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Mecanismos de alargamento de linhas espectrais atômicas

Line broadening mechanisms of atomic spectral lines

Resumos

Os espectros de energia de átomos idealizados (isolados, parados e em temperatura 0K) são constituídos por um conjunto de linhas muito estreitas. Contudo, no mundo real, verifica-se que cada uma destas linhas são alargadas pela ação de vários tipos de influências externas. Uma discussão simplificada é apresentada sobre seus mecanismos e como cada um deles atua isoladamente sobre as linhas espectrais. O caso de dois ou mais mecanismos atuando juntos é também considerado. Técnicas de afinamento de linha para relevantes aplicações são mencionadas, incluindo algumas que usam o controle da largura e da forma da linha laser.

Palavras-chave:
alargamento de linha; afinamento de linha; linha do laser


The energy spectra of idealized atoms (isolated, at rest and temperature 0K) are constituted by a set of very narrow lines. However, in the real world one verifies that each of these lines are enlarged by the action of various types of external influences. A simplified discussion is presented about their mechanisms and how each type of them acts isolated upon a thin spectral line. The case of two or more types of these mechanisms acting conjunctly is also considered. Line narrowing techniques for relevant applications are mentioned, including others using the control of the widths and the shapes of a laser line.

Keywords:
line broadening; line narrowing; laser line


1. Introdução

Nos cursos de graduação em Física, Engenharia e Química o estudo das ondas eletromagnéticas tem grande importância em vista do enorme número de suas aplicações. Dentre elas podemos citar: i) a utilização na área de telefonia móvel, rádio e TV, onde as transmissões são realizadas através de propagação não guiada (via satelites e antenas) ou propagação guiada (sistemas baseados em fibras ópticas) [1[1] H.M. Nussenzveig, Introduction to Quantum Optics (Gordon & Breach Science Publishers, London, 1973).10[10] C.A. Dartora, K.Z. Nobrega, M.H.K. Matielli, F.K.R. Campos e H.T. Santos Filho, Rev. Bras. de Ens. de Fis, 33, 1307 2011).]; ii) na área da saúde, onde são amplamente empregadas no tratamento do câncer e na oftalmologia, com o uso dos lasers; iii) na área militar, etc. Os sinais eletromagnéticos são emitidos por grandes antenas e captados por antenas receptoras de radios ou TVs. No caso de ondas luminosas (~1014-1015Hz), os emissores são antenas minúsculas, microscópicas: os átomos. Neste trabalho cuidaremos dos aspectos e conceitos básicos relacionados ao alargamento da frequência dos sinais emitidos pelos átomos, de modo simplificado facilitando o entendimento. Também usaremos um tratamento matemático necessário na descrição dos conceitos e efeitos envolvidos. Tratase de um tópico importante e pouco explorado em sua generalidade nos cursos de graduação e pósgraduação.

2. Espectro Atômico

O espectro atômico resulta do conjunto de níveis energéticos que todo átomo possui, variando de átomo para átomo. Os átomos excitados se comportam como antenas emissoras de ondas eletromagnéticas. É dos níveis de energia atômicos que uma variedade de radiações são emitidas, tanto na forma de luz visível (~1014Hz) quanto invisível: ultra-violeta (~1015Hz), Raio-X (~1016-1018Hz), infra-vermelho (~1013Hz), infra-vermelho distante (~1012Hz), etc. Nos livros textos de física básica essas radiações emitidas pelos átomos aparecem desenhadas como se fossem emitidas por átomos parados, sem interação uns com os outros, em temperatura absoluta T=0K, isolados do resto do universo, assim protegidos de influências externas. Essa seria a situação ideal, a mais simples para tratar o problema. A representação dessa situação ideal é do tipo mostrado na Fig. (1) para o caso do átomo de Hidrogênio, o mais simples da natureza: um próton e um elétron.

Figura 1
Diagrama de níveis atômicos de energia do átomo de Hidrogênio.

Conforme o título deste trabalho de divulgação, o que chamamos de alargamento de linha está ilustrado na passagem da Fig. (2a) para a Fig. (2b): é quando uma linha fina, ‘monocromática’ na Fig. (2a) transforma-se em uma banda de linhas representando frequências, distribuidas sob uma função ‘envelope’ que passa por um máximo em ω=ω0, mostrado na Fig. (2b).

Figura 2
Passagem da linha fina em (2a) para linha alargada em (2b)

Enquanto a Fig. (2a) indica o átomo ideal tendo linhas finíssimas, emitindo luz ‘monocromática’ de frequência (ou cor) bem definida, a Fig. (2b) indica o átomo real tendo a linha alargada, uma banda de linhas representando frequências, as mais prováveis estando na vizinhança do máximo ω0 dessa banda. O alargamento da linha emitida pelo átomo é causado pela ação de vários efeitos externos sobre ele, como veremos.

Como a Mecânica Clássica de Isaac Newton não funciona na escala atômica, os físicos recorrem à Mecânica Quântica. Assim, em vez de usarem a equação F=ma, ou F=dpdt, eles usam a equação de Schrödinger [11[11] B. Baseia e V.S. Bagnato, Equação de Schrödinger no Caleidoscópio (Ed. Livraria da Física, 2014), Cap. 45.],

(1)iψt=H^ψ,
onde H^ é operador Hamiltoniano. Se H^ não depende de t temos o regime estacionário e podemos escrever a função de onda ψ=ψ(r,t) na forma ψ(r,t)=e-itEΨ(r) para obter,
(2)H^Ψ=EΨ,
e explicitando um pouco mais o operador H^ ao caso atômico levamos a Eq. (2) à forma,
(3)H^Ψ=12m(2Ψx2+2Ψy2+2Ψz2)+KrΨ,
onde r=xi+yj+zk, indica a posição do elétron no átomo, r=|r| dá a distância do elétron ao núcleo atômico e Kr é o potencial coulombiano, o qual traduz a atuação (atrativa) do próton sobre o elétron. Resolvendo a Eq.(3) na condição ideal especificada (átomos parados, isolados e temperatura T=0), obtemos as energias dos níveis atômicos na expressão matemática,
(4)En=-13,6n2(eV),n=1,2,3,...
onde n=1 representa a energia do primeiro nível (estado fundamental), E1=-13,6eV; para o segundo nível (1o estado excitado), n=2, E2=-3,4eV; para n=3, E3=-1,51eV; etc., onde eV representa unidade de energia em elétron-Volt: 1eV1,6×10-19J, (J= Joule). Para valores grandes de n, n>35, a energia En se aproxima de zero e o eletron tende a se soltar do átomo, mesmo se provocado por pequenas perturbações. Para cada valor n temos uma energia que corresponde a uma certa frequência ωn=En. Essa frequência, se na banda visível, confere a cor da luz que o átomo emite quando um elétron salta para nível atômico inferior.

No entanto, o átomo geralmente está fora da situação ideal (nem parado, nem isolado e geralmente longe da temperatura T=0K). Nesse caso real cada uma das linhas atômicas de energia En se transforma em uma banda contínua de energia. Assim, a n-ésima linha de frequência, dada por ωn=En no caso ideal, se transforma em uma banda de frequências no caso real. A largura de cada banda pode depender da velocidade do átomo que está emitindo radiação, da temperatura do gás de átomos, da pressão do gás e de outras influências externas sobre o átomo. Quando o átomo está fora do caso ideal, o espectro atômico deixa de ter linhas discretas (linhas finas separadas entre si, ver Fig. (1) ) e passa a ser uma banda de linhas debaixo de uma curva envolvente (ver a passagem da Fig. (2 a) para a Fig. (2 b)), transformando-se em espectro continuo se o número de perturbações sobre o átomo aumentam. É o que acontece com a luz do Sol no efeito arco-iris, onde não percebemos separação nítida entre as cores: a passagem de uma cor (frequência) para outra ocorre continuamente. ‘Arco-iris’ também ocorre fazendo a luz que vem do Sol atravessar um prisma - como fez Isaac Newton em 1663. O mesmo é obtido usando luz branca produzida por lâmpadas comuns.

Os astrofísicos descobrem que tipos de átomos compõem uma estrela observando a radiação que ela emite. A primeira observação em laboratório de espectro atômico em gases ocorreu em 1885: a série de linhas de Johann Balmer, na banda visível; a segunda série foi observada por Theodore Lyman, em 1906, na banda ultravioleta; a terceira série, de Friedrich Pashen, em 1908, no infravermelho. Enquanto a série de Balmer consiste em emissões de radiações em saltos do elétron do nível n3 para n=2, a série de Lyman ocorre de n2 para n=1 e a série de Pashen de n4 para n=3; ver Fig. (3).

Figura 3
Espectros de emissão do átomo de Hidrogênio

Todas essas linhas atômicas discretas, isto é, separadas entre si, emitidas por átomos parados, isolados, em temperatura T=0K, referem-se ao caso ideal. No que segue veremos o que ocorre na realidade, no caso de átomos em movimento em um gás, ou chocando entre si, ou átomo de rede cristalina influenciado pela proximidade dos átomos vizinhos. O resultado disso é que deparamos com diversos mecanismos que alargam as linhas atômicas, transformando cada linha fina do espectro atômico em uma banda de linhas ou frequências.

3. Alargamentos de linha atômica

Os mais conhecidos tipos de mecanismos alargadores de linha atômica são: (i) de alargamento natural (ou espontâneo), (ii) alargamento Doppler, (iii) alargamento colisional e (iv) alargamento de campo cristalino. Além disso, serão também considerados os casos onde dois ou mais desses mecanismos se superpõem, incluindo o caso onde o alargamento é intencional, programado. No que segue, trataremos os mecanismos atuando isoladamente, na ordem acima.

3.1. Alargamento Natural (Emissão Espontânea)

Átomos excitados, mesmo parados, ‘isolados’, em temperatura absoluta T=0, também emitem radiação; o efeito é chamado emissão “natural”, espontânea, sendo atribuido ao principio de incerteza de W. Heisenberg, sendo uma das causas do alargamento de linha atômica. Antes vamos tratar a forma do alargamento de linha nesse caso. Para isso vamos considerar a transformada de Fourier [f(ω)] de uma função espectral f(ω)=1πλ(ω-ω0)2+λ2 tendo essa forma lorentziana1 1 O gráfico da função espectral lorentziana tem o mesmo aspecto da função espectral gaussiana; mas as duas num mesmo gráfico mostram suas diferenças. em função da frequência ω, centrada em ω0 e de largura λ. Temos,

(5)[f(ω)]=1πλ(ω-ω0)2+λ2=-+eiωt[1πλ(ω-ω0)2+λ2]dω=λπeiω0t-+eiΩtΩ2+λ2dΩ,
onde Ω=ω-ω0 e dΩ=dω-ω0=dω. Fazendo a integral acima pelo o método dos resíduos, considerando que 1Ω2+λ2=1(Ω+iλ)(Ω-iλ) tem polos em Ω=±iλ resulta,
(6)-+eiΩtΩ2+λ2dΩ=2πii(Resíduos)=2πi(e±λt2iλ)=πλe±λt.

Então, para t>0 a convergência da integral para tempos grandes exige usar o sinal negativo na exponencial acima. Substituindo a Eq. (6) com o sinal negativo em (5) resulta o decaimento exponencial,

(7)[f(ω)]=λπeiω0tπλe-λt=eiω0te-λt=f(t),t>0.

Se fizermos a Fourier inversa desta Fourier acima, recairemos na função lorentziana f(ω)=1πλ(ω-ω0)2+λ2, como esperado, porque a Fourier inversa sempre existe e retorna à função original. Agora, como era sabido que a emissão atômica espontânea produz um decaimento exponencial tipo e-λt, o cálculo acima mostra que este decaimento temporal corresponde a um alargamento de linha lorentziano.

Sabia-se também que a largura energética ΔE natural (devido à emissão espontânea) de uma linha espectral atômica é dada pelo ‘tempo de vida’ τ do elétron em estado excitado, conforme o princípio da incerteza de Heisenberg: ao considerar um átomo em um estado excitado, o período de tempo Δt=τ em média, em que ele permanece excitado, está relacionado com a largura ou incerteza ΔE na energia desse estado: quanto menor for o tempo de permanência τ, mais larga será a banda energética ΔE e quanto maior for τ, mais estreita será a banda ΔE. Quando esta banda é muito estreita, chamam esse nível atômico de metaestável. (Um nível metaestável do átomo Cr inserido no cristal de Rubi foi explorado em 1960 para fazer o primeiro laser.) Tempos de vida de átomos radiativos são geralmente próximos de τ= 10-8s [12[12] D.A. Skoog, D.M. West, F.J. Holler e S.R. Crouch, Fundamentos De Química Analítica (Editora Thomson, São Paulo, 2006), 8ª ed.]. Como o decaimento temporal natural foi antes observado ser do tipo exponencial, a emissão de radiação na frequência ω0 e amplitude E0 seria do tipo E(t)=E0eiω0t×e-λt=E0e(iω0-λ)t e, fazendo as contas, sua Fourier transformada resultava na forma,

(8)f(ω)=[f(t)]=1πλ(ω-ω0)2+λ2,
que é a distribuição espectral lorentziana, já mencionada. Esse tipo de alargamento de linha atômica foi chamado natural, porque seria inerente ao átomo, não havendo como impedir seu efeito, que o átomo decai por si. Depois interpretaram que esse tipo de decaimento ocorre por influência de flutuações do vácuo quântico, portanto seria também o efeito de uma ação externa ao átomo, contrariando o entendimento anterior de que o átomo decai por si, ‘espontaneamente’. Uma das provas disso baseia-se em argumento simples de Enrico Fermi, assim resumido: “O estado quântico descrevendo um átomo excitado e, interagindo com o estado do vácuo quântico 0, é denotado matematicamente por ψ= e,0, que não é auto-estado da Hamiltoniana H^=λ(a^σ^-+a^σ^+) descrevendo essa interação”. De fato temos,
(9)H^ψ=λ(a^σ^-+a^σ^+)e,0=λ0+g,1η|g,0,
onde usamos a^σ^+e,0=0 e a^σ^-e,0=g,1 onde os operadores a^ e a^ operam no estado 0 enquanto σ^- e σ^+ operam no estado e; g é o estado atômico desexcitado pela ação de σ^- sobre e e 1 é o estado de 1 fóton pela atuação de a^ no estado 0. Assim vemos que um sistema em estado que não é auto-estado da sua Hamiltoniana não permanece nesse estado, significando que o estado atômico excitado e na presença do estado de vácuo 0 é instável, sendo essa a razão do decaimento “natural”. Em resumo, o decaimento “espontâneo” do elétron no átomo, de um nível para outro inferior, é do tipo e-λt, exponencial. Como mostrado acima esse decaimento transforma uma linha fina, monocromática, em uma banda de linhas f(ω) tendo forma lorentziana dada pela Eq. (8).

3.2. Alargamento Doppler

O alargamento Doppler nas linhas do espectro atômico é devido a velocidade dos átomos no gás, a qual é causada pela temperatura absoluta T do gás ser diferente de zero. Quanto maior a temperatura, maior a velocidade média dos átomos no gás. A frequência da radiação que o átomo emite quando viaja aproximando-se do observador, é percebida por este como sendo maior que aquela emitida pelo átomo parado, ω0; o inverso ocorre se o átomo viaja afastando-se do observador: diminuição na frequência. Então, o observador vai perceber uma porção de frequências maiores e menores que a frequência central ω0 emitida por átomos parados. Este é o efeito Doppler, que também ocorre com ondas sonoras. Como a distribuição de velocidades dos átomos em um gás tem uma forma gaussiana, conforme mostrado por J.C. Maxwell em 1860, isso acarreta distribuição gaussiana nas frequências, em torno da frequência central ω0. Vejamos isso matematicamente. Suponhamos um gás diluido, portanto desprezamos colisões entre seus átomos. Em temperaturas T0 eles adquirem velocidades devido a agitação térmica. Quando um desses átomos emite radiações eletromagnéticas, comparando seus momentos lineares e suas energias antes e depois da emissão e lembrando ainda que momento linear e energia se conservam em sistemas fechados, temos respectivamente,

(10)mυ2=mυ1+k,
(11)E2+12mυ22=E1+12mυ12+ω,
onde ki=pi e ωi=Ei são respectivamente o momento linear e energia da luz (fóton), i=1, 2, m é a massa do átomo, tanto antes quanto depois da emissão, υ2 e υ1 são as velocidades antes e depois da emissão e E2 e E1 são as energias internas totais do átomo, antes e depois da emissão - ver Fig. (4).

Figura 4
Átomo no nível 2, energia E2 e velocidade v2, passa a ter energia E1 e velocidade v1 ao emitir fóton de Energia ω e momento k.

Chamando E2-E1=ω0 as duas equações acima resultam respectivamente na forma,

(12)υ1=υ2-km,
(13)ω0+12mυ22=12mυ12+ω.

Combinando as Eqs.(12) e 13 temos,

(14)ω0+12mυ22=12mυ22+2k22m-kυ2+ω,
que se simplifica na forma,
(15)ω0=-kυ2+2k22m+ω.

Podemos simplificar mais tomando o eixo z^ na direção do fóton emitido, isto é, k=|k|z^=(ωc)z^=kz^, para obter,

(16)ω0=ω[1-υ2zc+ω2mc2].

Porém, sendo nesse caso υ2zc10-6 e 2k22m10-9 podemos desprezar o último termo (devido ao recuo do átomo) para obter,

(17)ω0ω(1-υ2zc),
e portanto,
(18)ω=ω0(1-υ2zc)=ω0(1-υ2zc)-1.

Como as velocidades de moléculas em gáses são muito menores que a velocidade c da luz temos, υ2zc<<1; podemos usar a aproximação binomial (de Newton) para velocidades υ2z não relativísticas, υ2zc=x<<1 para obter,

(19)(1+x)n1+nx.

Aplicando Eq.(19) na Eq.(18) obtemos o efeito Doppler na frequência para velocidades atômicas não relativísticas na forma,

(20)ω=ω0(1+υ2zc).

Agora, lembramos que em temperatura T 0 temos uma distribuição p(υ) de velocidades dos átomos no gás; essa distribuição, foi descoberta por Maxwell, já dissemos acima, sendo da forma, com N=cte,

(21)p(υ)=Ne-(βm2)υ2.

Adaptando esses resulados ao nosso caso, levamos υ em υ2z como feito acima, e usando a Eq.(20) que fornece υ2z=cω0(ω-ω0) levamos p(υ) em p(ω) para obter,

(22)p(ω)=Ne-(βm2)[cωo(ω-ω0)]2,
onde a exponencial tem forma gaussiana em (ω-ω0). O fator N é de normalização: ele garante que a probabilidade total de encontrar todas as frequências na distribuição p(ω) é 100%, isto é: -p(ω)dω=1. Denotando ω0cβm=σ e (ω-ω0)=Ω temos o resultado na forma,
(23)p(ω)=N(σ)e-Ω22σ2,
onde identificamos σ como a medida do alargamento produzido na linha fina que se transformou em uma banda gaussiana. Esse é o chamado “efeito Doppler”, causando em cada linha espectral dos átomos em movimento um alargamento do tipo gaussiano. Podemos observar no resultado acima que: a) se a temperatura T aumenta, o alargamento σ aumenta, pois σ=ω0cβm=ω0ckTmT; b) se a massa m do átomo aumenta, o alargamento diminui, pois σ1m. Lembramos que ω0 é a frequência central na banda, na qual o átomo emitia radiações quando estava isolado, parado, em T=0K, antes de a linha se alargar - ver Fig. (5).

Figura 5
Banda gaussiana produzida pelo efeito Doppler

3.3. Alargamento Colisional

Em um gás os níveis de energia de um átomo são perturbados por átomos vizinhos do mesmo tipo ou outro. É que para T0 os átomos estão em movimento, com diversas velocidades direções e sentidos devido a agitação térmica e pressão sobre eles. Se supomos o gás não muito diluido, ao contrário do item anterior, precisamos considerar colisões entre os átomos. Colisões causam nos átomos decaimento de elétrons dos níveis excitados para níveis inferiores: esse é também um mecanismo de alargamento das linhas espectrais, efeito que geralmente supera o alargamento natural mencionado na Secção (3.1.). Já mencionamos que redução de tempo de vida τ em um nível atômico causa aumento na incerteza ΔE da energia nesse nível e sendo ΔE=Δω resulta um aumento Δω de incerteza na frequência ω da radiação que o átomo emite. Mostra-se que o aumento da largura Δω=ω-ω0 é uma função da densidade ou pressão do gás: quanto maior a pressão, maior a densidade do gás, aumentando o número de colisões. Além da pressão do gás, a temperatura é outro fator que contribui para aumentar o número de choques e portanto o alargamento de linha atômica. O alargamento colisional, assim como o alargamento Doppler, é dependente da temperatura. A Fig. (6) representa um trecho em ‘zigue-zague’ percorrido por um dos átomos do gás.

Figura 6
Movimento de colisões dos átomos.

Na Fig. (6), o parâmetro τ0 representa o tempo que dura o choque do i-ésimo átomo com outro, enquanto τi é o chamado tempo de vôo livre do i-ésimo átomo, isto é, o tempo que este átomo viaja sem se chocar. Esse tempo varia de um choque para outro. Nos cálculos realizados e reproduzidos abaixo, costumam assumir como boa aproximação a relação τi>>τ0. Significa assumir que os choques são muito mais rápidos que o tempo de vôo livre. Vejamos como se dá esse alargamento de linha causado por colisões. O campo E(t), com amplitude E0 e frequência ω0, irradiado por um átomo que emite isoladamente, sem interações, como se fosse uma antena isolada, é escrito para o i-ésimo átomo,

(24)E(t)=E0e-iω0t.

A transformada de Fourier de E(t), [E(t)], é calculada, usando Ω= ω-ω0,

(25)[E(t)]=E(ω)=12πt0t0+τi(E0e-iω0t)eiωtdt,=E0eiΩt0(eiΩτi-1iΩ),
de onde obtemos a intensidade do campo I(ω). Após incluir a óbvia dependência de I(ω) com τi temos
(26)I(ω,τi)E(ω,τi)2=4E02sen2(Ωτi2)(Ω2)2.

Na última passagem usamos a relação

(27)(eiΦ-1)=eiΦ2(eiΦ2-e-iΦ2)=2ieiΦ2sin(Φ2),
onde Φ=Ωτi=(ω-ω0)τi e despresamos a fase eiΦ2 ao tomar o módulo ao quadrado, pois |eiΦ2|2 =1.

Agora, se o tempo de vôo livre τi a Eq. (26) resulta em I(ω,τi)~δ(ω-ω0), que é a “função” delta de Dirac indicando que a linha é muito fina, “monocromática”. Significa que a linha atômica não se alarga se o átomo emite radiação livremente, sem nunca se chocar. Porém, se considerarmos 3 hipóteses: que ocorrem choques e portanto τi é finito; que o gás tem grande número N de átomos, N>>1; que a temperatura não nula produz uma distribuição aleatória dos átomos no gás, isso tudo acarreta uma distribuição caótica dos tempos de vôo livre τi. Pois bem, a teoria cinética dos gases nos fornece a probabilidade de encontrar o i-ésimo átomo chocando com outro após viajar durante tempo τi na forma [13[13] F. Reif, Fundamentals of Statistical and Thermal Physics (McGraw-Hill, New York, 1965).],

(28)p(τi)=1τie-τiτi,
onde τi =14d2nβmπ é o tempo de voo livre médio, m é a massa do átomo, β=1KT, d é o livre caminho médio e n=NV é o número de átomos por unidade de volume. Agora, a intensidade I(ω,τi) E(ω,τi)2 quando totalizada para todos os tempos de voos livres resulta,
(29)I(ω,τi)total=iI(ω,τi)p(τi)0I(ω,τ)p(τ)dτ=0E(ω,τ)2I(ω,τ)p(τ)dτ=0sen2(Ωτi2)(Ω2)2e-τiτidτ=λ(Ω)2+(λ)2,
onde é o fator de normalização e λ=1τi é a largura da banda de frequências, resultante do alargamento da linha atômica considerada. Este resultado mostra que o mecanismo colisional transforma cada linha atômica fina em uma banda lorentziana de linhas, tal como no caso do mecanismo “natural”.

3.4. Alargamento de Campo Cristalino

Para explicar como este mecanismo alarga linhas atômicas, vamos recorrer à seguinte analogia: imaginemos varios pêndulos iguais, digamos 3 pêndulos, separados, isolados, todos oscilando na sua frequência própria ω0=lg, podendo estar com mesma fase ou defasados. Agora, se o pêndulo central for ligado aos pêndulos vizinhos através de fracas molas, além da frequência própria ω0 em que eles podem oscilar juntos, em fase, eles podem também oscilar em outras duas frequências. Notemos na Fig. (7) que além de todos poderem oscilar com mesma frequência ω1=ω0=lg, teremos ainda a situação em que, os que oscilam, o fazem com mesma frequência ω2, sendo ω2>ω1 e também todos podem oscilar com mesma frequência ω3, com ω3>ω2>ω1. Dizemos então que 3 pêndulos acoplados iguais têm 3modos normais de oscilação. E generalizando: N pêndulos iguais acoplados por molas fracas terão Nmodos normais de oscilação. Modo normal de oscilação é o modo de vibrar em que todos os pêndulos que oscilam o fazem com mesma frequência: ω1 ou ω2 ou ω3... ou ωN.. Vale lembrar que um modo de vibração de um sistema que não é modo normal, pode ser escrito como superposição dos modos normais do sistema. Em mecânica quântica temos um resultado similar: um estado solução que não é auto-estado da Hamiltoniana H^ do sistema, pode ser escrito como superposição dos auto-estados dessa Hamiltoniana.

Figura 7
Esboço ilustrativo dos 3 modos normais de oscilação de 3 pêndulos acoplados.

A Fig. (7) mostra os modos normais para o caso dos 3 pêndulos.

Pois bem, quando o número N de osciladores é grande, temos uma analogia dos pêndulos com os átomos de um cristal, no qual cada átomo tem um grande número de átomos vizinhos; nos livros chamam de “alargamento de campo cristalino” o que ocorre na linha espectral de átomo do cristal devido a influência dos seus átomos vizinhos. Nesse caso acontece algo que também ocorre nos pêndulos acoplados, para muitos pêndulos: temos os vizinhos mais próximos causando alargamento na frequência de oscilação, depois a camada dos vizinhos seguintes, menos próximos que os primeiros, depois os seguintes vizinhos menos próximos ainda, e assim por diante. O resultado dessas influências todas é produzir uma banda continua de frequências distintas, em vez das frequências discretas ω1, ω2 e ω3 do caso dos 3 pêndulos. Isso tudo explica porque a radiação emitida por átomos de cristais incandescentes se dá em bandas continuas, juntas, como no “arco-iris”, em vez de bandas separadas entre si. Os mecanismos alargadores de linhas espectrais são catalogados em 2 tipos: os homogêneos, quando todos emissores (átomos ou moléculas) irradiam com igual probabilidade; os não-homogêneos, quando isso não ocorre. Os alargamentos natural (“espontâneo”) e colisional são do tipo homogêneos; os alargamentos tipo Doppler e de campo cristalino são do tipo não-homogêneos. Alguns autores costumam chamar o efeito Zeeman, originado na ação de campo magnético sobre átomos, sendo um outro mecanismo de alargamento de linha espectral. Porém, esse efeito consiste apenas em separar duas ou mais linhas atômicas de mesma energia, linhas espectrais degeneradas: a ação do campo magnético produz uma separação entre componentes, removendo a degenerescência, conferindo energias distintas, para cima e para baixo, a cada componente degenerada. Não se trata de uma linha que se alarga, mas de linhas juntas, ‘coladas’ entre si, que se separam pela ação do campo magnético.

3.5. Superposição de Mecanismos Alargadores de Linha Atômica

Nos vários tipos de alargamentos de linha atômica pode ocorrer também que dois mecanismos de alargamento, distintos e independentes, estejam atuando [14[14] R. Loudon, The Quantum Theory of Light (Oxford University Press, Oxford, 2000), 3rd. ed.]. Nesse caso, o efeito global de ambos são calculados assim: chamemos f1(ω) e f2(ω) esses dois tipos; como eles são distintos e independentes, o efeito global é dado por uma função f(ω) que leva em conta a ação de f2(ω) atuando depois da ação de f1(ω), ou vice versa, tanto faz, porque eles são independentes. Como o resultado não depende dessa ordem, a ação conjunta é expressa matematicamente por um produto das ações de ambos; mas esse produto é convolutivo, por causa do resultado não depender de qual mecanismo atuou antes ou depois, ou juntos. Imaginando um qualquer alargando a linha que o outro já alargou ou está alargando, temos

(30)f(ω)=-f1(ω)f2(ω-ω)dω=-f2(ω)f1(ω-ω)dω.

Vamos aplicar esse procedimento ao caso de dois mecanismos lorentzianos f1(ω)=η1λ1(Δω)2+λ12 e f2(ω)=η2λ2(Δω)2+λ22, onde η1 e η2 são fatores de normalização, Δω=ω-ω0, ω0 sendo a frequência central da linha atômica antes das ações alargadoras de f1(ω) e f2(ω), ω sendo uma das frequências que compõe a banda resultante, descrita por f(ω). De acordo com o “teorema da convolução”2 2 A transformada de Fourier de um produto, não é igual ao produto das transformadas de Fourier dos fatores. Mas a tranformada de Fourier de um produto convolutivo, f*g, é igual ao produto das transformadas de Fourier, f̃⋅g̃. a transformada de Fourier do produto convolutivo acima,

(31)[f(ω)]=f̃(t)=[-f1(ω)f1(ω-ω)dω],
é igual ao produto das transformadas de Fourier, isto é,
(32)[f(ω)]=f̃1(t)f̃2(t)=η3e-(λ1+λ2)t=f̃(t).

Aplicando agora a transformada de Fourier inversa -1[[f(ω)]]=f(ω)= -1[f̃(t)] retornamos à função f(ω)=η3λ12(ω)2+λ122, com λ12=λ1+λ2.

Esse resultado mostra que os alargamentos λ1 e λ2 produzidos por cada um dos mecanismos lorentzianos f1(ω) e f2(ω) se somam. Notemos que teorema da convolução facilitou o cálculo (exato) de f(ω) através das transformadas f̃1(t) e f̃2(t). No caso de dois mecanismos gaussianos teriamos: f1(ω)=η1exp[-(Δω)22λ12] e f2(ω)=η2exp[-(Δω)22λ22] e um procedimento similar ao anterior fornece o alargamento total: f(ω)=-1[f̃(t)]=η12exp[-(Δω)22λ122] onde agora a largura total resulta λ12=λ12+λ22, não sendo mais a soma das larguras λ1+λ2. Por exemplo, no caso de dois alargamentos iguais, λ1=λ2=λ, temos λ12=2λ no caso lorentziano, enquanto teremos λ12=2λ no caso gaussiano. Por outro lado, se o mecanismo f1(ω) é lorentziano e f2(ω) é gaussiano, o cálculo é mais complicado que nos casos de mecanismos iguais; a mistura de tipos distintos produz uma convolução que leva a uma banda f(ω) com perfil “voigtiano” [15[15] J.I. Davies and J.M. Vaughan, Astrophys. J. 137, 1302 (1963).], nome devido a Woldemar Voigt, descobridor do efeito Voigt em 1902, sobre birrefringência magnética, similar ao efeito Faraday, de 1845: enquanto este efeito é linear no valor do campo magnético B aplicado na direção de propagação da luz, aquele é quadrático em |B|, o campo B sendo aplicado perperdicular à direção de propagação da luz. Agora, como a voigtiana é uma composição de duas formas de linhas que têm perfis similares, os cálculos mostram ela tendo a forma de linha das componentes.

Uma situação especial pode ser resolvida em boa aproximação. Ocorre quando uma das funções, f1(ω) ou f2(ω), é muito mais larga que a outra, variando suavemente em relação a ela, ver Fig. (8). Nesse caso como se espera a forma de linha resultante é definida pelo mecanismo alargador de linha dominante.

Figura 8
Esboço mostrando funções f1(ω) gaussiana (estreita), f2(ω) lorentziana (larga), normalizadas (0fi(ω)dω=1,i=1,2).

3.6. Alargamento Programado

O fato de linhas atômicas perderem sua monocromaticidade, transformando-se em bandas de frequências, causava grande limitação nas pesquisas espectroscópicas, as quais requerem boa definição de frequência. Os espectroscopistas tentavam então reduzir esse problema usando filtros de frequências, como prismas, redes de difração, interferômetros, etc. Isso permitia usar parte selecionada da banda, próxima da linha central ω0. Mas a partir de 1960 as pesquisas espectroscópicas sofreram um fantástico progresso com a descoberta do laser, uma radiação com largura de linha milhares de vezes mais finas que aquelas das radiações antes disponíveis, da época em que a raia-D do Sódio era o “coqueluche” dos laboratórios de óptica. À medida que novos lasers iam sendo descobertos os pesquisadores passaram a dispor de radiação cada vez mais próxima da luz monocromática, em comparação com as radiações produzidas por fontes de luz comuns, de natureza térmica ou caóticas, tanto as incandescentes (filamentos) quantos as frias (fluorescentes).

Até aqui focalizamos os mecanismos alargadores de linhas espectrais dificultando a espectroscopia atômica e molecular. Porém, ao inventar o laser, inventou-se também, para além dos filtros, prismas, e redes de difração, um novo e revolucionário mecanismo de afinamento de linha espectral. Na verdade o afinamento ocorre dentro do laser: na própria geração da radiação ela já emerge ‘monocromática’. Com isso, a mencionada dificuldade dos espectroscopistas foi amplamente superada, com a sucessiva invenção de lasers mais sofisticados na “monocromaticidade” e também na coerência. Então, pela mesma época, 1994 e 1996, em duas experiências muito criativas foi mostrado que era possível alargar controladamente linhas “monocromáticas” de um feixe laser, tanto levando sua linha fina para uma banda tendo forma gaussiana, como lorentziana. Esse procedimento ia na contra-mão do laser, pois este era um dispositivo que afinava a linha, quando bombeado acima do seu limiar de operação. Físicos e químicos viram nessas duas experiências a possibilidade de investigar como essa variação controlada da forma e da largura de linha do feixe laser poderia influenciar reações químicas, tanto quando o alargamento controlado ia para a forma gaussiana, ou para a forma lorentziana, ou de outro tipo.

Nesse contexto, a Fig. (9) mostra um arranjo que usa radiação “monocromática” laser incidindo em solução aquosa contendo partículas em suspensão, em movimento browniano, gerando radiação espalhada tendo forma lorentziana, com largura controlável; a largura da lorentziana é definida pela temperatura da suspensão [16[16] R.J. Pecora, J. Chem. Phys. 40, 1604 (1964).].

Figura 9
Esboço do arranjo experimental mostrando um feixe laser “monocromatico” atravessando solucão aquosa contendo partículas suspensas em movimento browniano. A luz que emerge espalhada é alargada controladamente na forma lorentziana; Γ representa a largura de linha.

A Fig. (10) mostra objetivo similar: incidindo radiação laser em um cilindro rotatório, “transparente”, obtemos radiação espalhada tendo forma gaussiana, com largura controlável; a largura da gaussiana sendo definida pela velocidade de rotação do cilindro [17[17] F.T. Arecchi, Phys. Rev. Lett. 15, 912 (1965).,18[18] F.T. Arecchi, Quantum Optics (R.J. Glauber, New York, 1969).]. Não temos notícia sobre que forma de linha teria a radiação espalhada se o feixe laser incidisse em um cilindro rotatório contendo partículas em solução aquosa, em movimento browniano; possivelmente a forma voigtiana.

Figura 10
Esboço do arranjo experimental mostrando um feixe laser “monocromatico” atravessando cilindro rotatório transparente. A luz que emerge espalhada é alargada controladamente na forma gaussiana; Γ representa a largura de linha.

4. Técnicas de afinamento de linha espectral atômica

Além da linha fina que o laser produz, outras técnicas foram inventadas para situações onde ele pode ajudar no afinamento de linhas espectrais atômicas. Um exemplo ocorre no caso de átomos aprisionados em armadilhas magnéticas e magneto-ópticas. Nessa e outras situações o alargamento de linhas atômicas se torna indesejável, constituindo-se em grande obstáculo em medidas de alta precisão. Então, muitas técnicas foram desenvolvidas para minimizar distorções produzidas por bandas largas (de frequências), dentre as quais consideraremos as mais importantes.

A espectroscopia atômica é, em sua grande maioria, realizada com amostras gasosas do elemento de interesse. Nesse cenário temos, inevitavelmente, os efeitos de alargamento Doppler e colisional. Em amostras gasosas, pouco densas, as colisões diminuem e o efeito Doppler é dominante: a forma de eliminá-lo é pela diminuição direta das velocidades dos átomos pelo seu freamento, ou através de efeitos que compensam as velocidades. Vamos começar pela segunda alternativa, recorrendo à espectroscopia de saturação. Obviamente teremos de usar um feixe laser tendo largura de linha bem menor que a largura da transição atômica que queremos afinar. A ideia é usar dois feixes de lasers contra-propagantes de modo que quando um deles interage com uma pequena classe de velocidades na faixa Δυ=Δωk onde Δω é a largura da transição e k=πλ, enquanto o outro feixe, contra-propagante, deixa de agir. Isso elimina o efeito Doppler e causa afinamento da linha espectral atômica na amostra gasosa.

Um segundo modo de afinar a linha, mais moderno ainda, emprega resfriamento e aprisionamento com luz. Usando o momento transferido pela luz ao ser absorvida por um átomo, este sofre uma força de recuo que, se adequadamente controlada, pode servir para diminuir velocidades dos átomos e portanto sua efetiva temperatura, causando diminuição do efeito Doppler e, como consequência, o afinamento da linha atômica referente à transição em jogo. É importante mencionar que esse procedimento produz também redução do al argamento colisional, pois a redução nas velocidades dos átomos diminui a taxa de colisões entre os mesmos.

Atualmente, as técnicas de resfriamento por lasers estão sendo largamente usadas em diversos experimentos que investigam varias características intrínsecas das linhas atômicas. Uma das mais importantes aplicações decorrentes nessa área de pesquisa é o relógio atômico. Neste dispositivo, a linha fina de uma certa transição é utilizada como padrão de frequência e tempo. Quanto mais livre de mecanismos alargadores de linha, melhor será o mencionado padrão. No entanto, especialmente no caso do relógio atômico, tudo que se fez na direção acima mencionada para melhorar o afinamento da linha, ainda não é suficiente. É que há ainda um outro mecanismo alargador de linha, agora limitante: ele opera via tempo de observação, sendo consequência do principio de Heisenberg (ΔE×Δth). Significa que ao operar com intervalos de tempo Δt cada vez menores e menores, como se exige de relógios atômicos cada vez melhores, chegamos a uma região temporal onde isso aumenta a imprecisão na energia, ΔE, pois ΔEhΔt, o que acarreta, por sua vez, imprecisão na frequência, pois Δω=ΔEh, resultado que implica em alargamento na linha - um efeito limitador na melhoria dos relógios atômicos.

5. Conclusão

Apresentamos no presente texto, em linhas gerais e abordagem simplificada, os mais conhecidos mecanismos de alargamento de linhas espectrais de átomos e moléculas. Trata-se de um tópico pouco explorado em textos de física, relativamente ao aspecto de conjunto, onde vários desses mecanismos existentes na natureza e em laboratórios são considerados, tanto quando os mecanismos atuam isoladamente ou quando atuam conjuntamente. Como aplicações apresentamos algumas técnicas de afinamento de linhas atômicas de átomos e moléculas formando um gás, assim considerados na situação própria da pesquisa em espectroscopia; nesse caso, mencionamos seu uso em relógios atômicos (e suas limitações), sendo este um dos pontos altos dessas técnicas e aplicações. Ao mencionar o laser como fonte de radiação tendo as linhas mais finas dentre as demais fontes, permitindo espetaculares aplicações à espectroscopia e outras áreas, tratamos também a situação em que sua radiação pode ser propositalmente alargada e deformada de modo controlável, programado, levando sua finíssima radiação em “envelopes” tendo formatos lorentzianos, gaussianos, voigtianos, etc. Nesse caso, a aplicação buscava criar condições ao teste em pesquisa básica para fora da Física, sobre se esses efeitos pudessem influenciar velocidades de reações em Química e evoluções em Biologia.

  • 1
    O gráfico da função espectral lorentziana tem o mesmo aspecto da função espectral gaussiana; mas as duas num mesmo gráfico mostram suas diferenças.
  • 2
    A transformada de Fourier de um produto, não é igual ao produto das transformadas de Fourier dos fatores. Mas a tranformada de Fourier de um produto convolutivo, f*g, é igual ao produto das transformadas de Fourier, f̃g̃.

Agradecimentos

Os autores agradecem CNPq e FAPEG pelo suporte parcial deste trabalho e a Cristino José dos Santos Ferreira pelas figuras.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    14 Abr 2016
  • Aceito
    22 Maio 2016
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