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O tema da dualidade onda-partícula na educação profissional em radiologia médica a partir da simulação do interferômetro de Mach-Zehnder

The topic of wave-particle duality in the professional training of medical radiology based on the simulation of Mach-Zender Interferometry

Resumos

Neste artigo apresenta-se a aplicação de uma proposta de introdução de tópicos de física moderna a estudantes de um curso técnico na área da saúde e a avaliação de um software tipo bancada virtual que simula o interferômetro de Mach-Zehnder. A teoria sociointeracionista de Vygotsky e a ênfase curricular Ciência-Tecnologia-Sociedade foram tomados como referenciais. No âmbito do Mestrado Profissional em Ensino de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), fez-se a aplicação de uma proposta de inovar a abordagem de tópicos como dualidade onda-partícula e fenômenos de interação da radiação com a matéria a uma turma de 32 alunos de um curso técnico em Radiologia Médica. A partir das observações e constatações em aula, pode-se dizer que o software possui todas as potencialidades que o tornam uma ferramenta muito útil no ensino e na aprendizagem de fundamentos de física quântica, levando os alunos a construírem conhecimentos e estabelecer a correlação destes com outros tópicos abordados durante o curso.

educação profissional em radiologia médica; dualidade onda-partícula; interferômetro de Mach-Zehnder


This paper presents the application of a proposal whose aim is to introduce topics of modern physics to students of a technical course in the field of health sciences and the evaluation of a virtual workbench-type software that simulates the Mach-Zehnder interferometer. The sociointeractionist theory of Vygotsky and the curricular emphasis Science-Technology- Society were taken as theoretical framework. The introduction of this proposed innovative approach to topics such as wave-particle duality and phenomena regarding the interaction of radiation with matter to a class of 32 students from technical course in Medical Radiology was executed during the course of a Professional Master's Degree in Physics Teaching at the Federal University of Rio Grande do Sul (UFRGS). From the observations and findings in the classroom, one may say that this software has all the capabilities to render it a very useful tool in teaching and learning fundamentals of quantum physics, as well as lead students to construct knowledge and establish correlations with other topics explored during the course.

professional education in medical radiology; wave-particle duality; Mach-Zehnder interferometer


PESQUISA EM ENSINO DE FÍSICA

O tema da dualidade onda-partícula na educação profissional em radiologia médica a partir da simulação do interferômetro de Mach-Zehnder

The topic of wave-particle duality in the professional training of medical radiology based on the simulation of Mach-Zender Interferometry

Jader da Silva NetoI, 1 1 E-mail: jader.neto@bento.ifrs.edu.br. ; Fernanda OstermannII; Sandra Denise PradoII

IColégio Cenecista São Roque, Bento Gonçalves, RS, Brasil

IIInstituto de Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil

RESUMO

Neste artigo apresenta-se a aplicação de uma proposta de introdução de tópicos de física moderna a estudantes de um curso técnico na área da saúde e a avaliação de um software tipo bancada virtual que simula o interferômetro de Mach-Zehnder. A teoria sociointeracionista de Vygotsky e a ênfase curricular Ciência-Tecnologia-Sociedade foram tomados como referenciais. No âmbito do Mestrado Profissional em Ensino de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), fez-se a aplicação de uma proposta de inovar a abordagem de tópicos como dualidade onda-partícula e fenômenos de interação da radiação com a matéria a uma turma de 32 alunos de um curso técnico em Radiologia Médica. A partir das observações e constatações em aula, pode-se dizer que o software possui todas as potencialidades que o tornam uma ferramenta muito útil no ensino e na aprendizagem de fundamentos de física quântica, levando os alunos a construírem conhecimentos e estabelecer a correlação destes com outros tópicos abordados durante o curso.

Palavras-chave: educação profissional em radiologia médica, dualidade onda-partícula, interferômetro de Mach-Zehnder.

ABSTRACT

This paper presents the application of a proposal whose aim is to introduce topics of modern physics to students of a technical course in the field of health sciences and the evaluation of a virtual workbench-type software that simulates the Mach-Zehnder interferometer. The sociointeractionist theory of Vygotsky and the curricular emphasis Science-Technology- Society were taken as theoretical framework. The introduction of this proposed innovative approach to topics such as wave-particle duality and phenomena regarding the interaction of radiation with matter to a class of 32 students from technical course in Medical Radiology was executed during the course of a Professional Master's Degree in Physics Teaching at the Federal University of Rio Grande do Sul (UFRGS). From the observations and findings in the classroom, one may say that this software has all the capabilities to render it a very useful tool in teaching and learning fundamentals of quantum physics, as well as lead students to construct knowledge and establish correlations with other topics explored during the course.

Keywords: professional education in medical radiology, wave-particle duality, Mach-Zehnder interferometer.

1. Introdução

Uma análise recente da literatura mostra o quanto a educação profissional carece de estudos direcionados à física nesta modalidade de ensino. Alguns trabalhos apresentados recentemente em eventos de ensino de física procuram investigar qual é a física e como ela está realmente presente no mundo do trabalho. Têm se destacado alguns estudos coordenados pelo pesquisador da UTFPR, professor Nilson M.D. Garcia [1, 2].

A abordagem de tópicos de física moderna e contemporânea (FMC) no ensino médio tem sido muito explorada nos últimos anos e cresce o número de estudos e propostas apresentadas atualmente nesta linha. No entanto, a partir de nossa prática profissional, temos visto que também é possível uma abordagem mais conceitual e mais abrangente de tais tópicos em outras modalidades de ensino, como os cursos de nível técnico, por exemplo.

Assim, motivados pela escassa literatura relacionada a este nível de ensino e por presenciarmos a oferta de um ensino mecanizado e descontextualizado, elaboramos uma proposta de ensino de tópicos de FMC para uma turma de um curso técnico em radiologia médica. Tal projeto foi desenvolvido no âmbito do Programa de Mestrado Profissional em Ensino de Física da UFRGS e aplicado, na turma onde o professor já estava atuando, durante o segundo semestre letivo de 2007, com 32 alunos no Colégio Cenecista São Roque, localizado em Bento Gonçalves, RS.

Nessa formação os alunos têm a maior parte da sua carga horária ocupada somente com aulas teórico-expositivas e apenas colocam o conteúdo em prática, ao final do curso, quando realizam estágio. Para a aplicação do projeto, foi necessário inovar a forma de abordar os conteúdos da disciplina de Proteção Radiológica, apresentando a teoria a partir de um conceito central - a dualidade onda-partícula - e, estabelecendo inter-relações com os tópicos subsequentes. A disciplina de Proteção Radiológica integra o segundo módulo do curso e conta com uma carga horária de 40 horas-aula, divididas em 2 horas-aula semanais.

A escolha do tema FMC é muito apropriada em relação ao curso técnico em radiologia médica, pois é fundamental que alguma noção de física moderna seja proporcionada, uma vez que estes conteúdos estão presentes no funcionamento dos equipamentos, doses de radiação e principalmente, em ações de radioproteção. Desta forma, o conhecimento em física pode ser considerado uma questão de saúde pública, pois interfere na qualidade de vida de técnicos e pacientes. Além disso, uma leitura da legislação referente aos cursos técnicos em documentos como os Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico - Área da Saúde mostra uma série de competências a serem desenvolvidas na subárea Radiologia - Diagnóstico por Imagem em Saúde, as quais deixam muito claro o quanto é importante o domínio de conhecimentos específicos por parte dos técnicos a fim de possibilitar a tomada de decisões e implementação de ações de radioproteção [3].

Levando-se em consideração a relevância desse conhecimento em física para a formação de um profissional mais humanizado e mais consciente de seu papel na sociedade, deve ser oferecido ao aluno um ensino que lhe proporcione questionar as relações entre ciência e tecnologia, enfatizando a dimensão social desta relação, fazendo-o abandonar a imagem de ciência como uma atividade realizada por cientistas isolados em seus laboratórios [4]. Dessa forma, o ensino pode promover o interesse dos estudantes por conectar a ciência com suas aplicações tecnológicas, abordando o estudo das aplicações científicas que tenham uma maior relevância social bem como as implicações sociais e éticas do uso da tecnologia [5].

Em relação à proteção radiológica, é de fundamental importância que o aluno entenda como ocorre a interação da radiação com a matéria. Assim, a escolha da dualidade onda-partícula como conceito central, nessa proposta, deve-se ao fato de que a interação da radiação com a matéria é um processo que, em geral, se dá em escalas microscópicas. Dessa forma, para podermos explicar muitos dos fenômenos típicos desta interação, faz-se necessário, em algumas situações, considerarmos o caráter ondulatório e, em outras, o caráter corpuscular da radiação.

Para que o objetivo dessa proposta fosse viabilizado, foi necessário produzir um material capaz de facilitar o trabalho de professores e o aprendizado dos alunos no que diz respeito a fenômenos físicos relacionados à física das radiações, a partir de uma análise crítica da dificuldade dos alunos do curso técnico em radiologia médica acerca dos conteúdos de física subjacentes à sua atividade profissional. Ao longo do trabalho avaliamos a utilidade de um software educacional, do tipo bancada virtual, para explicitar o conceito central da dualidade onda-partícula em situações mais adversas àquelas comumente encontradas nas salas de aulas de cursos na UFRGS, onde o software já fora utilizado. Adaptando-se à súmula da disciplina de Proteção Radiológica, introduzimos o uso do software como uma forma de inovar a apresentação dos conteúdos trabalhados, promovendo assim uma reestruturação curricular sem perda de conteúdo.

De acordo com a metodologia utilizada, a qual proporciona interação entre os alunos e trabalho colaborativo, nos apoiamos na teoria sociointeracionista de Vygotsky e em relação à abordagem da dualidade onda-partícula, optamos pela interpretação ondulatória da física quântica, proposta por Schrödinger em 1925, já que esta construção permite analogias quase que diretas à óptica ondulatória clássica também trabalhada com o software IMZ no regime clássico [6].

Na aplicação desse trabalho, procuramos motivar os alunos levando para a sala de aula uma "física" do cotidiano de sua profissão, salientando os aspectos em que ela será útil para a boa execução de suas atividades. Com isso buscamos oportunizar ao aluno um conhecimento que lhe permita interpretar os fenômenos físicos de uma maneira crítica e participativa e assim desenvolver nestes alunos a compreensão das propriedades físicas que regem o radiodiagnóstico, fazendo com que esses tenham uma formação mais sólida e atualizada.

2. Estudos relacionados

As relações entre trabalho e educação estão, hoje, entre os temas mais explorados quando se trata de educação profissional, destacando-se nesta área estudiosos como Acácia Kuenzer, Celso Ferretti, Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta, Marise Ramos e Pablo Gentili.

A história do ensino profissional no Brasil teve seu início em 1909, quando o presidente da República, Nilo Peçanha, assinou decreto criando as Escolas de Aprendizes Artífices, levando à implantação oficial do ensino técnico no país, com a finalidade de solucionar o problema da formação de mão-de-obra para a indústria [7].

Desde a criação de tais escolas até os dias atuais, onde temos os Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia (IFETs), ocorreram muitas mudanças na legislação educacional e na forma de oferta de educação profissional.

A educação tradicional, no início do século passado, preparava para os cursos superiores e atendia à burguesia, elite da sociedade, sendo destinada, portanto, à formação daqueles que comandavam o processo de produção, enquanto que o ensino técnico, visto como de caráter assistencialista, preparava mão-de-obra especializada e era dirigida às classes sociais desfavorecidas. Isso mostra que a origem da Educação Profissional no Brasil tem implícitas características presentes na Grécia Antiga - trabalho manual versus trabalho intelectual. De acordo com o pensamento grego, a teoria era sinônimo de atividade contemplativa, própria dos intelectuais; a prática era sinônimo de ação e cabia aos escravos [8].

As mudanças no sistema educacional no Brasil, a partir dos anos 90, foram orientadas segundo a noção de competências, assim, o sistema de ensino passou a oferecer uma formação profissional visando o "tornar-se capaz de", onde o trabalhador possa expressar suas competências em situações reais de aprendizagem e de trabalho. Estas competências são expressas em termos do "saber-fazer" [9].

Colocar em prática as competências significa ser capaz de solucionar problemas, mobilizando conhecimentos de forma transdisciplinar e comportamentos e habilidades psicofísicas, as quais devem ser transferidas a novas situações, de modo a atuar mobilizando conhecimentos [10].

A adequação ao modelo das competências requer uma modificação tanto na organização curricular quanto nas metodologias adotadas em sala de aula. O professor deve atuar como um orientador, cabendo a ele a tarefa de monitorar e auxiliar os alunos durante o processo de aprendizagem, despertado por situações-problema centrais.

Os dados apresentados no Censo Escolar, no período de 2003 a 2005, oferecem interessantes leituras. Houve uma expressiva expansão da Educação Profissional técnica de nível médio, com um crescimento de quase 27% no número de matrículas no período analisado, verificando-se também um aumento em torno de 18% no número de estabelecimentos que oferecem esta modalidade de ensino. Estes dados demonstram a grande procura pelos cursos de educação profissional e, com um público tão expressivo, fica evidente a necessidade de políticas que possibilitem uma melhor formação para estes profissionais e incentivos que visem sua inserção no mercado de trabalho.

3. Formação em radiologia médica

Alguns dados obtidos acerca da história da radiologia brasileira, permitem dizer que esta teve início com a instalação do primeiro aparelho de raios X em nosso país, em 1897 na cidade de Formiga, em Minas Gerais. No entanto, os ensinamentos relacionados à radiologia tiveram início em 1903, com a primeira aula de radiologia proferida aos alunos do terceiro ano da Faculdade de Medicina da Bahia. A capacitação para operação dos equipamentos de raios X começou somente em 1916, através de um curso organizado em lições teóricas e práticas. Alguns acontecimentos tornam a década de 1930 como uma década de grandes avanços para a radiologia brasileira [11].

Como nesta época não havia instituições que habilitassem ao exercício da profissão de Técnico em Radiologia, tal função era executada por médicos radiologistas ou por pessoas treinadas para tal finalidade. Esse treinamento tinha caráter empírico, pois não passava de uma "transferência de conhecimentos" de um operador mais experiente para seu aprendiz que após ser treinado por determinado período era submetido a uma prova, que lhe habilitava a tornar-se técnico em radiologia, caso fosse aprovado. A criação dos primeiros cursos técnicos em radiologia marcou o início da verdadeira formação técnica. No entanto, a profissão de técnico em radiologia no Brasil foi regulamentada somente em 1985, a partir da Lei n. 7.394/85 e pelo Decreto n. 92.790/86.

Em termos de legislação quanto à oferta da educação profissional, no Brasil, tem-se os Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Profissional de Nível Técnico. Sob a óptica de que a qualidade nos serviços em saúde deve levar em conta a humanização da assistência, o respeito aos direitos do paciente/cliente, a tecnologia em seu sentido mais amplo e a valorização da autonomia das pessoas na gestão das questões da sua saúde, as categorias de atuação na área de saúde foram organizadas em cinco funções. A formação destes profissionais está contemplada na função Proteção e Prevenção, a qual engloba o conjunto das ações que visam à proteção e à preservação da saúde, prevenindo doenças e eliminando ou minimizando riscos ao paciente/cliente e à comunidade.

No conjunto das subfunções, destacamos a subfunção Implementação de Ações de Radioproteção, a qual compreende as atividades cujos objetivos são a minimização dos efeitos deletérios das radiações ionizantes através de medidas de proteção, individuais e coletivas, tanto do profissional quanto do paciente/cliente e do ambiente. Considerando que a execução de nossa proposta de trabalho ocorreu na disciplina de Proteção Radiológica, destacamos algumas competências a serem desenvolvidas, como: identificar as diversas formas das radiações ionizantes, conhecendo os mecanismos de interação das radiações com o corpo humano, com o objetivo de minimizar os efeitos deletérios; selecionar alternativas de radioproteção para pacientes, acompanhantes e profissionais da área; identificar os limites de dose de radiação, entre outras.

A formação profissional a partir do modelo de competências é um grande desafio, uma vez que estas não podem ser encaradas como uma receita, a qual deve ser seguida à risca, pois corre-se o risco de transformar a profissão de técnico num conjunto de pequenos procedimentos, os quais são executados como fruto de repetição e treinamento.

Dessa forma, os tópicos propostos pelos referenciais curriculares soam como uma forma de promover e valorizar a física, mostrando que, aliada a outras ciências é de grande utilidade na identificação e resolução de muitos problemas enfrentados pela humanidade. A gama de conhecimentos produzidos em física no último século, principalmente em física quântica, contribuiu para grandes avanços na medicina. Tais conhecimentos propiciaram o desenvolvimento e utilização de equipamentos muito precisos, tanto para a observação quanto para a intervenção.

4. Contexto

Durante o primeiro contato com os alunos que participaram da aplicação deste projeto, o professor da disciplina e responsável pela aplicação da proposta procurou conhecer a realidade de cada um a partir da aplicação de um questionário. Perante o contingente diverso de alunos, a maioria era oriunda do Ensino Médio regular, com 71,8% (23 alunos), EJA (antigo supletivo), com 18,7% (6 alunos) e magistério, com 9,3% (3 alunos). Quanto ao tempo que estes alunos estavam afastados de qualquer tipo de estudo, observou-se que 12,5% (4 alunos) recém haviam concluído o ensino médio; 53,1% (17 alunos) estavam sem estudar há até 5 anos; 31,3% (10 alunos), entre 5 e 10 anos sem estudar e apenas 3,1% (1 aluno) estava há mais de 10 anos fora da escola.

Pelos dados apresentados pode-se observar que o público presente em sala de aula era bastante heterogêneo, contando com alunos com diferentes idades e diferentes áreas de formação. Estes dados refletem a realidade de uma instituição em um dado momento, mas é razoável conjecturar que um levantamento similar em outras instituições que ministrem o mesmo tipo de curso deverá exibir a mesma, uma vez que é grande a quantidade de pessoas buscando uma nova chance no mercado de trabalho através de uma formação técnica, corroborando os dados apresentados ao final da seção 2. Estes números não podem, de forma alguma, ser desprezados quando se pensa em oferecer aos alunos uma formação plena e que lhes possibilite igualdade de condições na busca de oportunidades. Lembramos o artigo 1, parágrafo IV do Decreto n. 2.208/97, segundo o qual a educação profissional tem, entre outros, o objetivo de qualificar, reprofissionalizar e atualizar jovens e adultos trabalhadores, em qualquer nível de escolaridade, visando a sua inserção e melhor desempenho no exercício do trabalho.

Assim, toda e qualquer atividade de ensino deve levar em conta as potencialidades e as limitações dos sujeitos envolvidos em sua execução. De acordo com esta visão, é fundamental que haja nos cursos técnicos em radiologia médica uma disciplina que aborde a física em seu nível mais elementar, como forma de nivelamento de conhecimentos e retomada de conceitos e somente, em seguida, uma abordagem mais profunda da mesma, com tópicos de física moderna que são essenciais para a compreensão das bases que regem o radiodiagnóstico.

Com a aplicação desta proposta de trabalho, espera-se a abordagem da física na formação dos técnicos em radiologia médica, de uma forma conceitualmente mais ampla, evitando-se planos de aula engessados que são tomados como vetores, indicando um sentido único para o desenrolar do aprendizado em sala de aula. É preciso reconhecer que um planejamento serve para uma turma e em determinados momentos. Não se pode esperar que o aluno entenda o que é uma tomografia computadorizada se ele pensa que a matéria é feita somente de prótons, elétrons e nêutrons, se ele desconhece a existência de antimatéria ou esperar que ele ache natural o comportamento dualístico das radiações se ele sequer sabe o que é uma onda eletromagnética. A formação dos alunos do Curso Técnico em Radiologia Médica não deve ser feita unicamente a partir de informações que lhes são passadas, sem que estas sejam assimiladas e internalizadas como conhecimentos.

5. Referencial teórico

Atualmente, o construtivismo é um importante marco teórico em educação, tendo como ideia central o fato de o homem construir seu próprio conhecimento [12].

Na visão construtivista, o aluno deixa de ser apenas um receptor, este é agora um sujeito que recebe estímulos, os interpreta através de suas vivências e a partir daí constrói o conhecimento. E, dentro desta óptica, a educação deve estar centrada no aluno, cabendo ao professor a função de orientador. O modelo das competências vem ao encontro da proposta construtivista, uma vez que estas mobilizam saberes e esquemas mentais adaptados e flexíveis, tais como análises, sínteses, generalizações, analogias e associações [13].

A modalidade de ensino técnico requer muito a participação ativa do aluno, uma vez que o mesmo está se preparando para ingressar no mercado de trabalho e, no caso da radiologia médica, entrando em contato com conhecimentos que não fazem parte do senso comum. Dessa forma, através da interação em sala de aula cria-se a possibilidade do debate e troca de vivências, levando a um crescimento cognitivo que, na perspectiva vygotskyana, é fundamental.

Tendo em vista a interação social, devem ser propiciadas atividades de ensino nas quais os alunos possam trabalhar em grupos, de modo que a aprendizagem seja facilitada pelo "parceiro mais capaz". A partir desta interação deve-se buscar não a simples aceitação frente às concepções dos demais colegas, mas o confronto de suas ideias e conhecimentos. A necessidade da busca por novos argumentos e o próprio debate gera nos alunos uma situação de desequilíbrio em sua estrutura cognitiva e é dessa forma que se constroem novas aprendizagens. Assim, o trabalho cooperativo pode levar à compreensão e solução de problemas, o que muitas vezes não é possível de maneira individual.

Dessa forma, cabe ao professor, atuar como mediador, uma vez que através da interação aluno-aluno e professor-aluno ocorre um intercâmbio de significados, gerando confronto entre as concepções de cada um e a impossibilidade de aplicação destas em determinadas situações, proporcionando o desenvolvimento de habilidades características do trabalho em grupo.

Embora o sociointeracionismo esteja muito focado no desenvolvimento de funções psicológicas superiores por parte da criança, adotamos esta teoria para trabalhar com tópicos de física na disciplina de proteção radiológica em um curso com alunos adultos. Para isso, tomamos como referência apenas alguns pontos relevantes da referida teoria, como por exemplo, a importância da mediação feita pelo professor, a interação em sala de aula tanto entre os alunos como destes com o professor e a necessidade de saber explorar o limite entre os conhecimentos já adquiridos e aqueles que serão potencialmente desenvolvidos.

6. Procedimentos e implementação da proposta

O ensino de física no nível técnico encontra, muitas vezes, barreiras criadas durante o ensino médio como, por exemplo, conhecimentos prévios, lacunas na formação e também a repulsa pelo estudo de assuntos relacionados à física. Dessa forma a abordagem da física assume grande importância por ser encarregada de fornecer subsídios para que possa ser finalmente compreendida e por trazer novos conhecimentos até os alunos, imprescindíveis à sua formação.

Como forma de sondar que conhecimentos os alunos de outros semestres do curso e ex-alunos da instituição haviam construído a partir dos conteúdos de física abordados foi feita uma entrevista. O contato com estes alunos foi facilitado pelo fato de a maioria ainda se encontrar na cidade onde realizou o curso e também por reconhecer o pesquisador como integrante do quadro docente da instituição. Em relação aos docentes, também entrevistados, procuramos saber quais expectativas eles tinham em relação ao que os alunos aprenderiam no decorrer de sua disciplina e que importância teriam os conteúdos abordados. As entrevistas com os docentes da instituição ocorreram nos intervalos de aula ou intervalos entre um turno e outro de trabalho, enquanto alguns ex-professores foram contatados na UFRGS.

A análise destas entrevistas evidenciou a necessidade em reorganizar a ordem de apresentação dos conteúdos2 2 Os conteúdos abordados em Proteção Radiológica visam de um modo geral o estudo da natureza das radiações; radiações ionizantes e não ionizantes, bem como seus efeitos no organismo; fontes de radiação; dualidade onda-partícula; interação da radiação com a matéria; princípios de radioproteção; detectores de radiação e normas de proteção radiológica. da disciplina de Proteção Radiológica, de forma que o conceito central da proposta de trabalho se tornasse um tópico de grande relevância para os conteúdos subsequentes. Assim, a dualidade onda-partícula, não seria apenas um apêndice na disciplina, mas um tópico central, sendo retomado ao longo da mesma de forma a evidenciar em que situações é útil para um técnico em radiologia.

Para haver inovação é preciso materiais que ofereçam esta possibilidade, assim como o planejamento de atividades diferenciadas. Dentre estes materiais citamos o uso de simulações computacionais, elaboração de roteiros para tais simulações, seleção de textos apropriados e a redação de textos pelo professor. Ainda com a intenção de inovar a forma de (re)ver a física por parte destes alunos, procurou-se estratégias de ensino com as quais estes não estavam acostumados a utilizar em sala de aula, desde o debate de textos científicos até o trabalho em grupo com simulações computacionais e uso da internet como uma ferramenta de aprendizagem.

Esta metodologia de trabalho, exigindo que o aluno seja um participante ativo no processo de aprendizagem através do debate em sala de aula e trabalho cooperativo, vem ao encontro dos pontos destacados no referencial teórico construtivista que consideramos.

Em relação ao uso de recursos simples de computação, elaborou-se uma página na internet para uso durante a disciplina. Esta página, disponível em http://lief.if.ufrgs.br/ jader, recebeu atualizações semanais com as atividades a serem realizadas na semana seguinte e foi largamente utilizada, já que todos os alunos dispunham de acesso à internet, em casa ou no trabalho. Os textos utilizados e os roteiros exploratórios elaborados foram disponibilizados na página da disciplina, a qual representa o produto educacional gerado durante a execução de nossa proposta de trabalho.

A Fig. 1 apresenta a tela inicial da página produzida, com um visual bastante leve a fim de facilitar o acesso por parte dos alunos.


Dentre os diversos tópicos abordados na disciplina e dispostos na página, descrevemos a seguir a simulação do interferômetro de Mach-Zehnder (IMZ) [14]. O funcionamento do IMZ pode ser simulado via computador, a partir de um arranjo experimental que é equivalente ao experimento da dupla fenda. A simulação no IMZ também propicia a análise do fenômeno da interferência em regime quântico (fótons emitidos individualmente) a partir de diversas interpretações3 3 Para um estudo mais detalhado das interpretações da Mecânica Quântica recomendamos o livro de Osvaldo Pessoa Junior, intitulado Conceitos de Física Quântica e publicado pela Livraria da Física em 2003. da mecânica quântica. Em nossa proposta, tomamos como base a interpretação ondulatória da física quântica. Para a construção do conceito de dualidade onda-partícula, tomamos como ponto de partida alguns conceitos da óptica ondulatória clássica.

Na situação em que foi utilizado o software (um curso técnico, no qual o objetivo não é formar físicos), a análise do fóton no interferômetro leva a resultados contra-intuitivos, estimulando a interação entre os alunos através do debate e consequente tentativa em explicar suas previsões aos colegas. Outra vantagem que se obtém nesta e em muitas outras simulações computacionais é a possibilidade de "manipulação" do experimento e visualização imediata de resultados, possibilitando ao aluno testar a validade de seus conceitos frente à situação-problema apresentada.

Em função do referencial teórico adotado, visando a interação social dos alunos entre si e com o professor e a facilitação da aprendizagem pelo "parceiro mais capaz" através do trabalho cooperativo, a aplicação do material deu-se através de aulas expositivas, simulações computacionais realizadas em grupos e debates acerca de temas abordados a partir de textos de jornais e/ou internet. Dessa forma, possibilita-se a participação dos alunos, promovendo uma aprendizagem mais eficiente e possibilitando a transposição para a prática profissional.

Como exemplo de interação social, citamos inicialmente a leitura de textos e debates acerca dos efeitos das radiações. Quando se fala em radiação, o primeiro questionamento dos alunos recai sobre os efeitos das radiações no homem, associando-os diretamente ao câncer. Isto evidencia o desconhecimento, por parte dos alunos, do fato de estarmos diariamente expostos às radiações naturais. Assim, ao longo da disciplina, procurou-se incentivar estas trocas de ideias e o aprimoramento de conhecimentos a partir de links colocados na página da disciplina.

Em relação à interação das radiações com a matéria, a apropriação de conceitos por parte dos alunos ocorreu principalmente a partir de atividades realizadas com textos introdutórios e exploração de simulações computacionais guiadas por roteiros exploratórios e realizadas em grupos. A Fig. 2 ilustra um momento de interação entre duas alunas.


A simulação da interferência com um feixe de luz laser possibilitou a retomada de alguns conceitos e formação de uma base conceitual acerca de interferência, superposição, difração e amplitude de probabilidade. Através da representação, no quadro negro, da superposição de ondas tanto em fase quando defasadas, os alunos foram levados a interpretar e explicar porque estavam sendo formadas aquelas figuras de interferência nos dois anteparos do interferômetro.

Na Fig. 3, apresenta-se uma situação onde é possível observar as figuras de interferência obtidas com laser.


Para se compreender como as radiações interagem com a matéria é preciso primeiro saber o que são exatamente tais radiações e assim é preciso reconhecer a dualidade onda-partícula. Para isso, os alunos foram solicitados a operar com o interferômetro em regime quântico, mostrando-se surpresos com a formação do mesmo padrão de interferência antes observado. Chamou-nos atenção a justificativa dada por um aluno. Este disse que o fóton estava se dividindo ao meio e assim chegando aos dois anteparos. A Fig. 4 ilustra o padrão de interferência visto pelos alunos quando simularam com fótons únicos.


Frente a esta observação gerou-se intenso debate e interação durante a aula à procura de explicações e questionamentos destas por parte dos colegas quanto à formação das mesmas figuras antes observadas. Citamos os comentários que mais nos chamaram atenção: "Eu sabia. Vai meio fóton pra cada lado"; "Como que pode dar igual as ondas? Achei que não ia aparecer nada"; "Não pode ser meio pra cada lado porque tem mais num anteparo do que no outro".

Estes depoimentos evidenciam a grande importância dos momentos de interação em sala de aula. É interessante observar que os depoimentos dos alunos durante a simulação geram novos questionamentos e derrubam algumas de suas teorias, propiciando novos debates à procura de explicações mais aceitáveis, como é característico do referencial teórico adotado.

Movidos pelos questionamentos dos colegas e guiados pelo roteiro exploratório que tinham em mãos, os alunos procuravam descobrir o caminho seguido pelo fóton. Assim, passaram a introduzir detectores no interferômetro e, mais uma vez surpresos, verificavam a não formação das figuras de interferência, conforme representado na Fig. 5.


Frente às diversas tentativas, com um ou dois detectores, os alunos prosseguiram na procura por pistas de qual caminho o fóton havia seguido. Dentre os diversos comentários destacaram-se: "O fóton passou pelo caminho 1 porque este detector (detector 1), está marcando"; "O fóton passou no caminho 2. Olha só o detector"; "Às vezes passa no caminho 1 e o detector pega e às vezes passa pelo 2"; "Não tem como saber direito, porque passa um pouco em cada lado"; "Como que pode aparecer fótons no anteparo 1 se no caminho 1 tem um detector"; "Por que não tem mais aqueles círculos?".

Propôs-se, então, uma outra forma de descobrir o caminho seguido pelo fóton: o uso de filtros polaróides, conforme a Fig. 6.


Mediante todas as opções testadas os alunos percebiam a impossibilidade em conciliar a detecção do fóton com a formação das figuras de interferência, o que gerou inquietação para vários e a desistência de alguns. De acordo com os comentários registrados: "É que nem polarizar as ondas, só que com fótons"; "Pensei que não dava pra polarizar partículas"; "Ainda não sei por onde o fóton passou"; "Se eu mudar a inclinação de um, passa só um pouquinho"; "O fóton está na horizontal porque só com o polaróide 1 (inclinação de 0 forma os círculos e se eu mudar o ângulo não aparece"; "É verdade, quando o ângulo vai aumentando a figura vai ficando borrada"; "No outro lado (filtro polaróide 2) dá a mesma coisa"; "Tenta com três polaróides pra ti ver. Só aparece a figura naquele lado (anteparo 2)".

A impossibilidade de descobrir o caminho seguido pelo fóton e ao mesmo tempo observar as figuras de interferência foi explorada de modo a levar os alunos a concluir que o fóton tinha um "comportamento estranho", segundo discurso de um deles: "Acho que é que nem uma onda porque dá pra polarizar, mas só que daí eu não sei por onde ele passou. Sei lá, é meio estranho".

Como a aprendizagem não é algo que ocorre de forma automática ou pela simples descoberta, estas observações feitas pelos alunos, mas que não conseguem uma explicação convincente, requerem, como salienta Vygotsky, a intervenção do "parceiro mais capaz." Assim, a atuação do professor é fundamental para propiciar ao aluno a construção de conhecimentos que não seriam alcançados sem o seu auxílio. Dessa forma, a construção do conceito da dualidade onda-partícula não foi uma descoberta dos alunos, mas a partir da introdução do mesmo pelo professor para explicar o comportamento dos fótons. Mesmo sendo apresentado pelo professor, não significa que este modelo teórico teve plena aceitação. A existência desta dualidade originou vários questionamentos por parte dos alunos, entre eles: "Como é possível que uma partícula se comporte como uma onda? Qualquer objeto poderia apresentar este comportamento?"; "A luz se comporta sempre assim?"; "Se ele (fóton) é uma onda porque aparecem pontos nos anteparos?".

Num primeiro instante procurou-se responder aos questionamentos em termos de analogia com a óptica ondulatória clássica, porém, foi possível detectar em vários comentários a ideia de que um fóton é um corpo muito pequeno, evidenciando a representação das partículas como "bolinhas". Dessa forma foi necessário recorrer à abordagem das partículas elementares e à discussão a respeito do postulado de de Broglie, calculando-se o comprimento de onda associado a um objeto macroscópico e, inclusive, disponibilizando na semana seguinte um texto sobre o assunto na página da disciplina.

Com esta discussão acerca do modelo da dualidade onda-partícula e, tendo conhecimento das formas como as radiações se comportam, a sequência de nosso estudo ocorreu com a exploração das formas de interação das radiações com a matéria. Assim, pode-se explorar os fenômenos de absorção fotoelétrica e espalhamento Compton.

Inicialmente procurou-se conhecer o que realmente é cada um destes fenômenos e posteriormente, através da energia dos fótons associados, identificaram-se as situações onde cada um destes efeitos poderia ocorrer. O estudo do efeito fotoelétrico foi feito inicialmente se referindo apenas à luz, sem salientar seu comportamento ondulatório ou corpuscular. A exploração detalhada do efeito fotoelétrico e do espalhamento Compton ocorreu de forma dirigida e em grupos, através de um roteiro exploratório aplicado a applets Java, de autoria do professor Angel Franco Garcia, acessados na internet.

Durante a execução do roteiro para estudo do efeito fotoelétrico, os alunos puderam explorar os fatores que interferiam na ocorrência do mesmo, gerando debates entre os alunos e o descontentamento de alguns quando suas previsões não correspondiam ao que era observado posteriormente, como por exemplo: "Quanto mais fótons eu usar, mais elétrons são arrancados"; "Conforme a luz que eu uso dá certo"; "Pra uns não dá com nenhum tipo de luz"; "Não tem nada a ver a quantidade de fótons, o que vale é o tipo de fóton".

O estudo do efeito fotoelétrico possibilitou uma abordagem interdisciplinar com física do radiodiagnóstico no momento em que esta disciplina tratou da utilização das telas intensificadoras (écrans), as quais possuem uma camada constituída por cristais de fósforo suspensos em plástico flexível, interagindo via efeito fotoelétrico como os raios X. Esta abordagem interdisciplinar possibilitou também a relação do efeito fotoelétrico com a redução dos efeitos biológicos no paciente devido a possibilidade de se operar com exposições menores e formar mesmo assim imagens com boa qualidade.

Retomando-se o comportamento das radiações e formas de interação com a matéria, fez-se a aplicação da teoria às situações práticas a partir do estudo da interação dos raios X e gama com a matéria e do espalhamento Compton como justificativa para o uso de dispositivos de proteção radiológica.

A partir do conceito central da dualidade onda-partícula, discutiu-se o fato de estas radiações, devido ao seu caráter ondulatório e ausência de carga e massa, possuírem um poder de penetração muito grande, percorrendo grandes distâncias entre as interações. A partir desta análise, a sequência dos temas abordados ocorreu com o estudo da atenuação das radiações nos tecidos a partir da transferência de energia ocorrida nestas interações. Tal descrição não será contemplada neste artigo um vez que o foco da discussão aqui apresentada é a dualidade onda-partícula e sua abordagem como conceito central para a abordagem de tópicos de física moderna.

Como pode-se observar, a abordagem realizada via simulação computacional não é uma proposta estanque onde somente se questiona os alunos sobre como associar a forma de detecção dos fótons com a dualidade onda-partícula. Este conceito, a partir do momento em que é considerado central, está presente em todos os momentos de discussão e construção do conhecimento. Os resultados práticos de tal implementação recaem no fato de que, se compararmos com o caráter de apêndice dado anteriormente a dualidade onda-partícula, temos agora uma nova forma de abordar a física moderna na modalidade de ensino técnico, conforme proposto ao início deste trabalho.

7. Avaliação da proposta

A avaliação de desempenho do projeto desenvolvido baseou-se nas observações feitas em sala de aula e nos depoimentos dos alunos ao final do semestre A seguir, descreve-se de maneira mais detalhada o que foi possível verificar durante a aplicação do projeto "A física moderna no processo de formação de técnicos em radiologia médica". Os depoimentos registrados encontram-se em seu formato original.

Em relação às atividades desenvolvidas, a Fig. 7 apresenta a distribuição percentual das opiniões dos alunos quanto ao método de trabalho adotado na disciplina Proteção Radiológica.


Assim, em relação ao método de trabalho alguns alunos se manifestaram da seguinte forma:

Aluno J.J.M.M.

"Porque além de poder estudar alguns conteúdos que ainda não tinha estudado tive a oportunidade de fazer as experiências no computador".

Aluna C.S.G.

"As aulas foram um show. Poder ler e discutir textos em aula, coisas da atualidade e usar o computador no laboratório fez as aulas ficarem interessantes".

Aluno E.A.F.

"Gostei, porque as aulas eram diferentes a cada dia. Um dia tinha teoria, outro dia tinha debate e às vezes a gente usava o computador".

Aluna F.A.M.

"Gosto de fazer as contas. Como não sou muito de falar não participei muito das discussões e não fui muito bem. Tinha muita teoria".

A sequência das discussões quanto aos fenômenos de interação ao longo da disciplina e, mais tarde, a abordagem dos efeitos biológicos das radiações, possibilitou a conscientização dos alunos quanto à necessidade de radioproteção, uma vez que demonstraram preocupação com a possibilidade da lenta destruição de células podendo causar, em longo prazo, alguma degeneração.

Tendo despertado nos alunos essa necessidade de radioproteção, a partir do conhecimento das radiações e suas formas de interação, procuramos identificar, na opinião destes alunos, os motivos pelos quais rotineiramente muitos técnicos em radiologia não se protegem de forma correta, embora tenham conhecimento das normas de segurança que regem seu trabalho.

A Fig. 8 ilustra a distribuição percentual dos motivos indicados pelos alunos no início do semestre, enquanto estes ainda não tinham conhecimento do que eram as radiações ou dos seus efeitos no organismo.


Ao final do semestre, esta pergunta foi feita novamente aos alunos, observando-se os percentuais indicados na Fig. 9, os quais ilustram muito bem a mudança provocada ao longo do trabalho desenvolvido.


Conforme pode ser visto neste gráfico, a opinião dos alunos é de que falta conscientização dos técnicos em relação à necessidade da radioproteção. Certamente os técnicos em radiodiagnóstico têm conhecimento dos perigos que correm e expõem seus pacientes, o que lhes falta é colocar este conhecimento em prática e não se deixar levar pelo automatismo com que os procedimentos são feitos após um longo tempo exercendo a mesma função. Pelo contrário, partindo da conscientização dos efeitos das radiações, tanto do ponto de vista da física como da biologia, a radioproteção terá se tornado um hábito, porém praticado de maneira racional.

Procurou-se descrever nestas páginas uma pequena parte do trabalho desenvolvido. O restante da proposta de trabalho aplicada poderá ser conhecido acessando o endereço http://lief.if.ufrgs.br/jader.

8. Considerações finais

Em função da grande difusão das técnicas de diagnóstico, especificamente o radiodiagnóstico, propôs-se a abordagem da física moderna como elemento fundamental para a compreensão dos fenômenos físicos que regem tais técnicas. Um mote da proposta de ensino foi a conscientização dos alunos quanto aos efeitos das radiações no organismo, de modo que estes se tornem sujeitos conscientes em sua prática profissional, atuando de forma a interferir na sociedade utilizando corretamente os conhecimentos científicos desenvolvidos pelo homem. Estes alunos, futuros técnicos em radiologia, simularam e interpretaram fenômenos físicos que serão vivenciados em sua vida profissional, de modo que esta forma de contato com a física fosse prazerosa e menos traumática.

A possibilidade de vivenciar e ter a consciência de tais fenômenos procura combater a ideia subjacente à atividade técnica, a qual é associada à estrita repetição e treinamento. É certo que um técnico em radiologia bem treinado executará tranquilamente um procedimento usual de radiodiagnóstico, no entanto, se este não for detentor do conhecimento que rege o funcionamento de tais equipamentos, sua atuação se limitará à repetição de técnicas sem a consciência de sua interferência na qualidade de vida, sua e de seus pacientes.

Podemos considerar que, de modo geral, a abordagem da física moderna a que nos propusemos surtiu efeitos, a partir do momento que foi possível mudar ou aperfeiçoar a visão que os alunos têm das radiações. O referencial teórico adotado também pode ser considerado como um fator que atuou positivamente na abordagem feita em sala de aula. É fundamental proporcionar o enfrentamento de concepções, ideias e aprendizagens entre os alunos, pois dessa forma estes são levados à construção do conhecimento numa linguagem mais informal e de fácil interpretação.

Outro elemento que atuou significativamente na abordagem da dualidade onda-partícula foi a simulação do interferômetro de Mach-Zehnder, com resultados surpreendentes se considerarmos que trabalhamos com uma turma bastante heterogênea e com um histórico médio de alguns anos afastados dos bancos escolares. Esta atividade possibilitou uma representação visual com grande fidelidade dos fenômenos abordados, proporcionando uma abordagem mais conceitual e qualitativa da física quântica, abandonando o formalismo matemático arrojado com que esta área é tratada.

Em relação às competências profissionais apontadas nos referenciais curriculares e discutidas anteriormente, observa-se que a abordagem participativa possibilita ao aluno a construção de hipóteses e a mobilização de saberes a fim de resolver uma situação-problema com que se defronta, tornando-o um sujeito autônomo na tomada de decisões.

O desenvolvimento e aplicação deste trabalho nos mostra que é preciso estar preparado para inovar em sala de aula. Inovação requer modificação e para muitos professores é mais cômodo "deixar tudo como está". Sentimo-nos desafiados a aperfeiçoar o material apresentado e motivados a melhorar a forma de atuar no ensino de física.

Recebido em 30/6/2009; Aceito em 5/10/2009; Publicado em 28/3/2011

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  • [13] M. Ramos, Cadernos de Saúde Pública 23, 1 (2007).
  • [14] F. Ostermann, S.D. Prado e T.S.F. Ricci, A Física na Escola 7(1), 22 (2006).
  • 1
    E-mail:
  • 2
    Os conteúdos abordados em Proteção Radiológica visam de um modo geral o estudo da natureza das radiações; radiações ionizantes e não ionizantes, bem como seus efeitos no organismo; fontes de radiação; dualidade onda-partícula; interação da radiação com a matéria; princípios de radioproteção; detectores de radiação e normas de proteção radiológica.
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    Para um estudo mais detalhado das interpretações da Mecânica Quântica recomendamos o livro de Osvaldo Pessoa Junior, intitulado
    Conceitos de Física Quântica e publicado pela Livraria da Física em 2003.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Recebido
      30 Jun 2009
    • Aceito
      05 Out 2009
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