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Medida da vida média do múon

Muon life time measurement

Resumos

Neste trabalho foram utilizados um detector de partículas e um osciloscópio digital para medir a vida média do múon. O método experimental utilizado foi a medida do intervalo de tempo entre o sinal do múon e o do elétron do seu decaimento através do osciloscópio. Os múons desse experimento foram aqueles da radiação cósmica e um único detector utilizou o efeito Cherenkov na água para medir tanto o sinal do múon como o sinal do elétron. Utilizando o espectro diferencial do alcance de múons verticais e a sua distribuição angular obtivemos a taxa de decaimento de múons por massa do detector, TM = 13 x 10-3 [Hz/kg], que permite estimar a taxa de decaimento de múons ao nível do mar para um detector com massa M. O tempo médio obtido para a vida dos múons foi de 1,87 ± 0,75 ms e esta em acordo com o valor apresentado pelo Particle Data Group.

múon; raios cósmicos; vida média


In this work we used a particle detector and a digital oscilloscope to measure the mean life time of the muon. The experimental method consisted in measuring the time difference between muon arrival and subsequent electron from decay using a oscilloscope. We used cosmic ray muons and only one detector that uses Cherenkov effect into water to measure both the muon and the electron signals. Using the differential range spectrum of vertical muons at sea level and its angular distribution we obtained the rate of decay muons per mass detector, TM = 13 x 10-3 [Hz/kg]. With this result is possible to estimate the rate of muon decay at sea level for a detector with mass M. We obtained 1,87 ± 0,75 ms for the mean life time of the muon that is in agreement with the results reported by the Particle Data Group.

muon; cosmic rays; mean life time


PRODUTOS E MATERIAIS DIDÁTICOS

Medida da vida média do múon

Muon life time measurement

Anderson Campos Fauth1 1 E-mail: fauth@ifi.unicamp.br. ; Artur Chiaperini Grover; Daniel Martelozo Consalter

Instituto de Física 'Gleb Wataghin', Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil

RESUMO

Neste trabalho foram utilizados um detector de partículas e um osciloscópio digital para medir a vida média do múon. O método experimental utilizado foi a medida do intervalo de tempo entre o sinal do múon e o do elétron do seu decaimento através do osciloscópio. Os múons desse experimento foram aqueles da radiação cósmica e um único detector utilizou o efeito Cherenkov na água para medir tanto o sinal do múon como o sinal do elétron. Utilizando o espectro diferencial do alcance de múons verticais e a sua distribuição angular obtivemos a taxa de decaimento de múons por massa do detector, TM = 13 x 10-3 [Hz/kg], que permite estimar a taxa de decaimento de múons ao nível do mar para um detector com massa M. O tempo médio obtido para a vida dos múons foi de 1,87 ± 0,75 μs e esta em acordo com o valor apresentado pelo Particle Data Group.

Palavras-chave: múon, raios cósmicos, vida média.

ABSTRACT

In this work we used a particle detector and a digital oscilloscope to measure the mean life time of the muon. The experimental method consisted in measuring the time difference between muon arrival and subsequent electron from decay using a oscilloscope. We used cosmic ray muons and only one detector that uses Cherenkov effect into water to measure both the muon and the electron signals. Using the differential range spectrum of vertical muons at sea level and its angular distribution we obtained the rate of decay muons per mass detector, TM = 13 x 10-3 [Hz/kg]. With this result is possible to estimate the rate of muon decay at sea level for a detector with mass M. We obtained 1,87 ± 0,75 μs for the mean life time of the muon that is in agreement with the results reported by the Particle Data Group.

Keywords: muon, cosmic rays, mean life time.

1. Introdução

A realização de experimentos didáticos e acessíveis que abordem temas de física de partículas ainda é um desafio atual. Esses experimentos geralmente necessitam de: a) fonte de partículas; b) detector de partículas; c) sistema eletrônico de aquisição de dados. Além das dificuldades técnicas e financeiras existe a necessidade de cuidados especiais de segurança das pessoas envolvidas quando são utilizadas fontes radioativas.

Este trabalho apresenta uma abordagem simples para a realização de um experimento didático da medida da vida média de múons. Utilizamos múons da radiação cósmica, sendo esta a partícula com carga elétrica mais abundante na superfície da Terra. Em média temos que na superfície da Terra aproximadamente 100 múons atravessam uma área horizontal de um metro a cada segundo [1]. Além dessa grande abundância essas partículas são altamente penetrantes, atravessando facilmente a matéria. Isto permite a sua utilização em salas e laboratórios dentro de qualquer prédio, ou mesmo em locais subterrâneos.

A energia média desses múons na superfície terrestre é de 4 GeV [1], fazendo com que as suas velocidades sejam muito próximas da velocidade da luz no vácuo, 299 792 458 metros por segundo. Entretanto a componente de baixa energia dessas partículas tem alta probabilidade de decair dentro do detector de partículas.

O detector de partículas utilizado neste trabalho tem como princípio de detecção a produção de radiação Cherenkov na água. A utilização da água como meio sensível do detector permite a construção de um detector com um grande volume sensível, aumentando a taxa de múons que decaem dentro do detector. Neste trabalho utilizamos um detector com 11.400 litros de água, porém um detector menor e mais adequado para medir a vida média do múon pode ser construído com caixas de água comerciais construídas com aço inoxidável, que são facilmente encontradas em lojas de materiais de construção.

A aquisição de dados utilizada consiste de somente um canal de um osciloscópio digital. Este equipamento digital atualmente esta acessível em muitas universidades e escolas e a sua utilização substitui com vantagens, neste experimento, os sistemas clássicos de aquisição de dados da física nuclear e da física de partículas como: sistemas NIM, CAMAC e VME [2].

Os principais temas da física abordados neste experimento são: física de partículas e da radiação cósmica, eletromagnetismo e relatividade especial. Mas também são utilizados métodos de análise de dados, erros e estatística.

Na seção 2 deste artigo é explicada a origem dos múons utilizados no experimento aonde é apresentado o espectro de energia e distribuição angular dos múons da radiação cósmica na superfície da Terra, próximo ao nível do mar. Na seção 3 a taxa esperada de decaimento dos múons no detector é calculada. O detector utilizado e a montagem experimental são apresentados na seção 4. O resultado da medida da vida média do múon está na seção 5 e na seção 6 são apresentadas as conclusões deste trabalho.

2. Múons da radiação cósmica

A partícula múon foi descoberta em 1937 por J.C. Street e E.C. Stevenson [3] e concomitantemente por a Carl D. Anderson e Seth Neddermeyer [4] através de experimentos utilizando a radiação cósmica após a previsão teórica da existência de uma partícula com massa intermediária entre o elétron e o próton realizada em 1935 por Yukawa [5]. Inicialmente acreditou-se que o múon fosse a partícula prevista por Yukawa, mas a descoberta do píon em 1947 [6] pelo grupo de Bristol, com participação decisiva do físico brasileiro Cesar Lattes [7], mostrou ser esta última a prevista pela teoria de Yukawa.

O múon é uma partícula instável que decai em um elétron, um neutrino e um anti-neutrino, veja Eq. (1), tendo uma vida média de τm = (2,19703 ± 0,00004) ms [1]

2.1 Chuveiro Atmosférico Extenso (CAE)

É um fenômeno que ocorre quando um raio cósmico de alta energia, vindo do espaço sideral, entra na atmosfera terrestre [8]. O raio cósmico, geralmente um próton, interage com algum núcleo dos elementos que compõem a atmosfera, normalmente nitrogênio ou oxigênio, iniciando um processo de produção de partículas em cascata que dá origem a milhares de partículas secundárias. Essas partículas secundárias inicialmente também possuem uma elevada energia e podem interagir ou decaírem produzindo mais partículas para o Chuveiro Atmosférico Extenso.

A primeira interação ocorre a aproximadamente 80 g.cm-2 do topo da atmosfera [9]. Devido a alta energia, e consequentemente a elevada velocidade do raio cósmico primário, as partículas produzidas possuem velocidades muito próximas à da luz no vácuo e as de maior energia conservam a informação da direção da partícula primária.

Conforme as interações vão acontecendo, o número de partículas aumentando e as suas energias diminuindo, há um espalhamento lateral, isto é, as partículas com menor energia se afastam da direção do raio cósmico primário formando um disco de partículas que viaja com velocidade próxima à velocidade da luz.

Dentro do primeiro grupo de partículas produzidas, estão os píons e káons [10], sendo os píons em maior quantidade. Os píons podem ser neutros ou possuírem carga positiva ou negativa. Os píons neutros possuem uma vida média muito curta, 10-16 s [1] e decaem em um par de fótons de alta energia, veja Eq. (2), sendo este o principal processo da origem da denominada componente eletromagnética do CAE. Os fótons por sua vez interagem com o campo coulombiano do núcleo e por produção de par geram um elétron e um pósitron. Estes interagem com o campo eletromagnético do núcleo, sendo freados, e geram mais fótons. Estes processos se repetem enquanto a energia das partículas é alta o suficiente para produção de partículas

Os píons carregados interagem com os átomos da atmosfera ou decaem em múons - positivos ou negativos - veja Eq. (3). Os hádrons, principalmente os píons e káons, compõem a parte mais energética dos CAEs que se mantém próxima da região central do chuveiro

Os múons não sentem a interação forte e praticamente apenas perdem energia por ionização até decaírem fazendo com que a sua trajetória na grande maioria das vezes seja retilínea.

A maior parte dos múons são criados a uma altitude de aproximadamente 15 km possuindo uma velocidade da ordem de 0,9998c (c = velocidade da luz no vácuo). Esta alta velocidade faz com que o seu tempo de vida no sistema de referencia do laboratório seja dilatado [11] permitindo que a maioria alcance a superfície da Terra.

2.2 Múons isolados na superfície da Terra

É importante salientar que o CAE é o fenômeno que produz os múons utilizados neste trabalho, entretanto os múons isolados que detectamos não são acompanhados pela componente eletromagnética do CAE. Estes foram gerados por CAEs de menor energia cuja componente eletromagnética foi absorvida antes de alcançar a superfície terrestre.

2.3 Distribuição angular

O fluxo de múons de baixa energia decresce com o ângulo zenital (Φ) devido ao aumento da quantidade de matéria da atmosfera atravessada, fazendo com que a perda de energia destes seja maior, enquanto para altas energias o seu valor cresce devido ao aumento da probabilidade de decaimento dos mésons.

Na região de momento dos múons que predominantemente decaem no detector, < 121 MeV/c, (veja Eq. (14)) a intensidade integral de múons para ângulos menores que 75º é dada por

aonde Φ é o ângulo zenital e o valor de n, que depende do momento linear do múon [14], tem um valor médio de n = 2,0 ± 0,1.

Para múons isolados existe uma assimetria Leste-Oeste devido ao campo magnético terrestre [16] que decresce com o aumento da energia e que não iremos abordar neste trabalho.

2.4 Espectro de momento

O espectro de momento linear de múons ao nível do mar vem sendo medido desde a década de 40 [13], principalmente com espectrômetros magnéticos [14]. Na Fig. 1 mostramos o espectro de momento linear dos múons ao nível do mar para p < 10 GeV/c com medidas realizadas em diferentes latitudes, mostrando o efeito do campo geomagnético no espectro de múons [15].


A forma do espectro nesta faixa de energia é dada [16] pela equação

Note que este gráfico utiliza escalas logarítmicas nos dois eixos. Os múons que utilizamos neste trabalho são os de menor momento linear, p μ < 120 MeV/c , aonde o espectro é praticamente uniforme.

3. Taxa de decaimentos no detector

Nesta seção apresentamos um cálculo da taxa de múons que entram e decaem dentro do volume sensível do detector.

Como visto na seção 2 os múons que penetram no detector chegam de diferentes direções e possuem distintas energias. A grande maioria atravessa completamente o detector e penetra na crosta terrestre. Somente poucos múons com baixa energia param dentro do detector e decaem.

Na Fig. 2 mostramos o gráfico do alcance dos múons na água [17] aonde pode-se notar que múons com energia cinética menor do que 280 MeV param dentro do tanque e decaem. O valor mínimo de energia cinética do múon (= 53 MeV) para produzir o efeito Cherenkov também esta indicado nesta figura. Podemos ver que os decaimentos detectáveis dos múons, aqueles que produzem luz Cherenkov, ocorrem predominantemente a partir de 12 cm abaixo no nível da água.


Os múons que atingem o detector possuem distribuição angular zenital (Φ) dada pela Eq. (4), distribuição angular azimutal (θ) uniforme, isto é, simetria em relação ao eixo-z zenital e espectro diferencial de momento linear da Fig. 1 . Aqueles que param dentro do detector decaem segundo o processo descrito pela Eq. (1).

Na Fig. 3 mostramos o sistema de coordenadas utilizado para calcular a taxa dT de decaimento dos múons num elemento de volume dA.dx, num ângulo dΦ na direção de Φ e contidos no elemento de ângulo sólido dΩ. Esta pode ser expressa como


onde Iv (RS0) é o espectro diferencial do alcance dos múons verticais, dA⊥ é o elemento de área ortogonal à direção do múon, ρ é a densidade do volume sensível do detector, dA é o elemento do comprimento do traço do múon dentro do elemento de volume e dΩ o elemento de ângulo sólido.

O elemento de área ortogonal é dado por dA⊥ = dAcosΦ, o elemento do traço dl = dx/cosΦ e o elemento de ângulo sólido em coordenadas esféricas por dΩ = 2πsenΦdΦ.

Como não distinguimos os múons com carga positiva daqueles com carga negativa podemos considerar a distribuição angular azimutal uniforme, isto é, simetria em relação ao eixo zenital, logo dΩ = 2πsenΦdΦ.

Na Fig. 4 mostramos o espectro diferencial do alcance de múons verticais no nível do mar. Pode-se notar que o espectro é praticamente constante até mais do que a profundidade do nosso detector (= 114 g/cm2). Podemos então estimar a taxa de decaimento de múons no detector como


mas como M = ρ.A.H é a massa do volume sensível do detector, sendo A a sua área horizontal e H a sua altura, obtemos que a taxa de decaimentos de múons, em Hz, com M dado em gramas, próximo ao nível do mar é dada por

Para o detector utilizado neste experimento o valor da massa M é 1,14 x 10

O valor da taxa de decaimentos das medidas efetuadas é inferior ao obtido pelo uso da Eq. (7) pois a eficiência do sistema de aquisição de dados para medir os sinais do múon e do elétron é baixa. Como vimos (veja Fig. 2) nem todos os múons que decaem dentro do detector geram luz Cherenkov. Isto também ocorre para os elétrons do decaimento. Os elétrons são gerados isotropicamente, isto é, com igual chance de emissão em todas as direções, e podem ter energia abaixo do limiar de geração do efeito Cherenkov.

Neste trabalho utilizamos somente um dos três tubos fotomultiplicadores do tanque Cherenkov e a eficiência de registro dos decaimentos foi de 1%, com aproximadamente uma medida de decaimento por segundo.

Em detectores menores onde a área do tubo fotomultiplicador cobre uma maior região sensível do detector a eficiência de registro dos decaimentos pode ser muito mais elevada, alcançando valores superiores da ordem de 30% [18].

4. Aparato experimental e medidas

O aparato experimental utilizado para medida da vida média do múons consistiu de um detector de partículas relativísticas constituído por um tanque contendo água ultra pura, um tubo fotomultiplicador e um osciloscópio digital. Uma possibilidade para utilizar uma água potável disponível nas torneiras residenciais é estudar uma sua melhor conservação com a adição de um produto desinfetante (álcool etílico e/ou cloro).

A seguir descrevemos o efeito Cherenkov utilizado para detecção dos múons e elétrons do decaimento.

4.1 Radiação Cherenkov

Uma partícula carregada ao atravessar um meio com índice de refração n e com uma velocidade maior que a velocidade da luz neste meio, vparticula > c/n, emite uma radiação característica conhecida como radiação Cherenkov. Esta radiação é emitida porque a partícula carregada, ao longo do seu percurso, polariza os átomos ao seu redor transformando-os em dipolos elétricos. A variação temporal do campo de dipolo leva à emissão de radiação eletromagnética. Os cientistas russos Cherenkov, Frank e Tamm receberem o prêmio Nobel de 1958 [19] pela descoberta e interpretação desse fenômeno.

Desprezando o recuo da partícula carregada no processo de emissão dos fótons o ângulo θc de emissão da radiação Cherenkov é descrito por [20]

onde n é o índice de refração do meio, que depende do comprimento de onda do fóton, e β=v/c.

Há um limiar de velocidade para a emissão da radiação Cherekov: só há emissão quando

Os fótons da radiação Cherenkov formam um cone com abertura dependendo da velocidade da partícula. No limiar β → 1/n, a radiação é emitida para frente. Com o aumento da energia o ângulo de emissão cresce até atingir um valor máximo quando β = 1. Portanto, θmax é dado por

Podemos utilizar o limiar de velocidade para emissão da radiação Cherenkov, β > 1/n, para calcular o momento linear pmin que a partícula deve ter para produzir a luz Cherenkov.

Utilizando a condição da Eq. (9), a relação de energia-massa de Einstein [21]

e a relação entre energia e momento linear

onde E é a energia da partícula, é o fator de Lorentz e m0v2 é a energia de repouso do múon, podemos demonstrar que para o múon emitir radiação Cherenkov o seu momento linear deve satisfazer à equação

4.2 Descrição do tanque Cherenkov

O detector utilizado é idêntico a um dos detectores de superfície do Observatório Pierre Auger [22, 23] e está instalado na parte externa do laboratório de Léptons-UNICAMP.

Este detector de partículas é composto por um cilindro de polietileno de 10 m2 de superfície e 114 cm de altura de água, veja Fig. 5. Internamente uma bolsa mantém 11.400 litros de água ultra pura onde as partículas relativísticas carregadas produzem luz por efeito Cherenkov. Esta bolsa é composta por várias camadas, sendo a interna de excelente material refletor difuso [24] e a externa completamente opaca. Três tubos fotomultiplicadores (PMTs) Photonis XP1805 [25] de 230 mm de diâmetro foram instaladas nas janelas existentes na parte superior da bolsa.


Esse detector foi projetado para ter uma vida útil de pelo menos vinte anos, entretanto para a realização de um experimento numa escola ou universidade é possível construir um tanque Cherenkov menor e utilizar água potável. O acompanhamento da altura do pulso do detector determinaria o momento da troca da água e higienização do reservatório.

O divisor e fonte de alta tensão utilizados foram também idênticos aos do Observatório Pierre Auger [22]. Nas medidas da vida média do múon utilizamos somente um dos tubos fotomultiplicadores (PMT2) que foi alimentado com 1120 V.

Na montagem do sistema de aquisição de dados deste experimento procuramos utilizar o mínimo possível de equipamentos para permitir a sua realização sem custosas e complexas montagens experimentais. O detector utiliza água pura como meio sensível, utilizamos somente um PMT e eletrônica associada e para registrar os dados foi utilizado somente um canal de osciloscópio digital.

Usando a Eq. (13) com nágua = 1,33 e m0c2 = 105,7 MeV/c2 determinamos o valor mínimo do momento linear do múon para produção de luz Cherenkov na água

5. Medida do tempo de decaimento

As medidas do decaimento dos múons foram realizadas com somente um canal de um osciloscópio digital. Utilizamos um osciloscópio digital Tektronix TDS 5054 (500 Mhz), entretanto é possível utilizar um osciloscópio digital mais simples com largura de banda em torno a 100 MHz.

Na Fig. 6 mostramos um evento do decaimento do múon aonde pode-se ver o sinal do múon, o pulso maior, e o sinal do elétron do decaimento, que neste evento ocorreu a 2,2 μs.


As medidas foram realizadas da seguinte forma: com o osciloscópio ajustado para modo de persistência infinita (para fixar a imagem na tela) selecionamos sinais menores que -50 mV/50 Ω e utilizamos uma janela de 10 μs. Através dos cursores de tempo medimos manualmente a diferença temporal entre os sinais congelados na tela. Medimos cerca de 1000 eventos de decaimento do múon e, a partir dessas medidas, construímos um histograma do tempo de decaimento do múon.

A vida média do múon, τμ, foi obtida através do ajuste da equação de decaimento com a adição de um termo constante C mostrada na Eq. (15). O termo C é o ruído de fundo de outros sinais aleatórios (chuveiros atmosféricos, ruído térmico intrínseco da PMT, pulsos espúrios, múons e elétrons da radiação cósmica local) que também são lidos durante a tomada de dados do decaimento do múon. Como o nosso detector possui uma grande área de detecção, este termo não é desprezível.

Na Fig. 7 mostramos a distribuição diferencial obtida e a curva do ajuste da função descrita pela Eq. (15). Notamos a existência de um ruído para tempos em torno a 7 μs que provavelmente são devido a pulsos espúrios (afterpulses) do tubo fotomultiplicador [2]. Para eliminar este ruído é necessário a realização de uma coincidência temporal com um outro tubo fotomultiplicador. Pulsos espúrios com tempos da ordem de dezenas de nanosegundos também devem ocorrer, entretanto realizamos medições somente para tempos acima de 1 μs e estes não interferiram na nossa medida.


Os decaimentos medidos neste experimento são de múons com carga positiva e múons com carga negativa descritos pela equação (1). O valor de referência para a vida média do múon no vácuo, publicado pelo Particle Data Group [1] é 2,19703 ± 0,00004 ms. Na interpretação do nosso resultado devemos considerar a descoberta de Conversi, Pancini e Piccioni, que demonstraram experimentalmente que os múons negativos que param na presença da matéria podem ser capturados pelo núcleo atômico [26]. A equação do decaimento neste caso continua sendo uma função exponencial, mas com um valor de vida média menor. O múon positivo parando na proximidade do núcleo é repelido e o valor da vida média medido é igual ao seu valor no vácuo. Na presença de matéria, neste experimento a água, uma parte dos múons negativos são capturados pelo Oxigênio fazendo com que o valor medido seja um pouco inferior ao valor no vácuo.

A vida média obtida foi de τμ = 1,87 ± 0,75 ms que é compatível com o valor de referência publicado pelo Particle Data Group se considerarmos que a captura de múons negativos e os pulsos espúrios observados na Fig. 7 fazem com que o valor da vida média do múon obtido pelo ajuste da função de decaimento seja subestimado.

6. Conclusões

Neste trabalho foi apresentado um método simples para a realização de um experimento da medida da vida média do múon, envolvendo relatividade especial, física de partículas e raios cósmicos.

Apresentamos a origem dos múons da radiação cósmica que foram utilizados no experimento e as suas distribuições de momento linear, angular e alcance ao nível do mar. Com estes espectros calculamos a taxa esperada de decaimentos dos múons para um detector com massa M. Com este resultado e a eficiência de detecção dos múons e elétrons do decaimento é possível estimar o tempo necessário para a realização da tomada de dados do experimento.

Consideramos que a utilização do efeito Cherenkov na água é adequado para este experimento, pois com um custo financeiro reduzido é possível construir um detector de partículas com um volume sensível necessário para a realização do experimento.

A utilização de somente um canal de um osciloscópio digital para a tomada de dados é possível devido ao fato do múon e do elétron do decaimento produzirem sinais no mesmo detector, permitindo assim também a utilização de somente um tubo fotomultiplicador e da sua eletrônica associada.

Os dados obtidos através da leitura na tela de um osciloscópio foram analisados e o valor de τμ = 1,87 ± 0,75 μs foi obtido, estando este compatível com o valor de referência desta grandeza.

A interpretação dos dados obtidos permite uma profunda abordagem do processo eletrodinâmico de produção de luz Cherenkov, da interação da radiação com a matéria, da dilatação do tempo, prevista pela Relatividade Especial, da física de partículas e da composição e distribuições de energia e angular dos raios cósmicos ao nível do mar.

Esperamos que este trabalho possa ser útil para a realização de novos experimentos didáticos de introdução à física de partículas, relatividade especial e raios cósmicos.

Agradecimentos

A.C. Grover e D.M. Consalter agradecem à FAPESP o apoio financeiro (processos 2008/00956-9 e 2006/59531-1). O tanque Cherenkov e o osciloscópio digital foram financiados pela FAPESP (processo 1999/05404-3). No trabalho de instalação do detector agradecemos aos profs. C.O. Escobar, E.H. Shibuya, E. Kemp, H. Nogima e a W. Grizolli. Agradecemos a J.A. Botasso o apoio técnico na execução deste trabalho.

Recebido em 15/12/2009; Aceito em 21/3/2010; Publicado em 25/2/2011

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  • 7
    gramas e a taxa
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  • 1
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      15 Dez 2009
    • Aceito
      21 Mar 2010
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    E-mail: marcio@sbfisica.org.br