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Sinos: Física e música fundidas em bronze

(Bells: physics and music cast in bronze)

Resumos

Os sinos são instrumentos de percussão, da família dos idiófonos. São dispositivos de produção de som apenas aparentemente simples. O seu corpo é constituído de uma liga metálica chamada bronze, que é uma combinação de cobre e estanho em proporções que podem sofrer ligeiras variações. No interior do sino encontra-se o badalo - um pêndulo que, quando oscila, atinge o corpo fazendo com que o sino soe. A fundição de um sino é bastante complexa e envolve um grande número de procedimentos, desde a construção dos moldes até a metalurgia e afinação. O sino moderno sofreu apenas algumas mudanças na sua forma em comparação aos primeiros sinos fundidos do Século IX. Do ponto de vista da acústica existem dificuldades para a sua modelagem, tanto devido aos métodos matemáticos envolvidos quanto à obtenção de resultados experimentais, já que o tamanho exagerado impede o seu translado para um laboratório. Neste artigo trataremos brevemente da origem, história, e utilização do sino, bem como dos principais processos de fundição empregados na sua fabricação e da descrição física de como o sino produz som.

sino; campanologia; acústica; frequências naturais de vibração; física e música


Bells are percussion instruments from the idiophones family, being devices to produce sound which are simple only in appearance. The bells bodies are made of an alloy called bronze, which is a combination of copper and tin in a variable ratio. Inside the bell there is the clapper, a pendulum that hits the bell from inside in order to start the sound. Bell foundry is quite complex and involves a large number of procedures which range from the construction of the molds until the metallurgy and its tuning. The modern bell suffered only minor changes in its shape when compared to the first casted bells from the 9th century. Complex mathematical methods are needed to create acoustical models for vibrating bells and, due to their exaggerated size, it is difficult to transport them to a laboratory in order to perform experimental analysis. This article presents a brief discussion on the origin, history and uses of the bell, as well as the main steps in the casting process and the physical description of the vibrating bell.

bell; campanology; acoustics; natural frequencies of vibration; physics and music


1. Introdução

Os idiófonos são definidos como instrumentos musicais em que o próprio corpo do instrumento vibra para que ocorra a produção de som. A vibração pode ser iniciada tanto pela percussão de um elemento externo ao instrumento como por uma parte do próprio instrumento [1[1] C. Sachs e E.M. von Hornbostel, Galpin Soc. J. 14, 3 (1961).,2[2] A.L. Schmid, G.G.B. Romanelli, I.M. Fomin, J. Bergmann Filho, L.H.M. Mombach, R.M. Pereira, T.C. Freitas e T. Madalozzo, Museu dos Instrumentos Musicais (MIMU) (Editora UFPR, Curitiba, 2014).]. No primeiro caso tem-se como exemplo o xilofone, no qual uma baqueta atinge a barra de madeira e inicia a vibração e a consequente produção de som. Um sino representa, na maioria das vezes, um exemplo do segundo caso. O badalo - pêndulo preso no interior do sino - colide com suas paredes internas, iniciando assim a produção de som. Outra forma de fazê-lo soar é atingi-lo externamente com uma espécie de martelo acionado por um mecanismo. Como a produção de som no sino depende de uma batida em seu corpo, ele é um idiófono percutido ou, mais simplesmente, um instrumento de percussão.

O uso de instrumentos musicais pelo homem, segundo as atuais evidências, remonta ao período paleolítico médio. Concebe-se como primeiras manifestações musicais humanas as vocalizações, palmas e batidas de pé, juntamente com instrumentos de percussão construídos a partir de recursos naturais sem grandes alterações, como materiais vegetais e/ou animais facilmente degradáveis, como cabaças, peles e troncos [3[3] I. Morley, The Evolutionary Origins and Archaeology of Music Tese de Doutorado, Cambridge University, 2003.]. Apesar da pequena chance de preservação desse material arqueológico, é correto afirmar que os instrumentos idiófonos percutidos estão entre os mais antigos criados/utilizados pelo homem.

A origem dos sinos é bastante antiga, provavelmente junto com o surgimento da metalurgia, quando pedaços de metal golpeados produziram sons pela primeira vez. Os primeiros sinos foram feitos a partir de placas metálicas dobradas de modo a formar um tronco de cone de base retangular - forma muito similar à dos sinos de animais ainda utilizados em algumas partes do mundo [4[4] S.N. Coleman, Bells Their History, Legends, Making, and Uses (Rand McNally, Chicago, 1928).,5[5] S.N. Coleman, The Book of Bells (John Day, Nova Iorque, 1938).]. O próximo passo inventivo na sua fabricação foi construí-los não mais de folhas metálicas, mas utilizando um conjunto de formas nas quais se depositaria metal fundido liquefeito. Através deste método, que envolve a fundição do metal e a utilização de formas, foi possível produzir sinos cada vez maiores, resultando em sons cada vez mais intensos. Existem alguns poucos exemplares produzidos desta maneira que remontam ao Século XI e ainda encontram-se preservados [6[6] A.D. Quadri, Arte Campanaria (Arte Tipografica, Nápoles, 2010).]. O sino fabricado através da fundição do metal sofreu algumas alterações na sua forma desde o Século XI até os dias atuais. No entanto, essas mudanças não alteraram o princípio de seu funcionamento e as linhas gerais do seu formato geométrico.

Além do uso musical, existem alguns usos civis dos sinos, como a sinalização de ações ou aviso sobre situações de perigo como incêndios, invasões e etc. Em particular, o toque contínuo de sino com 90 a 120 badaladas por minuto foi extremamente utilizado na Alemanha e na França, ao ponto de existirem palavras específicas para designá-lo. Em alemão esse toque chama-se Stürmlauten [7[7] G. Drosdowski (ed.), Duden Deutsches Universal Wörterbuch (Bibliographisches Institut & F.A. Brockhaus AG, Mannheim, 1989).] e em francês tocsin [8[8] A. Rey (ed.), Le Robert Micro Dictionnaire de la langue française (Dictionnaires Le Robert, Paris, 1998).]. Porém, o uso predominante dos sinos é religioso, sendo que instituições religiosas possuem, nas suas leis e normas, menções específicas sobre a montagem e utilização de sinos [9[9] M.J. Francisco (ed.), Documentos Sobre a Música Litúrgica (Paulus, São Paulo, 2005).]. Desta maneira, uma breve descrição do uso dos sinos com finalidade religiosa é interessante. Curiosamente, dada a inventividade humana, tocar sinos já foi considerado uma espécie de esporte ou atividade recreativa [4[4] S.N. Coleman, Bells Their History, Legends, Making, and Uses (Rand McNally, Chicago, 1928).,5[5] S.N. Coleman, The Book of Bells (John Day, Nova Iorque, 1938).]. O estudo da origem, fundição e história dos sinos dá origem a um campo do conhecimento chamado de campanologia. Campanólogo é o indivíduo versado em ou que se dedica à campanologia.

Embora os sinos já tenham chegado a uma forma funcional estável há muito tempo, existem poucos estudos de caráter científico que discorrem sobre o assunto, especialmente sobre o seu funcionamento descrito a partir da física. A primeira abordagem deste ponto de vista foi feita por Lord Rayleigh [10[10] Lord Rayleigh, Phil. Mag. 29, 1 (1890).] no início da última década do Século XIX. Na mesma década, Simpson [11[11] C.A.B. Simpson, Pall Mall Mag. 7, 183 (1895).,12[12] C.A.B. Simpson, Pall Mall Mag. 10, 150 (1896).] publicou dois trabalhos onde explicou os processos, até então empíricos, de afinação dos sinos. Existem apenas alguns artigos da primeira metade do Século XX: os de Jones [13[13] A.T. Jones, Phys. Rev. 31, 1092 (1928).17[17] A.T. Jones and G.W. Alderman, J. Acoust. Soc. Am. 4, 331 (1933).], o de Mayer e Klaes [18[18] E. Mayer and J.J. Klaes, Naturwissenschaften 39, 697 (1933).], o de Tyzzer [19[19] F.G. Tyzzer, J. Franklin Inst. 210, 55 (1930).], os de Arts [20[20] J. Arts, J. Acoust. Soc. Am. 9, 344 (1938).,21[21] J. Arts, J. Acoust. Soc. Am. 10, 327 (1939).], o de Curtiss e Giannini [22[22] A.N. Curtiss and G. M. Giannini, J. Acoust. Soc. Am. 5, 159 (1933).] e outro de Stuber e Kallenbach [23[23] C. Stuber and W. Kallenbach, Blätter 5, 268 (1949).].

Através dos desenvolvimentos tecnológicos da segunda metade do Século XX, assim como as facilidades que estes trouxeram para a pesquisa de maneira geral, surgiram mais artigos relacionados aos sinos. Na Alemanha, destacam-se dois livros com capítulos que abordaram o tema, tendo como autores Fehn [24[24] T. Fehn, Die Gliederung des Tonaufbaus in ihrer Bedeutung für die Klangqualität der Glocke In: Beiträge zur Glockenkunde. (Beratungsausschuß für das Deutsche Glockenwesen, Heidelberg, 1970).], Seewann e Terhardt [25[25] M. Seewann and E. Terhardt, Messungen der wahrgenommenen Tonhöhe von Glocken In: Fortschritte der Akustik(VDE-Verlag, Berlim, 1980).]. Rossing editou um livro em língua inglesa sobre o tema [26[26] T.D. Rossing (ed.), Acoustics of Bells (Van Nostrand, Reinhold, 1984).]. O design e afinação foi abordado por Bagot [27[27] H. Bagot, Acoust. Aust. 14, 35 (1986).]. Uma maior ênfase na análise dos modos de vibração e do funcionamento físico foi dada pelo grupo de Perrin em uma longa série de trabalhos [28[28] R. Perrin, T. Charnley and J. de Pont, J. Sound Vib. 90, 29 (1983).38[38] R. Perrin, T. Charnley, H. Banu and T.D. Rossing J. Sound Vib. 102, 11 (1985).]. A modelagem computacional foi inicialmente proposta por Lehr e colaboradores [39[39] A. Lehr, J. Acoust. Soc. Am. 79, 2000 (1986).42[42] A. Schoofs, F. Van Asperen, P. Maas and A. Lehr, Music Percept. 4, 245 (1987).] e foi tema de interesse de McLachlan e colaboradores [43[43] N. McLachlan, B.K. Nigjeh and A. Hasell, J. Acoust. Soc. Am. 114, 505 (2003).]. Alguns trabalhos mais recentes são os de Fletcher e colaboradores [44[44] N.H. Fletcher, W.T. McGee and A.Z. Tarnopolsky, J. Acoust. Soc. Am. 111, 1437 (2002).], Lavan e colaboradores [45[45] D. Lavan, S. Hogg and J. Wolfe, Acoust. Aust. 31, 4 (2003).], Ozakça e Gögüs [46[46] M. Özakça and M.T. Gögüs, J. New Mus. Res. 33, 61 (2004).] e novamente de Rossing e Perrin [31[31] T.D. Rossing and R. Perrin, App. Acoust. 20, 41 (1987).]. Por fim, existe a recente tese de Hibbert [47[47] W.A. Hibbert, The Quantification of Strike Pitch and Pitch Shifts in Church Bells Tese de Doutorado, The Open University, 2008.], que trata da quantificação do tom de sinos de igreja e conta com ampla revisão do tema, além do desenvolvimento de alguns programas de computador para análise do som dos sinos.

O artigo está organizado de forma que inicialmente trata-se da nomenclatura das partes, da forma geométrica e de como se inicia a produção de som. Na sequência, é feita uma descrição histórica dos usos musical, civil e religioso. Utiliza-se a teoria de combinações para mostrar que, mesmo com um número reduzido de sinos, é possível criar música. Discute-se brevemente o carrilhão, instrumento musical que depende de sinos para a produção de som. A fundição do sino é uma seção cujo objetivo é dar ao leitor as principais informações sobre os materiais e métodos que são utilizados no processo de criação de um sino. A última seção trata da aplicação da física para entender como os sinos produzem som. São discutidos os principais modos de vibração dos sinos, suas frequências relativas, linhas nodais e simetrias. Além de uma introdução sucinta aos métodos utilizados em modelagem dos sinos e as novas propostas que daí surgiram, conclui-se o artigo com uma análise empírica da dependência da frequência do modo fundamental do sino com a sua massa e o seu tamanho.

2. Descrevendo os sinos

A forma geométrica de um sino não é simples de ser descrita matematicamente, uma vez que a espessura da sua parede varia significativamente com a posição. Um tronco de cone de base circular que seja oco internamente é o objeto mais simples que lembra vagamente um sino. Nos instrumentos primitivos, construídos a partir de uma chapa metálica cortada e soldada [4[4] S.N. Coleman, Bells Their History, Legends, Making, and Uses (Rand McNally, Chicago, 1928).,5[5] S.N. Coleman, The Book of Bells (John Day, Nova Iorque, 1938).], a forma é realmente muito próxima a de um tronco de cone de base retangular internamente oco. Dada a forma de sua construção, a espessura da sua parede é constante. Estes são os sinos ainda hoje utilizados em animais em vários lugares do mundo. Uma proposta de equação que descreve o formato do perfil do sino foi feita por Perrin e colaboradores [34[34] R. Perrin, T. Charnley, J.H. Samson and H.P.W. Gottlieb, J. Sound Vib. 151, 163 (1991).], levando a um bom acordo com a forma de um sino convencional. É uma equação de um círculo de raio C, centrada na origem, com uma perturbação de magnitude A e um parâmetro B, dada por

(1)x2+y2+A(x2y2)sinByC2=0,
onde os valores que descrevem um sino real são A = 0, 943, B = 1, 510 e C2 = 0, 968 [34[34] R. Perrin, T. Charnley, J.H. Samson and H.P.W. Gottlieb, J. Sound Vib. 151, 163 (1991).]. O nome sugerido para a curva gerada é campanoide, devendo-se observar que ela descreve apenas um sino com paredes de espessura constante.

Os sinos possuem uma nomeclatura de suas partes que é característica. Na parte superior, por onde são sustentados, fica a coroa, que em geral é ricamente decorada. Suspenso na parte interna há o badalo, uma espécie de pêndulo que bate internamente na parede do sino para produzir som. A massa do badalo é proporcional à massa do sino, sendo que para sinos de grande porte, pode chegar a cerca de 1000 kg [6[6] A.D. Quadri, Arte Campanaria (Arte Tipografica, Nápoles, 2010).]. As diferentes regiões do corpo de um sino são denominadas da seguinte maneira: a parte inferior aberta é a boca; logo acima da boca encontra-se a borda sonante ou arco sonante; na sequência fica a cintura, parte onde se encontram a maioria dos ornamentos; finalmente, com uma maior inclinação, o ombro é a parte que liga a cintura e a coroa. Para maior clareza, todas as partes são indicadas na Fig. 1.

Figura 1
Sino com 65 mm de diâmetro externo na abertura, 80 mm de altura e massa de 195 g. Superior: visão frontal; Meio: Visão de cima para baixo; Inferior: Visão de baixo para cima. A correspondência das partes nessa figura é: A coroa; B ombro; C cintura; D borda sonante; E boca e Fbadalo.

Há duas formas como um sino pode ser acionado, independentemente de manual ou mecanicamente. Na primeira, o sino é preso a um sistema que o permite rotacionar ao redor de um eixo ligeiramente acima da coroa. Esta configuração torna o sino, como um todo, um sistema físico cuja dinâmica é relativamente complexa [48[48] J. Woodhouse, J.C. Rene, C.S Hall, L.T.W. Smith, F.H King and J.W. McClenahan, Adv. Acoust. Vib. 681787, 1 (2012).]. Com a movimentação do sino, o badalo também entra em movimento e passa a atingir o instrumento em sua parte interna, resultando na produção de som. O acionamento deste movimento pode ser manual, através de uma corda presa a uma roda que faz o sino girar, ou através de um motor elétrico que desempenhe tal função [4[4] S.N. Coleman, Bells Their History, Legends, Making, and Uses (Rand McNally, Chicago, 1928).,6[6] A.D. Quadri, Arte Campanaria (Arte Tipografica, Nápoles, 2010).,49[49] Still Ringing After All These Years: A Short History of Bells Disponível em http://www.bbc.co.uk/programmes/b018ct1c. Acesso em: 23 set. 2014.
http://www.bbc.co.uk/programmes/b018ct1c...
]. Uma representação esquemática desta forma de acionamento é feita na Fig. 2 e foi criada a partir da Ref. [48[48] J. Woodhouse, J.C. Rene, C.S Hall, L.T.W. Smith, F.H King and J.W. McClenahan, Adv. Acoust. Vib. 681787, 1 (2012).]. Aqui, dependendo da altura do eixo de rotação do sino e do badalo ser preso ou não quando o movimento se inicia, surgem vários sistemas diferentes, resultando em sonoridades também diferentes. A outra forma de acionar o sino é mantendo-o preso através da coroa e movimentando exclusivamente o badalo através de uma corda. Este é conhecido como sistema russo [4[4] S.N. Coleman, Bells Their History, Legends, Making, and Uses (Rand McNally, Chicago, 1928).] e é mais utilizado no leste europeu. Em sinos acionados por um mecanismo acoplado a um relógio, que dão as badaladas referentes às determinadas horas, o sino permanece fixo. Para que o som seja produzido, outra parte do mecanismo pode tanto movimentar o badalo quanto acionar uma espécie de martelo, que atinge o sino externamente.

Figura 2
Representação esquemática de como o sino é pendurado e pode girar em torno de um eixo que passa próximo à coroa. As duas situações mostradas correspondem à posições extremas do movimento de rotação do sino. Quando a corda é acionada (situação da esquerda), ocorre uma rotação no sentido horário e, na situação da direita, uma rotação no sentido anti-horário. Ilustração criada a partir da Ref. [48[48] J. Woodhouse, J.C. Rene, C.S Hall, L.T.W. Smith, F.H King and J.W. McClenahan, Adv. Acoust. Vib. 681787, 1 (2012).].

3. Os diversos usos dos sinos

O primeiro uso documentado de sinos em uma peça musical é atribuído ao compositor Georg Melchior Hoffmann (1679–1715). Na partitura da cantata fúnebre Schlage doch, gewünschte Stunde, são solicitados dois pequenos sinos. Na ópera Camille de Nicolas-Marie Dalayrac (1753–1809) é solicitado o toque de sinos de igreja, da mesma forma que na ópera La Révolution du Dix Août de Ignaz Pleyel (1757–1831). Outra ópera, Les Huguenotes de Giacomo Meyerbeer (1791–1864), solicita um sino grande, especialmente feito para ser utilizado nessa obra. Finalmente, na Abertura 1812 de Piotr Tchaikovsky (1840–1893), o compositor solicita na partitura ‘todos os sinos de Moscou’. Esses são alguns exemplos de inclusões de sinos em peças orquestrais e operísticas [50[50] R. Dearling (ed.), The Encyclopedia of Musical Instruments (Smithmark, Nova Iorque, 1996).].

Conjuntos de sinos utilizados para fazer música remontam ao Século X, sendo o mais comum o de oito sinos, abrangendo uma oitava diatônica (correspondendo, por exemplo, às notas: dó, ré, mi, fá, sol, lá, sí e dó) [4[4] S.N. Coleman, Bells Their History, Legends, Making, and Uses (Rand McNally, Chicago, 1928).,49[49] Still Ringing After All These Years: A Short History of Bells Disponível em http://www.bbc.co.uk/programmes/b018ct1c. Acesso em: 23 set. 2014.
http://www.bbc.co.uk/programmes/b018ct1c...
]. Para que sejam tocados, os sinos são acionados por uma corda, que os faz girar ao redor de um eixo ligeiramente acima da sua coroa. Com o giro, o badalo percute a parte interna do sino e produz o som. É possível controlar a rotação do sino para que este soe apenas quando se queira. Quando se deseja que o sino pare de badalar, ele é mantido em repouso com a boca voltada para cima, de forma a manter o badalo também em repouso, como mostrado na Fig. 2. Nesse sistema, se faz necessária uma pessoa para o acionamento de cada sino através de sua respectiva corda.

A maneira mais simples de se tocar um conjunto de sinos de, por exemplo, três sinos, consiste em tocá-los em uma sequência, um após o outro. Convencionou-se denotar esta sequência por 3 2 1, onde o maior número corresponde ao sino de som mais agudo e o menor número ao de som mais grave. Porém, essa forma de tocá-los não permite explorar toda a música que pode ser extraída de um conjunto de sinos. Isso levou as pessoas a tocá-los em sequências diferentes da que vai do sino mais agudo para o mais grave. Esse fato fez com que o número possível de sequências nas quais os sinos poderiam ser tocados crescesse de maneira assustadora, mesmo para conjuntos com alguns poucos sinos.

Na forma tradicional de tocá-los em um conjunto, cada sino é tocado um após o outro, não havendo repetição enquanto todos os outros não tenham sido tocados. Ou seja, os sinos são tocados formando permutações P de nsinos agrupados também em número de n. Sabemos que a permutação de n objetos combinados em r elementos é expressa por

(2)P(n,r)=n!(nr)!.
Como todos os sinos são tocados sempre, eles são agrupados de forma que r = n e, a expressão anterior simplifica-se
(3)P(n=r)=P(n)=n!

Para um e dois sinos existem, respectivamente, uma e duas possibilidades de toque. Com três sinos, o número de possibilidades vai a seis e, para quatro sinos a vinte e quatro. Para uma oitava diatônica constituída por oito sinos existem 40.320 sequências possíveis. Se passamos para um conjunto de doze sinos, uma oitava cromática (formada, por exemplo, pelas notas dó, dó♯, ré, ré♯, mi, fá, fá♯, sol, sol♯, lá, sí♭ e sí), existem assombrosas 479.001.600 sequências de toques possíveis. A inclusão de um 13° sino referente à nota dó uma oitava acima da nota do sino mais grave permite agora 6.227.020.800 combinações de toques. As sequências de toques para conjuntos formados por 1, 2 e 3 sinos são mostradas na Tabela 1.

Tabela 1
Combinações possíveis de n sinos tocados um após o outro em sequências de n sinos. Com apenas um sino, só há uma permutação possível, enquanto com dois sinos existem duas permutações possíveis. Para um conjunto de três sinos, o número de permutações sobe para seis e, se tentássemos escrever aqui as permutações para um conjunto de quatro sinos, nossa tabela teria vinte e quatro linhas.

Essa forma de fazer música com sinos levou à criação de uma notação musical particular, baseada nos números atribuídos aos sinos. A notação consiste em uma sequência de linhas com o número dos sinos na sequência em que devem ser tocados. A leitura é feita da esquerda para a direita e de cima para baixo, como na escrita ocidental. Essa escrita musical é similar às combinações mostradas na Tabela 1. Nas composições, adota-se uma regra para facilitar a execução musical, a qual consiste em fazer com que o sino 1 mude apenas para posições adjacentes entre uma sequência e outra, ou ainda permaneça na mesma posição. Isto permite acompanhar facilmente o sino mais agudo, o qual tem papel de líder do grupo [5[5] S.N. Coleman, The Book of Bells (John Day, Nova Iorque, 1938).].

A ideia de dispor um conjunto de sinos acionados por um mecanismo em uma sequência de frequências, de modo a produzir as notas de uma escala musical [51[51] R. Bragard e F.J. de Hen, Musical Instruments in Art and History (Viking Press, New York, 1968).] remonta à Bélgica do Século XVII. Esta disposição permite a execução de músicas como em qualquer outro instrumento. Ao conjunto de sinos acionados por uma espécie de teclado acoplado a um mecanismo dá-se o nome de carrilhão e o músico que o toca chama-se carrilhonista. Na Fig. 3, a representação esquemática de como uma tecla do carilhão aciona o sino é mostrada. O sino permanece preso e, quando a tecla é acionada, o movimento é transmitido até o badalo por um sistema de alavancas, fazendo com que o sino soe. Cada tecla corresponde a um sino e um sistema mecânico independente dos demais. Desta maneira, são necessários vários sinos para ter notas diferentes suficientes para tocar musicas.

Figura 3
Representação esquemática do sistema de acionamento de um carrilhão. O sino permanece fixo, enquanto o badalo é colocado em movimento por um sistema de alavancas que são acionadas pela tecla do carrilhão. Um sistema como esse é necessário para cada sino do carrilhão. Ilustração criada a partir da Ref. [53[53] M. Havryliv, F. Geiger, M. Gurtler, F. Naghdy and G. Schiemer, Springer-Verlag Lectures Notes in Computer Science 5763, 91 (2009).].

A cidade de Bruges, norte da Bélgica, possui um carrilhão constituído por 47 sinos, cuja massa total é de 27.535 kg [5[5] S.N. Coleman, The Book of Bells (John Day, Nova Iorque, 1938).]. Esse carrilhão, entre outros no mundo, foi acoplado mecanicamente ao relógio da torre na qual se encontra montado, tocando assim melodias em função da passagem das horas. Embora existam carrilhões em todo o mundo, a maior concentração deles está localizada ao norte da Europa continental, principalmente na França, Bélgica, Paises Baixos e Alemanha [51[51] R. Bragard e F.J. de Hen, Musical Instruments in Art and History (Viking Press, New York, 1968).]. Segundo a Federação Mundial do Carrilhão [52[52] Federação Mundial do Carilhão, Disponível em http://www.carillon.org. Acesso em: 23 set. 2014.
http://www.carillon.org...
], existem apenas dois no Brasil: um com 61 sinos na Catedral Metropolitana (Catedral da Sé) e o outro no Santuário Nossa Senhora do Sagrado Coração, contando com 47 sinos, ambos na cidade de São Paulo - SP.

Tanto os carrilhões como os grandes sinos instalados em catedrais adicionam uma massa considerável à estrutura onde estão montados. O exemplo mais famoso é o sino Big Ben, com uma massa de 13.760 kg [5[5] S.N. Coleman, The Book of Bells (John Day, Nova Iorque, 1938).], instalado no Palácio de Westminster, em Londres. Porém, o Big Ben possui pouco mais da metade da massa dos maiores sinos da Europa: o Pummerin, instalado na Catedral de Santo Estevão, Viena, com 20.130 kg, e o sino de São Pedro, na catedral de Colônia, com 23.500 kg [4[4] S.N. Coleman, Bells Their History, Legends, Making, and Uses (Rand McNally, Chicago, 1928).,6[6] A.D. Quadri, Arte Campanaria (Arte Tipografica, Nápoles, 2010).]. Com aproximadamente 220.000 kg e sem nunca ter soado, o sino Czar, em Moscou, é o maior já fundido até hoje. Em 1737, houve um incêndio enquanto o sino ainda se encontrava no seu poço de fundição e, devido ao calor das chamas, seu corpo sofreu aquecimento. Inadvertidamente, água fria foi jogada sobre o mesmo, fazendo com que ele trincasse [4[4] S.N. Coleman, Bells Their History, Legends, Making, and Uses (Rand McNally, Chicago, 1928).]. Se inicialmente sinos eram colocados nas torres para que pudessem ser ouvidos a maiores distâncias, a fabricação de exemplares cada vez maiores fez com que as torres passassem a ser construídas em função dos sinos que receberiam. Isso obrigou arquitetos e engenheiros a encontrarem soluções em termos de estrutura, forma e materiais que possibilitassem a construção de torres para suportar sinos de dezenas de toneladas a muitos metros do chão. A colocação do sino no alto da torre também acabou se tornando mais complexa [6[6] A.D. Quadri, Arte Campanaria (Arte Tipografica, Nápoles, 2010).].

O uso litúrgico dos sinos é bastante extenso, sendo que algumas instituições religiosas, como a Igreja Católica, possuem regras e normas para o seu uso [54[54] M.D. Herrera, Sanctus Bells (Tixlini Scriptorium, San Luis Obispo, 2004).]. Na Instrução da Sagrada Congregação dos Ritos Sobre a Música Sacra e a Sagrada Liturgia [9[9] M.J. Francisco (ed.), Documentos Sobre a Música Litúrgica (Paulus, São Paulo, 2005).], no capítulo III, existem 12 aspectos que devem ser observados quando do sino como elemento religioso. Em particular, a instalação dos sinos deve seguir determinados ritos, como pode ser observado na Ref. [55[55] Les voix de Notre-Dame: la résonnance des cloches. Disponível em http://www.francetvinfo.fr/feuilleton-1-5-les-voix-de-notre-dame-la-resonnance-des-cloches_283871.html. Acesso em: 23 set. 2014.
http://www.francetvinfo.fr/feuilleton-1-...
]. Carrilhões e sinos de uso litúrgico devem ser tidos como objetos diversos cuja utilização não é intercambiável, ou seja, o carilhão não é para uso religioso.

O cuidado e consideração sobre os sinos e a sua utilização são exemplos de como esse instrumento musical se agregou à cultura religiosa. No caso de sinos que serão instalados em igrejas, como os novos sinos fundidos para substituir os que estavam na Igreja de Notre Dame de Paris [55[55] Les voix de Notre-Dame: la résonnance des cloches. Disponível em http://www.francetvinfo.fr/feuilleton-1-5-les-voix-de-notre-dame-la-resonnance-des-cloches_283871.html. Acesso em: 23 set. 2014.
http://www.francetvinfo.fr/feuilleton-1-...
] em Paris, França, é comum que o processo de fundição seja acompanhado por um religioso, que procede com um rito antes do início do depósito de bronze liquefeito na forma do sino. Este procedimento é seguido por outro ainda mais intrigante e que atribui, de certa forma, a característica de uma personalidade aos sinos: o antigo batismo de um sino, que hoje é chamado apenas de benedição. Muitos dos principais sinos de igreja possuem nomes que remetem a pessoas, ou possuem até mesmo algum significado especial dentro da cultura na qual se encontram [4[4] S.N. Coleman, Bells Their History, Legends, Making, and Uses (Rand McNally, Chicago, 1928).]. Os novos sinos instalados na Catedral de Notre Dame, por exemplo, chamam-se [56[56] Des nouvelles cloches pour Notre-Dame de Paris. Disponível em http://www.notredamedeparis2013.com/projets/nouvelle-sonnerie-de-cloches/. Acesso em: 23 set. 2014.
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]: Marie, Gabriel, Anne-Geneviève, Denis, Marcel, Étienne, Benoît-Joseph, Maurice e Jean-Marie. Esses nomes remetem a pessoas que deram contribuições importantes para a cristianização da França.

4. A fundição do sino

Ao contrário do violino, por exemplo, onde é possível que apenas um construtor - o luthier - realize todo o processo de construção do instrumento, a fundição de um sino envolve, necessariamente, um número maior de pessoas. Esta necessidade surge de fatores como: a magnitude da quantidade de material utilizado no sino; a parte artística envolvida na produção dos moldes; a afinação do sino e a sua instalação [6[6] A.D. Quadri, Arte Campanaria (Arte Tipografica, Nápoles, 2010).]. Ou seja, dentro da fundição de sinos existem profissionais que são especialistas em determinados procedimentos, de maneira similar à indústria do piano, onde existem profissionais para o trabalho com metal, outros para a montagem do teclado, etc. A atuação de diversas pessoas em funções específicas da fundição do sino é bem ilustrada na Ref. [55[55] Les voix de Notre-Dame: la résonnance des cloches. Disponível em http://www.francetvinfo.fr/feuilleton-1-5-les-voix-de-notre-dame-la-resonnance-des-cloches_283871.html. Acesso em: 23 set. 2014.
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].

A preparação da liga metálica chamada de bronze é feita fundindo cobre e estanho na proporção aproximada de 75% de cobre para 25% de estanho. Se o sino for muito grande, procede-se com uma alteração na liga, diminuindo a quantidade de estanho, o que torna o sino mecanicamente mais resistente. Existem segredos industriais com relação à proporção exata de cada metal utilizado de forma a se obter um amálgama de alta qualidade. A temperatura de fusão do bronze depende das proporções relativas de cada metal mas, de forma geral, varia entre 1000 °C e 1200 °C [6[6] A.D. Quadri, Arte Campanaria (Arte Tipografica, Nápoles, 2010).]. Algumas lendas fazem menção à introdução de pequenas quantidades de ouro ou/e prata na liga metálica, geralmente associadas a superstições de que o brilho desses metais traria, de alguma forma, brilho ao som do sino [4[4] S.N. Coleman, Bells Their History, Legends, Making, and Uses (Rand McNally, Chicago, 1928).,5[5] S.N. Coleman, The Book of Bells (John Day, Nova Iorque, 1938).,49[49] Still Ringing After All These Years: A Short History of Bells Disponível em http://www.bbc.co.uk/programmes/b018ct1c. Acesso em: 23 set. 2014.
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].

O primeiro passo é definir qual o tamanho do sino a ser fundido, o que irá também determinar a nota emitida quando ele soar. Isso é feito através do acúmulo de conhecimento empírico de mais de um milênio, sintetizado na Tabela 2. Nela, as relações entre a frequência da nota, o diâmetro da boca do sino e a sua massa são apresentadas. Estes dados devem ser entendidos mais como aproximados do que exatos, uma vez que pequenas alterações no formato do sino, mantendo a mesma massa e diâmetro, podem levar a resultados sonoros distintos [40[40] A. Lehr, Music Percept. 4, 267 (1987).]. Isso será discutido posteriormente.

Tabela 2
Relação entre as notas musicais da escala cromática cujas frequências correspondem à escala temperada, tomando a nota lá4 com frequência 440 Hz. Para cada nota musical é mostrada a massa e o respectivo diâmetro necessários para que o sino emita a respectiva nota como som fundamental, o qual corresponde ao som produzido pelo segundo modo normal de vibração. Os valores para a massa são aproximados, uma vez que as frequências dos modos de vibração dependem da forma do sino e o fato de que perde-se massa durante o processo de afinação. Adaptado da Ref. [6[6] A.D. Quadri, Arte Campanaria (Arte Tipografica, Nápoles, 2010).].

Um gabarito em madeira, correspondendo à metade da projeção do formato interno do sino, é construído e fixado a um eixo vertical que se encontra preso a uma base e que permite que este gabarito preso ao eixo gire de 360°. O gabarito é construído de forma a possuir exatamente o contorno interno do sino, e é utilizado para construir a primeira parte do molde, chamada de alma (em português, podemos encontrar a designação de macho para este molde interno). Sua primeira estrutura é construída com pequenos tijolos refratários, pedras ou pedaços de coque. Uma vez feita a estrutura com os pequenos tijolos, uma camada de argamassa é colocada sobre eles de forma a permitir um acabamento adequado da superfície da alma [6[6] A.D. Quadri, Arte Campanaria (Arte Tipografica, Nápoles, 2010).]. O gabarito, que rotaciona sobre o eixo vertical, permite ao construtor dar o formato simétrico exato à alma, como mostrado na Fig. 4.

Figura 4
Representação esquemática de como é construída a alma, molde da parte interna do sino. Um molde em madeira é colocado ao eixo central do sino. O molde pode girar, permitindo ao artífice a construção da alma de maneira simétrica em relação a este eixo vertical. É importante garantir essa simetria para que a parte interna do sino não provoque problemas de não alinhamento do sino depois de fundido, podendo levar a uma distribuição não homogênea da espessura a uma mesma altura. Ilustração criada a partir da Ref. [6[6] A.D. Quadri, Arte Campanaria (Arte Tipografica, Nápoles, 2010).].

A argamassa aqui utilizada possui em sua composição argila, areia, palha e crina de cavalo. Era comum a utilização de estrume de cavalo, porém ele não é mais tão utilizado por questões de higiene. Uma vez que a alma é colocada em seu formato final, esta peça deve ser reservada para que a argamassa seque. É possível expor a alma a temperaturas levemente mais altas do que a temperatura ambiente para facilitar a secagem. A Ref. [57[57] L. Sebastian, In: Trajectos na História (Museu Municipal de Coruche, Coruche, 2008), v. 3.] possui boas ilustrações do processo de construção dos moldes. Agora, uma peça maciça e de dimensões externas idênticas ao sino almejado é construída. Utiliza-se também pequenos tijolos e uma argamassa similar à empregada na construção da alma. Essa peça é o falso sino, uma vez que é idêntica ao sino, mas não se trata de forma alguma de um sino [6[6] A.D. Quadri, Arte Campanaria (Arte Tipografica, Nápoles, 2010).]. No falso sino todos os ornamentos desejados já devem estar presentes. Estes consistem de inscrições e desenhos em alto relevo feitos em cera, os quais devem ser aderidos à superfície do falso sino [4[4] S.N. Coleman, Bells Their History, Legends, Making, and Uses (Rand McNally, Chicago, 1928).]. Uma vez concluído, o falso sino será utilizado para a confecção do molde externo do sino final.

Para a confecção do molde externo do sino, pode-se utilizar tanto uma forma metálica quanto uma construída de argamassa, desde que suas dimensões sejam maiores do que as do sino a ser construído. O falso sino tem a sua superfície pulverizada com grafite em pó, visando minimizar a aderência da argamassa que entrará em contato com ele [55[55] Les voix de Notre-Dame: la résonnance des cloches. Disponível em http://www.francetvinfo.fr/feuilleton-1-5-les-voix-de-notre-dame-la-resonnance-des-cloches_283871.html. Acesso em: 23 set. 2014.
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]. O falso sino é então colocado sobre uma superfície horizontal plana e nivelada. Sobre ele é colocada a forma previamente construída, sendo que as duas partes devem estar devidamente alinhadas em relação ao eixo horizontal que passa pelo centro de ambas. Após o correto alinhamento, o conjunto é preso para evitar movimentos que possam causar algum desalinhamento [6[6] A.D. Quadri, Arte Campanaria (Arte Tipografica, Nápoles, 2010).].

Uma argamassa pouco viscosa é injetada através de aberturas na parte superior da forma. Esta argamassa passa a preencher o espaço existente entre a forma e o falso sino e o grafite em pó evita que ocorra uma forte adesão entre ela e a superfície do falso sino. Alguns dias depois, a argamassa seca completamente e o conjunto forma e falso sino é desmontado [5[5] S.N. Coleman, The Book of Bells (John Day, Nova Iorque, 1938).]. Para isso, é necessário quebrar o falso sino, porém sem danificar a argamassa que agora contém o formato do sino e todos os ornamentos. Neste estágio a argamassa passa a ser um molde, o qual é denominado de manto (em português, podemos encontrar a designação de fêmea para este molde externo) [57[57] L. Sebastian, In: Trajectos na História (Museu Municipal de Coruche, Coruche, 2008), v. 3.]. A limpeza do manto deve ser feita para que não fiquem resquícios de argamassa ou cera, o que causaria alterações no formato final do sino. Para a remoção de eventuais restos de cera, é comum utilizar um fluxo de ar quente de um soprador térmico. Na parte superior do manto existem canais que servirão para depositar o bronze fundido em um dos passos finais da fundição do sino [6[6] A.D. Quadri, Arte Campanaria (Arte Tipografica, Nápoles, 2010).].

Após estes processos, tanto o molde externo do sino como o molde interno estão finalizados. O próximo passo consiste em montar o manto sobre a alma em uma superfície horizontal. Nesta etapa do processo de fundição deve-se tomar muito cuidado para que o manto e a alma estejam com seus respectivos eixos verticais alinhados, de forma que os espaços vazios entre essas duas partes sejam sempre iguais em uma mesma altura. Caso não seja feita uma centralização adequada, o sino terá diferentes espessuras a uma mesma altura, o que pode prejudicá-lo do ponto de vista tanto estrutural quanto acústico [49[49] Still Ringing After All These Years: A Short History of Bells Disponível em http://www.bbc.co.uk/programmes/b018ct1c. Acesso em: 23 set. 2014.
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]. Uma vez que o alinhamento foi realizado com sucesso, o manto é fixado à base onde a alma foi construída para evitar movimentos que possam desalinhar a estrutura do conjunto, conforme mostrado na Fig. 5.

Figura 5
Croquis da estrutura montada antes do início da fundição do sino. A alma é denotada por A, o manto por M e *indica o canal por onde o bronze liquefeito é depositado. Ao lado de * existem dois canais para a saída de ar. O espaço vazio entre a alma e o manto, que possui o formato do sino a ser fundido e será preenchido por bronze liquefeito, está indicado em preto. No caso de sinos muito grandes (com massa da ordem de toneladas), essa estrutura costuma ser enterrada. Isso é feito tanto por razões de segurança quanto de estabilidade mecânica da estrutura, e ainda para que o resfriamento ocorra de maneira lenta. Ilustração criada a partir da Ref. [6[6] A.D. Quadri, Arte Campanaria (Arte Tipografica, Nápoles, 2010).].

No caso de sinos de dimensões pequena e média, o conjunto manto-alma fica no chão e o bronze fundido e liquefeito é depositado com um cadinho no espaço vazio entre a alma e o manto através dos canais e orifícios na parte superior do manto [57[57] L. Sebastian, In: Trajectos na História (Museu Municipal de Coruche, Coruche, 2008), v. 3.]. Já no caso de sinos de dimensões grandes, da ordem de algumas toneladas, essa estrutura geralmente fica enterrada. Os canais do manto ficam no nível do chão e o bronze liquefeito sai diretamente da fundição para preencher o espaço entre o manto e a alma, como mostrado na Ref. [55[55] Les voix de Notre-Dame: la résonnance des cloches. Disponível em http://www.francetvinfo.fr/feuilleton-1-5-les-voix-de-notre-dame-la-resonnance-des-cloches_283871.html. Acesso em: 23 set. 2014.
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]. Uma vez concluído esse processo, é necessário aguardar que o sino esfrie dentro do molde e o metal se solidifique, o que pode levar desde alguns dias para sinos pequenos até cerca de duas semanas para sinos cuja massa seja da ordem de toneladas.

Após o metal ter esfriado e solidificado-se, chega a hora de extrair o sino de dentro do molde formado pelo manto e pela alma. Para a extração é necessário quebrar a alma, que ficou na parte interna do sino, e depois quebrar a argamassa que ficou entre o sino e o molde utilizado para a confecção do manto, procedimento também mostrado em [55[55] Les voix de Notre-Dame: la résonnance des cloches. Disponível em http://www.francetvinfo.fr/feuilleton-1-5-les-voix-de-notre-dame-la-resonnance-des-cloches_283871.html. Acesso em: 23 set. 2014.
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]. Deve-se tomar um cuidado extremo para não causar nenhum dano ao sino quando se está quebrando o molde. Após ser retirado, o sino é limpo, sua sonoridade é avaliada e, eventuais ajustes na sua afinação são executados. Em particular, fundidores italianos, com a sua longa experiência na área, conseguem fazer sinos que já saem devidamente afinados - o que é motivo de orgulho desta escola nacional [6[6] A.D. Quadri, Arte Campanaria (Arte Tipografica, Nápoles, 2010).].

5. Física aplicada aos sinos

Antes de descrever como o sino vibra e o processo pelo qual ele é afinado, é importante relembrar alguns conceitos que serão utilizados daqui para frente. O primeiro é o conceito de harmônico: quando uma única corda é tocada em um violino, por exemplo, uma série de sons é emitida simultaneamente [58[58] J.P. Donoso, A. Tannús, F. Guimarães e T.C. Freitas, Revista Brasileira de Ensino de Física 30, 2305 (2008).]. Ao som com a menor frequência, o mais grave em termos musicais, é dado o nome de fundamental, aqui denotado por f0. Os outros sons emitidos, que possuem valores da frequência que são múltiplos inteiros da frequência fundamental, são denominados de harmônicos, tal que o n-ésimo harmônico segue fn = nf0, com n = 1, 2, 3... .

De maneira geral, no caso dos idiófonos, os sons produzidos juntos com o som fundamental possuem uma relação que não obedece uma regra de múltiplos inteiros da frequência fundamental. Neste caso, esses sons deixam de ser harmônicos e passam a ser chamados de parciais, sobretons ou ainda sobretons desarmônicos [59[59] I. Johnston, Measured Tones: The Interplay of Physics and Music (IOP, Londres, 1989).]. O sino é justamente um exemplo onde as frequências dos sobretons desviam significativamente das frequências harmônicas para um determinado som fundamental [60[60] A. Samolov, Telfor J. 2, 82 (2010).]. Isso, porém, não impediu os construtores desses instrumentos de encontrarem maneiras de alterá-los, de forma a modificar o som e obter sons mais próximos de harmônicos.

Em uma corda, existe o conceito de nó ou nodo, que é um ponto onde não existe movimento. Já para objetos com mais dimensões, o conceito passa a ser o de linha nodal, uma linha sobre a qual não existe movimento [61[61] T.C. Freitas and A. Laibida Jr., Physicæ 8, 19 (2009).]. Essas linhas são responsáveis pelos complexos desenhos que surgem em tampos e fundos de instrumentos musicais quando são feitas figuras de Chladni [58[58] J.P. Donoso, A. Tannús, F. Guimarães e T.C. Freitas, Revista Brasileira de Ensino de Física 30, 2305 (2008).]. O conceito de linha nodal pode ser utilizado para que se faça uma representação pictórica dos modos de vibração de um objeto como o sino.

Nesta representação as linhas nodais serão denotadas, bem como o modo com que elas dividem as partes vibrantes do sino, tanto de maneira longitudinal como de maneira circular [39[39] A. Lehr, J. Acoust. Soc. Am. 79, 2000 (1986).]. As linhas nodais meridionais, que ocorrem na vertical do sino, o dividem angularmente em partes que vibram para dentro e para fora em antifase. A projeção destas linhas sobre um círculo exemplifica como as partes vibrantes do sino estão divididas em função do número destas linhas. Já a linha nodal circular, que é apenas uma nos principais modos de vibração, divide o sino na vertical, em duas partes [26[26] T.D. Rossing (ed.), Acoustics of Bells (Van Nostrand, Reinhold, 1984).,31[31] T.D. Rossing and R. Perrin, App. Acoust. 20, 41 (1987).]. Essa linha nodal é um círculo ao redor do sino e está localizada a uma altura bem definida. Nos diferentes modos normais aqui estudados, alteram-se apenas a posição da linha nodal circular e o número de linhas nodais meridionais.

O ponto de maior deslocamento da posição de equilíbrio corresponde ao ponto onde o sino é atingido pelo badalo. Existe uma região nodal na parte superior do sino, por onde ele é pendurado [26[26] T.D. Rossing (ed.), Acoustics of Bells (Van Nostrand, Reinhold, 1984).]. Para representar as linhas nodais circulares utiliza-se a metade do croquis do sino e a ideia de que a parede do sino possui um movimento parecido com o de uma barra [59[59] I. Johnston, Measured Tones: The Interplay of Physics and Music (IOP, Londres, 1989).]. A parte superior do sino, onde se encontra a coroa, equivale à extremidade presa da barra, enquanto a extremidade da boca do sino corresponde à extremidade solta da barra. A analogia para por aqui, já que não é possível associar os modos de vibração da barra com os modos de vibração do sino.

Rayleigh [10[10] Lord Rayleigh, Phil. Mag. 29, 1 (1890).] ofereceu uma visão fascinante sobre investigação científica inicial das vibrações e sons de sinos. Um dos principais objetos de seu trabalho foi apresentar os resultados de um experimento realizado com vários sinos de igreja. Dado às dificuldades experimentais, tanto tecnológicas quanto ligadas às dimensões dos sinos, coube a Rayleigh fazer uma descrição qualitativa dos modos de vibração destes instrumentos. Esta análise apontou a existência das linhas nodais meridionais e verificou que o contorno inicialmente circular do sino torna-se elíptico quando ele está vibrando. Modos normais simétricos em torno do eixo vertical foram também reportados, mas nenhuma importância acústica foi atribuída aos mesmos. Foram feitas algumas tentativas de identificar os modos de vibração correspondentes aos diferentes tons de um sino de igreja, obtendo-se apenas sucesso parcial, uma vez que somente os modos de vibração correspondente aos cinco tons mais graves foram identificados. Nos seus experimentos, Rayleigh observou que o quinto tom corresponde a oitava nominal da tonalidade do sino.

Os modos de vibração de um sino são mostrados de maneira pictórica na Fig. 6, onde as linhas nodais são representadas por linhas tracejadas. Existem linhas nodais meridionais, que ocorrem na vertical e, linhas nodais circulares, que formam um círculo horizontal ao redor do sino. O número de meridianos nodais é dado por 2m, com m = 0, 1, 2, 3, …, enquanto o número de círculos nodais é n, com n = 0, 1, 2, 3, …. O primeiro modo normal de vibração do sino (A) é responsável pela produção de um som semelhante a um zumbido, o que lhe confere o nome, em inglês, de hum tone [47[47] W.A. Hibbert, The Quantification of Strike Pitch and Pitch Shifts in Church Bells Tese de Doutorado, The Open University, 2008.,62[62] T.D. Rossing, The Science of Sound (Addison-Wesley, New York, 1990).], aqui chamado de som de hum. Nesse modo existem quatro linhas nodais meridionais, de forma que o sino fica divido em quatro partes que se movem alternadamente para fora e para dentro. Possui frequência 0, 5f0, onde f0, corresponde à frequência do modo fundamental, B, formando com este um intervalo musical de 8a justa [63[63] B. Med Teoria da Música (MusiMed, Brasília, 1996).].

Figura 6
Representação pictórica dos cinco primeiros modos de vibração de um sino, de A até E. As informações sobre cada modo de vibração estão em colunas, sendo que a primeira linha da figura corresponde à representação do modo de vibração e as linhas tracejadas representam as linhas nodais meridionais e circulares. A segunda linha da figura é uma projeção da metade do perfil do sino, com o qual se faz a analogia parcial entre os modos de vibração do sino e uma barra presa em uma extremidade. Na terceira linha da figura é feita a projeção sobre um circulo das linhas nodais meridionais. A nomeclatura dos modos é: A som de hum; B fundamental; C terça (menor); Dquinta (justa); E oitava (justa). As frequências relativas são, respectivamente, 0,5 f0, 1,0 f0, 1,2 f0, 1,5 f0 e 2,0 f0. Detalhes de cada modo normal de vibração são discutidos no texto. Ilustração criada a partir da Ref. [62[62] T.D. Rossing, The Science of Sound (Addison-Wesley, New York, 1990).].

No segundo modo de vibração (B) - o qual recebe o nome de fundamental ou, em inglês, prime [64[64] N.H. Fletcher and T.D. Rossing, The Physics of Musical Instruments (Springer, New York, 1990).] - as quatro linhas nodais meridionais do primeiro modo se mantém. Além delas, surge uma linha nodal cirular localizada mais para a parte inferior do sino, o qual fica dividido em oito partes que vibram alternadamente, deslocando-se para fora e para dentro. Esse modo de vibração possui frequência f0, que é, de modo geral, muito próxima à frequência do som produzido pela pancada do badalo no sino, que recebe o nome de som da badalada ou strike tone, em inglês [47[47] W.A. Hibbert, The Quantification of Strike Pitch and Pitch Shifts in Church Bells Tese de Doutorado, The Open University, 2008.].

O terceiro modo normal (C) divide o sino em doze partes, sendo que passam a existir seis linhas nodais meridionais e uma linha nodal circular mais ou menos no meio do sino. A frequência deste modo corresponde a 1,2 f0, formando assim um intervalo musical de 3a menor com o modo fundamental [63[63] B. Med Teoria da Música (MusiMed, Brasília, 1996).].

Em (D), o quarto modo normal, continuam a existir seis linhas nodais meridionais e uma linha nodal circular, e o sino continua dividido em doze partes [64[64] N.H. Fletcher and T.D. Rossing, The Physics of Musical Instruments (Springer, New York, 1990).]. Este modo difere do terceiro na posição da linha nodal circular, a qual está localizada mais próxima da boca do sino. Sua frequência é 1, 5f0, que, musicalmente, é um intervalo de 5a justa com o modo fundamental [63[63] B. Med Teoria da Música (MusiMed, Brasília, 1996).].

Já no quinto modo normal (E), existem oito linhas nodais meridionais. A linha nodal circular está localizada mais próxima ao ombro do sino, o qual se encontra dividido em dezesseis partes [64[64] N.H. Fletcher and T.D. Rossing, The Physics of Musical Instruments (Springer, New York, 1990).]. A sua frequência é 2, 0f0, correspondendo a um intervalo musical de 8a justa com o som do modo fundamental.

Os cinco modos normais anteriormente descritos são os mais importantes na produção de som musical por um sino e, de forma geral, são estes cinco sons que são harmonizados (afinados) pelos construtores de sinos. Existem ainda três modos normais de vibração bem conhecidos que sucedem os anteriores [64[64] N.H. Fletcher and T.D. Rossing, The Physics of Musical Instruments (Springer, New York, 1990).]. São eles: sexto modo normal, com oito linhas nodais meridionais e uma linha nodal circular. Possui frequência 2, 5f0 e forma um intervalo musical de 3a maior com o som do quinto modo. O sétimo modo normal tem dez linhas nodais meridionais e uma linha nodal circular, com frequência 3, 0f0. Forma um intervalo musical de 5ajusta com o som do quinto modo. Finalmente, o oitavo modo normal tem 12 linhas nodais meridionais e uma linha nodal circular. Sua frequência é de 4, 0f0, formando um intervalo de 8a justa com o som do quinto modo. Uma análise de sinos reais feita por Oancea et al. [65[65] C. Oancea, C. Gheorghies and S. Condurache-Bota, Eur. J. Sci. Theol. 7, 103 (2011).] mostra que, de forma geral, os sinos podem ser harmonizados de forma que as relações entre as frequências dos diversos modos com o modo fundamental sejam muito próximas das idealizadas para formarem intervalos musicais bem definidos.

Os modos de vibração de um sino podem ser analisados a partir da teoria de grupos [29[29] R. Perrin and T. Charnley, J. Sound Vib. 31, 411, (1973).]. Para tanto, é preciso considerar o sino como sendo de material homogêneo, algo muito próximo da realidade, porém desconsiderando os ornamentos, que correspondem a apenas uma pequena fração da massa total do sino. Por fim a coroa, que é uma parte essencialmente estática, não entra na análise. Dessa forma, o sino pode ser gerado pela rotação do perfil no entorno de uma linha vertical. É fácil perceber que uma rotação de um ângulo ϕno entorno dessa linha vertical é uma operação de simetria, a qual será denotada por C(ϕ). No caso particular ϕ=0, essa é a operação identidade E. Outra operação de simetria é a reflexão especular do sino em um plano que contenha a linha vertical. Esta reflexão é denotada por σv, sendo que existem infinitos planos que contemplam a condição. O conjunto de operações de simetria formado por E, C(ϕ) e σv forma o grupo pontual Cv [66[66] A. Fazzio e K. Watari, Introdução à Teoria de Grupos (Editora UFSM, Santa Maria, 1998).].

O grupo Cv possui infinitas representações irredutíveis, também chamadas de simetrias. Às simetrias ∑+ e ∑ correspondem modos com m = 0, os quais não possuem meridianos nodais e não são importantes acusticamente [29[29] R. Perrin and T. Charnley, J. Sound Vib. 31, 411, (1973).]. Aos modos com m= 1, 2, 3 e 4, correspondem as simetrias П, Δ, Φ, Γ, respectivamente. A correspondência unívoca entre m e cada representação irredutível permite agrupar os modos de vibração em famílias com o mesmo número de meridianos nodais, mas que possuem um número variado de círculos nodais. Na Tabela 3, é feita uma síntese das informações sobre frequências, nomes, linhas nodais e simetria dos principais modos de vibração representados na Fig. 6.

Tabela 3
Modos de vibração, frequências relativas frel, nome do modo de vibração, número de círculos nodais n, número de meridianos nodais 2m e representação irredutível (simetria) de cada modo. *Na Ref. [29[29] R. Perrin and T. Charnley, J. Sound Vib. 31, 411, (1973).] o valor é n = 0 porém, verificou-se posteriormente a existência de um círculo nodal muito próximo à boca do sino.

O conhecimento das frequências naturais de um sistema vibrante é de suma importância para a sua utilização. No caso dos sinos, elas estão associadas diretamente às notas musicais produzidas. Dispor de uma relação que permita obter as frequências dos modos de vibração a partir dos números m e n foi o objeto dos trabalhos do grupo de Perrin [38[38] R. Perrin, T. Charnley, H. Banu and T.D. Rossing J. Sound Vib. 102, 11 (1985).]. A proposta consiste em modificar a lei de Chladni, inicialmente formulada para placas planas e não planas, de forma a torná-la aplicável aos sinos. A forma original da lei é dada por fm,n = Cn(m + 2n)2, onde fmn é a frequência do modo associado aos índices m,n e Cn é uma constante empírica que depende apenas de n. A lei de Chladni modificada para sinos é escrita com a inclusão de mais dois parâmetros empíricos, b e pn, conforme a Eq. (4). Essa forma empírica de descrever as frequências dos sinos mostrou-se capaz de se adequar a dados de mais de 60 diferentes modos de vibração, a única região que não é bem descrita [38[38] R. Perrin, T. Charnley, H. Banu and T.D. Rossing J. Sound Vib. 102, 11 (1985).] por essa lei modificada ocorre para m ≤ 2.

(4)fm,n=Cn(m+bn)pn.

Na década de 1890, Canon A.B. Simpson [11[11] C.A.B. Simpson, Pall Mall Mag. 7, 183 (1895).,12[12] C.A.B. Simpson, Pall Mall Mag. 10, 150 (1896).] conseguiu mostrar que os processos de afinação utilizados pelos fundidores de sinos por séculos estavam amparados cientificamente [59[59] I. Johnston, Measured Tones: The Interplay of Physics and Music (IOP, Londres, 1989).]. Ele mostrou que os cinco principais sons podem ser afinados separadamente uns dos outros, através de variações na espessura da parede do sino nos pontos que correspondem aos ventres destes modos, como mostrado na segunda linha da Fig. 6. Esse processo de afinação requer muito cuidado uma vez que, caso o sino seja deixado com uma espessura menor do que a desejada, torna-se impossível recuperá-lo sem que ele precise ser fundido novamente.

Quase cem anos depois dos trabalhos de Simpson, Lehr [40[40] A. Lehr, Music Percept. 4, 267 (1987).] realizou um estudo teórico, com simulações computacionais e um prático, com a construção - pelos fundidores de sino - dos modelos obtidos no computador. A abordagem utilizada para a modelagem dos sinos é a do Método dos Elementos Finitos, onde a estrutura complexa do sino é constituída de um número finito de elementos com formas simples. Usando a teoria das interpolações constrói-se uma formulação numérica, onde os elementos devem satisfazer algum critério de otimização de forma a produzir uma solução numérica [67[67] A.F.L. Nogueira, Revista Brasileira de Ensino de Física 29, 565 (2007).].

O objetivo de Lehr era alterar o sino de forma que o modo C - que corresponde a um intervalo terça menor com o som fundamental, caracterizando, na música ocidental, um som lúgubre - passasse a ser uma terça maior, intervalo associado a uma sonoridade mais alegre [63[63] B. Med Teoria da Música (MusiMed, Brasília, 1996).]. Após uma série de estudos baseados em simulações computacionais, chegou-se a uma nova forma para o sino, como mostrado na Fig. 7. A frequência do modo C no sino com forma alterada passa de 1, 2f0 para 1, 26f0. Posteriormente, os ‘sinos com terça maior’ foram fundidos. No entanto, o estudo foi aparentemente mais acadêmico do que uma proposta aceita pela indústria da fundição de sinos.

Figura 7
À esquerda representação do croquis de um sino ocidental tradicional e, à direita, do sino proposto por Lehr. Ilustração criada a partir das Refs. [6[6] A.D. Quadri, Arte Campanaria (Arte Tipografica, Nápoles, 2010).] e [40[40] A. Lehr, Music Percept. 4, 267 (1987).].

A partir dos dados da Tabela 2, pode ser realizada uma análise da dependência da frequência do modo fundamental dos sinos tanto com o seu raio quanto com sua massa. Intuitivamente, pode-se pensar que quanto maior o raio, maior o caminho que a onda estacionária no sino precisa percorrer, logo, menor será a sua frequência. Supondo que a frequência é inversamente proporcional ao raio, é possível propor uma relação entre a frequência f e o raio r da forma f(r) ∝ 1/r. Da mesma forma, analisando os dados, pode-se propor uma relação entre f e a massa m do sino que pode ser escrita da seguinte maneira f(m) ∝ 1/mn, com n a ser determinado. Fazendo o gráfico de f em função do inverso do raio, obtém-se uma reta. Ou seja: a relação foi linearizada [68[68] R. Custodio, J.C. Andrade e F. Augusto, Quím. Nova 20, 219 (1997).], como mostrado na Fig. 8. Pode-se ajustar uma reta f(R) = aR + b, onde R = 1/r, a = 184, 6 e b = −0,1264, mostrando que realmente f é inversamente proporcional a r. Procedendo da mesma forma para a relação entre frequência e massa, verifica-se que, quando n = 3, obtém-se a linearização da relação de forma que f(M) = a′M + b′, onde M = 1/m3, a′ = 3010,8 e b′ = 14,069, indicando uma relação da forma f1/m3. Essa breve análise serve como indicador, para este conjunto de dados, de como a frequência do modo fundamental do sino depende do raio e da sua massa.

Figura 8
Dependência da frequência do modo fundamental do sino como função do inverso do raio da boca e como função do inverso da raiz cúbica da massa. Círculos representam valores obtidos dos dados da Tabela 2, traço contínuo representa a reta ajustada aos dados.

6. Conclusões

Este artigo traz informações sobre o sino, instrumento musical classificado como idiófono percutido. Primeiramente o sino foi discutido como um objeto, como sua forma e como ele ocorre. Geralmente os sinos aparecem em torres de igreja em diversas formas, desde um sino solitário até um conjunto de alguns instrumentos. Eles também podem ocorrer em um conjunto de dezenas de unidades que formam um carrilhão. Foi realizada uma revisão bibliográfica onde constam os principais trabalhos de cunho científico sobre os sinos, assim como sobre a sua fundição. Os usos musical e litúrgico dos sinos, bem como algumas particularidades e tradições foram apontadas de forma sucinta. Uma descrição de todo o processo de construção de formas e da fundição segue na sequência, atentando-se para a clareza em relatar os principais passos e processos envolvidos. Finalmente, uma descrição de como o som é produzido pelos sinos foi apresentada através de uma análise do ponto de vista da física, dando ênfase na descrição do comportamento dos seus modos normais e como alterações geométricas afetam esses modos e são empregadas em ajustes na sonoridade final do instrumento.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Prof. Evaldo Ribeiro, ao Prof. José Roberto do Carmo Jr., ao Fabio A.S. Rahal e à Claudia L. Borio pelas sugestões e ideias que deram para este trabalho. Agradecemos também à Raisa R. Jakubiak pelo auxílio com a revisão textual e à Andressa Brotto pela cuidadosa revisão geral.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    29 Set 2014
  • Aceito
    28 Fev 2015
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