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Influência de Estilos de Vida Associados a Hábitos Alimentares no Consumo de Pratos Prontos: estudo comparativo entre São Paulo e Roma

Influencia de Estilos de Vida Asociados a Hábitos Alimenticios en el Consumo de Comidas Preparadas: estudio comparativo entre São Paulo y Roma

RESUMO

O principal objetivo deste trabalho é identificar os estilos de vida relacionados ao consumo de pratos prontos no Brasil e na Itália. Como objetivos específicos têm-se (1) validar a escala de Bae, Chae e Ryu (2010) nos contextos brasileiro e italiano e (2) comparar e relacionar os estilos de vida a características sociodemográficos. Sabe-se que mudanças no estilo de vida de indivíduos do mundo ocidental têm aumentado a demanda por conveniência na preparação das refeições. Consumidores trabalham mais horas, gastam mais tempo no trânsito e desejam maximizar o tempo de lazer cada vez mais limitado, exigindo, assim, produtos e serviços que facilitem e apoiem a vida agitada. Para a pesquisa survey foram coletados dados de 155 consumidores italianos de Roma e 200 brasileiros de São Paulo escolhidos de maneira não probabilística por conveniência. Dentre os principais resultados destaca-se que os romanos valorizam mais as dimensões tradição e saúde, ao passo que os paulistanos preferem conveniência e sabor. As variáveis gênero, idade, número de pessoas no domicílio e tipo de família possuem associação com os estilos de vida, bem como com o consumo efetivo de pratos prontos. Acredita-se que os resultados apresentados possam ser relevantes tanto para o desenvolvimento de novos produtos como para o posicionamento de produtos e marcas atuantes nesses mercados ou, ainda, para identificar novos segmentos de mercado ou compreender diferentes gerações de consumidores.

Palavras-chave:
Estilo de vida; Hábito alimentar; Comportamento do consumidor Itália-Brasil

RESUMEN

El objetivo principal del trabajo es identificar el estilo de vida de los consumidores brasileños e italianos en referencia al consumo de comidas preparadas. Los objetivos específicos son: (1) validar la escala de Bae, Chae e Ryu (2010), y (2) comparar y relacionar los estilos de vida a las características sociodemográficas. Se sabe que los cambios en el estilo de vida de los individuos del mundo occidental incrementan la demanda de la conveniencia de preparar comidas. Los consumidores trabajan más horas por día, gastan más tiempo en el tráfico y desean maximizar el tiempo de ocio, cada vez más limitado. Así, esos consumidores exigen productos y servicios que faciliten y apoyen su agitada vida. Se realizó una encuesta y se recopilaron datos de 155 italianos en Roma y 200 brasileños en São Paulo, utilizando el muestreo no probabilístico por conveniencia. Los resultados apuntan que los romanos valoran las dimensiones tradición y salud, y los paulistanos prefieren la conveniencia y el sabor. Las variables género, edad, cantidad de personas en el hogar y tipos de familia, están asociadas con las actitudes y el consumo de comidas preparadas. Se cree que los resultados pueden llegar a ser útiles no sólo para el desarrollo de productos nuevos sino para el posicionamiento de productos y marcas operantes en esos mercados, también para la identificación de nuevos sectores, así como la comprensión de las diferentes generaciones de consumidores.

Palabras clave:
Estilo de vida; Hábitos alimentícios; Comportamiento del consumidor - Italia - Brasil

ABSTRACT

The main objective of this paper was to identify consumers’ food-related life style toward ready meals in Brazil and Italy. Our specific objectives were (1) to adapt and validate the Bae, Chae and Ryu (2010) scale and (2) to compare and associate the lifestyles to social-demographic characteristics. Consumers are working longer hours, spending more time in traffic and longing to maximize leisure time, which has been increasingly limited. As a result, they demand products and services that facilitate and support their busy lives. A survey was conducted and the research dataset was comprised of a non-probabilistic sample of 155 questionnaires from Italian consumers from Rome and 200 Brazilians from the city of São Paulo. Among the main results, it was shown that the Romans value the tradition and health dimensions more, whereas consumers from São Paulo value convenience and taste. The gender, age, number of people in the household and type of family variables are associated to the attitudes toward ready meal, as well as with its effective consumption. It is believed that these results may be relevant both for the development of new products and for the placement of products and brands active in these markets, or even to identify new market segments or understand different generations of consumers.

Keywords:
Food-related lifestyle; Consumer behavior - Italy - Brazil

1 INTRODUÇÃO

Mudanças no estilo de vida de indivíduos do mundo ocidental têm aumentado a demanda por conveniência na preparação das refeições (COSTA et al., 2007COSTA, A. I. A. et. al. To cook or not to cook: a means-end study of motives for choice of meal solutions. Food and Quality Preference, [S. l.], v. 18, n. 1, p. 77-88, Jan. 2007.). Consumidores trabalham mais horas, gastam mais tempo no trânsito e desejam maximizar o tempo de lazer cada vez mais limitado; exigem, assim, produtos e serviços que facilitem e apoiem a vida agitada (OLSEN, 2010OLSEN, N. V. Predicting European consumer’s intention to consume ready-to-eat meals. The role of moral attitude. Appetite, Amsterdam, v. 55, n. 3, p. 534-539, Dec. 2010.). Como reação a essa demanda, a indústria alimentar tem expandido suas opções de refeições prontas (GEEROMS, VERBEKE, KENHOVE, 2008GEEROMS, N.; VERBEKE, W.; KENHOVE, P. V. Consumers’ health-related motive orientations and ready meal consumption behavior. Appetite, Amsterdam, v. 51, n. 3, p. 704-712, Nov. 2008.).

O conceito de conveniência pode ser aplicado a diferentes dimensões do consumo: a características inerentes ao próprio produto, ao processo de compra do produto, ao processo de preparo e também ao de armazenagem. Os alimentos de conveniência são definidos como qualquer alimento, total ou parcialmente preparado, para o qual o tempo de preparação, as habilidades culinárias ou insumos energéticos foram transferidos da cozinha da dona de casa para o processador e distribuidor (SCHOLDERER, GRUNERT, 2005SCHOLDERER, J.; GRUNERT, K. G. Consumers, food and convenience: the long way from resource constraints to actual consumption patterns. Journal of Economic Psychology, Amsterdam, v. 26, n. 1, p. 105-128, Feb. 2005.).

Buckley et al. (2005BUCKLEY, M. et. al. The convenience consumer and food-related lifestyles in Great Britain. Journal of Food Products Marketing, Binghamton, v. 11, n. 3, p. 3-25, 2005.) acreditam existir uma série de fatores que influenciam a demanda por alimentos prontos: envelhecimento da população, alteração da estrutura familiar, participação feminina na força de trabalho, mais horas de trabalho, prosperidade do consumidor, desejo de avançar à alimentação saudável, individualismo, queda das habilidades de cozinha e desejo de gastar menos tempo e esforço em atividades ligadas à alimentação, como fazer compras, preparar e limpar alimentos. Outros fatores socioeconômicos e demográficos que influenciam esse aumento do consumo incluem regime de trabalho, tamanho da família, nível de renda, pressão do tempo percebido e sobrecarga de papéis (VERLEGH, CANDEL, 1999VERLEGH, P. W. J.; CANDEL, M. J. J. M. The consumption of convenience foods: reference groups and eating situations. Food Quality and Preference, Oxford, v. 10, n. 6, p. 457-464, Nov. 1999.).

Nesse contexto, o problema que caracteriza esta pesquisa é: como estilos de vida associados a hábitos alimentares influenciam o consumo de pratos prontos? Para respondê-lo, foram levantadas características de consumidores brasileiros da cidade de São Paulo e italianos da cidade de Roma. Embora os hábitos alimentares dos europeus tenham sido estudados com relativa frequência, há poucos estudos realizados na América Latina. Assim, espera-se contribuir com a literatura de comportamento do consumidor a partir de estudo empírico comparativo. Bae, Chae e Ryu (2010BAE, H. J.; CHAE, M. J.; RYU, K. Consumer behaviors toward ready-to-eat foods based on food related lifestyles in Korea. Nutrition Research and Practice, Korea, v. 4, n. 4, p. 332-338, Aug. 2010.) identificaram quatro fatores associados aos estilos de vida com relação ao alimento pronto para comer: orientação para saúde, sabor, conveniência e tradição.

Sendo assim, o principal objetivo deste trabalho é identificar os estilos de vida relacionados ao consumo de pratos prontos no Brasil e na Itália. Os objetivos específicos são validar a escala de Bae, Chae e Ryu (2010BAE, H. J.; CHAE, M. J.; RYU, K. Consumer behaviors toward ready-to-eat foods based on food related lifestyles in Korea. Nutrition Research and Practice, Korea, v. 4, n. 4, p. 332-338, Aug. 2010.) - desenvolvida para mensurar fatores associados aos estilos de vida com relação ao alimento pronto para comer - no contexto brasileiro e no contexto italiano e comparar e relacionar os estilos de vida a características sociodemográficas em ambos esses países.

2 REVISÃO DA LITERATURA

Na literatura de comportamento do consumidor, são diversas as referências à expressão estilo de vida, bem como são variadas as formas de defini-lo. Há diversos estudos que buscam relacionar essa variável a perfis psicográficos de consumidores, bem como a hábitos de consumo. O Quadro 1, a seguir, sintetiza algumas dessas referências.

QUADRO 1:
Estilos de vida e sua relação com perfis psicográficos e hábitos de consumo

O consumo alimentar não se restringe apenas a razões econômicas. Apesar de esse ser um fator importante em um mundo em que as desigualdades são marcantes, os consumidores ajustam e reajustam suas compras de acordo com as flutuações dos preços dos produtos habitualmente comprados. Se o fabricante aumentou o preço de algum produto, este poderá ser substituído por outro mais barato. Segundo Wright, Nancarrow e Kwork (2001WRIGHT, L. T.; NANCARROW, C.; KWOK, P. M. H. Food taste preferences and cultural influences on consumption. British Food Journal, Bradford, v. 103, n. 5, p. 348-357, 2001.), a alimentação é importante não só como fonte de alimento, mas também para o desenvolvimento comercial e cultural entre as nações. Desde os tempos antigos, preferências alimentares estiveram estreitamente ligadas ao desenvolvimento cultural. À medida que consumidores se tornam mais ricos, alimentar-se não se limitou apenas às necessidades fisiológicas, mas ampliou-se à satisfação de necessidades sociais e psicológicas que são moldadas pela cultura das nações a que pertencem.

Contextos geográficos, históricos e econômicos de uma cultura influenciam diretamente as preferências alimentares. Países como a Grécia foram, por tradição, geograficamente abertos a muitas influências, ao passo que outros, como a Grã-Bretanha, foram mais isolados. Alguns países, como a China, apresentam diversidades regionais muito grandes. No caso da Europa, um histórico de conquistas e invasões trouxe como resultado desses eventos um amplo repertório de especiarias e de comidas exóticas. Muitas elites europeias também se beneficiaram das novidades que conquistadores europeus trouxeram de suas viagens à Ásia, como a massa, que mais tarde se desenvolveu na Itália, ou até mesmo o chá, na Grã Bretanha (ASKEGAARD, 1993ASKEGAARD, S. An European regional analysis of selected food consumption statements. In: VAN RAAIJ, W. F.; BAMOSSY, G. (Eds.). European advances in consumer research. Provo, UT: Association for Consumer Research, 1993. v. 1, p. 410-415.).

Bourdieu (1984BOURDIEU, P. Distinction: a social critique of the judgment of taste. London: Routledge, 1984.) anexou ao consumo alimentar um fenômeno cultural. Países que se industrializaram tardiamente na região do Mediterrâneo e Oriente Médio tenderam a manter as influências da vida rural e das tradições. Há, por exemplo, fortes diferenças culturais entre as tradições chinesas, gregas, francesas e inglesas. Nos países em que os laços familiares parecem mais significativos, com maior ênfase à família, atribui-se maior importância aos alimentos. Na China, os ensinamentos de Confúcio dão enorme importância à obediência, à autoridade e ao bom relacionamento familiar; portanto, comer fora com a família e amigos é parte indispensável na construção de relações informais. No caso da Grécia, tanto a família como os laços com a comunidade são muito fortes. A importância da comida e da bebida na cultura ortodoxa grega é fundamental.

De acordo com Jain (1993JAIN, S. International marketing management. Belmont, CA: Wadsworth Publishing Company, 1993.), comer é um ato de socialização e a recusa de qualquer ato hospitaleiro, incluindo a partilha de alimentos, é um insulto em determinadas culturas, como a dos países árabes.

Conforme Wright, Nancarrow e Kwork (2001WRIGHT, L. T.; NANCARROW, C.; KWOK, P. M. H. Food taste preferences and cultural influences on consumption. British Food Journal, Bradford, v. 103, n. 5, p. 348-357, 2001.), na Europa, assim como nos Estados Unidos, existe maior incidência de divórcio ou desagregação familiar, o que leva a maiores taxas de repartição de ocasiões formais de refeições em família. Isso leva a oportunidades para todos, particularmente para as gerações mais jovens, de fazer prevalecer suas preferências ao próprio alimento, que pode ser diverso do alimento das refeições tradicionais de antigamente.

Além da observação dos laços familiares, os estratos sociais também representam dado importante. Bourdieu (1984BOURDIEU, P. Distinction: a social critique of the judgment of taste. London: Routledge, 1984.), acerca disso, diz que o modo de comer distingue a burguesia de outras classes sociais. Os gostos dos alimentos são moldados pelas experiências da infância ou de normas da família. O autor atribuiu o gosto da classe trabalhadora para o doce, recheio e alimentos gordurosos. Tal tendência nasceu da necessidade, decorrente da falta de escolha e usufruto da sensação de se sentir completo. A ideia do gosto em si é um conceito da classe média, uma vez que pressupõe liberdade de escolha. O gosto contemporâneo em alimentos exemplificaria a condição pós-moderna de ecletismo, fragmentação, reciclagem e estilos de vida.

Há ainda outras tendências que podem ser observadas. A Grã-Bretanha, por exemplo, tem ligação com o Caribe em relação ao elevado consumo de açúcar. Nas sociedades ocidentais contemporâneas, doçura evoca associações com excesso de indulgência, insalubridade, dentes cariados e obesidade. Além disso, o controle do corpo é peculiar da classe média. Por isso, mulheres que têm maior peso passam de uma categoria social superior a uma inferior no entender cultural de determinadas sociedades (JAIN, 1993JAIN, S. International marketing management. Belmont, CA: Wadsworth Publishing Company, 1993.).

Estudo de Vanhonacker et al. (2010VANHONACKER, F. et al. Profiling European traditional food consumers. British Food Journal, Bradford, v. 112, n. 8, p. 871-886, 2010.) com 4.828 pessoas, em seis países europeus - Noruega, Bélgica, França, Espanha, Itália e Polônia -, teve o intuito de relacionar estilos de vida com hábitos alimentares, considerando as características sociodemográficas, as atitudes e o comportamento de consumo dos respondentes. O estudo identificou que os TFC - traditional food consumers - são os de meia-idade a idosos, preocupados com a saúde, alimentação e etnocentrismo e estão ligados às tradições culinárias e ao prazer de cozinhar, mais comuns no sul da Europa. Já os non traditional food consumers são mais facilmente encontrados nos países do norte europeu, geralmente pertencem a grupos etários mais jovens, com maior nível de escolaridade, solteiros e/ou vivem em agregados familiares menores. Os vegetarianos são mais propensos a pertencer a esse segmento. Eles praticam esportes com maior frequência, o que provavelmente está relacionado a sua menor idade e maior preocupação com o peso corporal. Eles também acham que a praticidade do alimento justifica seus custos, uma vez que são orientados à conveniência, preferindo alimentos fáceis de comprar, conservar, preparar e cozinhar. Já em estudo de Askegaard e Madsen (1998ASKEGAARD, S.; MADSEN, T. K. The local and the global: exploring traits of homogeneity and heterogeneity in European food cultures. International Business Review, [S. l.], v. 7, n. 6, p. 549-568, Nov. 1998.), indivíduos da região germânica foram caracterizados como preocupados com a saúde; por sua vez, o destaque aos indivíduos dos Países Baixos e Flandres foi o padrão relativamente tradicional de comer e atitudes fortes, como o que é bom e o que não é bom. Indivíduos das regiões de Bruxelas, Valônia e Luxemburgo distinguiram-se por sinais de consumir alimentos que vêm de uma cultura sofisticada e apreciar comer fora e atribuir grande importância ao prazer sensorial; padrão similar foi encontrado também entre os franceses.

Seguindo a mesma linha de resultados desta pesquisa, Guerrero et al. (2009GUERRERO, L. et al. Consumer-driven definition of TFP and innovation in traditional foods. A qualitative cross cultural study. Appetite, Amsterdam, v. 52, n. 2, p. 345-354, Apr. 2009.) concluíram que a população rural e com menor nível de escolaridade tem mais interesse em TFP - traditional food products. Por outro lado, pessoas que moram nos centros urbanos e que têm vida mais agitada, por motivos de trabalho ou estudo, não fazem parte desse grupo de preferência. Donas de casa são retratadas na literatura como consumidoras dos alimentos tradicionais. Os TFC têm seus hábitos alimentares bastante conservadores, mantendo seus costumes culinários ao longo de gerações. Consumidores de alimentos tradicionais também são considerados pessoas que estão preocupadas com sua saúde. Os TFC também são caracterizados pela grande importância que atribuem ao sabor e à originalidade dos produtos alimentares. Talvez como consequência, para o grupo TFC, o custo do produto não é um atributo importante no ato de compra.

Nessa mesma linha de pensamento, Shimp e Sharma (1987SHIMP, T. A.; SHARMA, S. Consumer ethnocentrism: construction and validation of the CETSCALE. Journal of Marketing Research, Chicago, v. 24, n. 3, p. 280-289, Aug. 1987.) estudaram o etnocentrismo e a preferência dos consumidores TFC por produtos nacionais no lugar dos estrangeiros. Também foi verificado que alguns países são mais heterogêneos do que os outros, o que indica fortes características locais. Indivíduos de mesmas regiões distinguem-se do resto dos países, como Baviera, Viena ou a parte de língua francesa da Suíça. Isso, por si só, representa um motivo para que aspectos de padrões de consumo regionais não sejam vistos como aspectos de padrões de consumo internacional (BRUNSO, SCHOLDERER, GRUNERT, 2004BRUNSO, K.; SCHOLDERER, J.; GRUNERT, K. G. Testing relationships between values and food-related lifestyle: results from two European countries. Appetite, Amsterdam, v. 43, n. 2, p. 195-205, Oct. 2004.).

As diferenças encontradas entre as culturas alimentares europeias dificilmente significam que não tenham ocorrido mudanças fundamentais. Em vez disso, elas podem ser consideradas como uma expressão de processos de mudança que não se limitam a seguir as linhas de homogeneização da globalização.

Quanto a essa questão, James (1996JAMES, A. Cooking the books: global or local identities in contemporary British food cultures? In: HOWES, D. (Ed.). Cross-cultural consumption: global markets, local realities. London: Routledge, 1996. p. 77-92.) indica quatro discursos de alimentos na sociedade britânica:

  1. O primeiro é o discurso global de ofertas de alimentos de produtos homogêneos e de consumo de padrões exemplificado pelas cadeias multinacionais de fast food. Podem ser consumidos tanto no país de origem como em qualquer outra localidade.

  2. O segundo representa “expatriados alimentares”, a busca de alteridade autêntica - por exemplo, Provença, Toscana e outras cozinhas estrangeiras. Aqui, o que é consumido é simbolicamente o estilo de vida estrangeira e imagens com reivindicações de autenticidade e de tradição.

  3. Um terceiro discurso relatado é nostalgia, o que está próximo ao que poderia ser chamado de uma busca das raízes da culinária.

  4. O quarto e último discurso de alimentos é discutido por James como creolização: a combinação de vários alimentos com muitos padrões culturais (ingredientes, métodos de preparo, temperos, combinações etc.) de acordo com as condições.

Foram encontrados três modelos, descritos a seguir, que relacionam estilos de vida ao consumo de alimentos. De acordo com Reid et al. (2001REID, M. et al. Food-related lifestyles in a cross-cultural context: comparing Australia with Singapore, Britain, France and Denmark. Journal of Food Products Marketing, Binghamton, v. 7, n. 4, p. 57-75, 2001.), o modelo FRL - Food Related Lifestyle - é um instrumento transcultural, que mede as atitudes dos consumidores em relação à compra, preparo e consumo dos produtos alimentares. O instrumento de estilo de vida relacionado à alimentação mostra como as pessoas relacionam o alimento com valores. Ele foi aplicado e validado em pesquisas com representatividade nacional em diversos países. Foram realizados estudos na Austrália, em Cingapura, na França, na Alemanha e na Dinamarca a respeito do comportamento do consumidor relativo aos produtos alimentares com base em estilos de vida e alimentação (REID et al., 2001REID, M. et al. Food-related lifestyles in a cross-cultural context: comparing Australia with Singapore, Britain, France and Denmark. Journal of Food Products Marketing, Binghamton, v. 7, n. 4, p. 57-75, 2001.); na Espanha e na Alemanha (BRUNSO, SCHOLDERER, GRUNERT, 2004BRUNSO, K.; SCHOLDERER, J.; GRUNERT, K. G. Testing relationships between values and food-related lifestyle: results from two European countries. Appetite, Amsterdam, v. 43, n. 2, p. 195-205, Oct. 2004.); na Croácia (KESIC, RAJH, KESIC, 2008KESIC, T.; RAJH, S. P.; KESIC, H. Market segmentation in the Republic of Croatia according to food-related lifestyle. Ekonomiski Pregled, Zagreb, Croácia, v. 59, n. 9/10, p. 503-522, 2008.); em Taiwan (FANG, LEE, 2009FANG, C. H.; LEE, H. J. Food-related lifestyle segments in Taiwan: application of the food-related lifestyle instrument. American Journal of Applied Sciences, [Adelaide, SA], v. 6, n. 12, p. 2036-2042, Dec. 2009.); na República da Irlanda (RYAN et al., 2002RYAN, I. et al. Food-related lifestyle segments in Ireland with a convenience orientation. Journal of International Food & Agribusiness Marketing, Binghamton, v. 14, n. 4, p. 29-47, 2002.; RYAN et al., 2004RYAN, I. et al. Segmenting Irish food consumers using the food-related lifestyle instrument. Journal of International Food & Agribusiness Marketing, Binghamton, v. 16, n. 1, p. 89-114, 2004.); na Grã-Bretanha (BUCKLEY et al., 2005BUCKLEY, M. et. al. The convenience consumer and food-related lifestyles in Great Britain. Journal of Food Products Marketing, Binghamton, v. 11, n. 3, p. 3-25, 2005.); e na Coreia do Sul (BAE, CHAE, RYU, 2010BAE, H. J.; CHAE, M. J.; RYU, K. Consumer behaviors toward ready-to-eat foods based on food related lifestyles in Korea. Nutrition Research and Practice, Korea, v. 4, n. 4, p. 332-338, Aug. 2010.). O modelo é formado por cinco áreas que relacionam valores com atributos dos produtos alimentares:

  1. Modo de compra - conhecimento processual sobre a aquisição de produtos, questões a respeito da forma como as pessoas compram para comer, características do processo decisório, importância do preço e informação do produto;

  2. Método de preparação - investiga a transformação dos produtos adquiridos em refeições e inclui o interesse do indivíduo na culinária, a participação da família na preparação das refeições e no planejamento das refeições;

  3. Aspectos da qualidade - abrange os atributos de ordem superior, que podem ser aplicados aos produtos alimentares em geral, inclusive saúde, novidade, relação preço/qualidade, sabor, produtos orgânicos e frescor,

  4. Situação de consumo - abrange a distribuição das refeições ao longo do dia e a importância de comer fora;

  5. Motivo de compra - faz parte de um elemento que fornece a conexão entre as ações ligadas à alimentação e aos valores, incorporando a importância da segurança e da tradição, aspectos sociais no contexto da alimentação e das expectativas de uma refeição.

Bae, Chae e Ryu (2010BAE, H. J.; CHAE, M. J.; RYU, K. Consumer behaviors toward ready-to-eat foods based on food related lifestyles in Korea. Nutrition Research and Practice, Korea, v. 4, n. 4, p. 332-338, Aug. 2010.) desenvolveram o modelo RTE - Ready To Eat: trata-se de um modelo que utiliza quatro fatores relacionados a alimentos de pratos prontos: saúde, sabor, tradição e conveniência. Diferenças que justificam o consumo de pratos prontos foram encontradas nos quatro fatores em estudo; no entanto, as mais significativas foram conveniência e tradição, o que resultou em duas categorias de consumidores de pratos prontos, aqueles orientados para a tradição (cluster 1) e aqueles orientados para a conveniência (cluster 2). Esse modelo foi validado por meio de um estudo feito na Coreia do Sul (BAE, CHAE, RYU, 2010BAE, H. J.; CHAE, M. J.; RYU, K. Consumer behaviors toward ready-to-eat foods based on food related lifestyles in Korea. Nutrition Research and Practice, Korea, v. 4, n. 4, p. 332-338, Aug. 2010.).

Por fim, o modelo Estilos de Vida, Hábitos Alimentares e Conveniência - Convenience Consumer and FRL - foi desenvolvido a partir de estudos realizados na Grã-Bretanha e na República da Irlanda (BUCKLEY et al., 2005BUCKLEY, M. et. al. The convenience consumer and food-related lifestyles in Great Britain. Journal of Food Products Marketing, Binghamton, v. 11, n. 3, p. 3-25, 2005.; RYAN et al., 2002RYAN, I. et al. Food-related lifestyle segments in Ireland with a convenience orientation. Journal of International Food & Agribusiness Marketing, Binghamton, v. 14, n. 4, p. 29-47, 2002.; RYAN et al., 2004RYAN, I. et al. Segmenting Irish food consumers using the food-related lifestyle instrument. Journal of International Food & Agribusiness Marketing, Binghamton, v. 16, n. 1, p. 89-114, 2004.). Foram utilizadas medidas que relacionam estilos de vida e comodidade no consumo de pratos prontos, como pressão de tempo, estresse, estrutura familiar, participação da mulher no mercado de trabalho, prosperidade do consumidor etc. Foram identificados seis perfis de consumidores. Outro estudo com responsáveis pelas compras de produtos alimentares na França e na Grã-Bretanha sintetiza dois enfoques, partindo do princípio de que a influência das limitações de recursos sobre os comportamentos reais de conveniência é duplamente mediada, em primeiro lugar pela percepção das limitações de recursos e, em seguida, por orientações de conveniência (SCHOLDERER, GRUNERT, 2005SCHOLDERER, J.; GRUNERT, K. G. Consumers, food and convenience: the long way from resource constraints to actual consumption patterns. Journal of Economic Psychology, Amsterdam, v. 26, n. 1, p. 105-128, Feb. 2005.).

O Quadro 2, a seguir, relaciona os três estudos multiculturais que exploraram as temáticas de estilos de vida e os hábitos alimentares de pratos prontos.

QUADRO 2:
Estudos que relacionam estilos de vida e hábitos alimentares de pratos prontos

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Foi realizada uma survey com amostra não probabilística de 355 consumidores, sendo 155 respondentes italianos da cidade de Roma e 200 respondentes brasileiros da cidade de São Paulo. Os dados foram coletados por meio de questionário disponível na internet nos idiomas italiano e português entre os meses de julho e outubro de 2011, após rodadas de pré-testes ocorridas entre fevereiro e junho do mesmo ano.

O questionário incluiu o levantamento das seguintes características sociodemográficas do respondente: gênero, idade, estado civil, número de pessoas que vivem na residência, nível de escolaridade, tipo de família (single com ou sem filhos, casado com ou sem filhos), se trabalha e/ou estuda, se é responsável pelas compras de alimentos, número de refeições mensais feitas com pratos prontos, tipo de prato pronto consumido (congelado, fresco, conserva ou liofilizado) e renda mensal líquida da família, e uma escala para mensurar estilos de vida diante do alimento pronto adaptada de Bae, Chae e Ryu (2010BAE, H. J.; CHAE, M. J.; RYU, K. Consumer behaviors toward ready-to-eat foods based on food related lifestyles in Korea. Nutrition Research and Practice, Korea, v. 4, n. 4, p. 332-338, Aug. 2010.).

3.1 Ajuste e validação da escala de Bae, Chae e Ryu (2010BAE, H. J.; CHAE, M. J.; RYU, K. Consumer behaviors toward ready-to-eat foods based on food related lifestyles in Korea. Nutrition Research and Practice, Korea, v. 4, n. 4, p. 332-338, Aug. 2010. )

A adaptação da escala de Bae, Chae e Ryu (2010BAE, H. J.; CHAE, M. J.; RYU, K. Consumer behaviors toward ready-to-eat foods based on food related lifestyles in Korea. Nutrition Research and Practice, Korea, v. 4, n. 4, p. 332-338, Aug. 2010.) para o italiano e para o português incluiu a utilização de procedimentos de validação de translação (conteúdo e face), de acordo com recomendações de Costa (2011COSTA, F. J. Mensuração e desenvolvimento de escalas. Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna, 2011.). Foram efetuadas traduções reversas, checagem de conteúdo junto à literatura do assunto e entrevistas com consumidores por meio de pré-testes presenciais. De acordo com Pedhazur e Schmelkin (1991PEDHAZUR, E. J.; SCHMELKIN, L. P. Measurement, design, and analysis: an integrated approach. New York: Psychology Press, 1991. ), os itens da escala devem ser submetidos a uma análise semântica junto a especialistas e consumidores do grupo alvo. Pré-testes são recomendados: segundo Beaton et al. (2002BEATON, D. et al. Recommendations for the cross-cultural adaptation of health status measures. American Academy of Orthopedic Surgeons and Institute for Work & Health. March, 2002.), primeiramente, pessoas do grupo-alvo respondem ao questionário e, depois, são entrevistadas para verificar se entenderam o significado das questões e as responderam adequadamente. Caso haja muitas dúvidas por parte dos respondentes, pode-se voltar ao comitê de especialistas para possíveis alterações nas questões.

De acordo com Wong, Rindfleisch e Burroughs (2003WONG, N.; RINDFLEISCH, A.; BURROUGHS, J. E. Do reverse-worded items confound measures in cross-cultural consumer research? The case of the material values scale. Journal of Consumer Research, Chicago, v. 30, n. 1, p. 72-91, June, 2003.), em escalas de investigação com diversos itens, a escala Likert é recomendada para a coleta de dados sobre atitudes, crenças e valores, entre outros construtos latentes. A adaptação cultural de uma medida, a fim de ser utilizada em um país diferente do qual foi criada, requer metodologia específica. Não basta realizar um trabalho de tradução; pode ser necessária adaptação cultural para manter sua validade de conteúdo nessa nova língua e nova população.

O questionário destinado aos respondentes italianos foi traduzido da língua portuguesa para a língua italiana por um tradutor bilíngue e pelos autores no Brasil. Durante o mês de março, uma das autoras viajou a Roma, onde passou alguns dias fazendo entrevistas com 20 indivíduos da população-alvo para verificar a compreensão das questões por parte dos respondentes. Cerca de trinta entrevistas foram conduzidas também na cidade de São Paulo. A partir das interações com participantes dos pré-testes e diálogos com especialistas, foram efetuadas modificações no instrumento de coleta de dados. A redação dos itens da escala em português e em italiano está disponível a partir dos autores.

A escala de Bae, Chae e Ryu (2010BAE, H. J.; CHAE, M. J.; RYU, K. Consumer behaviors toward ready-to-eat foods based on food related lifestyles in Korea. Nutrition Research and Practice, Korea, v. 4, n. 4, p. 332-338, Aug. 2010.) contém quatro dimensões para mensurar estilos de vida diante do alimento pronto: orientação para saúde, sabor, conveniência e tradição. Essa escala possui 14 itens de natureza reflexiva medidos em escala Likert de cinco pontos. A estrutura dimensional da escala foi avaliada por meio da técnica de análise fatorial exploratória, com resultados bastante satisfatórios. As Tabelas 1 e 2 sintetizam os resultados.

TABELA 1
Análise Fatorial Exploratória - amostra de Roma
TABELA 2
Análise Fatorial Exploratória - amostra de São Paulo

A solução com quatro fatores referentes aos resultados da amostra italiana (Tabela 1) explica 75,3% da variabilidade original dos dados. As correlações observadas entre os 14 indicadores constituem forte evidência para sustentar a estrutura esperada de quatro dimensões. Assim, pode-se batizar o fator 1 de “conveniência”, o fator 2 de “oposto de saúde”, o fator 3 de “oposto de tradição” e o fator 4 de “oposto de sabor”. Os escores fatoriais desse modelo de análise fatorial foram utilizados como indicadores de conveniência, saúde, tradição e sabor, respectivamente, para os indivíduos da amostra de Roma. Os únicos ajustes feitos foram com relação aos escores dos fatores 2, 3 e 4, que tiveram seus sinais invertidos.

Por sua vez, a solução com quatro fatores referentes aos resultados da amostra brasileira (Tabela 2) explica 74,7% da variabilidade original dos dados. Em linha com o esperado, os indicadores que deveriam mensurar as mesmas dimensões apresentaram correlações elevadas com os mesmos fatores. Assim, pode-se batizar o fator 1 de “conveniência”, o fator 2 de “oposto de saúde”, o fator 3 de “sabor” e o fator 4 de “tradição”. Os escores fatoriais desse modelo de análise fatorial foram utilizados como indicadores de conveniência, saúde, sabor e tradição, respectivamente, para os indivíduos da amostra de São Paulo. O único ajuste feito foi com relação aos escores do fator 2, que tiveram seu sinal invertido.

4 ANÁLISE DE DADOS

Para verificar, inicialmente, o relacionamento entre algumas variáveis sociodemográficas e cada uma das dimensões da escala, um conjunto de testes t e testes qui-quadrado de independência estão sintetizados nas Tabelas 3, 4 e 5. A justificativa da escolha destas questões para serem cruzadas com os fatores elencados é que, como já mencionado, o crescimento do mercado de pratos prontos ocorreu principalmente pela necessidade de conveniência, aumento de mulheres no mercado de trabalho, surgimento de famílias menores, aumento de pessoas single, prosperidade do consumidor e envelhecimento da população (REID et al., 2001REID, M. et al. Food-related lifestyles in a cross-cultural context: comparing Australia with Singapore, Britain, France and Denmark. Journal of Food Products Marketing, Binghamton, v. 7, n. 4, p. 57-75, 2001.; RYAN et al., 2002RYAN, I. et al. Food-related lifestyle segments in Ireland with a convenience orientation. Journal of International Food & Agribusiness Marketing, Binghamton, v. 14, n. 4, p. 29-47, 2002.; RYAN et al., 2004RYAN, I. et al. Segmenting Irish food consumers using the food-related lifestyle instrument. Journal of International Food & Agribusiness Marketing, Binghamton, v. 16, n. 1, p. 89-114, 2004.; SCHOLDERER, GRUNERT, 2005SCHOLDERER, J.; GRUNERT, K. G. Consumers, food and convenience: the long way from resource constraints to actual consumption patterns. Journal of Economic Psychology, Amsterdam, v. 26, n. 1, p. 105-128, Feb. 2005.; BUCKLEY et al., 2005BUCKLEY, M. et. al. The convenience consumer and food-related lifestyles in Great Britain. Journal of Food Products Marketing, Binghamton, v. 11, n. 3, p. 3-25, 2005.).

TABELA 3:
Testes qui-quadrado de independência entre gênero e cada uma das dimensões da escala de atitudes diante do alimento pronto

Os testes de independência de qui-quadrado mostram que há evidência de que gênero e orientação para saúde estão associados em São Paulo (p-valor igual a 0,00) e em Roma (p-valor igual a 0,01); que gênero e orientação para sabor estão associados em Roma (p-valor igual a 0,00); e que gênero não está associado com as orientações para conveniência ou tradição. As mulheres são mais orientadas para a saúde do que os homens em ambas as cidades; em Roma, são também mais orientadas para sabor.

TABELA 4:
Testes t entre idade e cada uma das dimensões da escala de atitudes diante do alimento pronto

Os testes t, que comparam a idade média de grupos de respondentes, evidenciam que, em Roma, os mais velhos são mais orientados para saúde, sabor e tradição, ao passo que, em São Paulo, os mais velhos são mais orientados para saúde ao avaliar pratos prontos.

TABELA 5:
Testes t entre renda e cada uma das dimensões da escala de atitudes diante do alimento pronto

Os testes t da Tabela 5, que comparam renda por grupo de respondentes, evidenciam que, em Roma, pessoas de renda mais elevada são mais orientadas para saúde e sabor, e que em São Paulo, pessoas de renda mais elevada são mais orientadas para saúde, sabor e conveniência, quando avaliam suas atitudes perante o consumo de pratos prontos.

Buscando comparar os consumidores de ambas as cidades de acordo com as dimensões da escala de atitudes diante do alimento pronto, uma nova análise fatorial exploratória foi conduzida, desta vez considerando-se todos os 355 respondentes (agrupados). Justifica-se essa escolha pela chance de obter novos escores fatoriais, que, por sua natureza comparativa, podem neste caso ser utilizados para contrastar os perfis dos respondentes romanos e paulistanos (não faria sentido ter utilizado os escores fatoriais das análises segregadas, visto que eles consistem em variáveis padronizadas com média 0 e variância 1). A Tabela 6 sintetiza os resultados.

TABELA 6:
Escore fatorial médio por dimensão da escala de atitudes diante do alimento pronto, por cidade

Comparados aos indivíduos paulistanos, os romanos valorizam mais tradição e saúde, ao passo que os paulistanos valorizam mais sabor e conveniência, ao menos no tocante ao consumo de pratos prontos.

Foram desenvolvidos, adicionalmente, modelos de regressão linear múltipla para explicar o escore fatorial em cada uma das dimensões da escala (orientação para saúde, sabor e tradição). Como variáveis preditoras, foram utilizadas as seguintes (o Quadro 3 apresenta a codificação das variáveis tratadas como dummies):

  1. Cidade - se o respondente é da cidade de Roma ou de São Paulo

  2. Idade - em anos completos (‘idade’)

  3. Número de pessoas com quem o respondente reside (‘número_pessoas’)

  4. Tipo de família - se solteiro com ou sem filhos ou casado com ou sem filhos

  5. Número de refeições mensais feitas com pratos prontos.

QUADRO 3:
Codificação das variáveis dummy inseridas nos modelos de regressão

4.1 Modelo de regressão linear múltipla para explicar orientação para saúde

De acordo com o modelo (Tabela 7), pode-se afirmar que:

  1. à medida que os indivíduos envelhecem, passam a priorizar a orientação para a saúde;

  2. os romanos, em relação aos paulistanos, e mantidas as demais variáveis do modelo fixas, apresentam maior valorização à saúde;

  3. quanto maior é o número de refeições feitas com pratos prontos (N3; N4), mantidas a cidade e a idade fixas, menor é a valorização que o indivíduo atribui à dimensão saúde.

TABELA 7:
Análise de regressão linear múltipla para explicar a orientação para saúde

4.2 Modelo de regressão linear múltipla para explicar orientação para sabor

De acordo com o modelo (Tabela 8), pode-se afirmar que:

  1. a idade influencia positivamente a orientação para o sabor;

  2. os paulistanos, mantidas as demais variáveis independentes constantes, valorizam mais o sabor que os romanos;

  3. solteiros com filhos, em comparação aos solteiros sem filhos, atribuem menor importância ao sabor (mantidas “idade” e “cidade” fixas).

TABELA 8:
Análise de regressão linear múltipla para explicar a orientação para sabor

4.3 Modelo de regressão linear múltipla para explicar orientação para conveniência

De acordo com o modelo (Tabela 9), pode-se afirmar que:

  1. indivíduos casados, com ou sem filhos, em comparação aos solteiros sem filhos (mantida a variável idade constante), possuem maior orientação para a conveniência;

  2. à medida que envelhecem, as pessoas passam a ter menor orientação para a conveniência (esse resultado, no entanto, embora estatisticamente significante, parece não ser significativo na prática, tanto pelo baixo valor do coeficiente da variável “idade” quanto pelos resultados das análises apresentadas na Tabela 4).

TABELA 9:
Análise de regressão linear múltipla para explicar a orientação para conveniência

4.4 Modelo de regressão linear múltipla para explicar orientação para tradição

De acordo com o modelo (Tabela 10), pode-se afirmar que, à medida que aumenta o número de refeições com pratos prontos realizadas por mês pelo respondente, sua estimativa de orientação para a tradição diminui; esse resultado está em linha com a revisão da literatura apresentada.

TABELA 10:
Análise de regressão linear múltipla para explicar a orientação para tradição

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta deste trabalho foi aprofundar o conhecimento a respeito da influência de estilos de vida associados a hábitos alimentares no consumo de pratos prontos por meio de um estudo comparativo entre consumidores brasileiros da cidade de São Paulo e consumidores italianos da cidade de Roma.

Um dos objetivos referia-se à adaptação e validação da escala de estilos de vida com relação ao alimento pronto de Bae, Chae, Ryu (2010BAE, H. J.; CHAE, M. J.; RYU, K. Consumer behaviors toward ready-to-eat foods based on food related lifestyles in Korea. Nutrition Research and Practice, Korea, v. 4, n. 4, p. 332-338, Aug. 2010.) nas cidades de Roma e São Paulo. Os resultados podem ser considerados satisfatórios - há evidência de que a estrutura dimensional da escala se mantém tanto em São Paulo quanto em Roma, e que os 14 indicadores são adequados para refletir as quatro dimensões teorizadas (saúde, sabor, conveniência e tradição).

Foi possível verificar que os maiores consumidores de pratos prontos são pessoas do sexo feminino; pessoas que trabalham e/ou estudam em período integral; e pessoas que possuem renda que se encontra em uma faixa média-alta.

De acordo com os resultados empíricos, os consumidores das duas cidades apresentam diferentes estilos perante o consumo de pratos prontos. Neste trabalho, consumidores de Roma apresentam maior preocupação com tradição e saúde. Para Askegaard e Madsen (1998ASKEGAARD, S.; MADSEN, T. K. The local and the global: exploring traits of homogeneity and heterogeneity in European food cultures. International Business Review, [S. l.], v. 7, n. 6, p. 549-568, Nov. 1998.), na Itália é atribuída maior importância ao elemento sensorial. Tal resultado encontra respaldo no estudo de Vanhonacker et al. (2010VANHONACKER, F. et al. Profiling European traditional food consumers. British Food Journal, Bradford, v. 112, n. 8, p. 871-886, 2010.), que indica que as populações mais idosas do sul da Europa são mais tradicionais no tocante à alimentação.

Não foram encontrados resultados de pesquisa que indicassem as atitudes diante do alimento pronto do consumidor no Brasil. Este estudo indicou que, em São Paulo, há maior ênfase na conveniência e no sabor, na comparação com Roma. A dimensão “sabor” encontra suporte no antropólogo Da Matta (2001DA MATTA, R. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 2001.), na observação de que um dos mais importantes espelhos sociais brasileiros é a comida, havendo o que denomina “código da comida”, que exprime teoricamente a sociedade. Segundo esse autor, para o brasileiro, o “saber comer é muito mais refinado do que o simples ato de alimentar-se” (DA MATTA, 2001DA MATTA, R. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 2001., p. 55). A cidade de São Paulo orgulha-se de ser um polo gastronômico e muitas das atividades sociais do habitante da cidade se dão em confraternizações que envolvem a alimentação. Simultaneamente, a dimensão conveniência é suportada por outra característica da cidade: o fato de ser um grande centro urbano. Maluf (2000MALUF, R. S. Consumo de alimentos no Brasil: traços gerais e ações públicas locais de segurança alimentar. Pólis Papers, São Paulo, n. 6, 2000.) indica que as circunstâncias da vida contemporânea e os impactos da propaganda têm alterado a forma de aquisição e de consumo dos alimentos, destacando a relevância dos alimentos preparados na cidade de São Paulo. Casotti (2001CASOTTI, L. Comportamento do consumidor de alimentos: adoção de novos produtos e riscos associados. In: ENCONTRO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 25., 2001, Campinas, Anais... Campinas: ANPAD, 2001.), em pesquisa no Rio de Janeiro, sugere que o consumo de alimentos congelados e pré-prontos estão associados à conveniência do uso. No tocante às cidades, de maneira geral encontrou-se a seguinte similaridade: em ambas, a orientação para saúde e gênero estão relacionados - mulheres preocupam-se mais com a saúde e de maneira geral são mais orientadas pelo sabor. O Quadro 4, a seguir, indica as principais diferenças encontradas entre as cidades:

QUADRO 4:
Diferenças relacionadas às cidades

Considerando os estilos de vida vinculados à alimentação, podem-se destacar os seguintes achados: a orientação para saúde está mais presente em pessoas mais maduras, os romanos tendem a valorizar mais essa dimensão do que os paulistanos e, por fim, quanto maior o número de refeições feitas com pratos prontos, menor é a valorização que o indivíduo atribui à dimensão saúde.

A orientação para a conveniência está mais presente em indivíduos casados do que em solteiros e conforme envelhecem passam a ter menor orientação para a conveniência. A orientação para o sabor está relacionada positivamente com a idade, sendo que os paulistanos valorizam mais esse estilo do que os romanos. Por fim, a orientação para a tradição está mais presente em quem pouco realiza alimentação com os pratos prontos, em linha com o que é encontrado na literatura.

Uma das implicações gerenciais desta pesquisa é compreender melhor o comportamento dos consumidores no tocante à alimentação, desenvolvendo produtos que combinem com seus estilos de vida. O mercado de pratos prontos tem apresentado crescimento e um dos motivos para esse crescimento é a busca por conveniência. Fatores como aumento do número de pessoas solteiras, procura da comodidade, aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho, procura pela praticidade, envelhecimento da população, prosperidade do consumidor, desejo de novas experiências, individualidade, queda das habilidades de cozinha, repartição das refeições tradicionais, novas tecnologias nos métodos de conservação, embalagens e preparação dos alimentos e surgimento de freezers e fornos de micro-ondas tiveram impacto fundamental sobre o crescimento do mercado de alimentos de conveniência.

Como limitação deste estudo destaca-se o uso de amostra por conveniência, que não é representativa da população-alvo. A pesquisa internacional de marketing representa um desafio ao pesquisador na medida em que trata de um mesmo tema em diversos contextos; por outro lado, também é mais complexa do que a doméstica por diversos motivos, sendo a maior dificuldade o acesso às informações desejadas, além do alto custo em obtê-las (MALHOTRA, 2009MALHOTRA, N. K. Introdução à pesquisa de marketing. 4. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2009.). Acredita-se que os resultados relatados devam incitar novas investigações, relevantes tanto para o desenvolvimento de novos produtos como para o posicionamento de produtos e marcas atuantes nesses mercados ou ainda para identificar novos segmentos de mercado ou compreender diferentes gerações de consumidores.

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  • 2
    Processo de avaliação: Double Blind Review

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2013

Histórico

  • Recebido
    09 Mar 2012
  • Aceito
    24 Set 2013
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