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Excitação de um condensado de Bose-Einstein: Um Experimento Pedagógico para transferência entre estados quânticos

Excitation of a Bose-Einstein condensate: A Pedagogical Experiment on quantum states change

Resumos

Neste trabalho, utilizamos um condensado de Bose-Einstein de átomos de Rb, para analisar o efeito de campos externos perturbatórios sobre a distribuição de população de átomos em diferentes estados quânticos do potencial confinante. O campo externo oscilatório advém de flutuações indesejadas, oriundas do circuito eletrônico de controle e estabilização da corrente elétrica, fluindo pelas bobinas da armadilha magnética, que opera em frequências próximas às do potencial de aprisionamento. Mostraremos que isso promove o acoplamento entre níveis vibracionais adjacentes do potencial e resulta na difusão da população, inicialmente pura, para vários estados energeticamente próximos. Esse processo diminui o tempo de vida do condensado aprisionado e ainda causa um aumento da temperatura média do sistema conforme a população se difunde entre os níveis energéticos adjacentes superiores. Os resultados obtidos foram modelados via excitação por escalonamento e comparados diretamente, apresentando uma boa concordância. Acreditamos que esse estudo teórico-experimental seja pedagógico, pois permite que alunos iniciantes observem efeitos quânticos macroscópicos ocorrendo nestes sistemas físicos.

Palavras-chave:
Condensado de Bose-Einstein; termalização; flutuações e excitações em sistemas quânticos de muitos corpos


In this work, we have used a 87Rb Bose-Einstein condensate to study the effects of electrical noise, embedded into the magnetic trap field, on the atomic population distribution spread over different quantum states of the confining potential. The noisy external field comes from unwanted fluctuations taking place in the electronic stabilization control circuit for the electric current flowing through the magnetic trap coils, which operate at frequencies close to that of the trapping potential. We will show that these small electric fluctuations are able to couple adjacent vibrational levels of the potential resulting in the population spread, which was initially pure, over a manifold of nearby states. This reduces the lifetime of the trapped condensate and also increase the average temperature of the system, as the population diffuses towards the upper energy levels. The results were modeled via ladder transitions, and directly compared to the experimental results, and were found to be in good agreement. We believe that this theoretical-experimental study is didactic, as it allows for the freshmen students to observe macroscopic quantum effects taking place on experimental physical systems.

Keywords
Bose-Einstein Condensate; thermalization; fluctuations and excitations in quantum many-body systems


1. Introdução

Os condensados atômicos de Bose-Einstein constituem, atualmente, um dos principais sistemas físicos que apresenta, macroscopicamente, diversos efeitos quânticos, permitindo o estudo sistemático de fenômenos como superfluidez, supercondutividade, dentre outros [11. F. Dalfovo, S. Giorgini, L.P. Pitaevskii e S. Stringari, Reviews of Modern Physics 71, 463 (1999)., 22. P.W. Courteille, V.S. Bagnato e V.I. Yukalov, Laser Physics 11, 659 (2001).]. Além disso, a ocupação quântica macroscópica de um potencial permite investigar a termodinâmica de sistemas quânticos [33. S. Giorgini, L.P. Pitaevskii e S. Stringari, Phys. Rev. A 54, R4633 (1996).], suas transições de fase [44. A.L. Fetter, arXiv:cond-mat/9811366 (1998).] e muito mais. O volume de estudos já realizados o coloca como um excelente sistema pedagógico para estudantes de iniciação científica aprenderem a física envolvida com sistemas de muitas partículas e deve, num futuro próximo, deixar de ser apenas um exemplo obrigatório presente em livros textos e passar a ser experimento recomendado em cursos de física moderna experimental.

Neste trabalho, nos baseamos em observações experimentais rotineiras para mostrar que uma perturbação, pouco intensa, presente no potencial de aprisionamento usado para preparar amostras bastante puras de condensado de Bose-Einstein, pode promover frações significativas de átomos para estados de maior energia do sistema. Isto permite observar o conceito de distribuição de população nos estados, ou excitações térmicas, através da medida da temperatura da amostra e da população remanescente no estado fundamental. A princípio, no experimento, tem-se um condensado ocupando o estado fundamental de uma armadilha harmônica. Através da presença de um campo externo oscilando em uma frequência próxima à da armadilha, a população foi transferida para os demais estados vibracionais da armadilha. O modelo baseado em taxa de transição do tipo escada explica, com relativa precisão, o experimento realizado permitindo uma visualização da dinâmica deste sistema quântico.

2. O Condensado de Bose-Einstein

A produ o de um condensado de Bose-Einstein (da sigla em inglês, BEC) já está muito bem estabelecida e descrita em diversos artigos publicados na literatura especializada e, por essa razão, será aqui explicada sucintamente. Se houver interesse maior do leitor pelos detalhes de todo o processo sugerimos a consulta de algumas referências [44. A.L. Fetter, arXiv:cond-mat/9811366 (1998)., 55. E.A. Cornell, J.R. Ensher e C.E. Wieman, arXiv:cond-mat/9903109 (1999)., 66. W. Ketterle, D.S. Durfee e D.M. Stamper-Kurn, Proceedings of the International School of Physics “Enrico Fermi” 140, 67 (1999).].

O processo começa com a preparação de uma amostra fria de átomos de rubídio (87Rb) capturados numa armadilha magneto-óptica (da sigla em inglês, MOT) [77. K. Kowalski, V.C. Long, K.D. Xuan, M. Głódź, B.N. Huy e J. Szonert, Computational Methods in Science and Technology 2, 115 (2010).]. Estes átomos são aprisionados numa primeira armadilha (MOT 1), resfriados a uma temperatura de aproximadamente 150μK e transferidos para a segunda armadilha (MOT 2) através de um feixe laser quase ressonante e pouco intenso (P∼1 mW). A segunda armadilha é, de fato, a principal armadilha do experimento e fica alinhada com a primeira, distando cerca de um metro, e captura os átomos já frios transferidos ao longo do eixo, armadilhando entre 108 e 109 átomos. Inicialmente, estes átomos são bombeados opticamente para um estado hiperfino conveniente (F = 2, mF = + 2), tornando-se magneticamente aprisionáveis por uma armadilha magnética. Através da composição de campos gerados por uma configuração geométrica conveniente de bobinas [88. T. Esslinger, I. Bloch e T.W. Hänsch, Physical Review A 58, (1998).] para criar um potencial harmônico confinante, dado por:

(1) V ( z , r ) = 1 2 m ( ω r 2 r 2 + ω z 2 z 2 )

Nesta expressão (1), m é a massa do 87Rb, e ωz e ωr, as frequências angulares da armadilha, que possui simetria cilíndrica. Para o caso experimental que iremos aqui apresentar, ωz∼18×2π rad/s e ωr∼189×2π rad/s. É neste potencial harmônico não isotrópico onde ocorre a condensação de Bose-Einstein dos átomos, após algumas operações extras de compress o e resfriamento como descrito a seguir. A Figura 1 mostra uma visão geral simplificada do sistema experimental.

Figura 1
(a) Sistema experimental mostrando as duas células onde está o MOT 1 (canto esquerdo), de onde os átomos resfriados são empurrados para a outra célula (à direita da figura) onde o MOT 2 é formado e, posteriormente ocorre a evaporação e finalmente a condensação de Bose-Einstein. (b) detalhes da inserção dos feixes laser e da bobina para prepara o dos MOTs em cada uma das células.

Uma vez aprisionados, um processo de evaporação forçada é realizado, removendo os átomos mais energéticos e deixando o restante mais denso e frio [99. W. Ketterle e N.J. van Druten, Optical Physics 37, 181 (1996)., 1010. E.A.L. Henn, J.A. Seman, E.R.F. Ramos, A.H. Iavaronni, T. Amthor e V.S. Bagnato, American Journal of Physics 75, 907 (2007)., 1111. K. Matsui, T. Shobu, Y. Tanami, H. Nakamatsu, H. Tanaka e A. Morinaga, Journal of the Physical Society of Japan 78, 084301 (2009).]. O resultado final é que o processo leva cerca de 105 átomos para o estado fundamental da armadilha com a formação do condensado de Bose-Einstein. A maneira mais amplamente utilizada para detectar a ocorrência de BEC é através da medida da evolução temporal da distribuição espacial atômica, via tempo-de-vôo, que apresenta tipicamente duas componentes quando próximo à temperatura crítica: uma parte condensada e uma parte térmica [66. W. Ketterle, D.S. Durfee e D.M. Stamper-Kurn, Proceedings of the International School of Physics “Enrico Fermi” 140, 67 (1999).]. A primeira corresponde aos átomos ocupando o estado fundamental da armadilha e constitui um superfluido atômico aprisionado. A segunda, por sua vez, corresponde aos átomos distribuídos nos demais estados excitados do potencial. Para uma certa temperatura T da amostra, a fração condensada é da ordem de

(2) N 0 N = 1 - ( T T c ) 3

As imagens por absorção obtidas após tempo-de-vôo são a abordagem tradicional mais aplicada para obter-se a distribuição de densidade e medir a temperatura de amostras atômicas gasosas ultra frias [66. W. Ketterle, D.S. Durfee e D.M. Stamper-Kurn, Proceedings of the International School of Physics “Enrico Fermi” 140, 67 (1999)., 1212. J.R. Ensher, D.S. Jin, M.R. Matthews, C.E. Wieman e E.A. Cornell, Phys. Rev. Lett. 77, 4984 (1996)., 1313. G. Reinaudi, T. Lahaye, Z. Wang e D. Guéry-Odelin, Opt. Lett. 32, 3143 (2007)., 1414. J. Szczepkowski, R. Gartman, M. Witkowski, L. Tracewski, M. Zawada e W. Gawlik, Review of Scientific Instruments 80, 053103 (2009).]. Sucintamente, um pequeno feixe laser colimado incide sobre a amostra atômica produzindo uma sombra, cuja imagem resultante da distribuição espacial é ampliada e guiada até o sensor de uma câmera científica digital de alta velocidade. Normalmente, as câmeras são equipadas com um sensor de chip do tipo: dispositivo de carga acoplada (CCD), ou então metal-óxido semicondutor complementar (CMOS). Idealmente, a fração de luz absorvida é diretamente relacionada à coluna densidade bidimensional ρ2D(x, y) = ∫d(x, y, z) da amostra atômica, na direção de propagação do feixe de prova (ez ), onde ρ(x, y, z) é a densidade espacial dos átomos num dado instante de tempo. Além disso, a armadilha onde o condensado é produzido deve ser desligada momentos antes do feixe de prova iluminar a amostra, para que não haja distorções na imagem causadas pela presença dos campos eletromagnéticos da armadilha, que deslocam os níveis atômicos para longe de ressonância com relação à frequência do laser de prova. O processo de desligamento induz a conversão da energia potencial em energia cinética, impulsionando os átomos, anteriormente aprisionados, para longe do centro geométrico da armadilha. A gravidade também atua sobre o centro de massa do sistema fazendo com que todos os átomos caiam aceleradamente, sem a possibilidade de se desprezar o efeito. Durante a expansão em queda livre os átomos mais velozes, que compõem a fração térmica, espalham-se mais velozmente pelo espaço e logo separam-se dos átomos condensados. Isso facilita a determinação da ocorrência da transição de fase (condensação) e também da medida da temperatura da amostra ao se analisar a região periférica da distribuição atômica após intervalos de tempo de voo da ordem de 20 ms (ou mais), de modo geral.

As típicas distribuições de densidade medidas através da técnica de tempo-de-vôo, com a absorção óptica por feixe ressonante são mostradas na Figura 2. A Figura 2(a) apresenta os perfis típicos, medidos experimentalmente, das distribuições espaciais de densidade atômica ocorrendo em temperaturas próximas à temperatura crítica do sistema, isto é: logo acima de Tc (esquerda), na temperatura crítica (centro), e bem abaixo de Tc (direita). A Figura 2(b) mostra um corte do perfil, apresentando o condensado ocupando a parte central, mais densa, que obedece a distribuição de Thomas-Fermi, enquanto a fração térmica obedece distribuição gaussiana, e assim determina-se a fração condensada, N0/N.

Figura 2
(a) perfis de distribuição espacial atômica típicas da densidade atômica em temperaturas próximas à da temperatura crítica do sistema (Tc): logo acima de Tc (esquerda), em Tc (centro), e bem abaixo de Tc. (b) perfil unidimensional, apresentando amostras em diferentes condições de temperatura em torno da condensação com a fração condensada ocupando a parte central (centro e direita), mais densa, em acordo com a distribuição de Thomas-Fermi, enquanto a fração térmica obedece distribuição gaussiana.

Por fim, a temperatura da amostra pode ser determinada pelo expoente da Gaussiana, dado por (mωr2/2kBT). Esta é a forma de realização da termometria dos átomos aprisionados, verificação da dependência do decaimento da parte Gaussiana da distribuição.

3. Excitação do sistema através de perturbações do potencial

Em condições normais, o condensado é bastante estável, mantendo a forma obtida, perdendo um certo número de átomos apenas devido a colisões com o gás de fundo presente no sistema, e compatíveis com a pressão de fundo (∼10−12 Torr). No entanto, a presença de perturbações no campo magnético da armadilha funciona como um campo externo adicional, promovendo os átomos aos estados quânticos da armadilha, resultando em uma diminuição da população do estado fundamental e aumento da população dos demais estados adjacentes, como se fosse uma escada de níveis, na qual ocorre o escalonamento de população.

Estas flutuações externas no campo podem ser introduzidas controladamente ou podem ser flutua es casuais oriundas do circuito de alimentação. A armadilha funciona com a corrente mais estável possível, e ao se medir o espectro de Fourier da corrente, pode-se obter informação sobre a existência de oscilações capazes de transferir os átomos promovendo o decaimento do condensado com a população dos estados excitados. Para um circuito de controle não perfeitamente balanceado, ao invés de termos ausência de frequências extras, e apenas um ruído branco, medimos no sistema o espectro de frequências mostrado na Figura 3.

Figura 3
Espectro de frequência na alimentação da armadilha mostrando a presença de algumas frequências. A contribuição próxima de 188 Hz é considerada a mais relevante para as excitações.

Na região entre 100 e 200 Hz, mostrado na Figura 3, nota-se a presença de dois picos: um próximo de 125 Hz e outro ao redor de 188 Hz. Ambos se distinguem claramente do ruído de fundo e certamente podem ser sentidos pelos átomos, e consequentemente induzir a transição quântica entre os estados da armadilha. Em especial a componente de frequência f∼188 Hz, muito próxima de uma das frequências naturais do potencial, e mesmo que de baixa amplitude pode promover transição entre os níveis vibracionais. Esta transição certamente pode esvaziar o condensado, que está com átomos no estado fundamental do sistema.

Experimentalmente, mede-se a evolução da população do condensado e da nuvem térmica como função do tempo de espera. Isto é feito seguindo a sequência temporal mostrada na Figura 4. Após produzir o condensado, a amostra parcialmente condensada é mantida confinada por diferentes intervalos de tempo, denominado tempo de espera (ou hold time ), após o qual faz medida da fração condensada, número total de átomos e temperatura dos átomos.

Figura 4
Sequência temporal do experimento a partir da transferência para armadilha magnética, mostrando as etapas.

4. Análise do esvaziamento do condensado através da transição entre os estados quânticos do potencial

O resultado da presença de flutuações no campo do potencial é que átomos começarão a realizar transições entre os estados vibracionais, resultando numa dependência temporal da população da fase condensada e aumento da temperatura do sistema devido à população crescente dos estados excitados do potencial. A temperatura inicial do sistema é ao redor de 200 nK (2×10−7 K), ou seja, apenas 200 bilionésimos de grau acima do zero absoluto de temperatura.

Como os estados de um oscilador harmônico são igualmente espaçados, há excitações e de-excitações entre todos os estados como mostrado na Figura 5. Ao mesmo tempo que átomos saem do estado fundamental indo para estados excitados, os átomos excitados são trazidos de volta para o estado fundamental. Ocorre, no entanto, que o estado fundamental quebra a simetria das excitações pois não é possível transicionar para energias mais baixas. Supondo que a taxa de transição seja Γ, com Γ = Γ(A, ω), onde A é a amplitude e ω a frequência das excitações, é possível calcular a evolução temporal.

Figura 5
Estados quânticos do potencial e taxas de transições entre estados.

Note que qualquer nível pode receber átomos dos níveis abaixo e acima, podendo também transferir à ambos, exceto o nível fundamental (E0) que recebe átomos apenas do nível superior (E1). Assim sendo, propomos que a população do i-ésimo nível, Ni, a taxa de variação da população atômica neste nível seja expressa por:

(3) d N i d t = Γ N i - 1 - 2 Γ N i + Γ N i + 1

onde o sinal positivo (+) representa ganho de população para o nível e o sinal negativo (−) significa perda de população para o nível. Obviamente que não existem níveis com índices negativos, de modo que Ni = 0 se i < 0.

Esta equação permite realizarmos um estudo da evolução da população iniciando com N0 = N em t = 0. Para cada instante de tempo t = jΔt, com j = 0,1,2,…, a equação de taxa permite utilizar os resultados de t = (j−1)Δt para obter resultados em t = jΔt. As populações em jΔt, com Δt sendo o intervalo de tempo incremental usado na sequência. Para N0, teremos:

(4) N 0 [ j Δ t ] = N 0 [ ( j - 1 ) Δ t ] - Γ N 0 [ ( j - 1 ) Δ t ] Δ t + Γ N 1 [ ( j - 1 ) Δ t ] Δ t

Já para N1

(5) N 1 [ j Δ t ] = N 1 [ ( j - 1 ) Δ t ] + Γ N 0 [ ( j - 1 ) Δ t ] Δ t - 2 Γ N 1 [ ( j - 1 ) Δ t ] Δ t + Γ N 2 [ ( j - 1 ) Δ t ] Δ t

E assim sucessivamente para Ni:

(6) N i [ j Δ t ] = N i [ ( j - 1 ) Δ t ] + Γ Δ t { N i - 1 [ ( j - 1 ) Δ t ] - 2 N i [ ( j - 1 ) Δ t ] + N i + 1 [ ( j - 1 ) Δ t ] }

Começando com N0(t = 0) = N, Ni(t = 0) = 0 para i≠0 e imax = 9 (valor arbitrário).

Simulando a população para dez estados considerados com as equações de taxa, obtivemos os resultados mostrados na Figura 6.

Figura 6
Simulação da evolução temporal para dez estados.

À medida que a população do estado fundamental (condensado) diminui, a população dos estados excitados aumenta, até atingir um equilíbrio populacional. O estado estacionário com todos os estados apresentando a mesma população ocorre devido ao número finito de estados considerados. É importante, ressaltar, entretanto, que o modelo não considera perdas por colisões com mol culas do g s de fundo, dessa forma, a medida que o número de átomos no estado fundamental vai se diminuindo e a população dos demais estados aumenta, o modelo passa a não descrever o sistema com tanta exatidão.

Do ponto de vista experimental, a flutuação leva a um esvaziamento do estado fundamental. A Figura 7, mostra o decaimento da fração condensada do sistema, isto é, os átomos que sofrem transição do estado mais baixo de energia, e eventualmente se tornam térmicos, populando os estados excitados. Na simulação, considerando 10 estados, nota-se que o estado de maior energia contribui pouco para o todo, evoluindo apenas no final do decaimento.

Figura 7
Decaimento da fração condensada.

Este esvaziamento do condensado, significa que a temperatura do sistema como um todo está aumentando. A temperatura pode ser avaliada usando a termometria padrão pela qual se analisa a região periférica da nuvem térmica. O resultado desta medida está mostrado no gráfico da Figura 8, enquanto a linha sólida advém de um ajuste por lei exponencial com t = (126 ± 30) ms.

Figura 8
Evolu o da temperatura do sistema.

O aumento da temperatura e diminuição da fração condensada estão em bom acordo com a equação (2), acima. Além disso, como verificado anteriormente, esta dependência tem um significado importante: a fração condensada está diminuindo enquanto o número total da amostra está sendo conservado, o que foi verificado experimentalmente de forma consistente.

A aplica o do modelo de escalonamento para explicar o esvaziamento do condensado utilizando dez estados foi realizado, e a comparação dos pontos experimentais com o modelo apresentada na Figura 9, e observa-se excelente concordância.

Figura 9
Comparação do modelo utilizando dez estados com o esvaziamento do condensado no tempo. Para esta comparação, usou-se Γ = 3,70 MHz.

O modelo de excitação baseado em equações de taxa explica muito bem o esvaziamento do estado fundamental. Isto mostra que a presença de uma flutuação capaz de excitar os estados da armadilha deve ser responsável pelo tempo de vida do condensado. Isso mostra a importância de termos um sistema livre de flutuações, para podermos trabalhar com uma amostra condensada capaz de observar variações de um efeito a ser estudado e não devido a flutua es casuais do potencial de aprisionamento. Além disso, flutuações desta natureza tornam a fração condensada vari vel no tempo.

O tempo de vida e o número de átomos como um todo na armadilha, obedecem a um mecanismo diferente, responsável pela variação do número de átomos. As colisões com átomos não aprisionados de fundo afetam o tempo de vida da armadilha como um todo. Neste caso, o número total de átomos decai e não apenas os que constituem o condensado, considerando colisões binárias simples,

(7) d N d t = - σ n N v

onde σ é a seção de choque elástica entre os átomos aprisionados com os de fundo. A densidade destes átomos é n e v sua velocidade à temperatura ambiente. Desta forma:

(8) d N N = - σ n v d t N = N 0 e - σ n v t

na qual a quantidade σnv = 1/τ define o tempo de vida esperado. Os dados experimentais obtidos estão presentes na Figura 10. Esta análise é adequada para os átomos térmicos, no que se refere ao decaimento do condensado temos que considerar mecanismos diferentes, como colisões de três corpos, por exemplo.

Figura 10
Dados referentes à nuvem térmica. A figura (a) representa o decaimento do número total de átomos e a figura (b) a evolução da temperatura medida pelo perfil gaussiano.

A Figura 10, apresenta os resultados obtidos referentes ao aquecimento da nuvem térmica. Observa-se, na Fig. 10(b), que a temperatura aumenta até um ponto e satura. No caso do nosso experimento, isso ocorre devido à expansão da nuvem térmica, na qual a taxa de colisão entre os átomos é alta em um primeiro momento, e diminui conforme a nuvem expande. Após certo tempo, a nuvem aumenta o suficiente até que os átomos mais quentes saiam do potencial. Nesse ponto, a temperatura tende a estabilizar. Além disso, como a pressão de vácuo é próxima de 10−11 Torr, espera-se n < 105 cm−3 (eq. de Clapeyron). Considerando a temperatura ambiente, v∼500 m/s e σ∼10−11 cm2, obtém-se que τ > 2 segundos, compatível com os resultados obtidos e apresentados na Figura 10(a).

5. Conclusão

O estudo apresentado demonstra que a presença de flutuações com frequência próxima a do potencial de confinamento pode promover uma limitação do tempo de vida do condensado de Bose-Einstein, sem comprometer o tempo de vida dos átomos aprisionados. Devido a uma escalada de transições entre os estados vibracionais do potencial, átomos inicialmente no estado fundamental podem espalhar-se por uma faixa de estados com energia superior, causando um aumento da temperatura do sistema.

Demonstramos este efeito para um condensado de Bose de átomos de Rb, na presença de flutuação na corrente de alimentação das bobinas da armadilha magnética. O exemplo é didático no sentido de permitir verificar a interação de campos externos com a população de átomos de um único estado quântico inicial, que se difunde por todo um espectro de estados. De certo modo, isto constitui as transições quânticas que os átomos aprisionados são capazes de executar, criando, a distribuição estatística obedecida por eles em condição de temperatura finita.

Agradecimentos

Trabalho apoiado com bolsas de IC da FAPESP (Proc. 2019/23300-6) e CNPq. Apoio ao laboratório pelo projeto FAPESP (Proc. 2013/07276-1).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    08 Dez 2020
  • Revisado
    03 Fev 2021
  • Aceito
    22 Fev 2021
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