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Opacidade das informações contábeis, adoção das normas internacionais e origem legal

Resumo

Objetivo:

O objetivo do presente trabalho foi investigar a relação entre o nível de opacidade dos lucros e o ambiente informacional da empresa, mais especificamente levando-se em consideração os padrões contábeis e a origem legal do sistema.

Metodologia:

A amostra foi composta por empresas de capital aberto de 20 países classificados como emergentes, com base no índice elaborado pela agência Standard & Poor’s. A base de dados abrangeu as demonstrações contábeis das firmas nativas dessas economias de 2004 a 2013. Para fazer a comparação dos indicadores entre o grupo dos países, levando-se em consideração suas características institucionais, procedeu-se ao teste de Mann-Whitney e ao teste de Kruskal-Wallis.

Resultados:

Ao avaliar o comportamento das métricas de ambiente informacional em países emergentes, observou-se que referidas medidas apresentaram-se correlacionadas, sugerindo que as proxies de opacidade, mesmo com componentes distintos, carregam informações em comum. Também se observou que a opacidade dos resultados foi menor em países que já haviam transitado para as normas internacionais no período analisado. Ainda nesse âmbito, detectou-se maior nível de suavização de resultados em países de origem legal no direito consuetudinário francês.

Contribuições:

O presente trabalho contribui para a compreensão da relação entre as características do ambiente informacional da contabilidade e os níveis de opacidade das informações emanadas pela contabilidade. Assim, o trabalho auxiliou gestores, investidores e reguladores a compreender as necessidades dos usuários e como alterações da regulação e características específicas dos países alteram suas perspectivas.

Palavras-chave:
Mercados emergentes; normas internacionais; origem legal; opacidade dos lucros

Abstract

Purpose:

The goal of this study was to investigate the relationship between the level of Earnings Opacity and a company’s informational environment, specifically considering accounting standards and the legal origins of the system.

Design/methodology/approach:

The sample consisted of publicly traded companies from 20 countries classified as emerging, based on agency Standard & Poor’s index. The sample included data from 2004 to 2013. In order to compare the indicators among the group of countries, taking into account their institutional characteristics, the Mann-Whitney test and the Kruskal-Wallis test were performed.

Findings:

The assessment of the informational environment measures’ behavior in emerging countries revealed that these measures were correlated, suggesting that, despite different behaviors, opacity proxies share information. The fact that earnings opacity was lower in countries that had already adopted international standards during the analyzed period was also observed. In the same sense, a higher level of income smoothing was detected in countries of French code law origins.

Originality/value:

This article contributes to the understanding of the relationship between the characteristics of an accounting informational environment and the levels of opacity of the information emitted by accounting. Thus, this article has helped managers, investors and regulators to understand users’ needs and how country-specific characteristics change their perspectives.

Keywords:
Emerging markets; international standards; legal origins; earnings opacity

1 Introdução

Relatórios financeiros divulgados por companhias abertas apresentam um papel operacional fundamental no mercado de capitais (Healy & Palepu, 2001Healy, P. M., & Palepu, K. G. (2001). Information asymmetry, corporate disclosure, and the capital markets: A review of the empirical disclosure literature. Journal of Accounting and Economics, 31(1-3), p. 405-440.). Compulsórios por exigibilidade dos órgãos reguladores, esses documentos visam mitigar a assimetria de informação que persiste entre administradores e investidores externos à firma. Especificamente, aqueles que possuem um conhecimento substancial relativo a suas capacidades de rentabilidade e continuidade (agentes) são responsáveis pela direção das atividades das entidades. Por outra via, os investidores (stakeholders) dependem da divulgação desse conhecimento para serem capazes de alocar suas fontes escassas de recursos de maneira eficiente (Fatma & Abdelwahed, 2010Fatma, T., & Abdelwahed, O. (2010). Earnings quality and cost of equity capital: Evidence from Tunisia. International Journal of Managerial and Financial Accounting, 2(2), 161-176.).

Quanto à capacidade que os relatórios financeiros têm em prover informações requeridas, sabe-se que em relação ao mercado de capitais, os dados contábeis são capazes de alterar o montante e a variabilidade de preços de ativos na ocasião de sua divulgação (Kothari, 2001Kothari, S. P. (2001). Capital markets research in accounting. Journal of Accounting and Economics, 31(1), 105-231.). Estudos tradicionais concentraram esforços em avaliar a relação entre as características das informações divulgadas e variáveis de mercado ao nível de cada país, notadamente em mercado de capitais desenvolvidos. Como os pressupostos teóricos sobre a relação entre as informações divulgadas pelas empresas e suas características podem diferir entre países, a generalização dos resultados quando confrontados com amostras compostas por firmas de diferentes países encontrava-se impossibilitada (Dong & Stettler, 2011Dong, M., & Stettler, A. (2011). Estimating firm-level and country-level effects in cross-sectional analyses: An application of hierarchical modeling in corporate disclosure studies. The International Journal of Accounting, 46(3), 271-303.).

Bhattacharya, Daouk e Welker (2003Bhattacharya, U., Daouk, H., & Welker, M. (2003). The world price of earnings opacity. The Accounting Review, 78(3), 641-678.) destacam que as diferenças que ocorrem nos mercados de ações entre os países variam diante de um número de características de cada um, como infraestrutura econômica, política e legal. Para esses autores, tais fenômenos exercem forte influência sobre o mercado de capitais quanto ao modo como os números contábeis são utilizados e interpretados. Um corpo crescente de pesquisadores tem se debruçado sobre como peculiaridades de cada país e de seu respectivo mercado de capitais geram diferenças no conteúdo e na tempestividade das demonstrações contábeis.

A literatura em finanças corporativas demonstra que a escolha de ações ou contratos entre firma e investidores depende, em grande parte, das informações disponíveis aos investidores. A habilidade dos investidores em proteger seus investimentos depende de instituições tanto financeiras quanto legais (Li & Sullivan, 2015Li, X., & Sullivan, R. N. (2015). Investing in the asset growth anomaly across the globe. Journal of Investment Management, 13(4), 87-107.). Em linhas gerais, os estudos empíricos comparativos entre empresas de diferentes países têm demonstrado a existência de diferenças consideráveis na estrutura legal, nos mecanismos de enforcement e na governança corporativa.

As informações contábeis são influenciadas pelo ambiente em que ela é produzida, fruto de uma variedade de interações de fatores como: motivação dos gestores, padrões contábeis e enforcement das instituições (Bhattacharya et al., 2003Bhattacharya, U., Daouk, H., & Welker, M. (2003). The world price of earnings opacity. The Accounting Review, 78(3), 641-678.). Trabalhos como La Porta, Lopez-de-Silanes, Shleifer e Vishny (1997Shleifer, A., & Vishny, R. W. (1997). A survey of corporate governance. The Journal of Finance, 52(2), 737-783., 1998La Porta, R., Lopez-de-Silanes, F., Shleifer, A., & Vishny, R. W. (1998). Law and finance. Journal of Political Economy, 106(6), 1113-1155.) foram capazes de demonstrar que as leis e os regulamentos que protegem os acionistas variam sistematicamente entre tradições e origens, interferindo na capacidade

de agentes internos à firma limitarem a extensão da expropriação de investidores. Em outra vertente, Barth, Landsman e Lang (2008Barth, M. E., Landsman, W. R., & Lang, M. H. (2008). International accounting standards and accounting quality. Journal of Accounting Research, 46(3), 467-498.) apresentaram evidências de uma influência dos padrões contábeis sobre a qualidade do reporte financeiro. A pesquisa dos autores evidenciou que a aplicação das normas internacionais de contabilidade reduziu o nível de gerenciamento de resultados das companhias.

A partir das considerações expostas por ora, é de supor uma relação entre os fatores institucionais e do ambiente informacional e o nível de opacidade das informações reportadas pelas empresas; induzindo o presente estudo a ser norteado pela seguinte questão de pesquisa:

Qual a relação existente entre nível de opacidade dos lucros e o ambiente informacional do país?

Caracterizada a situação-problema e definida a questão de pesquisa, pode-se estabelecer o objetivo da pesquisa como: investigar a relação entre nível de opacidade dos lucros (mensurado por medidas, ao nível país, de suavização dos Lucros, Aversão às perdas e agressividade dos lucros) e o ambiente informacional da empresa (levando-se em consideração os padrões contábeis e a origem legal do sistema).

Para que o objetivo principal enunciado possa ser alcançado, o estudo percorrerá os seguintes objetivos específicos:

  1. avaliar as diferentes abordagens existentes para mensurar a opacidade dos lucros contábeis;

  2. obter inferências sobre influências da origem legal e dos padrões contábeis sobre a opacidade dos lucros contábeis;

  3. detectar possíveis diferenças entre países nas medidas analisadas.

Apesar da literatura desenvolvida em mercados desenvolvidos, a relação de fatores institucionais e do ambiente informacional ainda é pouco explicada em mercados emergentes. Mercados emergentes são conhecidos por apresentarem problemas mais graves de assimetria informacional do que países desenvolvidos. Desse modo, a divulgação de informações seria mais opaca. Além disso, a fraca proteção dos investidores poderia reduzir a efetividade do disclosure de informações de alta qualidade em interferir na percepção de seus usuários. Isso aconteceria porque os relatórios financeiros em mercados emergentes seriam propensos a um maior grau de manipulações diante de um baixo enforcement legal e, portanto, investidores não se apoiariam nas informações divulgadas (Fatma & Abdelwahed, 2010Fatma, T., & Abdelwahed, O. (2010). Earnings quality and cost of equity capital: Evidence from Tunisia. International Journal of Managerial and Financial Accounting, 2(2), 161-176.).

Os resultados apresentados no trabalho auxiliam investidores a compreender como aspectos do mercado de capitais têm implicação ativa para gerar diferenças na utilidade das demonstrações contábeis. Com base nessas informações, investidores podem compreender o funcionamento dos mercados em que eles participam e como suas características afetam as demonstrações contábeis, resultando em uma tomada de decisão mais consciente.

Para reguladores, o trabalho sugere esforços no sentido de aumentar a transparência e a redução da opacidade das informações contábeis prestadas. Os reguladores determinam as regras às quais firmas reportam os resultados financeiros para investidores, credores e outras partes externas. Ou seja, são responsáveis por desenvolver padrões para atingir as necessidades dos vários usuários das demonstrações financeiras. Destarte, como em um ciclo que se retroalimenta, as pesquisas acadêmicas provocam insights sobre quais informações são demandadas por essas partes e como alterações na regulação alteram a perspectiva dos usuários (Barth, Beaver & Landsman, 2001Barth, M. E., Beaver, W. H., & Landsman, W. R. (2001). The relevance of the value relevance literature for financial accounting standard setting: Another view. Journal of Accounting and Economics, 31(1), 77-104.).

2 Revisão da literatura

Esta seção está destinada a apresentar aspectos inerentes às diferenças na qualidade do reporte das informações contábeis entre países. Posteriormente, um espaço foi reservado para a discussão das características do ambiente informacional dos países tratadas na presente pesquisa (quais sejam, origem legal e adoção de padrões internacionais) e como essas características afetam a qualidade e a relevância da informação contábil.

2.1 Diferenças na qualidade do reporte financeiro entre países

As diferenças entre os países quanto ao conteúdo e à tempestividade do reporte financeiro corporativo abrangem várias vertentes. Dessa maneira, estudos empíricos avaliaram as diferenças na divulgação financeira entre países, nos fatores que permitam explicar tais diferenças e, por fim, na relevância das demonstrações contábeis divulgadas (Foster, Kasznik & Sidhu, 2012Foster, G., Kasznik, R., & Sidhu, B. K. (2012). International equity valuation: The relative importance of country and industry factors versus company‐specific financial reporting information. Accounting & Finance, 52(3), 767-814.). Nesse sentido, tem sido documentada uma variação sistemática e substancial na influência do reporte financeiro entre os países. French e Poterba (1991French, K. R., & Poterba, J. M. (1991). Were Japanese stock prices too high? Journal of Financial Economics, 29(2), 337-363.) examinaram como diferenças na contabilidade resultam em diferenças no índice lucro por ação. Em específico, esses autores compararam os resultados encontrados nos Estados Unidos e no Japão. Eles destacam que aproximadamente 50% da disparidade advêm de diferenças nas práticas contábeis.

Leuz, Nanda e Wysocki (2003Leuz, C., Nanda, D., & Wysocki, P. D. (2003). Earnings management and investor protection: an international comparison. Journal of Financial Economics, 69(3), 505-527.) avaliaram a prática de gerenciamento de resultados, inclusive analisando as diferenças sistemáticas entre os 31 países da amostra. Entre seus achados, foi possível identificar um link endógeno entre governança corporativa e qualidade dos lucros reportados. Ou seja, as firmas presentes em países com mercado de ações desenvolvido, estrutura de propriedade dispersa, forte direito dos investidores e alto enforcement legal tendem a apresentar um nível inferior de gerenciamento de resultado.

Nessa vertente também militaram Ali e Hwang (2000Ali, A., & Hwang, L. S. (2000). Country-specific factors related to financial reporting and the value relevance of accounting data. Journal of Accounting Research, 38(1), 1-21.). Partindo de dados de 16 países, eles demonstraram que fatores nacionais interferem em medidas de relevância da informação contábil (mensurada pela capacidade de os lucros e valores patrimoniais explicarem retornos). Em relação aos fatores nacionais considerados pelo autor, sobressaem aqueles em que a economia é orientada por bancos em relação àqueles orientados pelo mercado. Constatou ainda quando há envolvimento privado com o estabelecimento de normas, continental versus modelo americano/britânico, regime jurídico e montante gasto na auditoria.

De igual forma, pesquisa realizada com base numa amostra de 34 países entre 1985 e 1998, por Bhattacharya et al. (2003Bhattacharya, U., Daouk, H., & Welker, M. (2003). The world price of earnings opacity. The Accounting Review, 78(3), 641-678.), avaliou algumas medidas de “opacidade dos lucros” (a falta de transparência dos lucros, captada pela suavização dos lucros, medidas de agressividade nos lucros ou prática de evitar reportar perdas). Tais autores tinham o objetivo de descobrir como tais elementos interferiam nas características em seus mercados de ações. De acordo com as evidências observadas na pesquisa, foi possível detectar aumento no custo de capital e redução no número de transações do mercado.

Hope (2003Hope, O. K. (2003). Disclosure practices, enforcement of accounting standards, and analysts’ forecast accuracy: An international study. Journal of Accounting Research, 41(2), 235-272.) investigou a relação entre a acurácia das previsões de analistas financeiros, o nível de disclosure do reporte anual das companhias e o grau de enforcement dos padrões contábeis em 23 países. De acordo com seus achados, o nível de evidenciação influencia positivamente o grau de acerto nas previsões. Esse resultado sugere que as demonstrações contábeis apresentam conteúdo informativo aos analistas. Em relação aos países, todavia, o autor detectou que um nível forte de enforcement está associado a maior acurácia nas previsões. Isso realça de modo consistente a visão de que o enforcement encoraja gestores a seguir as normas contábeis prescritas, o que reduz a incerteza dos analistas sobre os lucros futuros.

Partindo desse mesmo prisma, Lang, Raedy e Yetman (2003Lang, M., Raedy, J. S., & Yetman, M. H. (2003). How representative are firms that are cross‐listed in the united states? An analysis of accounting quality. Journal of Accounting Research, 41(2), 363-386.) investigaram como a listagem na bolsa de valores norte-americana de empresas estrangeiras interferiria no modo como a contabilidade é reportada em mercados locais. Apuraram que as firmas listadas diferem em termos das propriedades de séries temporais de lucros e de accruals e do grau de associação entre dados contábeis e preço das ações. Nesse caso, confirmaram que as firmas listadas na bolsa norte-americana são menos agressivas em termos de gerenciamento de resultado. Os autores sugerem, ainda, que os dados contábeis por elas reportados são mais conservadores, incorporam notícias negativas mais tempestivamente e são mais associados ao preço das ações.

Noutra perspectiva, Ball, Robin e Sadka (2005Ball, R., Robin, A., & Sadka, G. (2005). Is accounting conservatism due to debt or equity markets. Recuperado de http://www8.gsb.columbia.edu/rtfiles/accounting/BALL_OBW_2005.pdf
http://www8.gsb.columbia.edu/rtfiles/acc...
) examinaram a importância dos mercados de ações e do mercado de títulos de dívidas no reconhecimento tempestivo das perdas (conservadorismo). Os testes realizados relacionaram o reconhecimento tempestivo de ganhos ou perdas com o tamanho relativo dos mercados de ações e de dívidas dos países com o produto nacional bruto. Os resultados que apresentaram demonstram a presença de uma relação positiva entre as medidas de reconhecimento de perda e o tamanho do mercado de dívidas.

Hail e Leuz (2006Hail, L., & Leuz, C. (2006). International differences in the cost of equity capital: Do legal institutions and securities regulation matter? Journal of Accounting Research, 44(3), 485-531.) examinaram as diferenças internacionais no custo de capital das firmas em 40 países. Eles se ativeram a investigar como a efetividade das instituições legais e da regulação do mercado de ações é sistematicamente relacionada a diferenças entre países no que concerne ao custo de capital. Os resultados levaram à conclusão que firmas com maior requerimento de disclosure, regulação mais forte e mecanismos de enforcement mais estritos apresentam menor custo de capital. Essas conclusões foram obtidas a partir de uma análise sensitiva extensa, que se debruçou sobre os elementos que tendem a influenciar o crescimento de longo prazo do país. Outro achado que merece destaque no trabalho dos autores diz respeito aos efeitos do custo de capital em instituições legais fortes, que se torna substancialmente menor à medida que o mercado se torna mais integrado. Os resultados de Papaioannou (2009Papaioannou, E. (2009). What drives international financial flows? Politics, institutions and other determinants. Journal of Development Economics, 88(2), 269-281.) podem ser vistos como complementares a esses achados, uma vez que o autor detectou que a qualidade institucional foi considerada determinante-chave do fluxo financeiro internacional de bancos em 50 países. Seus achados sugerem ainda que variáveis como proteção fraca dos direitos dos proprietários, ineficiências legais e risco elevado de expropriação são fatores-chave para inibir o crescimento do capital estrangeiro de bancos.

Estratégia de pesquisa semelhante a essa foi empregada por Lee e Ng (2009Lee, C. M. C., & Ng, D. (2009). Corruption and international valuation: Does virtue pay? The Journal of Investing, 18(4), 23-41.), mas extensiva ao nível da firma em 44 países. Esses autores foram bem-sucedidos em demonstrar que companhias com mais corrupção (mensurados por índices de corrupção) transacionam com múltiplos de mercado significativamente inferiores. Nesse caso, cabe mencionar que a magnitude do reporte foi significativa, tanto economicamente quanto em termos estatísticos. Nessas condições, os autores foram capazes de demonstrar que a corrupção impacta o valor por intermédio da redução dos fluxos de caixa futuros, mais diretamente capturado pelas previsões de lucratividade das firmas.

Lang, Lins e Maffett (2012Lang, M., Lins, K. V., & Maffett, M. (2012). Transparency, liquidity, and valuation: International evidence on when transparency matters most. Journal of Accounting Research, 50(3), 729-774.), em análise semelhante, examinaram a associação entre a transparência com a liquidez do mercado de ações e o processo de avaliação, analisando como essa interligação variava de acordo com as características da firma e do ambiente econômico. Entre os achados, ressalta-se que a incidência de menores custos de transação e maior liquidez para firmas com maior nível de transparência revelou-se atrelada ao ambiente institucional dos países. Lang et al. (2012Lang, M., Lins, K. V., & Maffett, M. (2012). Transparency, liquidity, and valuation: International evidence on when transparency matters most. Journal of Accounting Research, 50(3), 729-774.) comentam que parte desse fenômeno pode ser atribuída às restrições de financiamento de investidores institucionais.

A concatenação dos achados indica que as diferenças enunciadas podem ser explicadas de forma consistente por fatores peculiares de cada país. Em específico, naquilo que concerne à transparência, governança e fatores específicos da empresa, como liquidez. Em complemento a tal perspectiva, uma literatura substancial tem sido construída no sentido de detectar diferenças sistemáticas no conteúdo e tempestividade do reporte financeiro (Ball, Kothari & Robin, 2000Ball, R., Kothari, S. P., & Robin, A. (2000). The effect of international institutional factors on properties of accounting earnings. Journal of Accounting and Economics, 29(1), 1-51.; Ball, Robin & Sadka, 2005Ball, R., Robin, A., & Sadka, G. (2005). Is accounting conservatism due to debt or equity markets. Recuperado de http://www8.gsb.columbia.edu/rtfiles/accounting/BALL_OBW_2005.pdf
http://www8.gsb.columbia.edu/rtfiles/acc...
; Bushman & Piotroski, 2006Bushman, R. M., & Piotroski, J. D. (2006). Financial reporting incentives for conservative accounting: The influence of legal and political institutions. Journal of Accounting and Economics, 42(1), 107-148.; Hope, 2003Hope, O. K. (2003). Disclosure practices, enforcement of accounting standards, and analysts’ forecast accuracy: An international study. Journal of Accounting Research, 41(2), 235-272.; Lang, Raedy & Yetman, 2003Lang, M., Raedy, J. S., & Yetman, M. H. (2003). How representative are firms that are cross‐listed in the united states? An analysis of accounting quality. Journal of Accounting Research, 41(2), 363-386.).

2.2 Origem legal

La Porta et al. (1997La Porta, R., Lopez-de-Silanes, F., Shleifer, A., & Vishny, R. W. (1997). Legal determinants of external finance. Journal of Finance, 52(3), 1131-1150., 1998) partiram da proposição enfatizada por Shleifer e Vishny (1997Shleifer, A., & Vishny, R. W. (1997). A survey of corporate governance. The Journal of Finance, 52(2), 737-783.) de que a proteção legal de investidores externos à firma limita a extensão da expropriação de tais investidores por agentes internos à firma, promovendo, assim, o desenvolvimento da empresa. Para os autores, as leis e os regulamentos que protegem os acionistas variam sistematicamente entre tradições e origens, em que leis de países de Direito Comum (originário no Direito Inglês) protegem mais os investidores externos do que leis do Direito Civil (originário do Direito Romano). A Figura 1 mostra a divisão dos países, segundo classificação de La Porta et al. (2008La Porta, R., Lopez-de-Silanes, F., & Shleifer, A. (2008). The economic consequences of legal origins’. Journal of Political Economy, 46(2), 285-332.).

La Porta et al. (2008La Porta, R., Lopez-de-Silanes, F., & Shleifer, A. (2008). The economic consequences of legal origins’. Journal of Political Economy, 46(2), 285-332.) defendem que a tradição do common law e do civil law foi transplantada por intermédio de conquistas e colonizações. Defendem ainda que o capital humano e ideologias legais foram transplantados nessas condições. Apesar de muita evolução legal, as estratégias fundamentais e as pressuposições de cada sistema legal sobreviveram e exercem influência substancial nos resultados econômicos. Os autores identificam duas principais tradições seculares − common law e civil law. Além desses, ainda se referem a uma série de subtrações - francesa, germânica, socialista e escandinava - dentro do civil law. Cumpre mencionar, todavia, que, em geral, uma tradição particular é dominante em cada país.

O trabalho de La Porta et al. (1998La Porta, R., Lopez-de-Silanes, F., Shleifer, A., & Vishny, R. W. (1998). Law and finance. Journal of Political Economy, 106(6), 1113-1155.) concentrou-se em analisar as normas legais de proteção dos acionistas e credores, a origem dessas normas e a qualidade do enforcement perante as empresas atuantes em 49 países. Entre os principais achados, os autores relataram: a) países de direito consuetudinário destacaram-se por manter nível mais intenso de proteção legal aos investidores; b) países de direito civil, de origem francesa, posicionaram-se no extremo inferior da escala; e c) países germânicos e escandinavos apresentaram uma situação intermediária nessa dimensão. Com resultados complementares a este estudo, os achados de La Porta (1999La Porta, R., Lopez‐de‐Silanes, F., & Shleifer, A. (1999). Corporate ownership around the world. The Journal of Finance, 54(2), 471-517.) indicam que a estrutura de propriedade das companhias de sua amostra demonstrou estar mais concentrada no caso de firmas situadas em países com menor nível de proteção aos acionistas, destacando-se o controle exercido por grupos familiares ou pelo Estado.

Figura 1:
O sistema jurídico dos países

No que tange às diferenças nos sistemas legais, verifica-se que o estudo de Demirgüç-Kunt e Maksimovic (1998Demirgüç‐Kunt, A., & Maksimovic, V. (1998). Law, finance, and firm growth. The Journal of Finance, 53(6), 2107-2137.) focou em como as dessemelhanças entre os sistemas legais e financeiros afetam o uso de financiamento externo da firma. O estudo demonstrou que países em que o sistema legal tem classificação alta de eficiência reúnem uma grande proporção de firmas utilizando financiamento externo de longo prazo. Esse aumento na utilização de financiamento externo ocorre, em parte, porque firmas estabelecidas em países com instituições com bom nível de financiamento apresentam baixos índices de lucratividade.

No trabalho desenvolvido por Ball et al. (2000Ball, R., Kothari, S. P., & Robin, A. (2000). The effect of international institutional factors on properties of accounting earnings. Journal of Accounting and Economics, 29(1), 1-51.), as diferenças internacionais foram avaliadas no que tange à maneira como o lucro contábil incorpora o lucro econômico (mudança no valor de mercado) ao longo do tempo. De acordo com esses autores, a diferença de conservadorismo na classificação dos países em common law e code law influencia a demanda por incentivos, agindo desfavoravelmente à prática de reporte tempestivo. Tendo em vista que em países classificados como de code law existe uma ligação muito forte entre o lucro contábil e o pagamento de tributos, é de esperar que a contabilidade desses países apresente a tendência de ser menos tempestiva, particularmente no que se refere à incorporação de perdas econômicas. Ball et al. (2000Ball, R., Kothari, S. P., & Robin, A. (2000). The effect of international institutional factors on properties of accounting earnings. Journal of Accounting and Economics, 29(1), 1-51.) acrescentam que o nível de regulação e tributação é elemento pertinente para explicar as diferenças de países de direito consuetudinário.

Bushman, Piotrosk e Smith (2004Bushman, R. M., Piotroski, J. D., & Smith, A. J. (2004). What determines corporate transparency? Journal of Accounting Research, 42(2), 207-252.) e Jaggi e Low (2000Jaggi, B., & Low, P. Y. (2000). Impact of culture, market forces, and legal system on financial disclosures. The International Journal of Accounting, 35(4), 495-519.) examinaram como os sistemas contábeis dos países de origem das firmas interferem na elaboração de diferentes métricas de transparência. Mais especificamente, examinaram como o sistema legal do país de origem das firmas pode ser associado ao nível de sua evidenciação financeira. Esses autores demonstraram que as firmas de países de direito consuetudinário estão associadas a uma maior evidenciação financeira comparativamente às firmas de code law. Além disso, Jaggi e Low (2000Jaggi, B., & Low, P. Y. (2000). Impact of culture, market forces, and legal system on financial disclosures. The International Journal of Accounting, 35(4), 495-519.) identificaram que, especialmente em países de direito consetudinário, valores culturais foram variáveis intervenientes que contribuíram significativamente para o nível de disclosure.

Para Bushman et al. (2004Bushman, R. M., Piotroski, J. D., & Smith, A. J. (2004). What determines corporate transparency? Journal of Accounting Research, 42(2), 207-252.), a transparência de um país é resultado de um sistema multifacetado. Por esse entendimento, seus componentes produzem coletivamente, recolhem, validam e disseminam informações. Em suma, para a análise dos elementos relativos ao ambiente informacional dos países, formataram dois fatores principais. O primeiro deles é inerente à transparência financeira e relacionado principalmente à política econômica do país, o qual capturou a intensidade e a tempestividade do disclosure financeiro, sua interpretação e disseminação pelos meios de comunicação. Por outro lado, as características e transparência quanto à estrutura de governança aparentam ser essencialmente relacionadas aos sistemas legais/jurídicos dos países.

A análise empreendida por Bushman e Piotroski (2006Bushman, R. M., & Piotroski, J. D. (2006). Financial reporting incentives for conservative accounting: The influence of legal and political institutions. Journal of Accounting and Economics, 42(1), 107-148.) pode ser considerada complementar a esses achados. Isso porque tais autores avaliaram a influência exercida sobre a contabilidade a partir do sistema legal/judicial, os regulamentos do mercado de ações e a política econômica. A criação de incentivos que influenciam o comportamento dos executivos, investidores, reguladores e demais participantes do mercado emoldurou o cenário estudado por eles. As evidências levantadas por Bushman e Piotroski (2006Bushman, R. M., & Piotroski, J. D. (2006). Financial reporting incentives for conservative accounting: The influence of legal and political institutions. Journal of Accounting and Economics, 42(1), 107-148.) sinalizam diferenças consistentes do nível de conservadorismo, de acordo com as instituições legais e políticas dos países (origem legal, qualidade jurídica, enforcement legal, risco de expropriação e propriedade estatal).

2.3 Adoção de normas internacionais

Estudos focados na relevância da informação contábil foram realizados. Barth et al. (2008Barth, M. E., Landsman, W. R., & Lang, M. H. (2008). International accounting standards and accounting quality. Journal of Accounting Research, 46(3), 467-498.) apresentaram evidências de que a adoção da firma apresenta a qualidade do reporte financeiro. Segundo os autores, a aplicação das IAS reflete efeitos combinados de características do sistema de reporte financeiro, incluindo padrões, suas interpretações, enforcement e risco de litígio recorrente. Os autores demonstraram que para os 21 países analisados houve, em geral, menos gerenciamento de resultados, mais reconhecimento tempestivo e mais conteúdo informacional dos valores contábeis do que em uma amostra composta por firmas que aplicam padrões não internacionais (e também não norte-americanos). Eles encontraram evidências de uma melhora na contabilidade no período pré e pós-adoção. Não foi possível, contudo, assumir que as mudanças foram advindas das normas internacionais ou das mudanças no ambiente de incentivos econômicos, apesar de terem sido incluídas variáveis para controlar o segundo efeito.

Christensen, Lee e Walker (2007Christensen, H. B., Lee, E., & Walker, M., (2007). Incentives or standards: What determines accounting quality changes around IFRS adoption? [Manchester Business School Working Paper, n. 523]. Recuperado de http://mbsportal.bl.uk/secure/subjareas/accfinecon/mubs/wp/140709WP523_07.pdf
http://mbsportal.bl.uk/secure/subjareas/...
) e Horton e Serafeim (2010Horton, J., & Serafeim, G. (2010). Market reaction and valuation of IFRS reconciliation adjustments: First evidence from UK. Review of Accounting Studies, 15(4), 725-751.) reportaram que as reconciliações dos lucros apresentaram poder incremental na relevância dos preços em relação aos padrões locais do Reino Unido. Para os sete países que eles examinaram do common law e sete do code law, Capkun, Cazavan-Jeny, Jeanjean e Weiss (2008Capkun, V., Cazavan-Jeny, A., Jeanjean, T., & Weiss, L. A. (2008). Earnings management and value relevance during the mandatory transition from local GAAPs to IFRS in Europe. [Working Paper]. Recuperado de https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1125716
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
) reportaram testes incrementais que novamente apostaram que as demonstrações financeiras transmitem informações relevantes em relação ao padrão local. Finalmente, Wang (2008Wang, S. (2008). Timing equity issuance in response to mandatory accounting standards change in Australia and the European Union, Queen’s University: Kingston, Ontario, Canada. Recuperado de https://qspace.library.queensu.ca/bitstream/handle/1974/1308/Wang_Shiheng_200807_PhD.pdf;jsessionid=4BFCB1B900E4F2E8387774A8BEBB4EDF?sequence=1
https://qspace.library.queensu.ca/bitstr...
) observou que as diferenças nas reconciliações no lucro líquido são positivamente relacionadas com retornos, um resultado que é novamente consistente com o poder incremental das normas IFRS.

Daske, Hail, Leuz e Verdi (2008Daske, H., Hail, L., Leuz, C., & Verdi, R. (2008). Mandatory IFRS reporting around the world: Early evidence on the economic consequences. Journal of Accounting Research, 46(5), 1085-1142.) examinaram o impacto da adoção obrigatória das normas internacionais em vários países, incluindo alguns da União Europeia. Eles reportaram que na primeira vez da adoção mandatória empresas que as adotaram exibiram um aumento modesto no custo de capital. Daske et al. (2008Daske, H., Hail, L., Leuz, C., & Verdi, R. (2008). Mandatory IFRS reporting around the world: Early evidence on the economic consequences. Journal of Accounting Research, 46(5), 1085-1142.) detectaram que a adoção das normas internacionais resultou em benefícios para o mercado apenas no caso de países em que as firmas receberam incentivos para ampliar sua transparência e, especialmente, quando o nível de enforcement é alto. Ainda, efeitos foram mais pronunciados quando os padrões locais diferem mais das normas internacionais.

Clarkson, Hanna, Richardson e Thompson (2011Clarkson, P., Hanna, J. D., Richardson, G. D., & Thompson, R. (2011). The impact of IFRS adoption on the value relevance of book value and earnings. Journal of Contemporary Accounting & Economics, 7(1), 1-17.)we investigate the impact of IFRS adoption in Europe and Australia on the relevance of book value and earnings for equity valuation. Using a sample of 3488 firms that initially adopted International Financial Reporting Standards (IFRS investigaram o impacto da adoção das normas internacionais na Europa e na Austrália e a relevância do valor patrimonial e dos lucros para avaliação de ativos. Os resultados indicaram que houve alterações tanto em países common law quando naqueles de code law, sugerindo também que a distribuição das medidas de lucro se tornou mais similar entre países submetidos aos dois instrumentos.

Como pressuposto, se aceita a proposição de que os dados contábeis podem ser mais informativos se a firma segue as normas internacionais, particularmente se a firma é de um país com normas locais de contabilidade de baixa qualidade. Daske, Hail, Leuz e Verdi (2013Daske, H., Hail, L., Leuz, C., & Verdi, R. (2013). Adopting a label: Heterogeneity in the economic consequences around IAS/IFRS adoptions. Journal of Accounting Research, 51(3), 495-547.) destacam, contudo, ser relativamente simples para as empresas adotar um rótulo do IFRS, mas sem realizar mudanças substantivas, com qualquer efeito real econômico.

3 Procedimentos metodológicos

Neste capítulo estão descritos os procedimentos metodológicos adotados no estudo, a amostra coletada, as definições operacionais das variáveis estudadas e os testes realizados para que as hipóteses de pesquisa fossem investigadas.

3.1 Delimitação da amostra de pesquisa

Os dados contábeis da empresa foram extraídos da base de dados S&P Capital IQ, que consiste em uma plataforma financeira originalmente designada para atender às necessidades da comunidade de analistas de investimento, mas que posteriormente estendeu-se aos membros da academia (Hines, 2012Hines, T. M. (2012). S&P Capital IQ. Journal of Business & Finance Librarianship, 17(3), 279-279.). A amostra foi composta por companhias abertas que negociam seus títulos no mercado de capitais classificadas como “emergentes”, segundo o critério da Standard & Poor’s (2013Standard & Poor’s. (2013). S&P Dow Jones Indices Announces: Country Classification Consultation Results. Recuperado de http://www.spindices.com/documents/index-news-and-announcements/20131030-spdji-country-classification-results.pdf
http://www.spindices.com/documents/index...
). Cumpre mencionar que a extensão temporal da pesquisa englobou o período de 2004 a 2013. Assim, países que apresentaram reclassificações recentes foram excluídos da amostra.

Para a composição da amostra foram consideradas apenas empresas que possuíam dados completos para todas as variáveis estudadas em todos os anos. Dessa maneira, a amostra de investigação foi composta por 60.121 observações. A amostra foi composta por companhias abertas que negociam seus títulos no mercado de capitais classificadas como “emergentes”, segundo o critério da Standard & Poor’s (2013Standard & Poor’s. (2013). S&P Dow Jones Indices Announces: Country Classification Consultation Results. Recuperado de http://www.spindices.com/documents/index-news-and-announcements/20131030-spdji-country-classification-results.pdf
http://www.spindices.com/documents/index...
). A amostra analisada foi composta por 60.121 observações, conforme apresentado na Tabela 1.

Tabela 1:
Composição da amostra

3.2 Testes não paramétricos

A incompatibilidade da análise de correlação para a utilização de variáveis categóricas demandou a utilização de testes de comparações de médias. Para a determinação da estatística de teste correta, paramétrica ou não paramétrica, avaliaram-se alguns pressupostos, dentre os quais a normalidade dos dados. Quando da rejeição da hipótese nula de distribuição normal dos dados, procedeu-se à realização de testes não paramétricos.

Para fazer a comparação dos indicadores entre o grupo dos países, levando-se em consideração suas características institucionais, procedeu-se ao teste de Mann-Whitney e ao teste de Kruskal-Wallis. O teste de Mann-Whitney, utilizado quando da existência específica de duas categorias, apresenta a finalidade análoga ao t-student para amostras independentes: comparar se duas amostras independentes provêm de duas populações com médias iguais. De acordo com Fávero e Belfiore (2017Fávero, L. P., & Belfiore, P. (2017). Manual de análise de dados: Estatística e modelagem multivariada com Excel, SPSS e Stata. Rio de Janeiro: Elsevier.), o teste trata-se de uma alternativa interessante ao teste paramétrico para igualdade de médias (teste t), pois Mann-Whitney não exige nenhuma hipótese sobre distribuições populacionais e suas variâncias, baseando-se em uma soma de postos.

Stevenson (2001Stevenson, W. J. (2001). Estatística aplicada à administração. São Paulo: Harbra.) estabelece que quando as observações país/anos estavam agrupadas em mais de dois grupos, emprega-se o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis. Alternativa não paramétrica ao da Anova de um fator, o teste é utilizado para avaliar se três ou mais amostras independentes foram extraídas de populações com médias iguais. O teste de Kruskal-Wallis, assim como o teste de Mann-Whitney, não exige normalidade das distribuições nem possui o pré-requisito de que as variâncias sejam homogêneas.

3.3 Variáveis analisadas

Considerou-se a inclusão de variáveis relacionadas à estrutura política/legal, visando capturar a extensão de enforcement legal, o direito dos acionistas e a origem legal (common law versus code law). Nesse âmbito são consideradas variáveis relacionadas ao regime de reporte financeiro, visando capturar a diferença entre países relacionada à extensão da agressividade dos lucros, à tendência a evitar perdas, à suavização dos lucros e ao uso de padrões internacionais de Contabilidade. Das cinco variáveis utilizadas para capturar aspectos nacionais do reporte financeiro das empresas, três são inspiradas no trabalho empírico conduzido por Bhattacharya et al. (2003Bhattacharya, U., Daouk, H., & Welker, M. (2003). The world price of earnings opacity. The Accounting Review, 78(3), 641-678.), que possui embasamento teórico robusto na pesquisa contábil.

3.3.1 Agressividade dos lucros

Bhattacharya et al. (2003Bhattacharya, U., Daouk, H., & Welker, M. (2003). The world price of earnings opacity. The Accounting Review, 78(3), 641-678.) definem como “agressividade dos lucros” a tendência de atrasar o reconhecimento de perdas e antecipar o reconhecimento de ganhos. O argumento desses autores se baseia no fato de que o oposto de agressividade é o conservadorismo. Especificamente, o autor argumenta que a) diante da preferência de gestores por ganhos econômicos, o conservadorismo tende a sinalizar informações mais verossímeis; b) os credores são mais impactados por perdas econômicas; e c) a incorporação tempestiva das perdas econômicas é um fator relevante de governança, oferecendo um feedback rápido acerca de más decisões e de investimento e decisões e estratégias que gestores podem não querer divulgar. Mesmo que existam argumentações no sentido de que uma contabilidade conservadora previne boas notícias de serem transmitidas rapidamente, é razoável esperar que haja incentivos aos gestores em ampliar mais do que subestimar os lucros, em média. Portanto, os autores argumentam que é esperado que lucros agressivos sejam substancialmente mais opacos, exibindo reportes com viés e com otimismo exacerbado por parte dos gestores.

A tendência de atrasar o reconhecimento de perdas e de antecipar o reconhecimento de ganhos implica que, se a realização do fluxo de caixa não se altera, espera-se que os accruals aumentem com a elevação da agressividade dos lucros. A medida será computada pela mediana do quociente entre o total de accruals e pelo total de ativos defasados do país i, no ano t (a utilização da mediana minimiza a influência de valores extremos). Quanto maior for a mediana dos accruals, maior será a agressividade dos lucros (Ahmed, Billings, Morton & Stanford-Harris, 2002Ahmed, A. S., Billings, B. K., Morton, R. M., & Stanford-Harris, M. (2002). The role of accounting conservatism in mitigating bondholder-shareholder conflicts over dividend policy and in reducing debt costs. The Accounting Review, 77(4), 867-890.; Bhattacharya et al., 2003Bhattacharya, U., Daouk, H., & Welker, M. (2003). The world price of earnings opacity. The Accounting Review, 78(3), 641-678.; Givoly & Hayn, 2000Givoly, D., & Hayn, C. (2000). The changing time-series properties of earnings, cash flows and accruals: Has financial reporting become more conservative? Journal of Accounting and Economics, 29(3), 287-320.).

Para o cálculo accruals consistente com a literatura prévia, que predomina nesse campo de estudo (e.g., Sloan, 1996Sloan, R. (1996). Do stock prices fully reflect information in accruals and cash flows about future earnings? The Accounting Review, 71(3), 289-315.; Takamatsu & Fávero, 2013Takamatsu, R. T., & Fávero, L. P. L. (2013). Accruals, persistence of profits and stock returns in Brazilian public companies. Modern Economy, 4(1), 109-118.), foram calculados os accruals a partir de informações advindas do Balanço Patrimonial e da Demonstração de Resultado, a partir da seguinte fórmula:

A c c = A C t - t - 1 - C x t - t - 1 - P C t - t - 1 - D í v t - t - 1 - I m p t - t - 1 - D e p 1 2 x ( A T t - 1 + A T t

em que:

  • ∆AC  Variação do ativo circulante
  • ∆Cx  Variação do caixa e equivalentes de caixa
  • ∆PC  Variação do passivo circulante
  • ∆Div  Variação das dívidas de curto prazo
  • ∆Imp  Variação dos impostos a pagar
  • Dep  Variação das despesas com depreciação e amortização
  • ATt-1  Ativo total defasado
  • ATt  Ativo total corrente

3.3.2 Aversão a perdas

A segunda medida de opacidade dos lucros é o comportamento de aversão a perdas, que se refere ao esforço das companhias em evitar reportar lucros negativos. DeGeorge, Patel e Zeckhauser (1999Degeorge, F., Patel, J., & Zeckhauser, R. (1999). Earnings management to exceed thresholds*. The Journal of Business, 72(1), 1-33.) apresentaram evidências que sugerem as seguintes hierarquias entre os detentores de lucro: a) evitar lucros negativos; b) reportar aumento nos lucros trimestrais; e c) atingir as previsões dos analisas em relação aos lucros. Assim, observam-se incentivos para reportar lucros positivos. Tal comportamento de evitar perdas torna obscura a relação entre lucros e desempenho econômico futuro, aumentando a opacidade dos lucros.

Bhattacharya et al. (2003Bhattacharya, U., Daouk, H., & Welker, M. (2003). The world price of earnings opacity. The Accounting Review, 78(3), 641-678.) computam a medida de aversão de perdas da seguinte maneira: firmas com baixo patamar de lucros foram definidas como aquelas que exibiram um lucro líquido pelo total de ativos entre 0% e 1%. Da mesma maneira, firmas com um baixo patamar de prejuízo foram definidas como aquelas que exibiram um prejuízo pelo total de ativos entre 0% e -1%. Destarte, o índice é calculado pela diferença entre o número de firmas com lucros pequenos positivos e o número de firmas com prejuízos, pela soma das duas categorias de empresa. Quanto maior for o índice no país i e no ano t, maior será a tendência das empresas em gerenciarem seus resultados de modo a evitar o reporte de perdas.

3.3.3 Suavização dos lucros

Essa variável é igualmente baseada na pesquisa elaborada por Bhattacharya et al. (2003Bhattacharya, U., Daouk, H., & Welker, M. (2003). The world price of earnings opacity. The Accounting Review, 78(3), 641-678.). Se os lucros contábeis são artificialmente suavizados, eles falham em demonstrar a verdadeira mudança no desempenho da firma, diminuindo a capacidade informacional dos números contábeis reportados, aumentando, assim, a opacidade dos lucros. Cabe ressaltar que essa visão não é consenso na literatura. Autores como Tucker e Zarowin (2006Tucker, J. W., & Zarowin, P. A. (2006). Does income smoothing improve earnings informativeness?. The Accounting Review, 81(1), 251-270.) defendem que a suavização dos lucros pode aumentar sua informatividade se os gestores utilizarem sua discricionariedade para comunicar sua avaliação sobre lucros futuros. A suavização dos lucros será calculada pela correlação cross-sectional entre as mudanças nos accruals e as mudanças nos fluxos de caixa, dividido pelo total de ativos defasado. Quanto mais negativa essa correlação, maior o nível de suavização de lucros, no país i, no ano t.

3.3.4 Utilização de padrões internacionais

A variável “Uso de Padrões Internacionais de Contabilidade” constitui-se por uma variável dicotômica em que, mesmo que o país o país utilize padrões nacionais com algumas modificações para condições locais, ainda será classificado no grupo dos países que não adotam integralmente as normas internacionais.

Como pressuposto, se aceita a proposição de que os dados contábeis podem ser mais informativos se a firma segue as normas internacionais, particularmente se a firma é de um país com normas locais de contabilidade de baixa qualidade. Daske et al. (2013Daske, H., Hail, L., Leuz, C., & Verdi, R. (2013). Adopting a label: Heterogeneity in the economic consequences around IAS/IFRS adoptions. Journal of Accounting Research, 51(3), 495-547.) destacam, contudo, que é relativamente simples para as empresas voluntariamente adotar um rótulo do IFRS, mas sem realizar mudanças substantivas, com qualquer efeito real econômico. Similarmente, Daske et al. (2008Daske, H., Hail, L., Leuz, C., & Verdi, R. (2008). Mandatory IFRS reporting around the world: Early evidence on the economic consequences. Journal of Accounting Research, 46(5), 1085-1142.) detectaram que o IFRS resultou em benefícios para o mercado apenas no caso de países onde as firmas receberam incentivos para ampliar sua transparência e, especialmente, quando o nível de enforcement é alto.

3.3.5 Origem legal

Baseando-se na classificação de La Porta et al. (2008La Porta, R., Lopez-de-Silanes, F., & Shleifer, A. (2008). The economic consequences of legal origins’. Journal of Political Economy, 46(2), 285-332.), os países foram classificados com base nas origens legais dos sistemas jurídicos, a saber: common law, code law francês; code alemão; code escandinavo e code socialista. Isso porque parte-se da pressuposição de que a proteção legal de investidores externos pode variar entre tradições e origens legais. Para LaPorta et al. (1997La Porta, R., Lopez-de-Silanes, F., Shleifer, A., & Vishny, R. W. (1997). Legal determinants of external finance. Journal of Finance, 52(3), 1131-1150., 1998La Porta, R., Lopez-de-Silanes, F., Shleifer, A., & Vishny, R. W. (1998). Law and finance. Journal of Political Economy, 106(6), 1113-1155.), países de Direito Comum (originário no Direito Inglês) protegem mais os investidores externos do que leis do Direito Civil (originário do Direito Romano). Assim, esse tipo de diferenciação pode interferir na capacidade informativa dos números contábeis.

4 Apresentação e análise dos resultados

Neste capítulo são realizadas a análise e a discussão dos resultados. Inicialmente são apresentadas as características gerais amostrais, as estatísticas descritivas seguidas da avaliação da questão de pesquisa previamente definida.

4.1 Estatísticas descritivas e caracterização das variáveis

A caracterização geral da amostra, de maneira descritiva, é conduzida a partir dos traços gerais que delineiam os países que a compõe a amostra. Assim, a Tabela 1 apresenta um sumário das características relacionadas ao nível informacional das nações em que as empresas da amostra encontram-se inseridas. Observa-se que, segundo a classificação de La Porta et al. (2008La Porta, R., Lopez-de-Silanes, F., & Shleifer, A. (2008). The economic consequences of legal origins’. Journal of Political Economy, 46(2), 285-332.), os países podem ser classificados com base nas origens legais dos sistemas jurídicos, a saber: common law, code law francês, code alemão, code escandinavo e code socialista. Ao lançar um olhar mais atento para a amostra estudada, é possível observar a inexistência de países de code escandinavo e code socialista.

Dentre os países exibidos na Tabela 1, alguns como a China ainda não adotam integralmente as normas internacionais de contabilidade. Isso porque, apesar de as empresas chinesas conviverem com seus padrões contábeis já substancialmente convergidos para o IFRS, sua tradução, por vezes, não guarda correspondência direta com o padrão emitido pelo IASB. Em outras palavras, as normas desse organismo são reescritas em um formato simplificado, para facilitar o entendimento dos nativos daquele país, nem sempre respeitando o mens legis. Em situação semelhante, a Índia permite que suas companhias apresentem seus resultados de acordo tanto com os princípios locais como com as normas internacionais. Contudo, as empresas, mais comumente, têm preparado suas demonstrações de acordo com as normas indianas. Em ambos os casos, os países foram classificados como “não convergentes” às normas internacionais − isso porque se utilizou uma variável dicotômica para alocar os países entre os que adotam ou não as normas internacionais, não incluindo possíveis adoções parciais que podem vir a acontecer.

Tabela 2:
Sumário das principais medidas referentes ao ambiente informacional do país

Ainda no que tange à Tabela 2, tem-se casos, como no Brasil, que com a publicação das leis 11.638/07 e 11.941/09, as empresas listadas na BM&FBovespa passaram a ser solicitadas a preparar suas demonstrações contábeis de acordo com as normas internacionais. Para tanto, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis assumiu o papel de guardião das práticas profissionais no Brasil, de modo que seu teor guarde equivalência com as emitidas pelo IASB. Nesse caso, a partir do momento em que houve a transição, a dummy referente à utilização das normas internacionais passou a assumir o valor de 1, tal qual acontece com Chile, Malásia, México, Peru, Rússia, Taiwan e Turquia.

Também na Tabela 2, é evidenciada a mediana de cada uma das medidas brutas de variáveis de opacidade dos lucros, em nível de cada país da amostra. Constata-se que a coluna de Agressividade dos lucros apresenta a mediana dos accruals dividida pelo total de ativos defasados para os países da amostra. A coluna Suavização dos resultados mostra a relação entre as mudanças de accruals e de fluxo de caixa. Algum nível dessa suavização é consequência natural do processo contábil. Quanto mais forte esse nível, contudo, mais provável é que esse procedimento torne obscura a variabilidade do processo econômico subjacente e maior é a opacidade dos lucros. Dado que uma correlação negativa denotaria maior suavização, calculou-se o inverso dessa variável para auxiliar a leitura da variável. Assim, quanto mais elevado seu nível, maior a suavização.

As medidas de Suavização dos lucros, Agressividade dos lucros e Aversão a perdas buscaram captar efeitos semelhantes (opacidade) por intermédio de cálculos distintos. Desse modo, procedeu-se com a análise de correlação das variáveis na Tabela 3.

Tabela 3:
Correlação entre as medidas de opacidade

A Tabela 3 apresenta a correlação entre cada uma das três medidas de opacidade. Elas variam de valores absolutos entre 0,1925 e 0,4095, indicando que, apesar de existir alguma relação entre as três variáveis de opacidade dos lucros e, mesmo que elas exibam um componente comum, relativo ao nível de opacidade do ambiente informacional da contabilidade dos países, cada um dos indicadores expressa informações próprias. Pela leitura da Tabela 3, ainda é possível verificar que existe uma relação positiva entre agressividade de lucros e suavização dos lucros, o que evidencia que a maior agressividade dos accruals resulta em resultados mais suavizados (com uma correlação forte e negativa entre accruals e mudanças no fluxo de caixa). Da mesma maneira, quanto mais avessas forem as empresas a perdas, mais elas irão suavizar seus resultados e mais agressivo será seu comportamento no que diz respeito ao reporte dos lucros.

4.2 Teste de hipótese

Para avaliar a relação entre as variáveis inerentes à adoção de padrões internacionais e à origem legal, inicialmente são explorados os dados relativos ao teste de médias exibidos nas Tabelas 4, 5 e 6. Isso porque a adoção ou não dos padrões internacionais de contabilidade, bem como as origens legais das normas contábeis dos países, são variáveis igualmente qualitativas e sua inclusão na matriz de correlação poderia gerar conclusões equivocadas. Para realizar o teste de médias, então, primeiro procedeu-se à aplicação do teste de normalidade das variáveis de opacidade dos lucros.

Tabela 4:
Teste de normalidade da medida de opacidade

A Tabela 4 explicita a rejeição da hipótese nula de normalidade de todas as três variáveis de opacidade de lucros. Esse cenário impossibilita a aplicação de testes paramétricos, que exigem pressupostos sobre a distribuição dos dados da amostra. Portanto, diante dessa limitação procedeu-se à aplicação dos testes não paramétricos de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis (Fávero & Belfiore, 2017Fávero, L. P., & Belfiore, P. (2017). Manual de análise de dados: Estatística e modelagem multivariada com Excel, SPSS e Stata. Rio de Janeiro: Elsevier.). O primeiro se destina a avaliar a relação entre a opacidade dos lucros e a adoção das IFRS. Por sua vez, o teste de Kruskal-Wallis é utilizado para avaliar a influência da origem legal, já que existem mais de duas categorias de origens. Portanto, as Tabelas 5 e 6 mostram o nível de opacidade de lucros levando em consideração as variáveis sobre o ambiente institucional dos países.

Tabela 5:
Teste de Mann-Whitney: Relação entre a opacidade dos lucros e adoção de normas internacionais

Observa-se que o uso de padrões internacionais influenciou positivamente em duas das três medidas de opacidade dos lucros. Isso sugere que o uso de padrões internacionais auxilia na redução da agressividade dos lucros e no nível de aversão de perdas. Essa conclusão é distinta daquelas defendidas por Ball, Robin e Wu (2003Ball, R., Robin, A., & Wu, J. S. (2003). Incentives versus standards: Properties of accounting income in four East Asian countries. Journal of Accounting and Economics, 36(1), 235-270.) e de Bhattacharya et al. (2003Bhattacharya, U., Daouk, H., & Welker, M. (2003). The world price of earnings opacity. The Accounting Review, 78(3), 641-678.). Assim, mesmo que a extensão do uso de padrões internacionais seja difícil de mensurar acuradamente, houve um link entre o uso de padrões internacionais e a redução da opacidade dos lucros.

Tabela 6:
Teste de Kruskal-Wallis: Relação entre o nível de opacidade dos lucros e a origem legal

Interessante notar que apenas a medida aversão a perda apresentou uma diferença estatisticamente diferente, mesmo que a soma dos postos referente à origem legal “code francês” tenha resultado em um valor superior. A ausência de significância pode ser compreendida pelo reduzido número de observações, já que as unidades em análise não eram empresas, e sim países/ano. Mesmo que a relação não tenha sido significativa, pode-se visualizar que a soma dos postos das três medidas de opacidade dos lucros foi maior para o code francês.

5 Considerações finais e recomendações

O objetivo deste estudo foi avaliar a relação entre as características do ambiente informacional da contabilidade e os níveis de opacidade das informações emanadas pela contabilidade. Dessa maneira, primeiro, foram apresentados os argumentos e evidências empíricas relacionando as características dos números contábeis divulgados pela firma e como essas características poderiam ser influenciadas por variáveis relacionadas a fatores específicos dos países. Em particular, de acordo com a literatura internacional, foi detectado que uma qualidade superior e um menor nível de gerenciamento de países common law e de países que adotaram os padrões internacionais de contabilidade.

A leitura realizada nesta tese demonstrou que mercados emergentes tendem a apresentar menor nível de enforcement legal, estabilidade estrutural e de informações disponíveis em relação às empresas que negociam seus títulos nos mercados de ações. Em um ambiente como esse, espera-se menor poder de explicações de indicadores que têm como entrada informações advindas da contabilidade (Fatma & Abdelwahed, 2010Fatma, T., & Abdelwahed, O. (2010). Earnings quality and cost of equity capital: Evidence from Tunisia. International Journal of Managerial and Financial Accounting, 2(2), 161-176.). Mesmo participando de um mesmo agrupamento, porém, essa categoria abrange países com características profundamente distintas entre si, o que demonstra a conveniência de controlar as características informacionais do país.

Na análise dos resultados, ficou evidenciado que as métricas de ambiente informacional apresentaram-se correlacionadas, sugerindo que as proxies de opacidade, mesmo com componentes distintos, carregavam a mesma informação. Também se observou que a opacidade dos resultados foi menor em países que já haviam transitado para as normas internacionais no período analisado. Ainda nesse âmbito, detectou-se maior nível de suavização de resultados em países de origem legal no direito consuetudinário francês.

Recentemente, a transição para normas internacionais de Contabilidade tem sido exaustivamente explorada em diversos cenários na tentativa de se empregar padrões de reporte de alta qualidade. Com isso, amplia-se a capacidade informacional dos relatórios relativos a informações específicas da firma. Logo, os reguladores, responsáveis pelo estabelecimento das normas, carecem de elementos para melhor compreender as necessidades dos usuários e o modo como a alteração da regulação altera suas perspectivas. Assim, o presente artigo contribui para fortalecer essa dimensão, apresentando evidências de que a transição tem cumprido seu papel, dado que nos países em que existe a aplicação das normas internacionais reduziu-se a opacidade em duas das três métricas utilizadas.

Igualmente no que diz respeito à adoção de padrões contábeis de alto nível gerar influência na capacidade informacional da Contabilidade, a qualidade da informação contábil também depende dos incentivos de gestores e auditores. Apesar da não significância em duas das três métricas avaliadas, o nível de aversão a perdas para empresas localizadas em países de origem common law foi inferior ao de países de origem legal code law, como esperado.

Em seu conjunto, porém, as análises realizadas apresentam importantes limitações que precisam ser consideradas na interpretação dos resultados. Isso porque todas as proxies exibem erros de mensuração, que podem impactar na análise. Outro ponto que pode ser levantado diz respeito à amostra selecionada: mesmo que uniformemente denominados “emergentes”, o grupo foi composto por países heterogêneos, geograficamente dispersos e com níveis de desenvolvimento distintos (como Chile, China, Polônia e Taiwan). Apesar das tentativas de controlar todos os fatores sugeridos pela literatura prévia, limitações teóricas e empíricas impediriam a plena consciência sobre todas as influências importantes, inviabilizando exaurir todas as possibilidades de controle.

Como sugestão de futuras pesquisas, cabe ressaltar a importância de variáveis adicionais para captar a opacidade das informações contábeis, tanto no nível da empresa quanto no nível país. O nível de opacidade dos lucros, neste trabalho, foi avaliado considerando o ambiente informacional no nível país. Outros trabalhos podem explorar esse elemento a partir de uma série de medidas alternativas e igualmente intervenientes na opacidade de lucros em nível individual, como é o caso do nível de qualidade da informação contábil divulgada, no nível da empresa. Isso porque esse é um elemento que retrata a confiabilidade da informação reportada. Além disso, também permite investigar traços de um possível gerenciamento dos resultados.

Também se mostra relevante investir na detecção de como inúmeros fatores institucionais e do ambiente informacional que podem afetar a capacidade informacional dos dados contábeis. Assim, dentre as possibilidades de ampliação da pesquisa citam-se a inclusão de variáveis sobre o nível de evidenciação das empresas dos países, a estrutura de governança e as características da auditoria de cada um dos países.

Ainda, destaca-se a possibilidade de realização de pesquisas que identifiquem como fatores institucionais interferem nas diferenças entre países de disclosure contábil. O presente trabalho busca padrões de comportamento nos lucros contábeis que identifiquem a intenção do gestor em mascarar os resultados, com base em opacidade, normas internacionais e origem legal. Em outras palavras, a pesquisa em tela avalia a qualidade do reporte financeiro entre países, não em termos de montante e de padrão de divulgação das informações, mas por intermédio de métricas estatísticas baseadas em conceitos econômicos. Mostra-se, porém, de fundamental importância detectar que fatores institucionais interferem na divulgação contábil, principalmente voluntária, e como o mercado reage a essa divulgação. Identifica-se, dessa maneira, a possibilidade de realização de trabalhos posteriores que se enquadrem nas categorias propostas por Verrecchia (2001Verrecchia, R. E. (2001). Essays on disclosure. Journal of Accounting and Economics, 32 (1-3), 97-180.) e discutidas criticamente por Dye (2001Dye, R. A. (2001). An evaluation of “essays on disclosure” and the disclosure literature in accounting. Journal of Accounting and Economics, 32(1), 181-235.) acerca da Teoria da Divulgação Contábil. A taxonomia, composta por três categorias a respeito da divulgação contábil (divulgação baseada em associação, em discricionariedade e em eficiência) revela a possibilidade de realização de pesquisas que comparem países, avaliando diferenças dos efeitos exógenos do disclosure, na forma como empresas exercem discricionariedade na divulgação de informações e/ou verificar sua relação com o desempenho das empresas.

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  • 2
    Avaliado pelo sistema: Double Blind Review
  • 1
    Artigo derivado da tese de doutorado: “Indicadores contábeis, ambiente informacional de mercados emergentes e retorno das ações” defendida por Renata Turola Takamatsu em 2015, na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo orientação do Prof. Dr. Luiz Paulo Lopes Fávero.
  • Apoio da Pró-Reitoria de Pesquisa da UFMG

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    28 Abr 2016
  • Aceito
    19 Abr 2017
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