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Novos modelos de negócio: além da abordagem dos acionistas

Resumo

Objetivo:

O primeiro objetivo deste artigo é explicar e comparar novos modelos de negócio que estão sendo aplicados com sucesso em todo o mundo atualmente. O segundo objetivo é realizar uma análise empírica para observar a percepção dos especialistas sobre esses modelos, as diferenças entre eles e sua orientação para a teoria tradicional de empresas ou para a abordagem das partes interessadas em alguns dos elementos característicos da estrutura organizacional das empresas.

Metodologia:

Em uma primeira etapa, realizamos uma análise da literatura que compara a teoria dominante de empresas (modelo neoclássico) com a teoria das partes interessadas. Em segundo lugar, apresentamos seis modelos de negócio adicionais e os comparamos com as abordagens neoclássica e das partes interessadas. Em uma segunda parte do artigo, usamos uma metodologia Delphi difusa para coletar informações qualitativas de um grupo de especialistas sobre esses seis modelos de negócio adicionais.

Resultados:

A abordagem das partes interessadas é uma ferramenta explicativa útil para abordar como as empresas podem gerar um impacto positivo mais amplo no nível social. A identificação das partes interessadas que interagem na empresa permite que os gestores levem em consideração suas necessidades específicas, que geralmente não se limitam à maximização do lucro.

Contribuições:

Modelos de negócio emergentes podem se beneficiar da abordagem das partes interessadas para integrar essas necessidades, devido a uma estrutura organizacional focada nos interesses das partes interessadas.

Palavras-chave:
Teoria das partes interessadas; Delphi difuso; modelos de negócio

Abstract

Purpose:

The first objective of this paper is to explain and compare new business models that are currently being successfully applied worldwide. The second objective is to carry out an empirical analysis to observe the perception of experts regarding these models, the differences between them, and their orientation toward the traditional theory of the firm or the stakeholder approach in some of the characteristic elements of the organizational structure of the firm.

Design/methodology/approach:

In a first step we conduct a literature review that compares the dominant theory of the firm (neoclassical model) with the stakeholder theory. Secondly, we present six additional business models and compare them with both the neoclassical and stakeholder approaches. In a second part of the paper we use a fuzzy Delphi methodology in order to collect qualitative information from a group of experts about those six additional business models.

Findings:

The stakeholder approach is a valuable explanatory tool to address how firms can generate a broader positive impact at the social level. Identifying the stakeholders that interact within the firm allows the firm’s managers to take into account their specific needs, which are usually not limited to profit maximization.

Originality/value:

Emerging business models can benefit from the stakeholder approach to integrate those needs due to an organizational structure focused on stakeholders’ interests.

Keywords:
Stakeholder theory; fuzzy Delphi; business models

1 Introdução

No atual contexto socioeconômico, o sistema econômico neoclássico possui um número cada vez maior de detratores conscientes de suas limitações (Garriga & Melé, 2004Garriga, E., & Melé, D. (2004). Corporate social responsibility theories: Mapping the territory. Journal of Business Ethics 53(1), 51-71.). A teoria dominante das empresas defende a maximização do valor dos acionistas como um elemento-chave para a tomada de decisão (Jensen & Meckling, 1976Jensen, M. C., & Meckling, W. H. (1976). Theory of the firm: Managerial behavior agency cost, and ownership structure. Journal of Financial Economics, 3, 305-360.). O comportamento de maximização endossado pelo paradigma econômico dominante não parece particularmente orientado para a construção de uma economia melhor e sustentável no longo prazo. De fato, muitos economistas apontam para o déficit ético nas estruturas econômicas (Naughton, 2015Naughton, M. (2015). Thinking Institutionally about Business: Seeing its Nature as a Community of Persons and its Purpose as the Common Good. In D. Melé & M. Schlag (eds). Humanism in Economics and Business. Perspectives of the Catholic Social Tradition, (pp. 179-199). New York: Springer.) ou para a necessidade de uma abordagem humanística à economia e aos negócios, especialmente após a crise financeira (Melé & Schlag, 2015). Ao contrário a teoria tradicional empresarial, a teoria das partes interessadas considera todas as partes interessadas de uma organização, promove um sistema de tomada de decisão que considera interesses diferentes e tenta maximizar o valor das partes interessadas (Freeman, 1984Freeman, R. E. (1984). Strategic management: A stakeholder approach. Boston: Pitman).

De fato, é possível aceitar que a abordagem das partes interessadas tenha substituído em grande medida o modelo focado na maximização do valor dos acionistas. De acordo com um estudo com 100 empresas listadas na Fortune 500, apenas 10 defenderam a ênfase na maximização do valor dos acionistas. Outras 22 defenderam um enfoque nos acionistas que seja “delimitado jurídica e eticamente”, enquanto 64 adotaram a abordagem de “maximizar o bem-estar de todas as partes interessadas” e duas visavam resolver “problemas sociais e obter lucro justo ao mesmo tempo” (Agle et al., 2008Agle, B. R., Donaldson, T., Freeman, E., Jensen, M. C., Mitchell, R. K., & Wood, D. J. (2008). Dialogue: Toward superior stakeholder theory. Business Ethics Quarterly 18(2), 162-166.). Atualmente, parece que a tendência a favor da teoria das partes interessadas continua. Essa percepção, entretanto, pode ser enganosa. Em 2007, a Academy of Management organizou um simpósio sobre o futuro da teorização das partes interessadas nos negócios, onde foi discutido se a teoria das partes interessadas havia gerado uma mudança real na gestão ou apenas facilitado o uso de uma nova terminologia (Agle et al., 2008). Atualmente, a situação não mudou substancialmente. Em quase todas as universidades do mundo, ainda é ensinado o modelo microeconômico clássico em que a maximização do lucro e a geração de valor para os acionistas são priorizados (Aguado, Alcaniz & Retolaza, 2015Aguado, R., Alcaniz, L., & Retolaza, J.L. (2015). A new role for the firm incorporating sustainability and human dignity. Conceptualization and measurement. Human Systems Management, 34(1), 43-56.). Entende-se que a teoria das partes interessadas foi aceita pelas corporações do ponto de vista instrumental, mas não foi usada na construção de um modelo alternativo para entender o funcionamento das empresas (uma nova teoria das empresas) (Donaldson & Preston, 1995Donaldson, T., & Preston, L. E. (1995). The stakeholder theory of the corporation: Concepts, evidence, and implications. The Academy of Management Review, 20(1), 65-91.). De fato, o acadêmico que desenvolveu a teoria das partes interessadas propôs em seus últimos trabalhos a necessidade de uma nova narrativa com base na teoria das partes interessadas, a fim de entender como as empresas devem ser administradas (Freeman & Ginena, 2015Freeman, R.E., & Ginena, K. (2015). Rethinking the purpose of the corporation: Challenges from stakeholder theory. Notizie di Politeia, 117, 9-18). Nessa nova narrativa, a busca por casos existentes com poder explicativo é um elemento-chave (San-Jose, Retolaza & Freeman, 2017San-Jose, L., Retolaza, J.L., & Freeman, E. (2017). Chapter 13: Stakeholder engagement at etxanobe: A case study of the new story of business. In J. Kujala, Sach, & E. Freeman (Eds.): Stakeholder Engagement: Clinical Research Cases. Springer.).

Com o intuito de identificar modelos de negócio úteis para implementar uma orientação voltada às partes interessadas, o primeiro objetivo deste trabalho é analisar as principais diferenças entre a abordagem dos acionistas e a teoria das partes interessadas e, em seguida, explicar e comparar novos modelos de negócio que se aproximam da teoria das partes interessadas, que estão sendo aplicados com sucesso no mundo inteiro atualmente. O segundo objetivo é realizar uma análise empírica para observar a percepção dos especialistas sobre esses modelos, as diferenças entre eles e sua orientação para essa nova narrativa. Com essa análise, nosso objetivo final é demonstrar que, de acordo com um painel de especialistas, os princípios da nova narrativa para empresas são compatíveis com diferentes modelos de negócio. Isso pode ser uma contribuição relevante para a teoria das partes interessadas e para os gestores que buscam uma maneira de implementar os princípios da teoria das partes interessadas em suas organizações.

Após a introdução, apresentaremos uma análise sistemática da atual abordagem dos acionistas e da teoria das partes interessadas. Nos dois casos, usaremos uma perspectiva microeconômica, pois é a que define os padrões de comportamento das empresas, pessoas e famílias. Consideraremos o objetivo da empresa, direitos de propriedade, vínculos contratuais, geração de valor, confiança e governança, concluindo que as duas abordagens diferem em relação a esses elementos. No capítulo 3, analisaremos os seis modelos de negócio mais relevantes que incorporam uma orientação voltada às partes interessadas como parte de sua própria finalidade, e não apenas como um comportamento instrumental voltado à maximização de valor dos acionistas: economia de comunhão, economia social, economia solidária, economia do bem comum, empresas B e economia azul. No quarto capítulo, observaremos, através de uma exploração empírica, se um grupo de especialistas compartilha um consenso sobre as principais características desses novos modelos de negócio ou não, e se esse consenso corrobora a análise feita no capítulo 3. Por fim, apresentaremos conclusões, reconheceremos as limitações deste estudo e proporemos linhas de pesquisa futuras.

2 A abordagem dos acionistas (shareholders) versus a teoria das partes interessadas (stakeholders)

Concepções modernas e pouco ortodoxas das empresas tentam enfatizar não somente a importância dos lucros, mas também sua responsabilidade social, considerando clientes, fornecedores, trabalhadores, órgãos públicos e o ambiente social (abordagem baseada nas partes interessadas) (Freeman & Ginena, 2015Freeman, R.E., & Ginena, K. (2015). Rethinking the purpose of the corporation: Challenges from stakeholder theory. Notizie di Politeia, 117, 9-18). Ao passo que o pensamento neoclássico tradicional propunha que a responsabilidade social das empresas é aumentar seus lucros (abordagem baseada nos acionistas) (Friedman, 1970Friedman, M. (1970). The social responsibility of business is to increase its profits. In R. Chadwick, & D. Schroeder, Applied ethics: critical concepts in philosophy. London: Routledge.).

Mesmo na economia convencional, no entanto, alguns autores afirmam que levar em consideração apenas os interesses dos acionistas (maximizar o lucro no curto prazo) pode minar o potencial produtivo de uma empresa, porque esse tipo de comportamento não oferece incentivos para que as partes interessadas assumam compromissos específicos com a empresa (Keay, 2007Keay, A. (2007). Tackling the issue of the corporate objective: An analysis of the United Kingdom’s enlightened shareholder value approach. Sydney L. Rev., 29, 577.). Nessa mesma linha, outros autores sugerem que o valor econômico de uma determinada empresa é criado pela cooperação das diferentes partes interessadas que convergem nessa empresa (Melé & Schlag, 2015Melé, D., & Schlag, M. (eds). (2015). Humanism in Economics and Business. Perspectives of the catholic Social Tradition. New York: Springer.). O principal objetivo de uma empresa deve, portanto, ser a geração de propostas de valor que sejam interessantes para todas as partes interessadas (Freeman & Ginena, 2015Freeman, R.E., & Ginena, K. (2015). Rethinking the purpose of the corporation: Challenges from stakeholder theory. Notizie di Politeia, 117, 9-18). Os lucros seriam, portanto, uma consequência do desenvolvimento de propostas de valor que sejam atraentes para as partes interessadas, e não o objetivo apriorístico de uma empresa (Aguado et al., 2015Aguado, R., Alcaniz, L., & Retolaza, J.L. (2015). A new role for the firm incorporating sustainability and human dignity. Conceptualization and measurement. Human Systems Management, 34(1), 43-56.).

Esse raciocínio foi repercutido por muitos teóricos da linha convencional, que agora aceitam a necessidade de considerar os principais interesses das partes interessadas e não apenas os interesses dos acionistas (Jensen, 2001Jensen, M. C. (2001). Value maximization, stakeholder theory, and the corporate objective function. Journal of applied corporate finance, 14(3), 8-21.). Como resultado, algumas empresas começaram a adotar uma abordagem tripla para medir o desempenho, que inclui indicadores pertencentes a três dimensões diferentes: lucro, pessoas e planeta (Elkington, 1998Elkington, J. (1998). Partnerships from cannibals with forks: The triple bottom line of 21st‐century business. Environmental Quality Management, 8(1), 37-51.).

Parece haver um consenso crescente sobre a necessidade de uma transformação do modelo social e econômico dominante, a fim de promover melhores níveis de justiça e igualdade. É difícil, contudo, encontrar propostas coerentes para implementar essa mudança. Acreditamos que é importante modificar as ideias básicas sobre o papel, a missão e os objetivos das empresas, por meio da articulação de uma teoria alternativa.

Entende-se que uma teoria de empresas desenvolve a estrutura conceitual que declara o que é uma empresa e qual papel ela deve ter na sociedade e na economia. Esse desenvolvimento teórico serve de base para os sistemas jurídicos e culturais que a rodeiam. Atualmente, as teorias dominantes das empresas concentram-se quase que exclusivamente no valor gerado para seus acionistas (Coase, 1937Coase, R. H. (1937). The nature of the firm. Economica, 4(16), 386-405.) e baseiam-se em quatro pilares: a teoria dos direitos de propriedade (Demsetz, 1967Demsetz, H. (1967). Toward a theory of property rights. The American economic review, 347-359.), a teoria do custo de transação (Coase, 1960), a teoria dos contratos (Barnett, 1986Barnett, R. E. (1986). A consent theory of contract. Columbia Law Review, 86(2), 269-321.) e a teoria da agência (Jensen & Meckling, 1976Jensen, M. C., & Meckling, W. H. (1976). Theory of the firm: Managerial behavior agency cost, and ownership structure. Journal of Financial Economics, 3, 305-360.) (vide a primeira coluna na Tabela 1).

A tabela a seguir (Tabela 1) apresenta uma comparação entre a teoria dominante das empresas (teoria dos acionistas) e a teoria das partes interessadas. Ao mesmo tempo, apresentamos o fundamento teórico da nova narrativa para empresas com base na teoria das partes interessadas.

Tabela 1
Análise comparativa entre teoria dos acionistas e teoria das partes interessadas

3 Modelos de negócio emergentes

As últimas décadas testemunharam o surgimento de modelos de negócio que diferem do sistema tradicional. Neste capítulo, focaremos em seis importantes modelos alternativos aos negócios capitalistas: a economia de comunhão, a economia social, a economia solidária, a economia do bem comum, empresas B e a economia azul. Esses seis modelos de negócio foram identificados por meio de uma análise bibliográfica, considerando os resultados dos últimos 10 anos do Web of Science (WoS) e todos os trabalhos sobre administração e economia que continham palavras-chave como “modelo”, “alternativa” e “partes interessadas”. Todos eles são alternativas sistêmicas estruturadas e foram endossados por experiências práticas. Descreveremos brevemente as principais características de cada modelo e, em seguida, analisaremos em que medida esses novos modelos estão mais próximos da teoria das partes interessadas.

3.1 A economia de comunhão

A economia de comunhão (EC) tem suas raízes no Movimento dos Focolares (que faz parte da Igreja Católica), criado por Chiara Lubich em Trento (Itália) durante a 2ª Guerra Mundial. Esse movimento organizou uma comunidade de compartilhamento, com base na fraternidade e unidade (Lubich, 2007). A EC nasceu quando o Movimento dos Focolares tentou combater as desigualdades estruturais da economia criando novos negócios ou transformando os existentes. Ao fazê-lo, a EC gerou empregos e recursos que ajudaram as pessoas a sair da pobreza sob o princípio da participação nos lucros (Gold, 2013Gold, L. (2013). Economy of communion. In L. Bruni, & S. Zamagni (Eds.), Handbook on the Economics of Reciprocity and Social Enterprise (pp. 112-120). Cheltenham (UK): Edward Elgar Publishing Limited.).

A ideia principal desse movimento consiste em criar empresas lucrativas que contribuam para diminuir as desigualdades de renda e beneficiar os pobres por meio da economia de mercado (Guitián, 2010Guitián, G. (2010). Integral subsidiarity and economy of communion: Two challenges from Caritas in Veritate. Journal of Markets & Morality, 13(2), 279-295.). Seus lucros, no entanto, não são entregues aos acionistas, mas alocados a três objetivos diferentes: um terço do lucro é investido na empresa para manter ou aprimorar seu nível de competitividade; outro terço do lucro é usado para ajudar as pessoas necessitadas, principalmente as da comunidade onde a empresa está localizada; e o terço restante é dedicado à disseminação da cultura da economia de comunhão, local e globalmente. Em vez de usar um padrão de maximização do lucro no curto prazo, essas empresas são administradas com uma visão de longo prazo, considerando todas as partes interessadas (Bruni & Zamagni, 2004Bruni, L., & Zamagni, S. (2004). The economy of communion: Inspirations and achievements. Finance & The Common Good/Bien Comun, 20, 91-97.; Lubich, 2007Lubich, Ch. (2007). Essential Writings: Spirituality, Dialogue, Culture. New York: New City Press.).

Essas organizações criam riqueza e a redistribuem. Isso cria uma mudança de paradigma, considerando que geralmente as empresas criam riqueza e o governo a redistribui. A gestão da empresa também difere da teoria clássica, no sentido de que elas tentam construir relacionamentos de longo prazo e mutuamente lucrativos com as partes interessadas. Além das pessoas pobres, às quais destinam um terço do lucro, elas consideram as diversas partes interessadas como parceiros que tornarão os negócios mais competitivos no longo prazo (Héjj, 2011Héjj, T. (2011). The economy of sharing. In L. Zsolnai, (Ed.), Spirituality and Ethics in Management (pp. 151-161). Netherlands: Springer.).

3.2 A economia social

Não há consenso quando se fala sobre as economias social e solidária e, muitas vezes, esses conceitos são usados sem distinção. Neste artigo, iremos distingui-los de acordo com seus objetivos iniciais e com a distribuição de propriedade.

A economia social nasceu graças ao impulso associativo do século XIX para combater as condições prejudiciais da revolução industrial e garantir ajuda entre os trabalhadores do setor industrial, a fim de obter melhores condições de trabalho (Monzón & Chaves, 2012Monzón, J.L., & Chaves, R. (2012). The social economy in the European Union. Brussels: European Economic and Social Committee.). As organizações que trabalham na economia social têm alguns fatores em comum. Em primeiro lugar, as pessoas que participam da empresa devem tomar decisões com liberdade. A tomada de decisão é democrática, o que significa que a propriedade da organização está nas mãos dos funcionários, e todo funcionário associado tem um voto independentemente do valor investido. A situação mais comum é todos os associados terem a mesma porcentagem do capital da empresa. Isso garante que as pessoas não acumulem lucro. Ao mesmo tempo, esse tipo de organização promove a solidariedade dentro do grupo e tenta atingir não apenas a sustentabilidade econômica para o futuro, mas também promover aspectos sociais e o desenvolvimento individual. Para atingir objetivos econômicos e sociais, essas organizações oferecem produtos ou serviços de qualidade. Assim, elas realizam uma atividade comercial, geralmente com orientação ao lucro (Rede Europeia de Fundações da Economia Social, 2000).

Essas são as principais características da economia social e, basicamente, cooperativas e empresas mútuas são os tipos de empresas que as possuem. A economia social, portanto, usa o mercado para atender às metas sociais e suas organizações são geralmente independentes do poder público (Lewis & Swinney, 2008Lewis, M., & Swinney, D. (2008). Social economy & solidarity economy: Transformative concepts for unprecedented times. In J. Allard, C. Davidson, & D. Matthaei (Eds.) Solidarity Economy: Building alternatives for People and Planet (pp. 28-41). Chicago (USA): ChangeMaker Publications.).

3.3 A economia solidária

As organizações da economia solidária nascem com o objetivo de atender às necessidades do público, promovendo a solidariedade interna e a solidariedade para com a comunidade. Essas organizações estão envolvidas no desenvolvimento local, na igualdade de oportunidades, na coesão social, na geração de empregos de qualidade, na conciliação do trabalho, vida familiar e sustentabilidade, realizando atividades relacionadas à saúde, educação, cultura, meio ambiente e habitação social. Em geral, são organizações focadas na exclusão social, que operam no chamado terceiro sistema, isto é, organizações voluntárias, associações e fundações (Retolaza, Mugarra & Enciso, 2005Retolaza, J. L., Mugarra, A., & Enciso, M. (2005). Solidarity-based enterprises: New comprising concept for the enterprise of the future. In R. Chaves, J.L. Monzón, Y. Stryjan, & R. Apear (Eds): The Future of Cooperatives in a Growing Europe, (pp. 277-304). España: CIRIEC.).

De acordo com seus princípios fundamentais, os lucros não são alocados com base em critérios de proporcionalidade em relação ao capital. Os proprietários e funcionários renunciam aos retornos do mercado ou salários, a fim de obter mais recursos para a organização e ajudar as pessoas e a sociedade a satisfazer suas necessidades. De fato, as organizações da economia solidária têm uma natureza ‘distributiva’, na qual as partes interessadas não se concentram apenas nas recompensas monetárias (Bacchiega & Borzaga, 2003Bacchiega, A., & Borzaga, C. (2003). The economics of the third sector: Towards a more comprehensive approach. In H. K. Anheier, & A. Ben-Ner (Eds.), The Study of The Nonprofit Enterprise, Theories and Approaches (pp. 27-48). Dordrecht: Kulwer.).

Em suma, a economia solidária luta por uma generalização da democracia, não apenas na esfera política, mas também na esfera econômica (Dacheux & Goujon, 2011Dacheux, E., & Goujon, D. (2011). The solidarity economy: An alternative development strategy? International Social Sciences Journal, 62(203-204), 205-215.).

3.4 A economia do bem comum (EBC)

Para facilitar a tomada de decisão pelas organizações visando o bem de todos, Felber (2015Felber, C. (2015). Change everything. Chicago: University of Chicago Press Economics Books.) propõe um desenvolvimento prático da economia do bem comum, identificando e classificando as empresas de acordo com sua contribuição para o bem-estar social. As empresas são avaliadas por meio da chamada matriz do bem comum, que considera cinco variáveis: dignidade humana, cooperação e solidariedade, sustentabilidade ambiental, justiça social, participação democrática e transparência. Essas variáveis são analisadas com relação a cinco grupos de interesse: fornecedores, investidores, funcionários (inclusive os proprietários das empresas), clientes e parceiros de negócio e a sociedade em geral. A matriz mede critérios positivos e negativos, ou seja, as organizações devem considerar também qualquer ação prejudicial ao bem comum, como violação de normas internacionais relacionadas ao trabalho, meio ambiente, preços de dumping etc. As empresas obterão uma pontuação superior a 1.000 pontos. As boas práticas adicionam pontos, enquanto as negativas os reduzem. Uma empresa baseada no modelo tradicional teria entre 0 e 100 pontos. O objetivo das empresas interessadas nesse movimento seria melhorar sua marca ao longo do tempo.

A economia do bem comum promove a transferência da propriedade da empresa para os funcionários e uma tomada de decisão democrática, considerando os funcionários e as partes interessadas locais em questões estratégicas fundamentais. Essas organizações podem reduzir o pagamento de dividendos para fortalecer a estrutura financeira da empresa e evitar pressionar as condições de trabalho dos funcionários e outras partes interessadas, como os fornecedores, a fim de aumentar o lucro e maximizar o retorno aos acionistas. Esse modelo também recomenda o desenvolvimento de processos de divulgação de relatórios para as partes interessadas internas e externas (Felber, 2015Felber, C. (2015). Change everything. Chicago: University of Chicago Press Economics Books.).

3.5 Empresas B

A empresa B (B-Corp) é um projeto lançado originalmente nos EUA que se espalhou pelo mundo. Atualmente, é legalmente reconhecido em muitos estados dos EUA e na Itália como uma nova forma corporativa (corporação de benefícios). A Empresa B é uma certificação comercial concedida por uma organização sem fins lucrativos chamada B-Lab (há mais de 1.700 Empresas B certificadas em todo o mundo). A B-Lab analisa se uma empresa atende a certos padrões de desempenho socioambiental, prestação de contas e transparência. Qualquer empresa que deseje se tornar uma Empresa B deve concluir uma avaliação, preparar um relatório e enviar qualquer documento de suporte necessário. Dependendo do grau de conformidade com os princípios da Empresa B, a empresa ganhará pontos. Ela precisa de 80 dos aproximadamente 200 pontos para obter a certificação. Qualquer empresa pode se submeter à avaliação e verificar quais são seus pontos fracos e fortes (Bcorp, 2014).

Um dos fatores característicos das Empresas B é que elas especificam em sua missão e em seu contrato social os objetivos que vão além da maximização do lucro, relacionados à Responsabilidade Social Corporativa (RSC). Elas protegem essa missão legalmente, ou seja, diretores e acionistas têm a proteção legal para tomar decisões considerando os interesses de todas as partes interessadas. As Empresas B poderão tomar decisões que favoreçam diferentes partes interessadas e não apenas os acionistas. É uma maneira de lutar contra a primazia dos acionistas e introduzir os interesses das partes interessadas nos deveres fiduciários dos diretores (Hiller, 2013Hiller, J. S. (2013). The benefit corporation and corporate social responsibility. Journal of Business Ethics, 118(2), 287-301.).

As Empresas B são empresas com fins lucrativos, com uma estrutura de governança corporativa usual, propriedade privada, financiamento privado e controle de mercado. As Empresas B, porém, reconhecem os pontos fracos dos negócios tradicionais e concordam em adicionar objetivos sociais e ambientais aos seus objetivos econômicos, por meio de estruturas organizacionais inovadoras e mecanismos de prestação de contas (André, 2012André, R. (2012). Assessing the accountability of the benefit corporation: Will this new gray sector organization enhance corporate social responsibility? Journal of Business Ethics, 110(1), 133-150.). Além disso, elas desenvolvem a transparência e a prestação de contas como aspectos-chave, implementados por meio da publicação de relatórios abertos ao público, preparados com base no tripé da sustentabilidade (social, ambiental e econômico). Dessa forma, as partes interessadas (investidores, clientes ou funcionários) podem identificar empresas com o compromisso de longo prazo de se tornar uma Empresa B (Hiller, 2013Hiller, J. S. (2013). The benefit corporation and corporate social responsibility. Journal of Business Ethics, 118(2), 287-301.).

3.6 A economia azul

O conceito de Economia Azul (EA) (ou a filosofia ZERI em ação) foi criado por Gunter Pauli em 2004, com base em sua primeira iniciativa ZERI (sigla em inglês para “Pesquisa e Iniciativas de Emissão Zero”), voltada à projeção de um novo modelo de negócio sem emissões ou desperdícios e apoiada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. A ideia principal da inciativa ZERI teve como base a noção e a natureza do ecossistema, que não produz resíduos ou emissões (Pauli, 2010).

O modelo busca alcançar a eficiência seguindo a lógica dos sistemas naturais, disponibilizando produtos e serviços inovadores para todos, resolvendo problemas sociais sem um impacto negativo no meio ambiente e permitindo que as empresas sejam competitivas no mercado. O objetivo das empresas que operam na economia azul é usar a inovação para produzir ou realizar suas atividades sem gerar resíduos. Isso não significa que as empresas devam somente usar menos produtos químicos ou recorrer a fontes renováveis de energia, mas sim mudar para um novo paradigma de produção. Nesse paradigma, as indústrias usariam os mesmos padrões físicos usados pela natureza, como a reutilização de subprodutos para evitar o desperdício (Pauli, 2015Pauli, G.A. (2015). The blue economy. Version 2.0. New Delhi: Academic Foundation.). Seguindo o padrão da economia azul, as empresas realizam suas atividades sem agredir o meio ambiente e de forma sustentável (Pauli, 2010).

A Tabela 2 mostra uma comparação entre os seis modelos alternativos apresentados anteriormente.

Tabela 2
Comparação dos seis modelos de negócio

4 Modelos alternativos de negócio: uma abordagem empírica

Neste capítulo, primeiramente descreveremos a metodologia usada para observar se um grupo de especialistas compartilha um consenso sobre as principais características dos novos modelos de negócio analisados no capítulo anterior (capítulo 3). Em segundo lugar, apresentaremos os resultados obtidos a partir da exploração empírica. Por fim, discutiremos esses resultados.

4.1 Metodologia

Para comparar as diferenças entre os modelos analisados no capítulo 3, utilizamos a metodologia Delphi como uma ferramenta comparativa, especificamente a análise Delphi difusa (Grisham, 2009Grisham, T. (2009). The Delphi technique: A method for testing complex and multifaceted topics. International Journal of Managing Projects in Business, 2(1), 112-130.). Esta ferramenta se beneficia de uma abordagem qualitativa complementada com elementos quantitativos. Ambas as abordagens do método Delphi difuso (qualitativa e quantitativa) foram usadas para analisar as opiniões de um grupo de especialistas e trazer essas opiniões para uma visão comum (nesse caso, um intervalo numérico próximo atrelado a cada resposta) compartilhada pelos referidos especialistas. Para se chegar a essa visão comum, os especialistas analisaram as avaliações numéricas dadas pelos outros especialistas sobre as perguntas fornecidas (vide Tabela 5). Enquanto a abordagem quantitativa está presente nas pontuações numéricas fornecidas pelo grupo de especialistas, a abordagem qualitativa é observada em outros aspectos: a seleção do painel de especialistas, a busca por um consenso como resultado final, a importância das opiniões dos especialistas e a necessidade de justificar a divergência dessas opiniões quando elas forem importantes (Förster & von der Gracht, 2014Förster, B., & von der Gracht, H. (2014). Assessing Delphi panel composition for strategic foresight: A comparison of panels based on company-internal and external participants. Technological Forecasting and Social Change, 84, 215-229.).

No nosso caso, esse processo de análise foi anônimo para limitar as influências externas e utilizou questionários para viabilizar a sistematização das respostas (Alvarez, Calvo & Mora, 2014Álvarez, I., Calvo, J. A., & Mora, A. (2014). Involving academics in the accounting standard setting process: An application of the Delphi methodology to the assessment of IASB proposals. Journal of Management & Governance, 18(3), 765-791.). Para garantir a validade dos resultados, os especialistas analisaram o processo em três rodadas consecutivas (Cyphert & Gant, 1971Cyphert, F. R., & Gant, W. L. (1971). The Delphi technique: A case study. Phi Delta Kappa, 52(5), 272-273.; Grisham, 2009Grisham, T. (2009). The Delphi technique: A method for testing complex and multifaceted topics. International Journal of Managing Projects in Business, 2(1), 112-130.). Os resultados foram analisados estatisticamente de forma agregada, usando métricas diferentes, como as medidas de tendência central (mediana, média), desvio (intervalo interquartil, desvio padrão) e distribuição de frequências (histogramas e polígonos de frequências). Em todos os casos em que o intervalo das respostas numéricas era muito amplo, os especialistas tiveram que explicar os motivos de suas avaliações divergentes (Förster & von der Gracht, 2014Förster, B., & von der Gracht, H. (2014). Assessing Delphi panel composition for strategic foresight: A comparison of panels based on company-internal and external participants. Technological Forecasting and Social Change, 84, 215-229.).

Em resumo, realizamos uma análise Delphi difusa para analisar se esses modelos de negócio atendem às principais características da teoria das partes interessadas (conforme indicado no capítulo 2). Os resultados têm como origem um questionário entregue a um grupo de especialistas participantes do 3º seminário permanente de pesquisa sobre teoria de empresas, realizado na Universidade de Deusto (Bilbao, Espanha) em maio de 2015. Esse grupo de especialistas era composto por acadêmicos, profissionais e formuladores de política de diferentes instituições europeias (universidades, empresas e órgãos públicos) (vide Tabela 3).

Tabela 3
Informações sobre os especialistas

As variáveis foram selecionadas com base no trabalho recente que Freeman e outros acadêmicos estão desenvolvendo em torno da criação de uma nova narrativa para empresas com base na teoria das partes interessadas (Freeman & Ginena, 2015; San-Jose et al., 2017San-Jose, L., Retolaza, J.L., & Freeman, E. (2017). Chapter 13: Stakeholder engagement at etxanobe: A case study of the new story of business. In J. Kujala, Sach, & E. Freeman (Eds.): Stakeholder Engagement: Clinical Research Cases. Springer.). Essas variáveis foram estudadas na Tabela 1.

A primeira variável analisada através do questionário foi a dispersão da propriedade da organização entre as diferentes partes interessadas. A segunda variável foi o nível de participação dessas partes interessadas na governança da empresa. O terceiro ponto estudado foi como essas partes interessadas participam da empresa, seja de forma contratual ou colaborativa. Em quarto lugar, o questionário perguntou sobre o grau de confiança entre as diferentes partes interessadas. A quinta variável foi a amplitude da distribuição de lucros; nos casos em que os lucros não são distribuídos, os participantes determinaram como os diferentes modelos distribuem o valor adicionado. O ponto 6 estudou a centralidade da pessoa na organização, ou seja, se a pessoa é considerada um instrumento ou um fim. Em sétimo lugar, perguntamos sobre as ações ambientais da organização. A oitava variável foi o tipo de valor gerado pela empresa (valor econômico ou social) e, finalmente, a última variável foi o número dos principais grupos de interesse da organização (número pequeno ou grande). O Apêndice A Apêndice A - Questionário mostra o questionário respondido pelo painel de especialistas.

Todas as perguntas foram respondidas com pontuações de 1 a 10. As perguntas 1, 2, 4, 5 e 7 receberam pontuação 1 quando a dispersão da propriedade da organização, a amplitude da distribuição de lucros, o grau de confiança entre as partes interessadas e a preocupação ambiental foram os mais baixos e 10 quando foram os mais altos. As perguntas 3, 6 e 8 receberam pontuação 1 quando havia uma forma contratual de participação, a pessoa era meramente instrumental e o valor gerado era principalmente o econômico, e 10 quando a organização era colaborativa, a pessoa era um fim e o valor gerado foi principalmente o social.

Essas variáveis podem ser consideradas como substitutas na medição das seis categorias usadas para comparar os diferentes modelos de negócio analisados no capítulo 3. A Tabela 4 mostra como essas variáveis estão vinculadas às categorias usadas no capítulo 3.

Tabela 4
Categorias e variáveis

Como afirmado anteriormente, o estudo foi realizado seguindo a metodologia Delphi difusa em três rodadas consecutivas. Na primeira rodada, os participantes tiveram que fornecer as respostas com base em sua experiência. Na segunda rodada, os resultados médios de todas as respostas dos participantes foram compartilhados entre eles, para que pudessem refletir sobre as diferenças entre as respostas anteriores e os valores médios. Eles puderam dar novas pontuações ou manter as anteriores. Esse processo foi repetido em uma terceira rodada.

4.2 Resultados

A Tabela 5 mostra as pontuações mínimas, medianas e máximas dadas pelos especialistas para cada variável analisada no item 4.1 e para cada modelo de negócio alternativo. Esses são os resultados obtidos pelo questionário após a terceira rodada. O teste empírico nos permite tirar duas conclusões. Primeiramente, os diferentes modelos de negócio analisados concentram-se em um número limitado de partes interessadas, mas nenhum dos modelos parece estar centrado em todas as partes interessadas. Assim, a amostra não corrobora o potencial da teoria das partes interessadas como uma teoria totalmente explicativa. No entanto, três formas de organização da atividade econômica em nível de empresa alcançaram altas pontuações na maioria das variáveis (vide Tabela 5), o que significa uma forte identificação com a abordagem das partes interessadas: economia solidária, economia social e economia de comunhão.

Tabela 5
Resultados da análise Delphi difusa

Nos parágrafos seguintes, apresentaremos os resultados de acordo com as ligações entre as variáveis e as categorias expressas na Tabela 4. Dessa forma, a comparação entre a parte teórica desenvolvida nos capítulos 2 e 3 (Tabelas 1 e 2) e a empírica (capítulo 4, Tabela 5) fica mais fácil. Em relação ao objetivo da empresa, ou seja, a riqueza total gerada além dos resultados financeiros, os quatro primeiros modelos de negócio atingiram pontuações mais altas (Tabela 5). Os especialistas entendem que esses modelos de negócio têm uma distribuição mais ampla dos lucros ou do valor adicionado. De acordo com os direitos de propriedade, no segundo capítulo, estudamos que, enquanto a teoria dos acionistas limitava os direitos de propriedade aos recursos de capital, a teoria das partes interessadas considerava os direitos do restante dos recursos da empresa. Os resultados mostram que o número da variável dos principais grupos de interesse tem pontuação bastante baixa e, consequentemente, a dispersão da propriedade também tem pontuação baixa.

Quanto aos vínculos contratuais, a teoria dos acionistas tem como base uma lógica da lei, enquanto a teoria dos acionistas segue uma lógica de troca. Os especialistas atribuíram pontuações mais altas à economia social (8), à economia solidária (7) e à EC (6), concluindo que esses modelos de negócio têm um modo de participação mais colaborativo. Em relação à geração de valor (econômico ou social), de acordo com o tipo de valor, a EC (8), as economias social e solidária e a EBC (7) obtiveram os maiores valores.

No capítulo 2, explicamos a confiança nas empresas, comparando as teorias da agência e da administração. As variáveis ‘grau de confiança’ e ‘centralidade da pessoa’ (instrumental vs. pessoa como um fim) apresentam pontuações altas nos quatro primeiros modelos de negócio, enquanto a preocupação com o meio ambiente obtém o maior valor para a economia azul (9). Por fim, em relação à governança, uma abordagem das partes interessadas deve promover o entendimento da governança com a participação de várias partes interessadas de que não apenas o capital financeiro gera valor. Nesse caso, a economia solidária (8) e a economia social (7) obtêm os melhores resultados.

4.3 Discussão

Em nossa análise empírica (capítulo 4), tentamos avaliar se os seis modelos de negócio que identificamos na análise bibliográfica poderiam ser veículos bem-sucedidos para fazer a mudança paradigmática do modelo de acionistas para a teoria das partes interessadas. Assim, nas linhas a seguir discutiremos essa possibilidade.

A variável para a qual os seis modelos de negócio analisados receberam as pontuações mais altas foi a centralidade da pessoa, que é um elemento-chave para esses tipos de empresas e uma questão primordial na organização da atividade econômica proposta pela teoria das partes interessadas (vide o Capítulo 2). Em geral, de acordo com os especialistas, todos os modelos de negócio considerados possuem certa dispersão de propriedade e uma ampla participação na governança, preocupam-se com o meio ambiente, geram valor social e estão envolvidos com mais de um grupo de interesse (vide Tabela 5). Essas características os colocam próximos à abordagem das partes interessadas. Isso significa que eles não estão abertos apenas aos acionistas, mas também a outros grupos de interesse em termos de propriedade, participação na governança e geração de valor para a sociedade em geral. Embora não exista um alinhamento perfeito entre esses modelos e a teoria das partes interessadas, o grupo de especialistas reconhece que, em diferentes graus, os modelos compartilham alguns dos principais elementos da teoria das partes interessadas (vide Tabela 5).

Em relação aos lucros, a maioria dos modelos de negócio apoia as propostas para empresas que buscam o lucro econômico. O lucro é consistente com a abordagem das partes interessadas, mas a maximização do lucro no curto prazo centrada apenas nos acionistas não é. Segundo o grupo de especialistas, os modelos de negócio emergentes considerados na análise são consistentes com a introdução de princípios éticos, ambientais e sociais na estrutura organizacional das empresas.

Além disso, e de acordo com o grupo de especialistas, três deles têm uma pontuação mais alta em termos de identificação com a abordagem das partes interessadas: a economia solidária, a economia social e a economia de comunhão.

5 Conclusões

O paradigma dominante referente à gestão de negócios, baseado no interesse dos acionistas, possui limitações. Essas limitações estão criando uma lacuna entre os interesses das empresas e o bem-estar social. Para superar essas limitações, uma mudança de paradigma se torna essencial, uma mudança de um sistema baseado na maximização do lucro dos acionistas para um sistema em que o valor é amplamente distribuído entre as partes interessadas. De acordo com o primeiro objetivo deste artigo, comparamos as principais características da abordagem dos acionistas e da teoria das partes interessadas, e identificamos e explicamos seis modelos de negócio que podem superar algumas das limitações do modelo de acionistas.

Em relação ao segundo objetivo do artigo, analisamos as respostas fornecidas pelo painel de especialistas por meio de um processo Delphi difuso, identificando três modelos de negócio que superam as limitações do modelo de acionistas e estão alinhados, em grande parte, à teoria das partes interessadas. Empresas e gestores interessados em alinhar os objetivos das empresas aos interesses de todas as partes interessadas podem encontrar nesses três modelos de negócio (economia solidária, economia social e economia de comunhão) características úteis para fechar a lacuna entre os interesses sociais e empresariais. Além disso, a identificação dessa convergência entre esses três modelos e a teoria das partes interessadas permite a busca por casos de referência para ilustrar a possibilidade da nova narrativa para empresas com base na teoria das partes interessadas. Ao mesmo tempo, permite que os gestores examinem como essas empresas atingem essa convergência, o que possibilita um aprendizado prático. A descoberta de modelos de negócio que respondam aos principais princípios da teoria das partes interessadas sob sua perspectiva não instrumental pode possibilitar uma comparação entre a teoria e a realidade e facilitar novas comparações empíricas no domínio da teoria das partes interessadas. Hipóteses teóricas e empíricas que afirmam que as empresas orientadas para as partes interessadas são capazes de distribuir mais valor entre elas podem agora ser analisadas empiricamente. Ao mesmo tempo, pode ser possível comparar correlações que vinculam empresas orientadas às partes interessadas com diferentes variáveis econômicas e financeiras.

Duas linhas de pesquisa podem ser exploradas a partir deste trabalho. Por um lado, poderia ser útil comparar as percepções do grupo de especialistas com uma análise das empresas existentes pertencentes aos seis modelos de negócio. Essa comparação poderá ajudar na validação dos resultados fornecidos pelo grupo de especialistas e, ao mesmo tempo, coletar dados reais que possam apoiar (ou rejeitar) as conclusões oferecidas neste artigo. Por outro lado, o painel de especialistas apresenta uma limitação geográfica: todos os seus membros estão no continente europeu. Um painel de especialistas mais internacional poderia ter expressado opiniões diferentes. Portanto, um estudo das diferenças entre os modelos de negócio de acordo com características políticas, sociais e geográficas poderá ser útil para explorar possíveis fatores condicionantes para o desenvolvimento de modelos de negócio emergentes que possam ser específicos para cada país.

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  • Avaliado pelo sistema:

    Double Blind Review

Apêndice A - Questionário


Editado por

Editor responsável:

Prof. Dr. João Mauricio Gama Boaventura

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2020

Histórico

  • Recebido
    09 Abr 2018
  • Aceito
    03 Jul 2019
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