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Do éter questionado por Dirac ao Modelo-Padrão: a diacronia da violação da simetria de Lorentz

From the Aether questioned by Dirac to the Standard Model: the diachrony of Lorentz-symmetry violation

Resumos

Este texto tem como eixo central uma abordagem diacrônica de uma atividade bastante central na multiplicidade de caminhos que se vislumbram quando são investigados possíveis cenários físicos além do Modelo-Padrão das Interações Fundamentais e da Física de Partículas. Pequeníssimos efeitos que podem sinalizar algum desvio da simetria de Lorentz, invariância fundamental na formulação das teorias quânticas relativísticas, ocupam significativo espaço na literatura da Física de Partículas e Campos. Visando um público-alvo de estudantes de Graduação, o presente trabalho propõe-se a apresentar o percurso histórico de desenvolvimento do tópico, permitindo aos principiantes e não-praticantes do tema a percepção de como a investigação de efeitos advindos da violação da simetria de Lorentz se contextualizou em diferentes momentos e atingiu o seu presente status de intensas atividades teóricas e experimentais. Mais recentemente a área tem caminhado na direção de se investigar efeitos da violação da simetria de Lorentz em sistemas de Física da Matéria Condensada, mais especificadamente na direção dos semi-metais de Dirac e Weyl; também, no campo dos efeitos óticos na Astrofísica a atividade de violação da simetria de Lorentz vem recebendo crescente atenção.

Palavras-chave:
Anisotropias espaço-temporais; simetria de Lorentz; supersimetria


This contribution sets out to present a diachronic path of a relevant line of activities concerning issues related to Physics beyond the Standard Model of Fundamental Interactions and Particle Physics, namely, field-theoretical models displaying Lorentz-symmetry violation. Very tine effects that may signal some deviation from Lorentz symmetry – fundamental invariance the formulation of relativistic quantum theories rely on – deserve a relevant room in the literature of field and particle theories. Aiming at a target audience of undergraduate students, the present text focus on the presentation of the timeline of the development of the topic. The effort is to provide the beginners and non-practicing the perception on how the investigation of effects stemming from the violation of Lorentz symmetry showed up in different moments over the second half of past century and reached the present status of intense theoretical and experimental quests. More recently, areas like the study of Dirac and Weyl materials in Condensed Matter Physics and the inspection of optical effects in Astrophysics are also showing increasing interest in the discussion of Lorentz-symmetry violation.

Keywords:
Space-time anisotropies; Lorentz symmetry; supersymmetry


1. Contextualização Parte – 1: A pré-história do tópico

Em um primeiro momento, quando se fala de violação da simetria de Lorentz, do inglês, Lorentz Symmetry Violation (LSV será o acronismo adotado ao longo do texto, em consonância com a literatura da área), pode-se pensar em uma negação da Teoria da Relatividade Restrita, cuja simetria de base é descrita pelo grupo de Lorentz, SO(1,3). Mas, importante logo esclarecer: não é isso que está em jogo. Da mesma forma que um campo magnético homogêneo externo estabelecido no espaço tridimensional quebra a simetria rotacional, caracterizada pelo grupo SO(3), alguma anisotropia no espaço-tempo corresponde à violação da simetria SO(1,3). Toda a investigação no âmbito do tópico da LSV é motivada pela busca de se compreender qual pode ser a origem das anisotropias espaço-temporais presentes no vácuo quântico, origem esta que pode estar indicando alguma nova física além do Modelo-Padrão. Na verdade, o que se está também tentando compreender nos cenários que envolvem a LSV é a própria estrutura do vácuo quântico, que, exibindo propriedades eletromagnéticas como birrefringência ou dicroísmo, por exemplo, sinaliza para evidências de física não contemplada pelo Modelo-Padrão. É o vácuo se comportando como um meio material, do que, então, se pode extrair informações não contempladas pelo Modelo-Padrão. É preciso ter claro este ponto de vista quando nos referimos à LSV.

A discussão sobre um possível cenário caracterizado por efeitos da LSV é inicialmente abordada por Paul Dirac em 1951, num trabalho em que ele apresenta a ideia de uma nova eletrodinâmica quântica [1[1] P.A.M. Dirac, Nature 168, 906 (1951).]. Nesta ocasião, Dirac questiona se há um éter e, nesse sentido, segue com a proposição de um vetor de fundo que estabelece uma direção preferencial, de forma a investigar se tal vetor seria capaz de revelar a natureza das divergências ultravioleta das teorias quânticas de campo. Essa forma de atacar as divergências, o que parecia um problema à época1 1 Por muito tempo, e em alguns casos ainda hoje, o procedimento da renormalização que implementamos para extrair resultados físicos finitos em teoria quântica de campos foi visto como uma forma de “varrer a sujeira para debaixo do tapete”. Mas, a renormalização tem um sentido físico muito mais profundo, porque é a partir da mesma que construímos o grupo de renormalização e chegamos ao running coupling , que é essencial para a descrição da liberdade assintótica nas interações fortes, por exemplo. É oportuno lembrar aqui que G. Scharf, em seu livro “Finite quantum electrodynamics ”, calcula correções perturbativas para os processos da Eletrodinâmica Quântica (QED) sem fazer uso de renormalização [2]. Para isso, ele adota resultados da década de setenta para tratar as distribuições singulares junto a um critério suplementar, o critério de causalidade. O mais interessante dessa abordagem é que, em um certo ponto, o autor mostra que os seus resultados coincidem perfeitamente com os resultados obtidos via renormalização. Portanto, isso indica que o procedimento de renormalização para tratar divergências em teoria quântica de campos é um esquema sensato, se realizado de maneira consistente e cuidadosa. , caracterizava a quebra da simetria de Lorentz pela presença de um éter, o que se assemelha aos cenários de LSV propostos recentemente, através da introdução de anisotropias no espaço-tempo. Ainda no mesmo ano, houve uma discussão envolvendo H. Bondi e T. Gold, não no sentido de rebater as ideias de Dirac, mas no sentido de mostrar como esse contexto de Dirac também poderia estar ligado com algumas discussões cosmológicas [3[3] H. Bondi e T. Gold, Nature 169, 146 (1951).]. Este primeiro período, marca o nascimento da discussão sobre até que ponto, ou sob quais perspectivas, as simetrias espaço-temporais descritas pela Relatividade Restrita devem vigorar.

Após este período, a discussão tem um certo hiato, já que a década de cinquenta do século passado foi muito devotada à investigações direcionadas para a física de interações fortes e fracas. Foi somente em 1963 que J. D. Bjorken publicou um trabalho com foco em uma tentativa de buscar uma origem dinâmica para o campo eletromagnético através da introdução de um modelo de Heisenberg com quatro férmions, chegando à conclusão de que, a partir dessa premissa, gera-se um estado de vácuo caracterizado por um condensado que não é nulo e que se transforma como vetor. Com isso, Bjorken começa a buscar um eletromagnetismo emergente e faz considerações sobre um possível fóton composto, tudo isso em um cenário – importante destacar – de quebra espontânea da simetria de Lorentz [4[4] J.D. Bjorken, Ann. Phys. 24, 174 (1963).].

Logo em seguida, em 1966, P. R. Phillips discute a possibilidade do gráviton ser um bóson de Goldstone, na presença de um vetor de fundo que quebra a simetria de Lorentz [5[5] P.R. Phillips, Phys. Rev. 146, 966 (1966).]. Em 1967, T. G. Pavlopoulos introduz a quebra da simetria de Lorentz no sentido de aprimorar o trabalho de Bjorken [6[6] T.G. Pavlopoulos, Phys. Rev. 159, 1106 (1967).]. Também em 1967, L. B. Rédei relaciona a física de partículas com a LSV estudando o fator g-2 do múon. Ele o faz considerando que o espaço-tempo possui uma anisotropia que se revela em distâncias da ordem de 10-15cm, a escala dos decaimentos fracos à época (hoje, atinge-se a escala eletrofraca a distâncias na faixa dos 10-17 cm) e argumentando que, até então, só havia sido verificada a invariância da simetria de Lorentz para escalas maiores que essa [7[7] L.B. Rédei, Phys. Rev. 162, 1299 (1967).]. Estes trabalhos faziam parte de uma busca do entendimento de possíveis situações nas quais a LSV poderia ter efeitos mensuráveis. Essa vertente de pesquisa emergiu do impactante resultado da violação de paridade nas interações fracas na segunda metade da década de cinquenta, teoricamente proposta por T.-D. Lee e C.-N. Yang em 1956, e experimentalmente demonstrada pela Mme. C.-S. Wu e seus colaboradores em 1957[8[8] T.D. Lee e C.N. Yang, Phys. Rev. 104, 254 (1956)., 9[9] C.S. Wu, E. Ambler, R.W. Hayward, D.D. Hoppes e R.P. Hudson, Phys. Rev. 105, 1413 (1957).]. Então, dado que há violação da simetria de paridade e que essa simetria parecia ser um fato inviolável na Natureza, passou-se a questionar se a simetria de Lorentz era, de fato, um marco tão firme assim, ou se poderíamos de alguma forma acessar um regime da Natureza em que a simetria de Lorentz poderia ser violada, justificando a busca deste cenário na década de sessenta.

A década de setenta é aberta com a consolidação da Cromodinâmica Quântica (QCD) e o trabalho de M. Veltman e G. ’t Hooft sobre a renormalizabilidade das teorias de Yang-Mills. Então, é neste contexto que o retorno à cena da LSV se dá na década de setenta, com um trabalho de H. B. Nielsen e M. Ninomiya de 1978, onde os autores procuraram estudar a função-beta de uma teoria de Yang-Mills não-covariante, e puderam mostram que o ponto fixo ocorre num regime em que a simetria de Lorentz é restaurada [10[10] H.B. Nielsen e M. Ninomiya, Nucl. Phys. B 141, 153 (1978).].

Na década de oitenta, a questão central era a Grande-Unificação. Neste contexto, nomes como J. Ellis, M. K. Gaillard, D. V. Nanopoulos, S. Rudaz e, de forma independente destes já citados, A. Zee, começam a discutir a possibilidade de que o decaimento do próton, que é previsto pela teoria de Grande-Unificação, possa acontecer também com pequenos desvios da simetria de Lorentz [11[11] J. Ellis, M.K. Gaillard, D.V. Nanopoulos e S. Rudaz, Nucl. Phys. B 176, 161 (1980)., 12[12] A. Zee, Phys. Rev. D 25, 1864 (1982).]. Concomitantemente a estes trabalhos citados, o início da década foi marcado também pela prova dada, em 1982, da finitude das teorias de Yang-Mills N=4 em todas as ordens da expansão perturbativa, mas a demonstração desta prova não era manifestamente covariante do ponto de vista da simetria Lorentz. Iniciou-se, assim, a discussão de até que ponto se poderia levar a simetria de Lorentz como uma simetria fundamental e inviolável, discussão essa que foi liderada por H. B. Nielsen e seus colaboradores [13[13] H.B. Nielsen e I. Picek, Phys. Lett. B 114, 141 (1982)., 14[14] H.B. Nielsen e S. Chadha, Nucl. Phys. B 217, 125 (1983)., 15[15] H.B. Nielsen e I. Picek, Nucl. Phys. B 211, 269 (1983).].

2. Contextualização Parte – 2: A história que se inicia em 1989

O trabalho de Dirac e os subsequentes aqui citados, marcam a discussão embrionária que ganhou consistência com a teoria das supercordas e culminou nas discussões sobre a LSV como se tem nos dias de hoje. A primeira revolução das cordas acontece em 1984, e já na era das supercordas aparece o primeiro trabalho de V. A. Kostelecký e S. Samuel de 1989, no qual há, no cenário das cordas abertas, campos tensoriais que podem tomar valores esperados no vácuo não-triviais [16[16] V.A. Kostelecký e S. Samuel, Phys. Rev. D 39, 683 (1989).]. Sendo assim, esses campos tensoriais, que se condensam no vácuo, quebram a simetria de Lorentz. Este é o trabalho que dá partida para a próxima fase da investigação sobre a LSV, uma fase mais inspirada na teoria de cordas e em modelos efetivos que tentam discutir novos cenários físicos que transcendem ao Modelo-Padrão. Ainda em 1989, estes dois autores publicam um outro trabalho em conjunto que coloca vínculos fenomenológicos da teoria de cordas para o ambiente da quebra da simetria de Lorentz [17[17] V.A. Kostelecký e S. Samuel, Phys. Rev. Lett. 63, 224 (1989).].

Em 1990, tem-se a publicação do famoso e importante trabalho de S. M. Caroll, G. B. Field e R. Jackiw. Tal trabalho se tornou um dos maiores ícones da quebra de simetria de Lorentz [18[18] S.M. Carroll, G.B. Field e R. Jackiw, Phys. Rev. D 41, 1231 (1990).]. No artigo, Carroll, Field e Jackiw (CFJ) buscam limites na quebra da simetria de Lorentz usando um modelo topológico, que é uma versão em (1+3) dimensões do modelo de Chern-Simons em (1+2) dimensões, descrito pelo termo

(1) C F J ε μ ν κ λ v μ A ν F κ λ = 2 ϕ c v B - 2 v 0 A B + 2 1 c E ( v × A ) ,

onde o quadri-potencial vetor é dado por Aν=(ϕ/c,Ai), descrevendo o campo do fóton, e o tensor de intensidades eletromagnético Fκλ é dado por

F κ λ = - F λ κ = ( κ A λ - λ A κ ) = ( 0 E 1 / c E 2 / c E 3 / c - E 1 / c 0 - B 3 B 2 - E 2 / c B 3 0 - B 1 - E 3 / c - B 2 B 1 0 ) ,

vμ é o campo vetorial de fundo, que estabelece uma direção espaço-temporal privilegiada e que, consequentemente, quebra a simetria de Lorentz, alterando as equações de Maxwell, εμνκλ é a forma covariante do pseudo-tensor totalmente antissimétrico de Levi-Civita.

O modelo de CFJ faz uso de dados astrofísicos para estimar a escala das componentes da anisotropia, vμ, responsável pela LSV. O leitor com pouca familiaridade com a notação covariante pode consultar o Apêndice A para ter uma noção de como essa notação se comunica com a forma mais usual de se expressar a eletrodinâmica no espaço tridimensional Euclidiano 𝔼3. As equações de Maxwell modificadas pelo termo de CFJ (1) são obtidas a partir da aplicação do princípio variacional com respeito ao potencial Aν (em notação covariante), ou com respeito ao potencial escalar ϕ e ao potencial vetor A (na notação Euclidiana). A densidade Lagrangiana para este modelo é dada por

(2) M - C F J = M + C F J = - 1 4 μ 0 F μ ν F μ ν - 1 2 μ 0 ε μ ν κ λ v μ A ν F κ λ = 1 2 ( ϵ 0 E 2 - 1 μ 0 B 2 ) + ϵ 0 μ 0 ϕ v B - 1 μ 0 v 0 A B + ϵ 0 μ 0 E ( v × A ) .

Lembrando que o campo elétrico é dado por E=-ϕ-tA e o campo magnético por B=×A. A lei de Gauss para o campo elétrico pode ser escrita como

(3) E + c v B = 0 ,

e a lei de Ampère-Maxwell na forma

(4) × B - 1 c 2 t E + v 0 B - v c × E = 0 ,

onde identificamos v0 e v como as componentes temporal e especial de vμ, respectivamente. A lei de Gauss para o campo magnético,

(5) B = 0 ,

e a lei de Faraday-Lenz,

(6) × E + t B = 0 ,

são obtidas a partir da identidade de Bianchi, que pode ser escrita como

(7) μ F ν κ + κ F μ ν + ν F κ μ = 0 ,

e não são alteradas no modelo considerado aqui.

Propondo uma solução em ondas planas para E e B,

(8) E = E 0 e i ( ω t - k x ) , B = B 0 e i ( ω t - k x ) ,

podemos obter a partir da Lei de Faraday-Lenz (6) a amplitude B0 em termos de E0,

(9) B 0 = k ω × E 0 .

Inserindo o resultado (9) na lei de Ampère-Maxwell modificada (4) já sob efeitos da solução de ondas planas, obtemos uma equação para o campo elétrico do tipo

(10) R i j ( E 0 ) i = 0 ,

em que Rij é uma matriz 3×3 dada por

(11) R i j = i k 2 δ i j + i k i k j + ε i j k ( ω c v k - v 0 k k ) .

Impondo agora que det(Rij)=0, obtemos a relação de dispersão modificada para o fóton,

(12) k 4 + v 2 k 2 - ( v k ) 2 = 0 .

O resultado acima está expresso na notação covariante e pode ser entendido de forma mais explícita notando que kμ=(ω/c,ki) e, portanto, k2=kμkμ=kk=(ω2/c2)-k2, veja o Apêndice A. Para mais detalhes do cálculo deste determinante, veja também o Apêndice A. Se desligarmos os efeitos advindos do termo de CFJ, tomando vμ=0, resgatamos a relação de dispersão fotônica usual,

(13) ω = ± c | k | .

Reescrevendo a equação (12) em termos da frequência, do vetor de onda e das componentes do quadrivetor vμ, chega-se a expressão seguinte,

(14) ( ω c ) 4 - ( ω c ) 2 ( 2 k 2 + v 2 ) + 2 ( ω c ) v 0 ( v k ) + k 2 ( k 2 - v 2 ) - ( v k ) 2 = 0 .

Este resultado merece algumas considerações: i) é interessante observar que, através dessa relação dispersão fica evidente uma dependência da frequência em relação ao angulo entre a direção de propagação da onda e vetor de anisotropia, já que aprece explicitamente o termo vk; ii) Esta relação quártica na frequência tem como consequência imediata o efeito de birrefringência, isto é, a velocidade de propagação da onda depende da polarização da mesma. Este fato é explicitamente demonstrado no trabalho [18[18] S.M. Carroll, G.B. Field e R. Jackiw, Phys. Rev. D 41, 1231 (1990).]; iii) Associado a esta relação de dispersão, há também dois aspectos que devem ser investigados, a saber: a possível violação de causalidade e propriedade de estabilidade do vácuo. Remetemos o leitor aos trabalhos de referência [19[19] C. Adam e F.R. Klinkhamer, Nucl. Phys. B 607, 257 (2001)., 20[20] A.P. Baêta Scarpelli, H. Belich, J.L. Boldo e J.A. Helayël-Neto, Phys. Rev. D 67, 085021 (2003).], onde estas questões são trabalhadas em detalhes.

Logo em seguida, em 1995, D. Colladay lança o chamado Modelo-Padrão Minimamente Estendido, do inglês Minimal Standard-Model Extension (MSME), na escola de verão do Center for Spacetime Simmetries da Universidade de Indiana (IUCSS). Entre 1997 e 1998 nasce o famoso modelo padrão estendido, do inglês Standard-Model Extension (SME), com um par de trabalhos de D. Colladay e V. A. Kostelecký [21[21] D. Colladay e V.A. Kostelecký, Phys. Rev. D 55, 6760 (1997)., 22[22] D. Colladay e V.A. Kostelecký, Phys. Rev. D 58, 11602 (1998).]. O SME tem todas as características do Modelo-Padrão usual – ou seja, as mesmas simetrias internas SU(3)×SU(2)×U(1), livre de derivadas de ordem superiores e renormalizável – e da Relatividade Geral, mas considera a possibilidade de violar as simetrias de Lorentz e CPT, onde C é a conjugação de carga, P a paridade e T a reversão temporal. De certa forma, dentro da visão da escola de Indiana, a simetria de Lorentz permanece válida, uma vez que a teoria se transforma normalmente sob rotações ou boosts , considerando que as chamadas transformações de Lorentz do observador (ou passivas) são realizadas no referencial do laboratório. A LSV aparece apenas quando os campos que descrevem as partículas são girados ou aumentados em relação aos valores esperados de tensores que descrevem o estado de vácuo, as chamadas transformações de Lorentz de partículas (ou ativas).

Dentre as várias abordagens contemporâneas para a investigação da LSV, o SME é o quadro teórico mais difundido para se estudar em múltiplas frentes a fenomenologia da LSV. O modelo de CFJ e o SME abrem novas janelas de exploração e nos mostram que há situações em que os efeitos da LSV podem se manifestar em regimes de energia acessíveis nos aceleradores de partículas e nas observações astrofísicas e cosmológicas disponíveis hoje ou no futuro próximo.

3. Alguns Aspectos da QED no Cenário do SME

Como uma ilustração do SME, vamos apresentar a seguir uma possível extensão LSV no setor da QED. Como pode ser visto detalhes na Ref. [23[23] V.A. Kostelecký, C.D. Lane e A.G. Pickering, Phys. Rev. D 65, 056006 (2002).], temos

(15) S = d 4 x [ ψ ¯ ( i Γ μ D μ - M ) ψ - 1 4 μ 0 F μ ν F μ ν - 1 4 μ 0 k μ ν λ ρ F μ ν F λ ρ - 1 2 μ 0 ε μ ν κ λ v μ A ν F κ λ ] .

O tensor constante de fundo kμνλρ é um termo CPT-par e a parcela total que contrai com ele é comumente chamado de termo de éter. Uma descrição detalhada do termo CPT-par, suas simetrias e seus efeitos sobre as equações de Maxwell-CFJ, encontra-se no Apêndice A. Decidimos por apresentar os efeitos do chamado termo de éter em um Apêndice para deixar o texto desta seção menos sobrecarregado e darmos mais espaço para a discussão do setor fermiônico da QED-SME. Consideramos que apresentar os detalhes associados ao elétron-pósitron seja mais instrutivo a este ponto, já que o setor fotônico de CFJ foi amplamente discutido na seção anterior. Por isso, o termo de éter, que também envolve o setor do fóton, pode ser objeto de um Apêndice sem sacrificar o entendimento do leitor. A última parcela de termos corresponde ao usual termo de CFJ apresentado acima2 2 Deve-se notar que, além da simetria de Lorentz, a simetria CPT também é quebrada neste caso, pois ocorre quebra de CPT para qualquer termo envolvendo um tensor constante de rank ímpar, enquanto para um tensor constante de rank par CPT não é quebrado [24]. . Os termos γμ são matrizes 4×4 chamadas de matrizes de Dirac, γ5=iγ0γ1γ2γ3 e Σμν=i[γμ,γν]/4, ou seja, o comutador de duas matrizes de Dirac3 3 Para ver a forma explícita destas matrizes, bem como suas propriedades e álgebra, consulte a referência [25]. . Dμ=μ-i(qe/)Aμ é a chamada derivada covariante com acoplamento mínimo, onde μ=/xμ=(t/c.-i) e qe é um múltiplo q do módulo da carga do elétron e, com

(16) Γ μ = γ μ + c μ ν γ ν + d μ ν γ ν γ 5 + e μ + i f μ γ 5 + 1 4 g λ ν μ Σ λ ν ,
(17) M = m c + a μ γ μ + b μ γ μ γ 5 + 1 4 H μ ν Σ μ ν + m 5 γ 5 .

A ação (15) foi escrita na forma covariante para ser apresentada de maneira mais compacta. Consultando o Apêndice A, o leitor interessado pode reescrever essa ação na notação Euclidiana mais usual.

Supondo que estejamos interessados apenas na dinâmica de uma partícula fermiônica na presença de violação da simetria de Lorentz com termos advindos de M definido em (17). Considerando que aμ=-ξμ=-(ξ0,-ξi), bμ=-Rμ=-(R0,-Ri), m5=-iζ, obtemos a equação de Dirac modificada por termos LSV tal que

(18) ( i γ μ μ - m c - i ζ γ 5 - ξ μ γ μ - R μ γ μ γ 5 ) ψ ( x ) = 0 ,

Migrando para o espaço dos momenta via transformada de Fourier, usando a prescrição

(19) ψ ( x ) = d 4 p ( 2 π ) 4 ψ ( p ) e - i p μ x μ / ,

em que d4p=dp0dp1dp2dp3, teremos

(20) ( p μ γ μ - m c - i ζ γ 5 - ξ μ γ μ - R μ γ μ γ 5 ) ψ ( p ) = 0 .

Exigindo que a matriz-4×4 que atua em ψ(p), D=(pμγμ-mc-iζγ5-ξμγμ-Rμγμγ5), tenha determinante igual a zero, obtemos a relação de dispersão modificada por termos LSV para um férmion que obedeça a equação (20). Ou seja,

(21) det ( D ) = ( p 2 - m 2 c 2 - ζ 2 + ξ 2 + R 2 - 2 p ξ ) 2 - 4 [ ( p R - ξ R ) 2 - m 2 c 2 - ζ 2 ] = 0 .

Para mais detalhes do cálculo deste determinante, veja o Apêndice A. Esse é um exemplo prático de como se trabalha com o SME. Agora, se desligamos os termos LSV tomando ζ=ξμ=Rμ=0, vemos que de imediato resgatamos a relação de dispersão usual para férmions que obedecem a equação de Dirac usual, Lorentz invariante,

(22) E 2 = p 2 c 2 + m 2 c 4 .

Após o SME, em 1999, N. Seiberg e E. Witten lançam as teoria quânticas de campos não-comutativas (NCFTs). A não-comutatividade do espaço-tempo causa imediatamente uma quebra da simetria de Lorentz [26[26] N. Seiberg e E. Witten, Journal of High Energy Physics 09, 224 (1999).], e tais teorias podem ser vistas como um limite de baixas energias para a teoria de Cordas. Essa abordagem teórica para a investigação de LSV pode ser encontrada na literatura, mas não é tão popular quanto o SME.

Nos anos de 1997 e 1999 surgiu uma nova discussão para verificação da LSV, baseada nas Relações de Dispersão Modificadas (MDRs) para o fóton, guiada pelos trabalhos de G. Abelino-Camelia e de J. Ellis, N. E. Mavromatos e D. V. Nanopoulos [27[27] G. Amelino-Camelia, J. Ellis, N. Mavromatos e D.V. Nanopoulos, Int. J. Mod. Phys. A 12, 607 (1997)., 28[28] J.R. Ellis, N. Mavromatos e D.V. Nanopoulos, Gen. Rel. Grav. 31, 1257 (1999).]. MDRs para fótons no vácuo aparecem em várias abordagens teóricas na busca de uma teoria completa para a gravitação quântica. Para fótons de altas energias, acessados em medidas astrofísicas, é possível fazer análises de possíveis desvios em comparação com as relações de dispersão padrão, podendo indicar a presença da LSV ou de algum efeito de gravitação quântica. Houve, ainda na linha das MRDs, em 1999 a publicação de um importante trabalho escrito por R. Gambini e J. Pullin, o qual não se baseava na teoria de cordas e nem na gravitação quântica usual – isto é, no formalismo de primeira ordem, abordagem semi-classica, etc. – mas sim no contexto da loop quantum gravity .Neste trabalho, os autores obtém equações de Maxwell modificadas por efeitos da loop quantum gravity e mostram a birrefringência do vácuo [29[29] R. Gambini e J. Pullin, Phys. Rev. D 59, 124021 (1999).].

Outros dois trabalhos importantes com relação as MDRs foram publicados um no ano de 2000 por G. Amelino-Camelia e S. Majid [30[30] G. Amelino-Camelia e S. Majid, Int. J. Mod. Phys. A 15, 4301 (2000).], e outro no ano de 2002 por J. Alfaro, H. A. Morales-Técotl e L. F. Urrutia [31[31] J. Alfaro, H.A. Morales-Tecotl e L.F. Urrutia, Phys. Rev. D 65, 103509 (2002).], caracterizando relações de dispersão que podem indicar a existência de LSV. Então, no contexto da gravitação quântica, é importante dizer que os efeitos físicos da LSV formam o que a literatura chama de “Windows on Quantum Gravity ”. De forma geral, as principais situações que permitem verificação experimental são: i) Novas relações de dispersão para o fóton e birrefringência do vácuo da QED; ii) Lapso de tempo (time delay ) em sinais de GRBs (gamma-ray bursts ), AGNs (núcleos galácticos ativos) e pulsares; iii) Splitting do fóton; iv) Decaimento do fóton; v) Aniquilação de fótons emitidos por blazars ; vi) Efeito Cherenkov no vácuo; vii) Decaimento de uma partícula com mudança de helicidade.

Ainda em 1999, S. Coleman e S. L. Glashow lançam, a partir de primeiros princípios, a hipótese de que pode haver LSV em altíssimas energias, perto da escala de Planck [32[32] S. Coleman e S.L. Glashow, Phys. Rev. D 59, 116008 (1999).]. Na época, a observação de raios cósmicos ultra energéticos na faixa dos 1011GeV10-8MPl era a informação de altas energias mais próxima da escala de Planck4 4 A escala de Planck é caracterizadas por energias da ordem de 1019GeV, distâncias em torno de 10-35m, intervalos de tempo da ordem de 10-43s. .

Uma outra abordagem para a LSV surge em 2002, conhecida como Doubly-Special Relativity (DSR) com o trabalho de G. Abelino-Camelia [33[33] G. Amelino-Camelia, Int. J. Mod. Phys. D, 11, 1643 (2002).] e contribuições de J. Magueijo em um trabalho de 2003[34[34] J. Magueijo, Rept. Prog. Phys. 66, 2025 (2003).]. Essa abordagem consiste de uma teoria da relatividade dupla no sentido de que há agora dois invariantes, a velocidade luz e uma escala de energia, equivalente a uma escala de comprimento mínimo que pode ser associada à escala de Planck. Dentro deste contexto de dois invariantes, temos uma violação da simetria de Lorentz direto na álgebra do grupo de Poincaré devido a presença desta escala mínima de comprimento invariante. Essa modificação da álgebra do grupo de Poincaré é realizada via um procedimento matemático chamado de contração de Wigner-Inömü, onde parte-se de um grupo de Anti-de Sitter, realiza-se uma contração de Wigner-Inömü e obtém-se uma chamada κ-Poincaré álgebra. Essa κ-Poincaré álgebra é uma deformação da álgebra de Poincaré usual, caracterizada por uma escala de comprimento na álgebra de Poincaré que modifica a conhecida simetria de Lorentz.

Em resumo, para investigar a LSV podemos seguir diferentes caminhos como indicado na Figura 1 abaixo:

Figura 1:
Diagrama que ilustra as diferentes frentes que nos levam à LSV.

Contudo, podemos dizer que a postura de trabalho mais adequada para investigar a LSV, seguida pela maior parte da comunidade desde a década de cinquenta, consiste em sempre manter em mente que a simetria de Lorentz é um fato da natureza indispensável na escala que conhecemos. Até que ponto podemos levar essa simetria? Temos boas razões para acreditar que a mesma deva se quebrar em escalas muito diminutas de distância e também em altíssimas energias. Sendo assim, no contexto de baixas energias em que vivemos, não esperamos ver a violação da simetria de Lorentz em sua forma plena, mas sim as suas manifestações através de efeitos bastante sutis, uma vez que estes podem ser suprimidos por alguma potencia da escala de Planck.

É interessante, a este ponto, trazer para o leitor algumas importantes referências que ilustram aspectos de natureza fenomenológica no âmbito dos pincipais modelos onde são estudados efeitos da LSV. As buscas experimentais e observacionais destes sutis efeitos, na verdade, efeitos de precisão, de violação da simetria de Lorentz realizadas nos últimos anos têm resultado em bons limites para os parâmetros que modulam a quebra. Os resultados mais atuais são publicados bienalmente por V. A. Kostelecký e N. Russell num copilado chamado de “Data Tables for Lorentz and CPT Violation ”, que no período que redigimos este texto, se encontra em sua décima terceira versão [35[35] V.A. Kostelecký e N. Russel, arXiv:0801.0287v14 (2020).]. Um outro trabalho interessante, apresentado na conferência DISCRETE em 2018 e publicado em 2020, com autoria de J. Bolmont e C. Perennes, traz uma revisão geral da fenomenologia da LSV e nos dá uma indicação de que dados buscar para estabelecer limites para a LSV [36[36] J. Bolmont e C. Perennes, J. Phys.: Conference Series 1586, 012033 (2020).]. Essas buscas experimentais e observacionais se concentram, em geral, na avaliação de fenomenologias ligadas com a queda de corpos num fundo anisotrópico, relógios atômicos no espaço, birrefringência da luz no vácuo, efeitos de precessão de Spin, shift de níveis de energia atômicos, física de neutrinos, relações de dispersão modificadas para fótons de altas energias, observação dos gamma-ray burst , entre outros.

Indicamos ao leitor interessado em abordagens experimentais e observacionais para a constatação da LSV, o site pessoal de V. A. Kostelecký, cujo endereço consta como sendo https://lorentz.sitehost.iu.edu/kostelecky/mov.html. No mesmo, encontram-se descrições detalhadas e bastante didáticas dessas abordagens bem como as devidas referências que respaldam as mesmas.

Um trabalho de revisão, com autoria de T. Mariz, J. R. Nascimento e A. Y. Petrov, onde encontram-se detalhes técnicos e uma discussão física bastante bem elaborada e atualizada de aspectos clássicos e quânticos da LSV, pode ser encontrado no livro [37[37] T. Mariz, J.R. Nascimento e A.Y. Petrov, Lorentz Symmetry Breaking – Classical and Quantum Aspects (Springer, Cham, 2023).].

4. Violação da Simetria de Lorentz em Cenários Supersimétricos

A discussão da LSV envolve a investigação da quebra de uma simetria que deve ocorrer em energias muito altas ou, equivalentemente, em escalas de distâncias muito pequenas. A Supersimetria (SUSY) é uma simetria que naturalmente é vigente em regimes de energias elevados, muito acima da escala da quebra eletrofraca. Dessa forma, é sensato começar a se questionar sobre qual a relação entre a violação da simetria de Lorentz, que também ocorre a altíssimas energias, e a violação da SUSY, até porque sabemos que a formulação padrão da SUSY é construída a partir da própria simetria de Lorentz. Nesse sentido, os trabalhos que marcam essa interseccionalidade datam do ano de 2002, com o trabalho seminal de M. S. Berger e V. A. Kostelecký, surgindo logo após o estabelecimento do SME [38[38] M. Berger e V.A. Kostelecký, Phys. Rev. D 65, 091701 (2002).]; logo no ano seguinte, 2003, Berger [39[39] M. Berger, Phys. Rev. D 68, 115005 (2003).] procede com a discussão. A partir destes trabalhos, a SUSY acomoda a LSV introduzindo um novo elemento geométrico – uma estrutura tensorial de fundo – na álgebra de Supersimetria.

Antes do prosseguirmos com a discussão abrangendo a relação entre LSV e SUSY, afim de localizar o leitor, destacamos que a conexão LSV-SUSY segue três diferentes linhas de investigação. A primeira delas, como ressaltado no paragrafo acima, baseia-se em uma extensão do superespaço e da álgebra supersimétrica mediante a introdução dos parâmetros de LSV.

Seguindo, como segunda proposta, o grupo do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) entra em cena com um primeiro trabalho publicado em 2003[40[40] H. Belich, J.L. Boldo, L.P. Colatto, J.A. Helayël-Neto e Á.L.M.A. Nogueira, Phys. Rev. D 68, 065030 (2003).], e um segundo, de 2004[41[41] A.P. Baeta Scarpelli, H. Belich, J.L. Boldo, L.P. Colatto, Á.L.M.A. Nogueira e J.A. Helayël-Neto, Nucl. Phys. B 127, 105 (2004).]. Estes trabalhos se diferenciam da proposta de Berger e Kostelecký porque, ao invés de modificar a álgebra de geradores da SUSY, adotam o ponto de vista de que a violação da SUSY ocorre em escalas de energias mais baixas do que as escalas onde a simetria de Lorentz é violada. Na verdade, a escala que marca a violação da SUSY povoa o chamado deserto entre a escala eletrofraca e a escala da grande-unificação, e, como já argumentamos, a LSV deve ser mais próxima da escala de Placnk. Com esta premissa em mente, considera-se que os fenômenos ligados à LSV ocorrem em um ambiente ainda dominado pela SUSY. Com isso, a ideia central foi buscar uma formulação supersimétrica para as estruturas de fundo (vetores e tensores) que constituem as anisotropias espaço-temporais responsáveis por violarem a simetria de Lorentz. As ditas estruturas de fundo devem elas mesmas estarem inseridas em multipletes supersimétricos, não sendo meros objetos geométricos acrescentados à álgebra da SUSY, mas advindo de campos mais fundamentais e se comunicando com setores fermiônicos que também operam para violar a simetria de Lorentz. De modo geral, é adotada a premissa fundamental de associar ao fundo que faz com que haja a LSV algum multiplete de supersimetria, de modo que podemos buscar uma origem microscópica para estes vetores e tensores de fundo, uma vez que, com este ponto de vista, os férmions do fundo supersimétrico podem formar condensados fermiônicos que se agregam aos vetores e tensores de fundo da formulação isenta de SUSY. Em outras palavras, a abordagem proposta faz com que as estruturas de fundo responsáveis pela LSV deixem de ser coadjuvantes e passem a adquirir um relativo protagonismo, uma vez que elas podem ser enquadradas em multipletes da SUSY e trazem consigo novos vetores e tensores de fundo constituídos a partir de setores fermiônicos mais primordiais.

Outros trabalhos de relevância que sugiram no contexto contexto da associação LSV-SUSY são os de autoria de P. A. Bolokhov, S. Nibbelink Groot e M. Pospelov em 2005[42[42] P.A. Bolokhov, S.G. Nibbelink e M. Pospelov, Phys. Rev. D 72, 015013 (2005).], e outro com autoria de A. Katz e Y. Shadmi em 2006[43[43] A. Katz e Y. Shadmi, Phys. Rev. D 74, 115021 (2006).]. No primeiro trabalho citado, é construída uma versão da eletrodinâmica quântica (QED) supersimétrica com presença da LSV e a partir dai é feito um estudo detalhado da birrefringência do vácuo da QED na presença de termos que quebram a simetria de Lorentz. Já no segundo trabalho, o foco é na quebra da SUSY, implicando que as massa dos pares supersimétricos sofrem um split de forma que quebramos a degenerescência supersimétrica e, por consequência, há a quebra da simetria de Lorentz.

Um trabalho importante também a se citar data de 2012, desenvolvido pelo grupo C. F. Farias, A. C. Lehum, J. R. Nascimento e A. Yu. Petrov, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) [44[44] C. Farias, A. Lehum, J. Nascimento e A.Y. Petrov, Phys. Rev. D 86, 065035 (2012).]. Trabalho este que segue a linha de Berger e Kostelecký, introduzindo um fundo etéreo que gera uma direção privilegiada na álgebra de supersimetria, a partir da qual se constrói uma formulação em supercampos.

5. Considerações Finais

Retornando ao ponto de partida do presente texto, fica evidente, portanto, que o tema violação da simetria de Lorentz de fato não se trata de uma negação das ideias de Einstein. Muito pelo contrário, se trata da busca de uma física nova, que vai para além dos limites impostos pelo Modelo-Padrão de forma a, quem sabe, jogar uma luz sobre questões tais como: indicar um caminho em direção à gravitação quântica (teoria de cordas, loop quantum gravity , etc.); o problema da hierarquia de gauge; origem da massa do Higgs; assimetria entre quantidade de matéria e anti-matéria; o problema do momento de dipolo elétrico do nêutron; matéria escura; oscilações dos neutrino e sua massa; violação CP forte, dentre outros.

Contudo, destacamos que a área vem em constante evolução, com uma atividade bastante intensa e regular ao longo dos últimos 25 anos. Nesse sentido, gostaríamos de deixar registrados alguns trabalhos recentes que marcam o esforço colaborativo empreendido pelo grupo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) com uma longa lista de interessantes trabalhos [45[45] R. Casana, M.M. Ferreira Jr., E. Passos, F.E.P. Santos e E.O. Silva, Phys. Rev. D 87, 047701 (2013)., 46[46] J.B. Araújo, R. Casana e M.M. Ferreira Jr., Phys. Lett. B 760, 302 (2016)., 47[47] J.B. Araújo, A.H. Blin, M.D.R. Sampaio e M.M. Ferreira Jr., Phys. Rev. D 100, 015046 (2019)., 48[48] M. Schreck, L. Lisboa-Santos, M.M. Ferreira Jr. e R.V. Maluf, Phys. Rev. D 100, 055036 (2019)., 49[49] R. Casana, M.M. Ferreira Jr., L. Lisboa-Santos, F.E.P. Santos e M. Schreck, Phys. Rev. D 97, 115043 (2018)., 50[50] J.A.A.S. Reis, M.M. Ferreira Jr. e M. Schreck, Phys. Rev. D 100, 095026 (2019)., 51[51] C. Ding, C. Liu, R. Casana e A. Cavalcante, EPJ C 80, 178 (2020).]. Destacamos também trabalhos recentes do grupo de Indiana que, liderado por V. A. Kostelecký e R. Lehnert, vem trabalhando em múltiplas frentes que ligam a LSV à Física de Partículas, à Astrofísica, à Cosmologia e à Física de Matéria Condensada [52[52] V.A. Kostelecký, R. Lehnert, N. McGinnis, M. Schreck e B. Seradjeh, Phys. Rev. Res. 4, 023106 (2022)., 53[53] V.A. Kostelecký, arXiv:hep-ph/2009.01107 (2020)., 54[54] E. Lunghi, A. Kostelecky, N. Sherrill e A. Vieira, em: XXVII International Workshop on Deep-Inelastic Scattering and Related Subjects (DIS2019) – Working Group 3: Higgs and BSM Physics (Torino, 2019)., 55[55] V.A. Kostelecký e B.R. Edwards, Phys. Rev. D 795, 620 (2019).].

Especialmente, o trabalho citado na referência [55[55] V.A. Kostelecký e B.R. Edwards, Phys. Rev. D 795, 620 (2019).] abre uma linha de investigação muito promissora no estabelecimento de uma conexão entre a área da LSV e os semi-metais de Dirac e Weyl, abrindo a perspectiva de novos experimentos em laboratório de materiais que poderão trazer novas regiões de validade e novos limites sobre os parâmetros associados à LSV. Vemos este novo direcionamento da área como muito auspicioso, já que abrirá mais um canal de comunicação entre a comunidade dos Teóricos de Campos e a comunidade da Matéria Condensada.

Material suplementar

O seguinte material suplementar está disponível online: Apêndice A

Referências

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  • [55]
    V.A. Kostelecký e B.R. Edwards, Phys. Rev. D 795, 620 (2019).
  • 1
    Por muito tempo, e em alguns casos ainda hoje, o procedimento da renormalização que implementamos para extrair resultados físicos finitos em teoria quântica de campos foi visto como uma forma de “varrer a sujeira para debaixo do tapete”.
    Mas, a renormalização tem um sentido físico muito mais profundo, porque é a partir da mesma que construímos o grupo de renormalização e chegamos ao running coupling , que é essencial para a descrição da liberdade assintótica nas interações fortes, por exemplo. É oportuno lembrar aqui que G. Scharf, em seu livro “Finite quantum electrodynamics ”, calcula correções perturbativas para os processos da Eletrodinâmica Quântica (QED) sem fazer uso de renormalização [2[2] G. Scharf, Finite quantum electrodynamics: the causal approach (Dover Publications, Mineola, 2014).]. Para isso, ele adota resultados da década de setenta para tratar as distribuições singulares junto a um critério suplementar, o critério de causalidade. O mais interessante dessa abordagem é que, em um certo ponto, o autor mostra que os seus resultados coincidem perfeitamente com os resultados obtidos via renormalização. Portanto, isso indica que o procedimento de renormalização para tratar divergências em teoria quântica de campos é um esquema sensato, se realizado de maneira consistente e cuidadosa.
  • 2
    Deve-se notar que, além da simetria de Lorentz, a simetria CPT também é quebrada neste caso, pois ocorre quebra de CPT para qualquer termo envolvendo um tensor constante de rank ímpar, enquanto para um tensor constante de rank par CPT não é quebrado [24[24] M. Chaichian, K. Nishijima e A. Tureanu, Phys. Lett. B 568, 146 (2003).].
  • 3
    Para ver a forma explícita destas matrizes, bem como suas propriedades e álgebra, consulte a referência [25[25] D. Griffiths, Introduction to Elementary Particles (Wilwey-VCH, Weinheim, 2008).].
  • 4
    A escala de Planck é caracterizadas por energias da ordem de 1019GeV, distâncias em torno de 10-35m, intervalos de tempo da ordem de 10-43s.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Jul 2022
  • Revisado
    14 Jun 2023
  • Aceito
    19 Jun 2023
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