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Uma discussão sobre as aproximações na determinação do período máximo de um pêndulo simples

A discussion on approximations for the determination of the maximum period of a simple pendulum

Resumos

Neste trabalho discutimos os cuidados que se deve tomar em fazer aproximações e nos termos que são desprezados, no caso particular da expressão para o período máximo de um pêndulo longo oscilando nas proximidade da superfície terrestre.

Palavras-chave:
pêndulo simples; período máximo


In this paper we deal with the care one must have in adopting approximations in regard with terms that we choose to discard in the particular case of the expression for the maximum period of a long pendulum oscillating near the surface of the Earth.

Keywords:
simple pendulum; maximum period


1. Introdução

Em quase sua totalidade, os fenômenos físicos são tratados de forma aproximada. Algumas vezes, efeitos de menor importância são negligenciados, outras vezes, correções de maior ordem são desprezadas quando expansões são realizadas. Assim, é fundamental para os estudantes dos cursos de ciências exatas, em especial os de física, o domínio no emprego de aproximações, principalmente saber quais termos estão fora da região de validade de suas aproximações e que, portanto, podem ser desprezados. Ainda, os estudantes devem saber reconhecer se ao considerar novos efeitos (particularmente aqueles de menor importância) esses estão ou não fora da região de validade das aproximações realizadas ou se ao considerar correções de maior ordem essas não são de mesma ordem dos efeitos de menor importância desconsiderados inicialmente.

Contudo, é notório para nós, professores, a enorme dificuldade que a maioria dos estudantes têm em lidar com aproximações. Reconhecer que termos podem ser desprezados pode representar um considerável desafio para eles. Em geral, a abordagem deles é feita quase automaticamente, sem o cuidado necessário e, desta forma, conduzindo-os a resultados equivocados.

A determinação do período máximo para um pêndulo simples oscilando nas proximidades da superfície terrestre é um bom exemplo de situação onde o cuidado com o tratamento das aproximações é absolutamente necessário. Inicialmente, a aproximação para pequenas oscilações é considerada e termos de maior ordem no ângulo de oscilação θ são desprezados. Depois, para se determinar o período máximo, toma-se o limite para o infinito do comprimento do pêndulo. Mas, como veremos mais adiante, este procedimento deve ser realizado com cautela, levando-se em conta as condições nas quais as aproximações são válidas e o significado físico de tais condições.

Até onde sabemos, foi Gough quem primeiramente chamou a atenção na literatura que, mesmo para pequenos ângulos de oscilação, o período de um pêndulo simples em um vácuo perfeito, suspenso de um suporte perfeitamente rígido por um fio inextensível, não é 2πLg devido ao raio de curvatura da Terra [1[1] W. Gough, Eur. J. Phys. 4, 53 (1983).].

O objetivo deste trabalho é calcularmos explicitamente o período máximo de um pêndulo simples oscilando nas proximidades da superfície terrestre e, através dele, discutirmos os cuidados que os estudantes devem tomar no uso de aproximações e as condições em que os termos desprezados estão fora da região de validade da aproximação. Além disso, pretendemos mostrar como o uso ingênuo de resultados descuidados pode levar a conclusões equivocadas.

Embora a determinação do período máximo de um pêndulo simples não seja inédita, ela é pouco conhecida, e seu cálculo não é tão elementar. Assim, é necessária uma demonstração explícita, mostrando a decomposição das forças que agem e a aplicação da segunda lei de Newton. Além disso, nos trabalhos encontrados na literatura [1[1] W. Gough, Eur. J. Phys. 4, 53 (1983)., 2[2] L.M. Burko, Eur. J. Phys. 24, 125 (2003).], não é discutida a validade das aproximações consideradas, como pretendemos fazer neste trabalho.

A idéia de usar o pêndulo simples como cenário para se discutir algum assunto específico não é nova na literatura. Em 2008, J. Clement usou o pêndulo simples para ilustrar que os estudantes tinham um mal entendimento dos conceitos primitivos da mecânica clássica [3[3] J. Clement, Am. J. Phys. 50, 66 (1982).]. Além disso, o estudo do pêndulo simples é importante, não só porque é um dos mais frequentes problema encontrado nos livros didáticos dos cursos de graduação, mas também porque uma enorme quantidade de outros problemas pode ser reduzida a um problema semelhante ao do pêndulo simples.1 1 Embora aparentemente simples, o estudo de um pêndulo simples pode ser um problema muito rico, como pode ser visto nas Refs. [4–26].

O artigo está organizado da seguinte maneira. Na seção 2, calculamos o período para amplitudes de pequenos ângulos de um pêndulo simples nas proximidades da superfície terrestre considerando os efeitos da curvatura finita da Terra. Na seção 3, determinamos o período máximo como o limite do período do pêndulo simples quando o comprimento do fio vai para infinito. Por fim, nossas considerações finais e conclusões são apresentadas na seção 4.

2. Período de um pêndulo simples nas proximidades da superfície terrestre

O caso físico de interesse aqui é um pêndulo formado por um fio de massa desprezível e comprimento L, e uma partícula pontual de massa m realizando pequenas oscilações nas proximidades da superfície terrestre, ou seja, um pêndulo simples.

Para um observador na superfície da Terra, as forças que atuam sobre m são a atração gravitacional exercida pela Terra, a tensão exercida pelo fio e as forças fictícias2 2 Devido à rotação da Terra, um referencial fixo na superfície terrestre é não-inercial. O movimento é convenientemente analisado como uma combinação de uma rotação de velocidade angular ω, considerando coincidir as origens dos referenciais, e uma translação de seus eixos - um movimento circular e uniforme - com velocidade ω×r [27]. associadas ao referencial girando fixo à Terra. Estas forças fictícias são as bem conhecidas forças de Coriolis e centrífuga.

Na Fig. 1, representamos os principais eixos necessários para a descrição do problema. Y é o eixo de rotação da Terra e X um eixo ortogonal a Y, de forma que o pêndulo - massa e fio - esteja no plano XY no instante mostrado. Agora, Y’ é um eixo que passa pelo centro da Terra e pelo ponto de fixação do fio e X’ é ortogonal a Y’, também no plano XY no instante mostrado. A figura indica esquematicamente as forças que atuam sobre m, exceto a força de Coriolis FCoriolis=2mω×r˙ entrando obliquamente na página, com componentes perpendicular e paralela relativamente ao plano da figura. A situação descrita aqui corresponde ao caso em que o ponto mais baixo da trajetória ocorre na latitude π2θ0, onde o eixo eρ, ao longo do fio do pêndulo, é antiparalelo ao eixo Y’. O eixo et é perpendicular ao eixo eρ e também é tangente à trajetória da massa m.

Figura 1
Pêndulo nas proximidades da superfície da Terra.

A fim de não se perder o foco no objetivo do trabalho, desviando a atenção do leitor para a complexidade da resolução quando as forças fictícias de Coriolis e centrífuga estão presentes, vamos desconsiderar a rotação da Terra. A principal vantagem de negligenciarmos a força de Coriolis é que o pêndulo então oscila em um plano fixo, de modo que a trajetória da massa é um arco de uma circunferência de raio igual ao comprimento do fio. Dessa forma, todos os eixos da Fig. 1 estarão no mesmo plano em todos os instantes. Assim, podemos definir os vetores unitários êt e êρ, respectivamente, tangente e perpendicular ao arco descrito em cada instante de tempo. Finalmente, sem perda de generalidade, podemos considerar também que este plano - o plano de oscilação - é paralelo a um meridiano terrestre (por causa da simetria esférica).

Com essas simplificações, para um observador na proximidade da superfície da Terra,3 3 Em um referencial inercial, uma vez que o movimento da Terra é desconsiderado. as forças que atuam sobre m são a tensão FT, ao longo do fio, e a atração gravitacional terrestre FG, ao longo da direção radial apontando para o centro da Terra. Estas forças são mostrados na figura Fig. 2, onde temos realizado uma rotação no sistema de coordenadas a fim de representarmos o eixo Y’ na direção vertical. Essa rotação foi realizada apenas por uma questão de simplicidade e para proporcionar uma melhor visualização.

Figura 2
Pêndulo nas proximidade da superfície terrestre desconsiderando o movimento da Terra.

Para uma melhor compreensão da análise da oscilação do pêndulo que se segue, é conveniente decompormos a força gravitacional sobre os eixos et e eρ. A Fig. 3 mostra como as componentes ao longo desses eixos são obtidas (eixos X’ e Y’ também são exibidos para referência). Assim, como indicado na figura, a força de atração gravitacional exercida pela Terra sobre a massa m é dada por

(1) F G = F G sin ( β + θ ) ê t + F G cos ( β + θ ) ê ρ ,
Figura 3
Componentes da força gravitacional sobre os eixos et e eρ.

isto é,

(2) F G = F G ( c o s β s i n θ + s i n β c o s θ ) ê t F G ( s i n β s i n θ c o s β c o s θ ) ê ρ .

Nessa expressão, FG é a intensidade da atração gravitacional dada pela Lei de Newton da gravitação universal. Então

(3) F G = G m M d 2 ,

onde G é a constante gravitacional, M é a massa da Terra e d é a distância de m até o centro da Terra (veja Figs. 1 and 2).

A tração exercida pelo fio sobre a massa m tem direção do eixo eρ, portanto dada por FT=FTêρ.

Uma vez que m oscila próxima à superfície terrestre, como uma primeira aproximação podemos desprezar a curvatura da Terra e considerar que dR e β0, onde R é o raio da Terra. Fisicamente isso é equivalente a considerar a força gravitacional sempre na direção vertical.4 4 Exceto por irregularidades do terreno, a aceleração efetiva da gravidade sempre é perpendicular à superfície terrestre, mesmo se a rotação da Terra for considerada. Neste caso, esta força não é nada mais do que a “força” peso que age na massa m. Com estas considerações, a Eq. (2) fica

(4) F G G m M R 2 sin θ ê t + G m M R 2 cos θ ê ρ .

Aplicando a segunda Lei de Newton para o movimento da massa m na direção tangencial, temos

(5) L d 2 θ d t 2 g sin θ ,

onde g=GM/R2 é o módulo da aceleração da gravidade.

Para pequenas oscilações, nós podemos considerar sinθθ, e escrevermos

(6) d 2 θ d t 2 g L θ .

Assim, obtemos o bem conhecido resultado para o período de um pêndulo simples realizando pequenas oscilações nas proximidades da superfície da Terra,

(7) T 0 2 π L g .

Logo, esse resultado mostra que o período de um pêndulo simples é, com boa aproximação, independente da amplitude do movimento.

Uma análise ingênua do resultado (7) nos leva à conclusão equivocada de que o período de um pêndulo simples oscilando nas proximidades da superfície da Terra cresce indefinidamente com o aumento do comprimento do pêndulo L. O leitor provavelmente está se perguntando por que equivocada, se, a princípio, ainda temos que dR e também que o ângulo β ainda continua a ser pequeno, com L aumentando, visto que as oscilações continuam a ocorrer na proximidade do superfície terrestre. Como mostraremos à frente, isso nem sempre é verdade, porque a curvatura da Terra precisa ser considerada quando o comprimento do pêndulo aumenta excessivamente.

A Fig. 2 descreve os detalhes relativos aos ângulos de interesse, de onde podemos facilmente concluir que

(8) sin β = x d = L d sin θ L R sin θ .

Portanto, quando L não é muito menor do que R, a razão L/R não é muito menor do que 1 e sinβ não pode mais ser desprezado. Além disso, devemos lembrar que L pode assumir qualquer valor, maior ou muito maior que R, portanto, sinβ pode não ser desprezível mesmo na caso em que θ seja pequeno.

2.1. Aproximações para amplitudes de pequenos ângulos θM

Nesta subseção, por pequenas oscilações entendemos amplitudes de ângulos muito pequenos, isto é, θθM com θM1.

De acordo com a Fig. 2, a distância d entre o centro da Terra e a massa m está relacionada à distância horizontal x que separa m do eixo vertical Y’ através de

(9) d 2 = R 2 1 + 2 h R + h 2 R 2 + x 2 ,

onde h está representado na Fig. 4 (veja também Fig. 1).

Figura 4
Pêndulo próximo à superfície terrestre, mostrando as distâncias h, h0, and y.

A Fig. 4 fornece uma visão expandida da geometria de oscilação acima da superfície da Terra, na qual introduzimos a distância vertical y entre o ponto mais baixo que m pode atingir e sua posição em um instante de tempo qualquer. Vemos então que y=LLcosθ e h=hO+y, onde hO é a menor distância entre a superfície terrestre e a massa m. Assim, obtemos

(10) h = h 0 + L 1 cos θ .

Expandindo cosθ em potências de θ, temos5 5 O(θ4) representa termos de ordem 4 ou superior, isto é, termos de potência θn, onde n é um inteiro e n≥4.

(11) h = h 0 + L θ 2 2 + O θ 4 .

Para pequenas oscilações, podemos desprezar os termos de maior ordem em θ e obter

(12) h h 0 + L θ 2 2 .

Ainda, da Fig. 4 vemos que

(13) x = L sin θ .

Agora, a expansão de sinθ em potências de θ conduz a

(14) x = L θ + O θ 3 .

Mais uma vez, para pequenas oscilações, desprezamos termos de maior ordem em θ e obtemos

(15) x L θ .

Substituindo as Eqs. (12) e (15) na expressão (9), chegamos à equação

(16) d 2 = R 2 1 + 2 h 0 R + h 0 2 R 2 + 1 + h 0 R + L R L R θ 2 + O θ 4 .

Uma vez que a massa m oscila nas proximidades da superfície terrestre, é válido considerarmos h0R, isto é, h0R1. Isto implica que termos de Oh0R são deprezíveis quando comparados a 1 no interior dos parênteses do primeiro e do segundo termo da expressão acima. Portanto, em ordem θ2, temos

(17) d = R 1 + L R + L 2 R 2 θ 2 1 2 ,

e

(18) 1 d = 1 R 1 L R + L 2 R 2 θ 2 2 .

A princípio, para pequenas oscilações do pêndulo, podemos desprezar os termos de Oθ2 da Eq. (17) (e da Eq. (18)). No entanto, como veremos à frente, este é um procedimento ingênuo e deve ser realizado cuidadosamente.

Por ora, seguimos com essa suposição ingênua sobre o domínio de validade das aproximações e obtemos

(19) d = R .

Agora, das Eqs. (14) e (18), temos para sinβ que

(20) sin β = x d L R 1 L R + L 2 R 2 θ 2 2 θ .

Depois de desprezarmos termos de Oθ3 (ou usarmos as aproximações (15) e (19)), nós obtemos

(21) sin β L R θ .

Além disso, uma aproximação até segunda ordem em θ para cosβ conduz ao resultado

(22) cos β = 1 sin 2 β 1 2 1 L 2 θ 2 R 2 1 2 ,

isto é,

(23) cos β 1 L 2 2 R 2 θ 2 .

Assim, para a aproximação considerada até agora, desprezamos os termos de Oθ2 e continuamos a usar cosβ=1.

Desta forma, a componente tangencial da força gravitacional (2) fica dada por

(24) ( F G ) t m g 1 + L R θ ê t .

Aplicamos a Segunda Lei de Newton sobre a massa m, obtemos, para a componente tangencial do movimento,

(25) d 2 θ d t 2 g L 1 + L R θ .

A Eq. (25) mostra que, na ordem na qual estamos considerando, a massa m realiza um movimento harmônico simples na variável θ (ou com respeito ao arco s=Lθ) com período de oscilação dado por

(26) T = 2 π L g 1 + L R .

É conveniente definirmos uma nova variável adimensional u:=L/R e reescrevermos o período de oscilação como

(27) T = 2 π R g u u + 1 1 2 .

3. Período máximo

Então, diferentemente da predição da Eq. (7) que o período de um pêndulo oscilando nas proximidades da superfície terrestre cresceria indefinidamente com o aumento do comprimento do pêndulo, a Eq. (26) ou a Eq. (27) acima mostra que, na verdade, o período se aproxima assintoticamente de um valor máximo Tmax dado pelo limite L ou u,

(28) T m a x = 2 π R g .

Para obtermos uma estimativa do valor de Tmax, consideremos o raio da Terra R̄=6,371×106m e o módulo da aceleração da gravidade g=9,807ms2, então Tmax5.064s84,40min.6 6 Em um interessante trabalho, Robert H. Romer chamou a atenção para que muitos problemas mecânicos têm como resultado ≈42,20min [28].

As Figs. 5 e 6 mostram esse comportamento assintótico. Na Fig. 6, o eixo u está em uma escala logarítmica para melhor exibir a tendência assintótica quando u. No limite u1, a expressão (27) acima conduz a TT0, como esperado.

Figura 5
Período para um pêndulo longo próximo à superfície terrestre, mostrando o comportamento assintótico no limite Tmax=2πRg quando L.
Figura 6
Período de um pêndulo longo, mostrando o comportamento assintótico no limite Tmax=2πRg quando u.

Embora aparentemente razoável, o resultado (28) foi obtido em uma análise ingênua e pode não ser válido mesmo para amplitudes de pequenos ângulos. O equívoco está em desprezarmos termos de Oθ2 (isto é, de potências θn, com n2) das Eqs. (18), (20) e (23), pois os coeficientes daqueles termos dependem do parâmetro L, o qual pode assumir qualquer valor. Isto ocorre porque a razão LR cresce com o aumento de L de forma que os primeiros termos desprezados de d, sinβ e cosβ podem se tornar de ordem θ ou de ordem menor que θ, o que tornaria nossa aproximação inválida. É fácil ver que se L cresce até que LR1θM, então o termo L2R2θ2 não é mais desprezível em relação a 1. Consequentemente, esse termo não está mais fora da região de validade de nossa aproximação. Portanto, em uma abordagem mais cuidadosa, devemos impor que nossas aproximações somente são válidas desde que seja satisfeita a condição

(29) L R 1 θ M ,

onde θM é a amplitude angular de oscilação do pêndulo.

O leitor pode estar se perguntando se não existem termos LR de potências maiores que dominariam para grandes valores de L. Mas, o leitor pode verificar que as substituições das expressões (11) e (14) na Eq. (9) conduz a

(30) d = R 1 + L R θ 2 + O θ 4 + L 2 R 2 θ 2 + O θ 4 1 2 .

Então, para pequenos ângulos θ, ou seja, |θ|θM com θM1, podemos desprezar termos de Oθ4 em comparação com os de ordem θ2, o que garante a validade da condição (29). Além disso, os termos significativos nas expansões restantes são da forma LθnR2, que são menores que 1 para L satisfazendo a condição (29).

Uma análise física nos permite entender melhor o que acontece. Se aumentamos o comprimento do pêndulo mantendo a amplitude angular fixa, mesmo para pequenos θM, a distância xmax (amplitude de deslocamento horizontal) cresce muito, de forma que a massa m se afasta demais da superfície, devido à curvatura da Terra. Neste caso, a distância d do centro da Terra à massa m não pode mais ser considerada aproximadamente igual ao raio da Terra R, e nem o ângulo β se mantém pequeno. A Fig. 7(a) é uma maneira de mostrar a situação aqui descrita, mostrando duas representações do pêndulo com a mesma amplitude angular de oscilação θM mas com comprimentos diferentes do fio do pêndulo.

Figura 7
Duas situações que mostram o efeito da variação do comprimento do pêndulo. Em (a), o comprimento é aumentado e a amplitude angular de oscilação θM é mantida fixa. Em (b), é a amplitude linear xmax que é mantida fixa.

A análise física feita no parágrafo anterior nos dá uma dica de como realizar uma abordagem adequada que evite o problema mencionado. Se a amplitude de deslocamento horizontal xmax da massa m, medida a partir de eixo Y’, é mantida fixa, então a amplitude angular θM deve diminuir quando o comprimento L do pêndulo cresce, de modo que a condição (29) é satisfeita. Esta situação está representada na Fig. 7(b), mostrando que para xmax permanecer constante, θM deve diminuir quando L cresce.

4. Considerações finais

O principal objetivo deste trabalho é discutir a utilização das aproximações na resolução de problemas físicos, chamando a atenção principalmente para os cuidados que devemos ter quando desprezamos determinados termos, ou seja, como escolher quais termos podem ser considerados desprezíveis a fim de obtermos resultados corretos na região de validade de nossas aproximações.

Ainda que o problema estudado possa ser considerado apenas como um problema acadêmico, ele não é de maneira alguma um exemplo pobre. Na verdade, a determinação do período máximo de um pêndulo nas proximidades da superfície terrestre ilustra, de uma maneira simples, os pontos essências que queremos chamar a atenção do leitor. Na determinação do período, a princípio, os termos de Oθ2 são desprezados quando o pêndulo realiza pequenas oscilações. Entretanto, como mostramos, isso deve ser feito com algum cuidado, pois diversos desses termos são de fato de OLRθ2 ou OL2θ2R2. Portanto, ao tomarmos o limite L para determinarmos o período máximo, a razão LR cresce tanto que pode tornar os termos anteriormente citados não mais desprezíveis, mesmo para pequenas oscilações. Dizendo de outra forma, esses termos podem atingir a mesma ordem dos termos inicialmente mantidos na aproximação, isto é, estarem dentro da região de validade da aproximação. Assim, para garantirmos a validade da Eq. (26) e, também, do limite Tmax, é necessário impormos a condição LR1θM. Mostramos que isso é fisicamente equivalente a fazer a amplitude angular θM diminuir quando o comprimento L do pêndulo cresce. Assim, do exposto acima, concluímos que, para obtermos o período máximo de um pêndulo simples oscilando nas proximidades da superfície terrestre, o termo “pequenas oscilações” deve ser entendido como pequenas amplitudes de deslocamentos horizontais xmax. Portanto, neste caso, é efetivamente válido tomar o limite L para determinarmos o período máximo de oscilação Tmax=2π(Rg)12, pois mesmo se o comprimento do pêndulo L cresce indefinidamente o resultado (26) permance dentro do domínio de validade das aproximações consideradas.

Como dissemos no início da seção 1, não só os termos de maior ordem são desprezados, mas também efeitos de menor importância são desconsiderados. Então, é importante, mesmo que brevemente, discutirmos como os efeitos da rotação terrestre podem influenciar nos resultados obtidos até agora. A força centrífuga que atua sobre a massa m modifica o período com um termo de correção de menor ordem, cujo valor máximo (na linha do Equador) é igual a Rω2g104. Então, esse termo é predominante para pequenos comprimentos L, e os gráficos das Figs. 5 ou 6 não são confiáveis (na região de pequenos L). No entanto, quando o comprimento cresce muito, o termo LR domina. Assim, grosseiramente podemos concluir que os efeitos da aceleração centrífuga sobre a determinação do período máximo de oscilação de um pêndulo nas proximidades da superfície terrestre estão fora da região de validade das aproximações consideradas e o resultado (28) é totalmente adequado (se a condição LRθ1 é satisfeita). Além disso, como é bem conhecido [27[27] Walter Greiner, Classical Mechanics - Systems of Particles and Hamiltonian Dynamics (Springer-Verlag, New York, 2010), 2nd ed., 29[29] S.T. Thornton and J.B. Marion, Classical Dynamics of Particles and Systems (Thomsom Books, New York, 2003), 5th ed., 30[30] G.R. Fowles and G.L. Cassiday, Analytical Mechanics (Saunders College Publishing, New York, 2004), 7th ed.], a força de Coriolis faz com que a massa m deixe de oscilar em um plano fixo, e seu movimento pode ser descrito como a combinação de dois movimentos harmônicos de períodos iguais a T=2π(Lg)12. Isto é válido para a contribuição da força de Coriolis quando somente pequenas oscilações são consideradas e os efeitos da curvatura finita da Terra são negligenciados. O cálculo dos efeitos da curvatura finita da Terra nessas condições são complexos e fogem dos objetivos deste trabalho.

Finalmente, se os efeitos de curvatura finita da Terra são suficientemente relevantes para serem considerados, então os efeitos do gradiente gravitacional devem também ser levados em conta na determinação do período do pêndulo simples, isto é, os efeitos sobre a aceleração da gravidade g devido à não homogeneidade da Terra [31[31] B.H. Suits, Eur. J. Phys. 27, L7 (2006).].

  • 1
    Embora aparentemente simples, o estudo de um pêndulo simples pode ser um problema muito rico, como pode ser visto nas Refs. [4[4] L.P. Fulcher and B.F. Davis, Am. J. Phys. 44, 51 (1976).26[26] M. Turkyilmazoglu, Eur. J. Phys. 31, 1007 (2010).].
  • 2
    Devido à rotação da Terra, um referencial fixo na superfície terrestre é não-inercial. O movimento é convenientemente analisado como uma combinação de uma rotação de velocidade angular ω, considerando coincidir as origens dos referenciais, e uma translação de seus eixos - um movimento circular e uniforme - com velocidade ω×r [27[27] Walter Greiner, Classical Mechanics - Systems of Particles and Hamiltonian Dynamics (Springer-Verlag, New York, 2010), 2nd ed.].
  • 3
    Em um referencial inercial, uma vez que o movimento da Terra é desconsiderado.
  • 4
    Exceto por irregularidades do terreno, a aceleração efetiva da gravidade sempre é perpendicular à superfície terrestre, mesmo se a rotação da Terra for considerada.
  • 5
    O(θ4) representa termos de ordem 4 ou superior, isto é, termos de potência θn, onde n é um inteiro e n4.
  • 6
    Em um interessante trabalho, Robert H. Romer chamou a atenção para que muitos problemas mecânicos têm como resultado 42,20min [28[28] Robert H. Romer, Phys. Teach. 41, 286 (2003).].

Referências

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  • [26] M. Turkyilmazoglu, Eur. J. Phys. 31, 1007 (2010).
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  • [28] Robert H. Romer, Phys. Teach. 41, 286 (2003).
  • [29] S.T. Thornton and J.B. Marion, Classical Dynamics of Particles and Systems (Thomsom Books, New York, 2003), 5th ed.
  • [30] G.R. Fowles and G.L. Cassiday, Analytical Mechanics (Saunders College Publishing, New York, 2004), 7th ed.
  • [31] B.H. Suits, Eur. J. Phys. 27, L7 (2006).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2015
  • Aceito
    18 Out 2015
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