE) e pode ser descrita como um disco de partículas cujo raio varia à medida que este se propaga para o solo [3, 12]. O número N de partículas secundárias depende da energia E0 do raio cósmico primário. No caso em que E0 > 1012 eV, o número N é suficientemente grande para permitir, a um dado nível de observação, a identificação inequívoca do CAE.

As pesquisas de CAE's podem fornecer informações das interações nucleares de alta energia (exemplos de aparatos que realizam este estudo: AGASA - Akeno Giant Air-shower Array [4], HiRes - High Resolution Flys Eye [5], FLASH - Fluorescence from Air in Showers [6] e PAO - Pierre Auger Observatory [7]), além de possibilitarem a determinação da natureza, da energia e da direção de chegada dos raios cósmicos primários. Este último aspecto tem uma grande importância na astrofísica de altas energias, pois os CAE's observáveis no solo decorrem de partículas primárias que carregam informações sobre a sua origem e o mecanismo de aceleração, constituindo a principal fonte de informação sobre processos astrofísicos de regiões muito afastadas da Terra [1].

Atualmente os CAE's são detectados com aparatos experimentais que cobrem áreas de até milhares de quilômetros quadrados [8]. Um CAE é composto por aproximadamente 90% de elétrons, pósitrons e fótons, 9% de múons e apenas 1% de partículas hadrônicas (prótons energéticos e píons carregados). Como conseqüência da primeira interação são predominantemente produzidos mésons-p neutros e carregados e em menor quantidade partículas K-méson, prótons, nêutrons e suas antipartículas [9]. Os píons carregados (p+ e p- ) de energias mais altas são produzidos com pequenos ângulos de espalhamento e seguem ao longo da direção de colisão, interagindo e gerando novas partículas, enquanto os de energia mais baixa sofrem uma maior deflexão e decaem em múons carregados (µ+ e µ- ). Devido ao breve tempo de vida dos píons carregados ( ~ 10 - 8 s), é mais provável que eles decaiam antes de sofrer uma seguinte interação forte. O número de partículas de um CAE ao nível do mar pode alcançar dezenas de milhares de partículas e a componente muônica representar até 15% do total de partículas carregadas. A Fig. 1 ilustra esses processos para as duas primeiras interações fortes do início do desenvolvimento de um CAE.


Diversos experimentos mediram o fluxo de raios cósmicos secundários em diferentes altitudes [3] e constataram que a intensidade vertical de múons (positivos e negativos) atinge seu máximo, de 220 partículas/(m2 sr s), a uma altitude de aproximadamente 15 km.

Na superfície terrestre o fluxo vertical de múons diminui para cerca de 90 partículas/(m2 sr s). Isso pode ser explicado pelo fato de que na medida em que o CAE avança em direção à Terra a densidade de partículas diminui devido ao aumento da área circular da frente do chuveiro e ao decaimento da fração de menor energia.

Os múons decaem espontaneamente, através da interação fraca, de acordo com os seguintes esquemas

onde usamos a notação e+ para o pósitron, e e- para o elétron, ne e nm para o neutrino eletrônico e muônico e [e e µ para o anti neutrino eletrônico e muônico, respectivamente.

A massa de repouso de um múon é bem conhecida e vale 105,658 MeV/c2 e a sua vida média é 2,197 µs [11]. A energia média dos múons detectados no nível do mar é da ordem de 5,0 GeV, ao passo que a uma altitude de 15 km essa energia é da ordem de 6 GeV [11].

O múon é a partícula elementar carregada mais abundante na superfície da Terra. Ele não interage fortemente (interação nuclear) e possui uma trajetória retilínea. Essas características (alto fluxo, trajetória retilínea, alta energia e longa vida média) fazem esta partícula ser ideal para a demonstração dos efeitos relativísticos demonstrados neste trabalho.

3. Estimativa dos múons que chegam à superfície terrestre

Nesta seção utilizamos a mecânica clássica e a teoria especial da relatividade para calcularmos a chance dos múons produzidos na alta atmosfera alcançarem a superfície terrestre.

Como citamos acima a vida média dos múons é de tm = 2,2 µs [11]. Utilizamos a equação de decaimento para determinar o número de múons (N) depois de um período de tempo t através da relação

Nessa equação, N0 é o número de múons no tempo x = 0 (tempo relativo a altitude onde o número de múons é máximo) e N é o número de partículas depois de decorrido um intervalo de tempo x necessário para alcançar a superfície da Terra.

3.1. Mecânica clássica

Os múons chegam à superfície da Terra com velocidades próximas a da luz [2, 10], com um valor médio v = 0,998c ou v = 2,992 × 108 (m/s). O tempo que os múons levam para percorrer os 15 km de atmosfera é dado por

O que equivale a um tempo 22,97 vezes maior do que a vida média do múon (i.e., t = 22,97 tm ).

Então o número N de múons que chegam ao nível do mar em relação ao número N0 de múons produzidos na alta atmosfera é dado por

Esse resultado mostra que a previsão da física clássica é que praticamente todos os múons decaem antes de alcançarem o nível do mar.

3.2. Mecânica relativística

Consideremos agora as mesmas características iniciais descritas no item anterior, porém faremos uma abordagem relativística para o fenômeno. Vamos considerar duas conseqüências da invariância da velocidade da luz: a dilatação do tempo e a contração do espaço. Segundo a relatividade restrita o tempo não é o mesmo para diferentes sistemas inerciais de referência e depende do movimento relativo dos sistemas. O efeito no espaço é a sua contração na direção do movimento relativo dos sistemas [2].

3.2.1. Dilatação do tempo

A dilatação do tempo é expressa pela equação

aonde g = é o fator relativístico conhecido como fator de Lorentz, Dt é o intervalo de tempo no referencial do laboratório e Dt0 é o denominado intervalo de tempo próprio (no sistema de referência do corpo em movimento). Assim, para múons vistos por um observador no sistema de laboratório (i.e., na superfície da Terra), temos x = g·tm.

Podemos determinar o fator de Lorentz pela relação entre sua energia de repouso = 105,658 MeV e a energia detectada no laboratório Eµ@ 5 GeV, obtendo

Lembrando que x = 22,97 tm é o tempo de percurso nos 15 km percorridos e que tm deve ser multiplicado pelo fator de Lorentz podemos utilizar a Eq. (3) para estimar o número de múons que chegam na superfície da Terra em relação aos que são gerados na alta atmosfera, obtendo

Com a dilatação do tempo prevista pela relatividade encontramos que aproximadamente 62% dos múons conseguem chegar à superfície da Terra.

3.2.2. Contração do espaço

Analisaremos agora o efeito relativístico no espaço visto pelo observador do sistema em movimento (múon viajando para a superfície terrestre). No sistema de referência do múon temos a contração do espaço dada por

Aqui L0 representa a altitude da produção do múon (neste problema igual 15 km). Logo,

Obtemos que a distância, no sistema de referência do múon, para alcançar a superfície da Terra é de somente 317 m. Então o tempo que os múons levam para percorrer esta distância é

Isso representa t = 0,48 tm. Assim analisando o problema visto no referencial do múon, o número de múons que atingem a superfície da Terra em relação aos que se originaram na alta atmosfera é

Aqui também concluímos que devido à contração do espaço no sistema de referência do múon 62% dos múons produzidos na alta atmosfera chegam à superfície terrestre.

4. O telescópio de múons

Os detectores de partículas utilizados na montagem do telescópio de múons (TM) foram cintiladores plásticos com guia de luz e tubos fotomultiplicadores, tendo uma forma parecida com uma 'raquete'. Utilizamos duas fontes de alta tensão (2,5 kV), um osciloscópio (500 MHz) e uma eletrônica modular padrão NIM [13] (descrita abaixo) necessária para a seleção das partículas que atravessam, num pequeno intervalo de tempo, ambas as raquetes. A luz produzida no interior do cintilador devido à passagem de partículas carregadas é, por efeito fotoelétrico, convertida em elétrons no interior do tubo e amplificada (Fig. 2). A energia mínima para um múon atravessar os dois cintiladores é de aproximadamente 30 MeV.


4.1. A eletrônica empregada no telescópio

A eletrônica empregada no TM são módulos no padrão NIM [13]. O sinal analógico de cada detector é levado a este sistema através de cabos coaxiais de 50 W, com 30 m de comprimento, o que impõe um atraso sistemático de 150 ns em cada detector. Um módulo discriminador recebe esse sinal e emite um pulso lógico com 90 ns de largura quando os pulsos de entrada superam -20 mV. Esses pulsos são então levados a um módulo de coincidência temporal que emite um sinal de saída quando ocorre sinal em ambos detectores dentro da janela (90 ns) de coincidência. Esse sinal da coincidência dupla (devido a múons) é então levado para um módulo contador. O mesmo sinal também é utilizado para gerar um som de campainha, com intuito meramente didático. Utilizamos dois canais do osciloscópio para medir a diferença de tempo entre os sinais dos detectores. Com essa diferença podemos calcular a velocidade dos múons e também mostrar que predominantemente essas partículas chegam do alto da atmosfera.

4.2. Abertura do telescópio de múons

A medida bruta (freqüência de múons = contagem por unidade de tempo), depende do aparato experimental utilizado. Esta medida esta relacionada à geometria do telescópio (área dos detectores e distância entre eles), da eficiência de detecção e da distribuição angular dos múons. Para comparar medidas realizadas por diferentes aparatos (ou mesmo aparato em diferentes arranjos geométricos) calculamos a intensidade de múons.

A seguir calculamos a abertura equivalente Ab para diferentes alturas Z entre as raquetes. A medida de Ab será utilizada no cálculo da intensidade de múons.

Utilizamos duas raquetes idênticas com dimensões X = 0,410 m, Y = 0,380 m. Os valores das alturas Z variaram de 0,105 m a 2,105 m. A abertura equivalente é a fração que o telescópio consegue "enxergar" em todas as direções possíveis, sendo que ela depende do arranjo geométrico entre os detectores. No cálculo da abertura utilizamos a definição de ângulo sólido aplicada ao arranjo experimental [14].

Considerando a distribuição angular zenital dos múons cosnq [15], n = 2 [3] e a distribuição azimutal uniforme, podemos escrever a equação da abertura equivalente como

onde W é o ângulo sólido e S1 a superfície do detector 1, ambos definidos pela geometria do telescópio.

Através da Fig. 3 identificamos que o elemento de ângulo sólido sobre o detector-2 vale dw = (ds2 · )/r2 = (cosqdx'dy')/r2, sendo cosq = Z/r. Na mesma figura representa o vetor normal unitário dos elementos de superfícies dos detectores. Substituindo as relações: ds1 · = cosq dx dy, e cosq = na equação da abertura equivalente encontramos

Piazzoli et al. [15] apresentam a solução analítica da Eq. (14) para um telescópio de múons com simetria retangular utilizando dois detectores idênticos de dimensões X, Y e separados por uma altura Z como

onde = X2 + Z2 e = Y2 + Z2.

Utilizamos esta equação no cálculo das aberturas apresentadas na Tabela 1 para as diversas alturas (Z) utilizadas entre os detectores.


5. Medida da intensidade vertical de múons e discussão dos resultados

5.1. Eficiência de contagem do telescópio

A eficiência de contagem de cada detector foi medida [16] colocando-se os três detectores alinhados verticalmente com uma distância entre eles de 0,60 m. Utilizamos uma estrutura metálica para sustentar os detectores. Foram medidas as taxas de contagem: de cada detector (C1, C2 e C3), da coincidência temporal dupla (CD) entre os detectores das extremidades da montagem e da coincidência temporal tripla (CT). A eficiência de contagem de cada detector foi calculada através da equação

sendo AT e AD as taxas de contagem casual [17] calculadas através das seguintes relações

onde T = 50 ns foi o intervalo de tempo utilizado para a coincidência.

Conhecendo as eficiências de contagem edet-1 e edet- 2 dos detectores utilizados nas medidas dos múons, a eficiência da coincidência temporal deles é dada por: eTel = edet- 1 · edet - 2. Desta forma, obtivemos eTel = 0,79.

5.2. Medidas realizadas

Realizamos medidas com o telescópio montado no laboratório de Léptons-IFGW-UNICAMP. Foram realizados quatro conjuntos de contagens em um período de 3 min para cada altura Z utilizada. Na Tabela 1 apresentamos as alturas utilizadas, as aberturas calculadas e as respectivas freqüências medidas. Calculamos a intensidade vertical de múons realizando o ajuste dos dados experimentais com a seguinte equação

sendo N o número de contagens de múons, Dt o tempo de coleta de dados e Ab a abertura equivalente.

Na Fig. 4 mostramos a variação da freqüência da coincidência entre os dois detectores para diferentes alturas entre os detectores e o ajuste da Eq. (18) aos dados experimentais, corrigidos pela eficiência eTel e obtivemos

Esta intensidade vertical experimental de múons é claramente inconsistente com a previsão da mecânica clássica obtida na sub-seção 3.1.


Utilizando as previsões obtidas na seção 3.2 com a teoria da relatividade podemos escrever a intensidade de múons na superfície terrestre a partir da Eq. (3) como

onde I'0 é a intensidade vertical de múons a 15 km.

Substituindo o valor encontrado para t, temos

Na Fig. 5 mostramos a intensidade vertical dos múons (µ+ e µ-) em função da altitude. Dessa figura inferimos que a uma altitude de 15 km a intensidade vertical de múons tem seu valor máximo e este corresponde a aproximadamente 220 m-2s-1sr-1 [10].


Utilizando o resultado da sub-seção 3.2 e a intensidade vertical a 15 km temos que a intensidade estimada pela TRR em Campinas é

Com os resultados experimentais medimos uma intensidade vertical de aproximadamente 141 múons/ (m2.s.sr) que está de acordo com a previsão obtida utilizando a TRR.

A previsão da intensidade obtida com a mecânica clássica está em completo desacordo com os resultados experimentais.

6. Conclusões e considerações finais

A utilização dos abundantes múons de altas energias, disponíveis em praticamente todos os ambientes, mesmo dentro de prédios ou em subsolos, é um dos modos mais eficientes e seguros para demonstrar efeitos da cinemática relativística.

Neste trabalho apresentamos um telescópio de múons construído com cintiladores plásticos. Os conceitos básicos de detecção e condição de seleção dos múons foram apresentados.

Demonstramos que para partículas com velocidades muito altas, comparáveis com a velocidade da luz no vácuo, as previsões obtidas com a mecânica clássica são inconsistentes. Mostramos que a intensidade dos múons na superfície da Terra pode ser compreendida através dos efeitos de dilatação do tempo e da contração do comprimento, ambos previstos pela teoria especial da relatividade.

As medidas obtidas pelo equipamento demonstram que o nosso 'senso comum' nos leva a resultados equivocados quando tratamos com partículas relativísticas. O tempo nestas condições não é uma grandeza absoluta, mas depende do sentido e velocidade do sistema em que o observador (relógio) se encontra. Nesta demonstração o múon carrega o seu próprio relógio, que determina o seu tempo de vida próprio tm. Mas, o tempo de decaimento medido por um observador no laboratório é dilatado, sendo muito maior. Já a contração do espaço nos mostra que o múon em movimento vê as distâncias no laboratório contraídas e pode cobrir distâncias no laboratório maiores que aquelas medidas em seu próprio sistema. É importante ressaltar que esses efeitos somente ocorrem na direção do movimento relativo dos dois sistemas inerciais de referência (sistema do múon e sistema de laboratório na superfície da Terra).

Importantes discussões relacionadas à física moderna e utilizadas nos detectores (funcionamento de tubos fotomultiplicadores e o fenômeno de cintilação) e outras relacionadas à geometria espacial (definição de intensidade e ângulo sólido aplicado ao problema) também podem ser abordadas com o uso do telescópio de múons.

Agradecimentos

Agradecemos a Marcelo Knobel pelo empréstimo de parte dos equipamentos utilizados na montagem do telescópio de múons. JCP agradece o apoio do CGDRH da PUC-Campinas. LFGG e WCG agradecem ao CNPq e DMC agradece ao SAE da UNICAMP pelas bolsas de iniciação científica.

Referências

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Recebido em 20/10/2006; Revisado em 3/9/2007; Aceito em 4/9//2007

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  • 1
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      2007

    Histórico

    • Revisado
      03 Set 2007
    • Recebido
      20 Out 2006
    • Aceito
      04 Set 2007
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