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A influência da capacidade cognitiva nos vieses cognitivos gerados pela heurística da representatividade

Resumo

Objetivo:

Este estudo tem como objetivo investigar a influência da capacidade cognitiva nos vieses cognitivos gerados pela heurística da representatividade.

Metodologia:

A coleta de dados foi realizada por meio de questionários visando medir a capacidade cognitiva de 1.064 estudantes e profissionais de contabilidade brasileiros utilizando o teste de reflexão cognitiva. Para realizar a análise, utilizamos o teste t de Student, análise de variância, correlações e regressões.

Resultados:

Nossos resultados iniciais indicam que a capacidade cognitiva apenas influencia a incidência dos vieses da insensibilidade à taxa básica e da ilusão de validade, indicando que quanto maior for a capacidade cognitiva, menor é a incidência desses vieses na tomada de decisão. Testes de robustez, no entanto, expandem essa influência aos vieses dos equívocos de chance e da falácia da regressão. Além disso, mostramos que há uma diferença de meios entre gênero, nível de escolaridade e região geográfica e os vieses da heurística da representatividade.

Contribuições:

Este trabalho contribui para a literatura sobre contabilidade comportamental, considerando que, embora existam pesquisas sobre o tema, ainda não foi realizado nenhum estudo na área da contabilidade que envolva todos os vieses cognitivos de uma heurística em um único estudo.

Palavras-chave:
Vieses cognitivos; contabilidade comportamental; teste de reflexão cognitiva

Abstract

Purpose:

This study aims to investigate the influence of cognitive ability on cognitive biases generated by the representativeness heuristic.

Design/methodology/approach:

The data collection was performed through questionnaires in order to measure the cognitive ability of 1,064 Brazilian accounting students and professionals using the Cognitive Reflection Test. To perform the analysis, we used the Student’s t-test, analysis of variance, correlations, and regressions.

Findings:

Our initial findings indicate that cognitive ability only influences the incidence of base rate insensitivity and illusion of validity biases, indicating that the higher the cognitive ability, the lower the incidence of these biases in decision making. However, robustness tests expand this influence to misconceptions of chance and regression fallacy biases. Furthermore, we show that there is a difference of means between gender, level of education, and geographic region and the representativeness heuristic biases.

Originality/value:

This paper contributes to the literature on behavioral accounting considering that although investigations into this subject do exist, no study has been performed in the accounting area that involves all the cognitive biases of one heuristic in a single study.

Keywords:
cognitive biases; behavioral accounting; Cognitive Reflection Test

1 Introdução

Os seres humanos fazem julgamentos e tomam decisões continuamente. Nesse processo, é comum que o cérebro utilize atalhos para reduzir o esforço cognitivo. Lilienfeld, Lynn, Ruscio e Beyerstein (2010Lilienfeld, S. O., Lynn, S. J., Ruscio, J., & Beyerstein, B. L. (2010). 50 Great myths of popular psychology: Shattering widespread misconceptions about human behavior. Hong Kong: Wiley-Blackwell.) consideraram a hipótese de que se uma pessoa caminha por uma rua e vê um homem mascarado sair correndo de um banco com uma arma, ela provavelmente tentará sair do caminho o mais rápido possível. Essa pessoa perceberá no homem características similares àquelas de um ladrão de bancos, normalmente retratado na televisão e/ou em filmes.

Nessa situação, um atalho mental é utilizado para tomar a decisão mais sensata possível. Isso, entretanto, nem sempre levará às melhores escolhas. Nosso cérebro, às vezes, comete erros sem que percebamos. Para julgar corretamente e tomar as decisões corretas, é necessário compreender os lapsos que cometemos, para que não sejamos vítimas deles. Isso ajuda os indivíduos a agir de forma mais consciente, aumentando a probabilidade de se alcançar os objetivos pretendidos.

Considerando que o comportamento humano é influenciado por vários aspectos psicológicos, que podem distorcer o processo racional da tomada de decisão (Kimura, 2003Kimura, H. (2003). Aspectos comportamentais associados às reações do mercado de capitais. RAE-eletrônica, 2(1), 1-14.), Birnberg, Luft e Shields (2007Birnberg, J. G., Luft, J., & Shields, M. D. (2007). Psychology theory in management accounting research. In C. Chapman, A. G. Hopwood, & M. D. Shields (Eds.), Handbooks of Management Accounting Research, (Vol. 1, pp. 113-135). Amsterdam, Netherlands: Elsevier Science.) afirmam que há uma forte relação entre a contabilidade e o comportamento humano, já que aspectos psicológicos têm impacto na contabilidade.

A contabilidade tem como objetivo fornecer informações para vários usuários internos e externos. Essas informações podem influenciar as ações ou os comportamentos diretamente por meio do conteúdo informacional da mensagem transmitida, ou indiretamente por meio do comportamento, mesmo quando a informação é gerada e transmitida. Um dos desafios é compreender se os vieses cognitivos afetam o processo de julgamento dos profissionais responsáveis pela preparação das informações contábeis.

Birnberg (2011Birnberg, J. G. (2011). A proposed framework for behavioral accounting research. Behavioral Research in Accounting, 23(1), 1-43.) afirma que os estudos sobre a contabilidade comportamental são mais ricos por causa dos temas abrangidos, dos métodos utilizados e da variedade de subáreas na contabilidade nas quais são realizados. Ao aumento desses estudos seguiu-se um aumento similar de estudos comportamentais em outras áreas, que também beneficiaram os primeiros. A evidência empírica que questiona a ideia da existência de um indivíduo racional (Hogarth, 1975Hogarth, R. M. (1975). Cognitive processes and the assessment of subjective probability distributions. Journal of the American Statistical Association, 70(350), 271-289.; Mussweiler & Englich, 2005Mussweiler, T., & Englich, B. (2005). Subliminal anchoring: Judgmental consequences and underlying mechanism. Organizational Behavior and Human Decision Processes, 98(2), 133-143.; Tversky & Kahneman, 1974Tversky, A., & Kahneman, D. (1974). Judgment under uncertainty: Heuristics and biases. Science, 185(4157), 1124-1131.; Veeraraghavan, 2010Veeraraghavan, K. (2010). Role of behavioral finance: A study. International Journal of Enterprise and Innovation Management Studies, 1(3), 109-112.) estimula novos estudos na área comportamental. Esses estudos comprovam que uma heurística, que reduz tarefas complexas de tomada de decisão, também pode levar a graves erros de julgamento.

Alguns estudos investigaram a relação entre os vieses e a capacidade cognitiva dos indivíduos (Frederick, 2005Frederick, S. (2005). Cognitive reflection and decision making. Journal of Economic Perspectives, 19(4), 25-42.; Hoppe & Kusterer, 2011Hoppe, E. I., & Kusterer, D. J. (2011). Behavioral biases and cognitive reflection. Economics Letters, 110(2), 97-100.; Oechssler, Roider & Schmitz, 2009Oechssler, J., Roider, A., & Schmitz, P. W. (2009). Cognitive abilities and behavioral biases. Journal of Economic Behavior & Organization, 72(1), 147-152.), que é um mecanismo cerebral utilizado para realizar qualquer atividade, seja simples ou complexa. Pesquisadores (Frederick, 2005; Kahneman & Frederick, 2002Kahneman, D., & Frederick, S. (2002). Representativeness revisited: Attribute substitution in intuitive judgment. Heuristics and biases: The psychology of intuitive judgment. 49-81. http://dx.doi.org/10.1017/CBO9780511808098.004
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) destacam que a teoria da tomada de decisão divide o processo cognitivo em dois tipos: aqueles que são executados rapidamente e de forma não muito consciente (tipo 1) e aqueles que são mais reflexivos (tipo 2).

Considerando que os indivíduos são propensos a vários vieses motivados pela heurística no processo de tomada de decisão (Ramiah, Zhao & Moosa, 2014Ramiah, V., Zhao, Y., Moosa, I., & Graham, M. (2014). A behavioral finance approach to working capital management. The European Journal of Finance, 22(8-9), 1-26.), os vieses cognitivos da heurística da representatividade, como insensibilidade à taxa básica, são bem conhecidos em teoria. Até recentemente, no entanto, houve apenas uma pesquisa limitada sobre como lidar com esses vieses na tomada de decisão gerencial (Ohlert & Weissenberger, 2015Ohlert, C. R., & Weissenberger, B. E. (2015). Beating the base-rate fallacy: An experimental approach on the effectiveness of different information presentation formats. Journal of Management Control, 26(1), 51-80.).

Nosso estudo, portanto, tem como objetivo investigar a influência da capacidade cognitiva nos vieses cognitivos gerados pela heurística da representatividade, assim contribuindo para reflexões sobre a importância de compreender os vieses que resultam desta heurística.

Os vieses da decisão devem ser estudados em detalhe por várias razões. Entre essas razões estão: o interesse que o assunto em si gera; a emergência de implicações práticas; e a possibilidade de esclarecer os processos psicológicos que são subjacentes à percepção e ao julgamento, já que ao conhecer os vieses os contabilistas podem minimizar suas falhas cognitivas, preparando informações para os interessados ou utilizando as informações para a tomada de decisão.

Nosso estudo revela que há uma relação inversa entre a capacidade cognitiva e os vieses da insensibilidade à taxa básica e da ilusão de validade, indicando que quanto maior é a capacidade cognitiva, menor é a incidência desses vieses na tomada de decisão. Em relação às percepções dos participantes sobre o fato de fazerem julgamentos e tomarem decisões com base na intuição ou na razão, nota-se que os indivíduos com pontuação alta no teste de reflexão cognitiva consideraram que seu julgamento e sua tomada de decisão são mais baseados na razão do que aqueles com pontuações menores, que demonstraram fazer maior uso da intuição. Além disso, os testes de robustez expandem esta influência negativa aos equívocos de chance e vieses da falácia da regressão.

Também mostramos que há uma diferença de meios entre gêneros nos vieses da insensibilidade à taxa básica, insensibilidade ao tamanho da amostra, ilusão de validade, equívoco de chance e falácia da regressão. Quanto ao nível de escolaridade, os vieses afetados por essa variável foram a insensibilidade à taxa básica e a insensibilidade ao tamanho da amostra, confirmando a ideia de que o nível de escolaridade afeta o comportamento dos indivíduos no processo de tomada de decisão (Bellouma & Belaid, 2016Bellouma, M., & Belaid, F. (2016). Decision-making of working capital managers: A behavioral approach. Journal of Business Studies Quarterly, 7(4), 31-43.; Khan, Naz, Qureshi & Ghafoor, 2017Khan, H. H., Naz, I., Qureshi, F., & Ghafoor, A. (2017). Heuristics and stock buying decision: Evidence from Malaysian and Pakistani stock markets. Borsa Istanbul Review, 17(2), 97-110.).

Finalmente, mostramos que os participantes que residem nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul são menos sensíveis aos vieses da insensibilidade à taxa básica e da ilusão de validade do que aqueles que residem nas regiões Nordeste e Norte, o que pode ser explicado por fatores culturais (Chen, Kim, Nofsinger & Rui, 2007Chen, G., Kim, K. A., Nofsinger, J. R., & Rui, O. (2007). Trading performance, disposition effect, overconfidence, representativeness bias, and experience of emerging market investors. Journal of Behavioral Decision Making, 20(4), 425-451.).

Em resumo, nossos resultados mostram que os vieses cognitivos que resultam da heurística da representatividade influenciam o processo de tomada de decisão. Sendo assim, eles devem ser acrescentados ao modelo descritivo, que captura o comportamento humano real, melhorando o poder explanatório dos modelos econômicos, levando em consideração o comportamento de agentes econômicos não especializados e daqueles especialistas que às vezes falham não tomando decisões ótimas quando confrontados com problemas complexos.

De acordo com Thaler (2016Thaler, R. H. (2016). Behavioral economics: Past, present, and future. American Economic Review, 106(7), 1577-1600.), há dois tipos de modelos de tomada de decisão: normativo, que caracteriza soluções ótimas para problemas específicos; e descritivo, que busca capturar como os seres humanos se comportam. Assim, os modelos descritivos, que supostamente lidam com fatores irrelevantes, podem ajudar a melhorar o poder explanatório dos modelos econômicos. Nesse sentido, nosso estudo contribui para a literatura, já que busca entender e reforçar a possível influência da capacidade cognitiva nos vieses cognitivos e nos julgamentos e decisões das pessoas. Além disso, nosso estudo muda o foco da discussão sobre os princípios teóricos do melhor modelo de tomada de decisão econômica para esclarecer o impacto da capacidade cognitiva nos vieses e como eles afetam o julgamento e a tomada de decisão. Nesse sentido, este trabalho contribui para a literatura sobre contabilidade comportamental uma vez que, apesar da existência de investigações sobre os vieses cognitivos em várias áreas (Bellouma & Belaid, 2016Bellouma, M., & Belaid, F. (2016). Decision-making of working capital managers: A behavioral approach. Journal of Business Studies Quarterly, 7(4), 31-43.; Dohmen, Falk, Huffman & Sunde, 2010Dohmen, T., Falk, A., Huffman, D., & Sunde, U. (2010). Are risk aversion and impatience related to cognitive ability? American Economic Review, 100(3), 1238-1260.; Hoppe & Kusterer, 2011Hoppe, E. I., & Kusterer, D. J. (2011). Behavioral biases and cognitive reflection. Economics Letters, 110(2), 97-100.; Liberali, Reyna, Furlan, Stein & Pardo, 2011Liberali, J. M., Reyna, V. F., Furlan, S., Stein, L. M., & Pardo, S. T. (2011). Individual differences in numeracy and cognitive reflection, with implications for biases and fallacies in probability judgment. Journal of Behavioral Decision Making, 25(4), 361-381.; Oechssler et al., 2009Oechssler, J., Roider, A., & Schmitz, P. W. (2009). Cognitive abilities and behavioral biases. Journal of Economic Behavior & Organization, 72(1), 147-152.; Ohlert & Weissenberger, 2015Ohlert, C. R., & Weissenberger, B. E. (2015). Beating the base-rate fallacy: An experimental approach on the effectiveness of different information presentation formats. Journal of Management Control, 26(1), 51-80.; Ramiah et al., 2014Ramiah, V., Zhao, Y., Moosa, I., & Graham, M. (2014). A behavioral finance approach to working capital management. The European Journal of Finance, 22(8-9), 1-26.; Toplak, West & Stanovich, 2011Toplak, M. E., West, R. F., Stanovich, K. E. (2011). The cognitive reflection test as predictor of performance on heuristics-and-biases tasks. Memory & Cognition, 39(7), 1275-1279.), no melhor do nosso conhecimento, nenhum estudo anterior analisa a relação entre a capacidade cognitiva e todos os vieses cognitivos da heurística da representatividade em um único estudo, e com uma amostra tão ampla (de 1.064 participantes, considerando que o tamanho da amostra desses estudos anteriores variam de 13 a 449 participantes).

Com base nessa visão, destacamos que nosso estudo difere daqueles de Hoppe e Kusterer (2015) e Ohlert e Weissenberger (2015Ohlert, C. R., & Weissenberger, B. E. (2015). Beating the base-rate fallacy: An experimental approach on the effectiveness of different information presentation formats. Journal of Management Control, 26(1), 51-80.), pois eles apenas examinam o viés da insensibilidade à taxa básica e não exploram os outros vieses que resultam da heurística da representatividade (insensibilidade ao tamanho da amostra, equívocos de chance, ilusão de validade e insensibilidade à previsibilidade).

Além disso, ele difere de pesquisa anterior que analisa diferentes vieses ou falácias cognitivas, como os vieses do conservadorismo (Oechssler et al., 2009Oechssler, J., Roider, A., & Schmitz, P. W. (2009). Cognitive abilities and behavioral biases. Journal of Economic Behavior & Organization, 72(1), 147-152.), da aversão ao risco (Dohmen et al., 2010Dohmen, T., Falk, A., Huffman, D., & Sunde, U. (2010). Are risk aversion and impatience related to cognitive ability? American Economic Review, 100(3), 1238-1260.), da aversão à perda, do alto nível de confiança, da ancoragem e do proveito próprio (Bellouma & Belaid, 2016Bellouma, M., & Belaid, F. (2016). Decision-making of working capital managers: A behavioral approach. Journal of Business Studies Quarterly, 7(4), 31-43.), e as falácias da conjunção e disjunção em julgamentos de probabilidade (Liberali et al., 2011Liberali, J. M., Reyna, V. F., Furlan, S., Stein, L. M., & Pardo, S. T. (2011). Individual differences in numeracy and cognitive reflection, with implications for biases and fallacies in probability judgment. Journal of Behavioral Decision Making, 25(4), 361-381.).

Uma abordagem similar à nossa foi adotada por Toplak et al. (2011Toplak, M. E., West, R. F., Stanovich, K. E. (2011). The cognitive reflection test as predictor of performance on heuristics-and-biases tasks. Memory & Cognition, 39(7), 1275-1279.). Eles analisam, porém, um índice de 15 vieses cognitivos diferentes (incluindo apenas poucos vieses da heurística da representatividade, como a insensibilidade ao tamanho da amostra e a falácia da regressão), e não exploram todos os vieses cognitivos que resultam da heurística da representatividade nem o efeito individual do teste de reflexão cognitiva em cada viés cognitivo.

Consideramos que a análise individual da relação que o teste de reflexão cognitiva tem com cada viés é relevante, uma vez que nossos resultados mostram que, embora a capacidade cognitiva influencie significativamente a incidência dos vieses da insensibilidade à taxa básica, da ilusão da validade, de equívocos de chance e da falácia da regressão, ela não influencia significativamente os vieses da insensibilidade ao tamanho da amostra e da insensibilidade à previsibilidade.

Além da contribuição dada pela análise da relação entre a capacidade cognitiva e todos os vieses resultantes da heurística da representatividade, esta pesquisa contribui para a prática comercial, mostrando que os indivíduos que estão (ou estarão) diretamente envolvidos em um processo de tomada de decisão são suscetíveis a vieses cognitivos gerados pela heurística da representatividade, que pode afetar negativamente as empresas se esses indivíduos não levarem em consideração premissas racionais no processo de tomada de decisão.

Considerando que conhecer os vieses da heurística da representatividade permite aos tomadores de decisão mitigar suas incidências, nosso estudo contribui para a literatura destacando que erros como a tendência dos indivíduos de (i) julgar erroneamente a probabilidade de uma situação, negligenciar a taxa básica quando se deparam com informação descritiva, mesmo se relevante (insensibilidade à taxa básica); (ii) assumir que os resultados futuros serão diretamente previsíveis a partir dos resultados passados, presumindo uma perfeita correlação entre eles (falácia da regressão); (iii) superestimar sua habilidade de interpretar e prever um resultado com precisão quando analisam um conjunto de dados que mostram um padrão consistente com suas crenças (ilusão da validade); e (iv) acreditar que uma sequência de eventos gerados por um processo aleatório representa suas características essenciais (equívoco da chance). Esses vieses podem ser mitigados por meio do aumento da capacidade cognitiva, como por meio do treinamento estatístico que nos permite identificar e, assim, demandar justificativa lógica com base em um processo cognitivo mais reflexivo (tipo 2).

Finalmente, considerando que a heurística é um processo de simplificação do processo de tomada de decisão, é importante expandir as discussões sobre ela, uma vez que, com base na quantidade de informações que os indivíduos processam diariamente na prática, é comum utilizar a heurística na tomada de decisão. Através de seu uso, os indivíduos podem se envolver em vieses comportamentais, reduzindo a probabilidade de decisões racionais devido à maior propensão às decisões intuitivas, exigindo mais cuidado no processo de tomada de decisão.

O restante deste trabalho é estruturado como se segue: a seção 2 faz uma revisão da literatura anterior sobre o teste de reflexão cognitiva e sobre os vieses da heurística da representatividade; a seção 3 introduz os procedimentos metodológicos; a seção 4 apresenta e discute os resultados; a seção 6 apresenta as implicações teóricas e práticas dos resultados, incluindo oportunidades para pesquisas futuras.

2 Revisão da literatura

2.1 Teste de reflexão cognitiva (TRC)

Frederick (2005Frederick, S. (2005). Cognitive reflection and decision making. Journal of Economic Perspectives, 19(4), 25-42.) definiu a reflexão cognitiva como a capacidade ou a vontade de resistir a dar a resposta que primeiro vem à mente. Seu TRC serve precisamente para mensurar essa disposição mental. Oechssler et al. (2009Oechssler, J., Roider, A., & Schmitz, P. W. (2009). Cognitive abilities and behavioral biases. Journal of Economic Behavior & Organization, 72(1), 147-152.) consideram que o TRC é um teste rápido e simples, que pode ser comparado a testes de inteligência mais complexos com relação aos resultados.

O TRC diferencia os tomadores de decisão mais impulsivos (tipo 1) dos mais reflexivos (tipo 2). Para fazê-lo, cada um dos três problemas do TRC tem uma resposta intuitiva, porém incorreta, que rapidamente vêm à mente. Esses problemas induzem as pessoas a utilizar o processamento do tipo 1 ao pensar que o teste é de fácil compreensão e resolução. A ativação dos processos deliberativos do tipo 2 é presumivelmente necessária para dissociar a resposta intuitiva e calcular a resposta correta (Browne, Pennycook, Goodwin & McHenry, 2014Browne, M., Pennycook, G., Goodwin, B., & McHenry, M. (2014). Reflective minds and open hearts: Cognitive style and personality predict religiosity and spiritual thinking in a community sample. European Journal of Social Psychology, 44(7), 736-742.).

No TRC, os indivíduos podem responder erroneamente ao processar a informação de forma impulsiva. A premissa de que os três problemas do TRC geram respostas intuitivas incorretas se baseia no seguinte: todas as respostas incorretas possíveis fornecidas pelas pessoas são intuitivas; mesmo quando respondem corretamente, a resposta errada é inicialmente considerada, resultante da introspecção, relatos verbais e anotações; e os indivíduos que respondem corretamente ao teste o acham mais difícil do que aqueles que dão as respostas erradas porque aqueles que cometem erros não observam a complexidade existente já que utilizam a intuição impulsiva (Frederick, 2005Frederick, S. (2005). Cognitive reflection and decision making. Journal of Economic Perspectives, 19(4), 25-42.).

Os indivíduos que respondem a todos os três itens do teste corretamente são considerados como membros do grupo de alta capacidade cognitiva; aqueles que dão uma ou duas respostas corretas são do grupo de capacidade cognitiva média; e aqueles que respondem a todos os três problemas/perguntas incorretamente formam o grupo de baixa capacidade cognitiva. Essa informação é necessária para a análise de dados deste estudo, já que é possível relacionar o TRC à incidência de vieses cognitivos utilizando esse recurso.

Alguns estudos relacionam a inteligência aos vieses no processamento da informação; entretanto, esta correlação nem sempre existe, como no caso com a ancoragem, cuja incidência não está relacionada ao nível de inteligência (West, Meserve & Stanovich, 2012West, R. F., Meserve, R. J., & Stanovich, K. E. (2012). Cognitive sophistication does not attenuate the bias blind spot. Journal of Personality and Social Psychology, 103(3), 506-519.). Pessoas inteligentes podem agir ignorantemente devido ao fato de ter crenças falsas, por causa da falta de ou da contaminação do aparato mental (Barrouillet, 2011Barrouillet, P. (2011). Dual-process theories of reasoning: The test of development. Developmental Review, 31(2-3), 151-179.). Por outro lado, estudos mostraram a relação entre os vieses e a capacidade cognitiva do indivíduo (Frederick, 2005Frederick, S. (2005). Cognitive reflection and decision making. Journal of Economic Perspectives, 19(4), 25-42.; Hoppe & Kusterer, 2011Hoppe, E. I., & Kusterer, D. J. (2011). Behavioral biases and cognitive reflection. Economics Letters, 110(2), 97-100.; Oechssler et al., 2009Oechssler, J., Roider, A., & Schmitz, P. W. (2009). Cognitive abilities and behavioral biases. Journal of Economic Behavior & Organization, 72(1), 147-152.; Stanovich, West & Toplak, 2011Toplak, M. E., West, R. F., Stanovich, K. E. (2011). The cognitive reflection test as predictor of performance on heuristics-and-biases tasks. Memory & Cognition, 39(7), 1275-1279.). Nesses estudos, o TRC foi uma ferramenta adequada para mensurar a relação entre a capacidade cognitiva e os vieses.

Oechssler et al. (2009Oechssler, J., Roider, A., & Schmitz, P. W. (2009). Cognitive abilities and behavioral biases. Journal of Economic Behavior & Organization, 72(1), 147-152.) identificaram em seu estudo que os indivíduos com alta pontuação no TRC cometem menos falácias lógicas e são menos autossuficientes do que aqueles com pontuações baixas. De acordo com Moritz, Siemsen e Kremer (2014Moritz, B., Siemsen, E., & Kremer, M. (2014). Judgmental forecasting: Cognitive reflection and decision speed. Production and Operations Management Society, 23(7), 1146-1160.), a reflexão cognitiva pode ser utilizada para investigar erros na tomada de decisão. Se a heurística da decisão é baseada em intuição incorreta, os tomadores de decisão com mais reflexão cognitiva devem ser mais capazes de substituir essas respostas e aplicar o processamento do tipo 2 para melhorar seu processo de tomada de decisão. Além disso, Evans e Stanovich (2013Evans, J. S. B. T., & Stanovich, K. E. (2013). Dual-process theories of higher cognition: Advancing the debate. Perspectives on Psychological Science, 8(3), 223-241.) acreditam que há uma distinção clara e relevante entre as respostas imediatas e naturais, de um lado, e as respostas reflexivas, de outro, para várias perguntas relacionadas ao raciocínio e ao julgamento.

2.2 Heurística da representatividade e vieses cognitivos gerados

Há três principais heurísticas utilizadas na tomada de decisão sob incerteza: disponibilidade (regras criadas para mensurar as chances da ocorrência de um evento), ancoragem (avaliação baseada na âncora) e representatividade, que é o foco deste estudo (Tversky & Kahneman, 1974Tversky, A., & Kahneman, D. (1974). Judgment under uncertainty: Heuristics and biases. Science, 185(4157), 1124-1131.). Na heurística da representatividade, um evento ou amostra é julgado provável/plausível quando representa as características essenciais de sua população e reflete o processo pelo qual foi gerado (Hogarth, 1975Hogarth, R. M. (1975). Cognitive processes and the assessment of subjective probability distributions. Journal of the American Statistical Association, 70(350), 271-289.; Kahneman & Frederick, 2002; Kahneman & Tversky, 1972; Tversky & Kahneman, 1973).

Na heurística da representatividade, McDowell, Occhipinti e Chambers (2013McDowell, M. E., Occhipinti, S., & Chambers, S. K. (2013). The influence of family history on cognitive heuristics, risk perceptions, and prostate cancer screening behavior. Health Psychology, 32(11), 1158-1169. https://doi.org/10.1037/a0031622
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) acreditam que as pessoas fazem seus julgamentos baseados na similaridade de um evento ou objeto com alguma coisa conhecida. Além disso, Uribe, Manzur e Hidalgo (2013Uribe, R., Manzur, E., & Hidalgo, P. (2013). Exemplars’ impacts in marketing communication campaigns. Journal of Business Research, 66(10), 1787-1790.) consideram que os julgamentos nessa heurística são normalmente extrapolações baseadas em uma análise de alguns exemplos individuais, permitindo que as pessoas façam inferências independentemente do tamanho da amostra.

De acordo com Kahneman e Tversky (1972Kahneman, D., & Tversky, A. (1972). Subjective probability: A judgment of representativeness. Cognitive Psychology, 3(3), 430-454.), os vieses gerados pela heurística da representatividade são a insensibilidade à probabilidade ou à frequência anterior à taxa básica; insensibilidade ao tamanho da amostra; equívocos de chance; falácia da regressão; ilusão de validade; e insensibilidade à previsibilidade.

A insensibilidade à taxa básica se refere a pessoas que ignoram as probabilidades. Tversky e Kahneman (1974Tversky, A., & Kahneman, D. (1974). Judgment under uncertainty: Heuristics and biases. Science, 185(4157), 1124-1131.) exemplificaram a insensibilidade à taxa básica por meio do seguinte experimento. Um grupo recebeu descrições breves da personalidade de várias pessoas com a informação de que foram aleatoriamente selecionadas de um grupo de 100 profissionais engenheiros e advogados. Outro grupo recebeu a informação de que as descrições de personalidade foram obtidas de um grupo de 70 engenheiros e 30 advogados. Em um terceiro grupo, os indivíduos foram informados de que os dados estavam relacionados a um grupo de 30 engenheiros e 70 advogados. Solicitou-se a todos os grupos estudados por Tversky e Kahneman (1974) que avaliassem a chance de cada descrição ser de um engenheiro. Sendo assim, esperava-se que a probabilidade de qualquer descrição pertencer a um engenheiro fosse maior no segundo grupo do que no terceiro grupo, que tinha mais advogados. Os resultados mostram que os participantes do experimento avaliaram a probabilidade de a descrição pertencer a um engenheiro com base em estereótipos, sem levar em consideração as probabilidades. Esses resultados foram confirmados por estudos posteriores (Joyce & Biddle, 1981Joyce, E. J., & Biddle, G. C. (1981). Are auditors’ judgments sufficiently regressive? Journal of Accounting Research, 19(2), 323-349.; Kahneman, 2003; Stanovich & West, 2000Stanovich, K. E., & West, R. F. (2000). Individual differences in reasoning: Implications for the rationality debate? Behavioral and Brain Sciences, 23(5), 645-726.).

A insensibilidade ao tamanho da amostra se refere à ignorância das pessoas sobre o número de pessoas em uma amostra. Isso explica por que as pessoas, inclusive cientistas, frequentemente confiam em testes estatísticos baseados em pequenas amostras e em suas conclusões. Um exemplo é o desempenho em testes de estudantes de diferentes tamanhos de classes. A chance de uma classe pequena se sair bem nos testes é maior do que a das classes maiores (Kane & Staiger, 2002Kane, T. J., & Staiger, D. O. (2002). The promise and pitfalls of using imprecise school accountability measures. The Journal of Economic Perspectives, 16(4), 91-114.).

O equívoco da chance é a expectativa de que uma sequência de eventos gerada por um processo aleatório representará suas características essenciais, até mesmo para uma sequência curta. Considere, por exemplo, os dois resultados de uma moeda: HTHTHT e HHHTTT (em que: H = cara e T = coroa). As pessoas tendem a considerar a primeira sequência mais provável porque a segunda parece menos aleatória (Tversky & Kahneman, 1974Tversky, A., & Kahneman, D. (1974). Judgment under uncertainty: Heuristics and biases. Science, 185(4157), 1124-1131.).

No caso da falácia da regressão, as pessoas supõem que os resultados futuros serão diretamente previsíveis a partir dos resultados passados, pressupondo que há uma correlação perfeita entre os dados futuros e passados. Situações de correlações falaciosas são exemplos em que esse viés pode resultar em decisões ruins.

O viés da ilusão de validade ocorre devido à confiança excessiva dos indivíduos em suas próprias previsões, sem apurar a validade da informação. Ele é também conhecido como excesso de confiança. Esse é o caso, por exemplo, de muitas informações que são postadas na internet e são frequentemente compartilhadas sem a verificação de sua validade. Para tomar uma decisão é necessário, portanto, verificar a precisão da informação.

Por fim, a insensibilidade à previsibilidade se refere às previsões feitas por alguém com base na representatividade da informação. Se a descrição é altamente favorável, um lucro muito alto parece mais razoável. Consequentemente, vários estudos foram realizados com base na heurística da representatividade.

Considerando que o efeito dos vários vieses comportamentais, incluindo a representatividade, afeta o processo de tomada de decisão, Ramiah et al. (2014Ramiah, V., Zhao, Y., Moosa, I., & Graham, M. (2014). A behavioral finance approach to working capital management. The European Journal of Finance, 22(8-9), 1-26.) mostram que os tesoureiros corporativos que estão envolvidos no processo de tomada de decisão mostram sinais de vieses comportamentais, como os vieses da representatividade, ancoragem, proveito próprio, alta confiança e aversão à perda.

A insensibilidade à taxa básica, um dos vieses da heurística da representatividade, foi estudada por Ohlert e Weissenberger (2015Ohlert, C. R., & Weissenberger, B. E. (2015). Beating the base-rate fallacy: An experimental approach on the effectiveness of different information presentation formats. Journal of Management Control, 26(1), 51-80.), que examinaram como os contadores da gerência devem preparar as informações para reduzir o fenômeno da insensibilidade à taxa básica nos julgamentos da probabilidade para orientar a tomada de decisão gerencial.

Ohlert e Weissenberger (2015Ohlert, C. R., & Weissenberger, B. E. (2015). Beating the base-rate fallacy: An experimental approach on the effectiveness of different information presentation formats. Journal of Management Control, 26(1), 51-80.) sugerem que um formato de informação baseado no visual, especialmente em comparação com uma representação tabular, reduz significativamente a falácia da negligência das taxas básicas. Além disso, os resultados revelam uma relação significativa entre a falácia da taxa básica e o estilo cognitivo da pessoa, sugerindo que a falácia da taxa básica diminui em linha com a preferência da pessoa por processar a informação analiticamente.

Em um estudo similar, Bellouma e Belaid (2016Bellouma, M., & Belaid, F. (2016). Decision-making of working capital managers: A behavioral approach. Journal of Business Studies Quarterly, 7(4), 31-43.) mostram que os gerentes de capital mostram vários vieses comportamentais, como os vieses do proveito próprio, excesso de confiança, aversão à perda, representatividade e ancoragem, e que esses vieses afetam suas decisões. Além disso, verificou-se que fatores fundamentais, como tamanho, classificação de crédito, desempenho da empresa, gênero, idade, educação e setor podem afetar as decisões dos gerentes de capital de giro.

Considerando que estudos como os de Frederick (2005Frederick, S. (2005). Cognitive reflection and decision making. Journal of Economic Perspectives, 19(4), 25-42.), Oechssler et al. (2009Oechssler, J., Roider, A., & Schmitz, P. W. (2009). Cognitive abilities and behavioral biases. Journal of Economic Behavior & Organization, 72(1), 147-152.) e Dohmen et al. (2010Dohmen, T., Falk, A., Huffman, D., & Sunde, U. (2010). Are risk aversion and impatience related to cognitive ability? American Economic Review, 100(3), 1238-1260.) identificaram que uma capacidade cognitiva baixa medida por meio do TRC influencia positivamente a incidência de vieses cognitivos na tomada de decisão, a Hipótese 1 considera que a incidência de vieses cognitivos gerados pela heurística da representatividade é influenciada pela capacidade cognitiva dos indivíduos pesquisados.

Essa hipótese se baseia na perspectiva de que as pessoas com maior capacidade cognitiva diferem daquelas com menor capacidade cognitiva de várias maneiras, como na influência no julgamento e na tomada de decisão (Frederick, 2005Frederick, S. (2005). Cognitive reflection and decision making. Journal of Economic Perspectives, 19(4), 25-42.).

Como Frederick (2005Frederick, S. (2005). Cognitive reflection and decision making. Journal of Economic Perspectives, 19(4), 25-42.) identificou que os indivíduos com pontuações menores no TRC acharam o teste mais fácil apenas utilizando o processamento do tipo 1, e aqueles com pontuações maiores no TRC utilizaram o processamento de informação do tipo 2, que é lento, consciente e reflexivo, a Hipótese 2 considera que há uma dificuldade estatística no grau de dificuldade percebido pelos participantes nos três itens do TRC e na sua capacidade cognitiva.

Finalmente, com base em evidência anterior de que o gênero (Ohlert & Weissenberger, 2015Ohlert, C. R., & Weissenberger, B. E. (2015). Beating the base-rate fallacy: An experimental approach on the effectiveness of different information presentation formats. Journal of Management Control, 26(1), 51-80.), o nível de escolaridade (Bellouma & Belaid, 2016Bellouma, M., & Belaid, F. (2016). Decision-making of working capital managers: A behavioral approach. Journal of Business Studies Quarterly, 7(4), 31-43.) e a região de residência (Tekçe & Yilmaz, 2015Tekçe, B., & Yilmaz, N. (2015). Are individual stock investors overconfident? Evidence from an emerging market. Journal of Behavioral and Experimental Finance, 5, 35-45.) influenciam os vieses cognitivos, a Hipótese 3 considera que as características dos participantes (gênero, região geográfica e nível de escolaridade) influenciam os vieses cognitivos gerados pela heurística da representatividade.

3 Procedimentos metodológicos

3.1 Coleta de dados

Nossa fonte de dados foi uma pesquisa que teve o objetivo de identificar a capacidade cognitiva dos contabilistas e estudantes de contabilidade, mensurada pelo TRC. A influência da capacidade cognitiva nos vieses cognitivos resultantes da heurística da representatividade será verificada, apurando, consequentemente, se esses vieses afetam o julgamento e a tomada de decisão (Figura 1).

Figura 1
Síntese do principal pressuposto do estudo

A pesquisa foi composta de três seções (Tabela 1). A primeira parte consistiu em informações sociodemográficas. A segunda parte foi a medição da capacidade cognitiva por meio do TRC. A terceira parte foi constituída de 30 perguntas, 5 para cada um dos vieses. No desenvolvimento dos cenários para mensurar os vieses estudados, o foco não esteve na avaliação do conhecimento contábil dos participantes; sendo assim, as questões se relacionavam a situações cotidianas.

Tabela 1
Síntese do instrumento de coleta de dados

Cada questão da terceira parte foi mensurada por uma escala que variou de 0 a 10, em que 0 foi designado como “discordo totalmente” e 10 como “concordo totalmente”. Além disso, as questões foram aleatoriamente arranjadas para tentar evitar que uma resposta tendenciosa afetasse outra resposta com o mesmo viés.

Decidimos utilizar o TRC porque ele é o método de medição mais rápido e um dos mais úteis para medir o desempenho cognitivo, disponível entre os testes de medição da capacidade cognitiva. Ele foi amplamente utilizado em estudos anteriores (Bialek & Pennycook, 2018Bialek, M., & Pennycook, G. (2018). The cognitive reflection test is robust to multiple exposures. Behavior Research Methods, 50(5), 1-7.; Erceg & Bubic, 2017Erceg, N., & Bubic, A. (2017). One test, five scoring procedures: Different ways of approaching the cognitive reflection test. Journal of Cognitive Psychology, 29(3), 381-392.; Ross, Hartig & McKay 2017Ross, R. M., Hartig, B., & McKay, R. (2017). Analytic cognitive style predicts paranormal explanations of anomalous experiences but not the experiences themselves: Implications for cognitive theories of delusions. Journal of Behavior Therapy and Experimental Psychiatry, 56, 90-96.; Simonovic, Stupple, Gale & Sheffield, 2017Simonovic, B., Stupple, E. J. N., Gale, M., & Sheffield, D. (2017). Stress and risky decision making: Cognitive reflection, emotional learning or both. Journal of Behavioral Decision Making, 30(2), 658-665.). Entre os testes de capacidade cognitiva, ele é um dos que mede a capacidade ou vontade de responder sem pensar, similar ao que ocorre com a heurística.

O TRC pode ser comparado, em termos da relação entre sua pontuação e o comportamento observado, a testes mais complexos de inteligência, que demandam mais tempo para obter os dados necessários para mensuração. Entretanto, embora o TRC seja amplamente utilizado para medir a propensão a se engajar no raciocínio analítico ou deliberativo, esse teste possui algumas limitações (Bialek & Pennycook, 2018Bialek, M., & Pennycook, G. (2018). The cognitive reflection test is robust to multiple exposures. Behavior Research Methods, 50(5), 1-7.).

Experiência anterior com o TRC ou com qualquer teste similar tem uma influência substancial na pontuação obtida no TRC. Além desta influência, participantes com maior nível de escolaridade (ensino médio, superior) também tendem a obter maiores pontuações do que aqueles com nível de escolaridade menor. Entretanto, embora os itens pareçam ter dificuldade média, o TRC pode não ser adequado para aqueles com alto nível de escolaridade, porque eles resolvem todos os itens (Stieger & Reips, 2016Stieger, S., & Reips, U. (2016). A limitation of the Cognitive Reflection Test: Familiarity. PeerJ, 4, 1-12.). Destacamos essa possível limitação por termos examinado indivíduos com níveis de escolaridade alto.

Um total de 1.138 indivíduos responderam aos questionários através do formulário disponível na internet. O grande número de respostas deveu-se à rede de contatos e ao sorteio de um prêmio entre os participantes. Excluindo os questionários que estavam incompletos, duplicados e tinham valores atípicos (outliers), a amostra válida totalizou 1.064 participantes, dos quais 47,3% eram mulheres.

3.2 Dimensionalidade e confiabilidade da escala

A dimensionalidade e a confiabilidade foram verificadas após a coleta de dados. Para criar uma escala, é essencial que os itens sejam unidimensionais, o que significa que eles estejam fortemente associados uns aos outros e representem um único conceito. A unidimensionalidade foi testada através da análise fatorial e a confiabilidade foi mensurada pelo alfa de Cronbach.

Também utilizamos o teste de esfericidade de Bartlett, o teste de Kaiser-Meier-Olkin (KMO), a medição da adequação da amostragem (MSA), comunalidades e a variância explicada (Tabela 2).

Tabela 2
Medições estatísticas para a dimensionalidade e a confiabilidade da escala através da análise fatorial

A dimensionalidade e a confiabilidade dos resultados dos vieses cognitivos levaram à exclusão de 8 questões. O resultado final indica que o instrumento apresentou uma boa confiabilidade média conforme medido pelo alfa de Cronbach (consistência interna), indicando que as medições podem avaliar o fenômeno estudado. Após excluir algumas variáveis, a análise da dimensionalidade verificou que as variáveis no construto estão associadas umas às outras. Não foi realizada análise adicional para a escala do TRC porque ela já havia sido validada em estudos anteriores.

3.3 Análise de dados

Para testar a hipótese, foi necessário determinar a média dos vieses cognitivos estudados, visando separar o TRC em três grupos (aqueles que acertam os três itens do teste serão considerados membros do grupo de alta capacidade cognitiva, aqueles que acertam uma ou duas questões serão colocados no grupo de capacidade cognitiva média e aqueles que não acertam nenhum item constituirão o grupo da capacidade cognitiva baixa), para então verificar se as médias são estatisticamente diferentes.

Para avaliar as diferenças entre as médias dos grupos, de acordo com as hipóteses pré-estabelecidas, utilizamos o teste t de Student para situações com dois grupos. Para três ou mais grupos, utilizamos a análise da variância (ANOVA). Para utilizar o teste ANOVA, os pressupostos de normalidade e equidade das matrizes de variância-covariância foram testados.

Em relação à normalidade dos dados, foi considerado o teorema do limite central, em que os vetores da média convergem para a distribuição multivariada normal em grandes amostras, conforme o caso deste estudo. A equidade das matrizes de variância-covariância foi verificada utilizando a estatística de Lavene. No caso da existência da heterocedasticidade, os testes de Welch e Brown-Forsythe foram utilizados. Além disso, considerando que o ANOVA não identifica quais médias são diferentes, realizamos o teste de Tukey da diferença significativa honesta (HSD).

Finalmente, em linha com estudos anteriores (Liberali et al., 2011Liberali, J. M., Reyna, V. F., Furlan, S., Stein, L. M., & Pardo, S. T. (2011). Individual differences in numeracy and cognitive reflection, with implications for biases and fallacies in probability judgment. Journal of Behavioral Decision Making, 25(4), 361-381.; Toplak et al., 2011Toplak, M. E., West, R. F., Stanovich, K. E. (2011). The cognitive reflection test as predictor of performance on heuristics-and-biases tasks. Memory & Cognition, 39(7), 1275-1279.), realizamos um teste de robustez utilizando a correlação de Spearman (devido a não normalidade dos dados) e as regressões dos mínimos quadrados ordinárias (OLS) para examinar a relação entre a pontuação no TRC e os vieses cognitivos gerados pela heurística da representatividade.

Na análise da regressão, uma vez que Kang e Park (2018Kang, M., & Park, M. J. (2018). Employees’ judgment and decision making in the banking industry: The perspective of heuristics and biases. International Journal of Bank Marketing, 37(1), 382-400.) sugerem considerar a influência dos perfis demográficos dos indivíduos nos aspectos psicológicos relacionados aos vieses da heurística, seguimos a literatura anterior e o controle para gênero (Ohlert & Weissenberger, 2015Ohlert, C. R., & Weissenberger, B. E. (2015). Beating the base-rate fallacy: An experimental approach on the effectiveness of different information presentation formats. Journal of Management Control, 26(1), 51-80.), idade (Dohmen et al. 2010Dohmen, T., Falk, A., Huffman, D., & Sunde, U. (2010). Are risk aversion and impatience related to cognitive ability? American Economic Review, 100(3), 1238-1260.; Koehler, 1996Koehler, J. J. (1996). The base rate fallacy reconsidered: Descriptive, normative, and methodological challenges. Behavioral and Brain Sciences, 19(1), 1-17. https://doi.org/10.1017/S0140525X00041157
https://doi.org/10.1017/S0140525X0004115...
) e nível de escolaridade (Bellouma & Belaid, 2016Bellouma, M., & Belaid, F. (2016). Decision-making of working capital managers: A behavioral approach. Journal of Business Studies Quarterly, 7(4), 31-43.; Chen et al., 2007Chen, G., Kim, K. A., Nofsinger, J. R., & Rui, O. (2007). Trading performance, disposition effect, overconfidence, representativeness bias, and experience of emerging market investors. Journal of Behavioral Decision Making, 20(4), 425-451.; Khan et al., 2017Khan, H. H., Naz, I., Qureshi, F., & Ghafoor, A. (2017). Heuristics and stock buying decision: Evidence from Malaysian and Pakistani stock markets. Borsa Istanbul Review, 17(2), 97-110.).

Essas variáveis de controle também mitigam possíveis problemas do projeto de nossa pesquisa que podem surgir do efeito de confusão entre os vieses cognitivos e a capacidade cognitiva (Almeida, 2019Almeida, S. (2019). Do as i do, not as i say: Incentivization and the relationship between cognitive ability and risk aversion. Revista Brasileira de Economia, 73(4), 413-434.), em que uma variável pode influenciar a variável dependente e a variável independente. Sendo assim, considerando o papel do gênero e do nível de escolaridade como fatores de confusão que podem afetar os vieses cognitivos (Wang, Jusup, Shi, Lee, Iwasa & Boccaletti, 2018Wang, Z., Jusup, M., Shi, L., Lee, H., Iwasa, Y., & Boccaletti, S. (2018). Exploiting a cognitive bias promotes cooperation in social dilemma experiments. Nature Communications, 9(1), 1-7.) e a capacidade cognitiva (Frederick, 2005Frederick, S. (2005). Cognitive reflection and decision making. Journal of Economic Perspectives, 19(4), 25-42.), tentamos mitigar este problema através do controle para gênero e nível de escolaridade.

4 Apresentação e análise dos resultados

4.1 Caracterização dos participantes

Nos formulários validados, a maioria dos participantes era formada por estudantes de pós-graduação (51%), dos quais 22% já havia concluído seus cursos de graduação; 11,8% dos participantes já havia concluído seus mestrados e doutorados. A maioria dos participantes mora na região Nordeste do Brasil (77%), estavam na faixa etária entre 20 e 29 anos (56%) e tinham alguma experiência profissional (62%), com um tempo médio em sua profissão de aproximadamente 2 anos.

4.2 Respostas ao TRC

A Tabela 3 apresenta uma visão geral dos resultados dos itens do TRC. Em relação ao primeiro item (taco e bola), é possível verificar que 562 (52,8%) dos participantes responderam à questão intuitivamente (tipo 1), ao passo que 450 (42,3%) responderam de modo reflexivo (tipo 2). Em relação ao segundo item (máquinas e camisas), houve uma redução total no número de respostas intuitivas (485) e reflexivas (376), aumentando assim o número de outras respostas erradas (19,1%). Em relação ao terceiro item do TRC (vitória-régia), o percentual de respostas intuitivas observado foi 46,8% para os participantes que deram a primeira resposta que veio espontaneamente à mente.

Tabela 3
Distribuição da amostra válida pelas respostas aos itens do TRC

Com base nessas questões, é possível classificar os participantes (1.064) nos níveis do TRC. 405 (38,1%) dos participantes demonstraram uma baixa capacidade cognitiva ao utilizar o processamento do tipo 1,452 (42,5%) mostraram uma capacidade cognitiva média e 207 (19,2%) mostraram uma alta capacidade cognitiva, fazendo uso do processamento do tipo 2 (reflexivo). Esses percentuais são similares àqueles obtidos por Frederick (2005Frederick, S. (2005). Cognitive reflection and decision making. Journal of Economic Perspectives, 19(4), 25-42.). Entretanto, o número médio de respostas corretas dos participantes deste estudo foi 1,81, que é maior do que o valor obtido por Frederick (1,24).

4.3 Análise das hipóteses do estudo

A Hipótese 1 busca verificar se a incidência de vieses gerados pela heurística da representatividade é influenciada pela capacidade cognitiva dos indivíduos pesquisados. Para verificar a diferença entre as médias de grupo para a capacidade cognitiva alta (TRC = 3), capacidade cognitiva média (TRC = 1 ou 2) e capacidade cognitiva baixa (TRC = 0), o ANOVA será utilizado, em que a hipótese nula testada é a equidade das médias da variável dependente em todo o grupo (Tabela 4). No caso da heterocedasticidade nas variâncias, os testes de Welch e Brown-Forsythe serão utilizados.

Tabela 4
Comparação dos vieses cognitivos estudados nos grupos de capacidade cognitiva alta, média e baixa

As médias do viés da insensibilidade à taxa básica são 6,63, 6,25 e 5,15, nos grupos com TRC = 0, 1- 2, 3, respectivamente. Esse resultado sugere que quanto menor a capacidade, maior é a sensibilidade dos participantes ao viés, negligenciando a taxa básica e direcionando sua atenção a outra informação descritiva, com base em crenças anteriores e intuições. Isso é consistente com a evidência de Ohlert e Weissenberger (2015Ohlert, C. R., & Weissenberger, B. E. (2015). Beating the base-rate fallacy: An experimental approach on the effectiveness of different information presentation formats. Journal of Management Control, 26(1), 51-80.), segundo a qual a insensibilidade à taxa básica decresce em linha com a preferência das pessoas por processar a informação analiticamente.

De maneira similar, Hoppe e Kusterer (2011Hoppe, E. I., & Kusterer, D. J. (2011). Behavioral biases and cognitive reflection. Economics Letters, 110(2), 97-100.) também mostram que os indivíduos no grupo de baixa (alta) no TRC são mais (menos) suscetíveis ao viés da insensibilidade à taxa básica. Desse modo, é importante destacar que quando os dados necessários para o julgamento e a tomada de decisão possuem alguma descrição, os contabilistas precisam ser cautelosos para não ignorar a taxa básica.

Ao realizar o teste de homogeneidade das variâncias, através da estatística de Levene, observamos a ocorrência de heterocedasticidade (valor p <0,0001). Para isso, foram utilizados os testes de Welsh e Brown-Forsythe, que revelam que existe uma diferença estatisticamente significativa entre as médias da insensibilidade à taxa básica e da insensibilidade ao tamanho da amostra.

Outro viés que apresentou uma diferença estatisticamente significativa entre as médias nos três grupos do TRC foi a ilusão de validade. O teste de homoscedasticidade de Levene (valor p = 0,279) confirmou variâncias iguais nos três grupos; sendo assim, o ANOVA pode ser utilizado, indicando uma diferença estatisticamente significativa entre as médias (valor p = 0,006).

Esse resultado sugere que as pessoas com baixa capacidade cognitiva tendem a compartilhar informações sem verificar sua validade. Ao utilizar informações no processo de tomada de decisão, é necessário, portanto, verificar o rigor de seu conteúdo, mesmo que pareça verdadeiro. Com base nisso, os indivíduos saberão a possibilidade da incidência da ilusão da validade em seu julgamento e processo de tomada de decisão, resistindo à necessidade de acreditar na verdade dos dados obtidos sem antes confirmar a precisão de seu conteúdo.

O viés do equívoco da chance, bem como os vieses da insensibilidade à taxa básica e da ilusão de validade, apresentou uma média menor nos grupos dos participantes, com três respostas corretas no TRC (5,41), e médias maiores nos grupos com uma ou duas respostas corretas (5,49) e nenhuma correta (5,62). Verificamos, entretanto, através do ANOVA que esta diferença não é estatisticamente significativa.

No caso dos outros vieses, a insensibilidade à previsibilidade, a insensibilidade ao tamanho da amostra e a falácia da regressão, não foi encontrada relação inversa entre a incidência do viés cognitivo e os grupos do TRC, corroborando estudos como os de Barrouillet (2011Barrouillet, P. (2011). Dual-process theories of reasoning: The test of development. Developmental Review, 31(2-3), 151-179.) e West et al. (2012West, R. F., Meserve, R. J., & Stanovich, K. E. (2012). Cognitive sophistication does not attenuate the bias blind spot. Journal of Personality and Social Psychology, 103(3), 506-519.), que mostram que nem sempre há uma correlação negativa entre inteligência e viés, já que indivíduos inteligentes podem agir inconscientemente.

O teste de Tukey (Tabela 5) foi utilizado para mostrar a separação das médias obtida nos vieses da insensibilidade à taxa básica e da ilusão da validade por grupo do TRC. No caso dos outros vieses, a separação das médias em grupos diferentes não foi realizada.

Tabela 5
Teste de Tukey para os vieses da insensibilidade à taxa básica e da ilusão da validade pelo TRC

A Tabela 5 confirma os resultados mostrados na Tabela 4 para os vieses da insensibilidade à taxa básica e da ilusão de validade. Os participantes com alta capacidade cognitiva apresentaram uma média menor (5,15) para o viés da insensibilidade à previsibilidade; sendo assim, eles são classificados em um grupo separado do dos participantes com capacidade cognitiva média, média (6,25) e capacidade cognitiva baixa (6,63).

A partir disso, pode-se concluir que quanto maior for a média do viés, maior é a probabilidade de um indivíduo fazer parte do grupo inferior do TRC, devido à diferença estatística significativa entre suas médias. Esse resultado corrobora o estudo de Oechssler et al. (2009Oechssler, J., Roider, A., & Schmitz, P. W. (2009). Cognitive abilities and behavioral biases. Journal of Economic Behavior & Organization, 72(1), 147-152.) no qual os indivíduos com baixa capacidade cognitiva são mais suscetíveis a vieses cognitivos, uma vez que os resultados mostram que os vieses no grupo inferior (superior) do TRC são significativamente mais (menos) pronunciados.

Para o viés da validade, os resultados são similares: os participantes com TRC = 3 registraram uma média baixa (2,46), sendo agrupados pelo teste de Tukey em um grupo separado do dos participantes com TRC = 0 (3,23) e 1-2 (3,31).

A Hipótese 2 foi formulada para verificar se há uma diferença estatística entre o grau de dificuldade dos participantes nos três itens do TRC e sua percepção para formar um julgamento e tomar uma decisão. O teste ANOVA também foi utilizado para verificar a diferença entre as médias nos grupos (Tabela 6).

Tabela 6
Comparação do grau de dificuldade e como são considerados o julgamento e a tomada de decisão através da classificação TRC

O grau de dificuldade dos participantes em relação aos três itens no TRC e como esses participantes consideram seu julgamento e tomada de decisão (com base na razão ou na intuição), em comparação com o número correto de respostas no TRC, apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre suas médias (valor p <0,001 para ambas as relações).

De acordo com a Tabela 6, na primeira relação, os participantes que não responderam a nenhum dos itens corretamente ou aqueles que deram 1 ou 2 respostas corretas no TRC obtiveram maiores médias (4,70 e 5,29, respectivamente) em relação àqueles que responderam os 3 itens corretamente no TRC (4,41). O teste de equidade das médias entre o TRC = 3 e TRC = 1 e 2, bem como no mesmo teste para TRC = 1 e 2 e TRC = 0 (não mostrado na tabela), tiveram estatística t alta (-3,950 e 3,245, respectivamente). É possível verificar, entretanto, que a média dos participantes com TRC = 0 (4,70) foi muito similar ao dos participantes com TRC = 3 (4,41).

Em relação ao número correto de respostas no TRC, esses resultados diferem um pouco daqueles obtidos por Frederick (2005Frederick, S. (2005). Cognitive reflection and decision making. Journal of Economic Perspectives, 19(4), 25-42.). Ao se comparar os dois grupos extremos, porém, o teste da equidade das médias revela que aqueles que pontuaram mais no teste cognitivo também indicaram maior dificuldade no mesmo teste.

Quanto à percepção dos participantes sobre como julgam e tomam decisões, se baseados na intuição ou na razão, nota-se que, ao se comparar as pontuações no TRC, verifica-se que os participantes com TRC = 3 obtiveram médias maiores, o que significa que eles consideram seu julgamento e sua tomada de decisão como sendo baseados mais na razão do que aqueles com pontuações menores (0,1 e 2), que usam mais a intuição.

É possível observar (Tabela 7) a separação das médias obtidas para o grau de dificuldade e a forma de julgamento e tomada de decisão através do teste de Tukey de acordo com a opinião dos participantes nos grupos 1 e 2, corroborando assim os resultados da Tabela 6.

Tabela 7
Teste de Tukey para o grau de dificuldade e o tipo de julgamento e tomada de decisão de acordo com a opinião dos participantes sobre o TRC

Em relação à opinião dos participantes do estudo sobre como julgam e tomam decisões, seja baseado na razão ou na intuição, comparando com o teste TRC e utilizando a classificação dos três grupos, descobrimos que quanto maior o número de questões respondidas corretamente no TRC, menor a média, o que significa que os julgamentos e a tomada de decisão são mais baseados na razão e no uso do processamento do tipo 2. Quanto menor o número de respostas corretas, maior é a média, quando o julgamento e a tomada de decisão são mais baseados na intuição.

Esses resultados, portanto, confirmam a segunda hipótese do estudo, indicando a existência de uma diferença estatística entre o grau de dificuldade percebido pelos participantes nos três itens do TRC e sua capacidade cognitiva.

A Hipótese 3 foi formulada para identificar se há uma diferença entre o impacto do nível de escolaridade (nível técnico, superior completo, superior incompleto, especialização, mestrado ou doutorado), gênero e região de residência (Centro-Oeste, Nordeste, Norte, Sudeste e Sul). O ANOVA foi utilizado para verificar a diferença entre as médias nos grupos classificados por região e nível de escolaridade. O teste t de Student para a equidade de médias foi utilizado para avaliar as diferenças entre as médias dos vieses cognitivos e o gênero dos participantes.

Em relação ao nível de escolaridade, o ANOVA (Tabela 8) mostrou significativa insensibilidade à taxa básica (valor p de 0,000) e ao tamanho da amostra (valor p de 0,043). As outras apresentaram valores superiores a 0,1, sem efeito do nível de escolaridade sendo verificado nos resultados. Os valores de resposta extremos, entretanto, sugerem que pode ter havido uma influência.

Tabela 8
Comparação dos vieses cognitivos estudados por nível de escolaridade

Para mostrar as diferenças entre as médias do nível de escolaridade dos vieses da insensibilidade à taxa básica e da insensibilidade ao tamanho da amostra, o teste de Tukey foi aplicado, conforme evidenciado na Tabela 9.

Tabela 9
Teste de Tukey para os vieses da insensibilidade à taxa básica e da insensibilidade ao tamanho da amostra por nível de escolaridade

Com base nesses resultados, verificamos que as médias dos participantes com mestrado e doutorado são estatisticamente diferentes daquelas dos participantes que têm apenas um curso técnico de contabilidade, o que no Brasil representa 11 anos de estudo. Em outras palavras, há uma diferença entre esses dois níveis de escolaridade, que pode representar até dez anos de estudo. Em relação ao viés da insensibilidade ao tamanho da amostra, descobrimos que há uma diferença estatística entre os participantes com níveis técnicos e aqueles com superior incompleto e completa e doutorado.

Quanto ao gênero (Tabela 10), a influência foi maior do que para a formação acadêmica e a região geográfica. Dos seis vieses estudados, cinco apresentaram uma diferença da média. Os valores para as mulheres foram superiores nos vieses da taxa básica e do equívoco da chance; a média dos homens foi maior para o tamanho da amostra, ilusão de validade e falácia da regressão.

Tabela 10
Influência do gênero nos vieses

Esses resultados sugerem diferenças entre os gêneros no julgamento e no processo de tomada de decisão envolvendo vieses da heurística da representatividade. Não determinamos, contudo, os fatores que levaram à média de um gênero ser superior a de outro para qualquer tipo específico de viés.

Apesar disso, os resultados de Ohlert e Weiseenberger (2015Ohlert, C. R., & Weissenberger, B. E. (2015). Beating the base-rate fallacy: An experimental approach on the effectiveness of different information presentation formats. Journal of Management Control, 26(1), 51-80.) mostraram que a tendência de estar sujeito à falácia da taxa básica diminuiu em linha com a preferência dos indivíduos por processar as informações analiticamente, o que está significativamente relacionado ao gênero, em que os homens cometem significativamente menos erros de julgamento do que as mulheres.

Na Tabela 11, a análise feita conforme a região dos participantes descobriu que esta variável influencia a insensibilidade à taxa básica (valor p = 0,000) e a ilusão da validade (0,006). Sendo assim, os testes mostraram que a região tem um efeito parcial nos vieses. Devido às dimensões geográficas do Brasil, podemos pressupor que a região seria um representante para os aspectos culturais. Nesse sentido, os resultados parecem sugerir que esses aspectos podem ser pelo menos parcialmente importantes.

Tabela 11
Influência da região nos vieses

Apesar dos pressupostos de normalidade e equidade das matrizes de variância-covariância no ANOVA terem sido testados, esses resultados, no entanto, devem ser analisados cautelosamente devido ao desequilíbrio da amostra, na qual variáveis significativas correspondem aos grupos com a maior taxa de resposta nos questionários (Nordeste), assim como com a menor taxa de resposta (Norte).

O teste de Tukey (Tabela 12) complementa os resultados do ANOVA, identificando 3 grupos para o viés da insensibilidade à taxa básica por região. Em uma comparação entre o primeiro e o segundo grupos, foi verificada uma diferença estatisticamente significativa entre as médias da região Sul (5,14) e da região Nordeste (6,43). Há também uma diferença significativa entre a região Centro-Oeste (5,27) e a região Norte (6,75), bem como entre a região Sul (grupo 1) e a região Norte (grupo 3).

Tabela 12
Teste de Tukey para os vieses da insensibilidade à taxa básica e da ilusão da validade por região

4.4 Testes de robustez

Realizamos testes de robustez para examinar a relação entre a pontuação no TRC e os vieses cognitivos gerados pela heurística da representatividade. Primeiro, realizamos a correlação de Spearman devido à não normalidade das variáveis (teste de Shapiro-Wilk). Ela mostrou que existe uma relação negativa entre a reflexão cognitiva dos indivíduos e os vieses cognitivos gerados pela heurística da representatividade, já que os indivíduos com uma pontuação maior no TRC tendem a mostrar níveis inferiores dos vieses de insensibilidade à taxa básica, equívocos de chance, falácia da regressão e ilusão da validade, conforme mostrado no Apêndice B Apêndice B - Matriz de correlação 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 1 Pontuação TRC 1 2 Insensibilidade à taxa básica -0,200 1 3 Insensibilidade ao tamanho da amostra 0,029 0,337 1 4 Equívocos de chance -0,100 0,344 0,346 1 5 Falácia da regressão -0,328 0,646 0,288 0,220 1 6 Ilusão de validade -0,207 0,313 0,243 0,324 0,251 1 7 Insensibilidade à previsibilidade -0,015 0,214 0,173 0,231 0,141 0,244 1 8 Gênero 0,214 -0,090 -0,009 -0,043 -0,082 -0,032 0,061 1 9 Idade 0,061 -0,087 -0,036 -0,016 -0,057 0,053 0,028 0,151 1 10 Nível técnico 0,011 0,038 -0,003 -0,027 -0,001 -0,043 0,020 0,027 0,030 1 11 Superior completo 0,008 0,072 0,002 0,020 0,036 -0,003 -0,017 -0,015 0,161 -0,032 1 12 Especialização 0,046 -0,051 -0,047 -0,061 -0,003 -0,009 -0,023 0,039 0,326 -0,024 -0,218 1 13 Mestrado 0,053 -0,114 -0,035 -0,057 -0,093 -0,014 0,076 0,058 0,294 -0,018 -0,168 -0,124 1 14 Doutorado 0,090 -0,102 0,003 -0,016 -0,122 -0,025 -0,006 0,056 0,252 -0,010 -0,097 -0,072 -0,055 1 Coeficientes em negrito são significativos em nível de 5%. .

Essa evidência expande nossos resultados anteriores de que a reflexão cognitiva estava negativamente relacionada à incidência dos vieses da insensibilidade à taxa básica e da ilusão de validade. Nesse sentido, acreditamos que essa relação negativa entre o TRC e os vieses da heurística da representatividade contradiz a evidência do estudo de Toplak et al. (2011Toplak, M. E., West, R. F., Stanovich, K. E. (2011). The cognitive reflection test as predictor of performance on heuristics-and-biases tasks. Memory & Cognition, 39(7), 1275-1279.), que descobriu, através de análises de correlação, uma relação positiva e significativa entre o TRC e a heurística e o índice de vieses.

Uma possível razão para essa divergência se baseia na visão de que Toplak et al. (2011Toplak, M. E., West, R. F., Stanovich, K. E. (2011). The cognitive reflection test as predictor of performance on heuristics-and-biases tasks. Memory & Cognition, 39(7), 1275-1279.) não analisaram individualmente a relação entre cada viés e o TRC. Também pode se dever ao fato de que a análise foi feita em um índice composto de outros vieses que não surgem da heurística da representatividade.

Sendo assim, nossos resultados expandem esse resultado anterior mostrando que, embora a capacidade cognitiva esteja negativa e significativamente relacionada aos vieses da insensibilidade à taxa básica, ilusão de validade, equívocos de chance e falácia da regressão, ela não está significativamente relacionada aos vieses da insensibilidade ao tamanho da amostra e da insensibilidade à previsibilidade.

Além disso, encontramos resultados similares na análise da regressão dos mínimos quadrados ordinários (OLS) uma vez que a pontuação no TRC tem uma influência negativa nos modelos de insensibilidade à taxa básica, equívocos de chance, falácia da regressão e ilusão da validade, conforme mostrado na Tabela 13.

Tabela 13
Relação entre a pontuação no TRC e os vieses da heurística da representatividade

Realizamos regressões com erros-padrão robustos quando os valores p do teste de White eram inferiores a 5%, para evitar a heterocedasticidade. Incluímos a variável do nível de escolaridade “superior incompleto” no grupo base (constante) para evitar a armadilha da variável fictícia (dummy), já que esta variável estava levando à alta colinearidade no modelo econométrico.

Ressaltamos que todas as variáveis apresentam um fator de inflação da variância (FIV) menor que 5, não mostrando problemas de multicolinearidade nos modelos. Os resíduos distribuídos, contudo, não normalmente nas especificações, conforme evidenciado pelo teste de Shapiro-Wilk, limitam a possibilidade de generalizar os resultados para toda a população. Portanto, também considerando que não selecionamos uma amostra aleatória, nossos resultados são apenas válidos para a amostra analisada.

Nossos resultados corroboram a visão de que os indivíduos com alta capacidade cognitiva são menos suscetíveis aos vieses cognitivos ao tomar decisões (Dohmen et al., 2010Dohmen, T., Falk, A., Huffman, D., & Sunde, U. (2010). Are risk aversion and impatience related to cognitive ability? American Economic Review, 100(3), 1238-1260.; Frederick, 2005Frederick, S. (2005). Cognitive reflection and decision making. Journal of Economic Perspectives, 19(4), 25-42.; Oechssler et al., 2009Oechssler, J., Roider, A., & Schmitz, P. W. (2009). Cognitive abilities and behavioral biases. Journal of Economic Behavior & Organization, 72(1), 147-152.), expandindo nossos resultados anteriores para os vieses da influência do equívoco da chance e da falácia da regressão uma vez que estas variáveis são estatisticamente significativas na Tabela 13.

Similarmente aos resultados de Hoppe e Kusterer (2011Hoppe, E. I., & Kusterer, D. J. (2011). Behavioral biases and cognitive reflection. Economics Letters, 110(2), 97-100.), entretanto, não podemos concluir que o desempenho dos indivíduos no TRC é um bom prognosticador de sua suscetibilidade a todos os vieses comportamentais analisados, uma vez que a suscetibilidade aos vieses da insensibilidade ao tamanho da amostra e da insensibilidade à previsibilidade não varia com a pontuação no TRC.

Os resultados globais também não confirmam a visão de que o gênero influencia todos os vieses cognitivos gerados pela heurística da representatividade, como mostrado na Tabela 10, já que esta variável foi apenas significativa no modelo da insensibilidade à previsibilidade. Com base em nossa amostra, os homens são mais propensos do que as mulheres a fazer previsões intuitivas com base em informação insuficiente, expandindo a visão de Ohlert e Weissenberger (2015Ohlert, C. R., & Weissenberger, B. E. (2015). Beating the base-rate fallacy: An experimental approach on the effectiveness of different information presentation formats. Journal of Management Control, 26(1), 51-80.) segundo a qual os homens são mais suscetíveis aos vieses da heurística da representatividade, tal como a insensibilidade à taxa básica.

Além disso, não encontramos em todos os modelos o aumento dessa suscetibilidade com a idade, conforme evidenciado por Koehler (1996Koehler, J. J. (1996). The base rate fallacy reconsidered: Descriptive, normative, and methodological challenges. Behavioral and Brain Sciences, 19(1), 1-17. https://doi.org/10.1017/S0140525X00041157
https://doi.org/10.1017/S0140525X0004115...
), uma vez que a variável da idade tem apenas uma influência positiva nos modelos da insensibilidade à taxa básica, ilusão da validade e equívocos de chance. Esse resultado, no entanto, é consistente com os resultados de Dohmen et al. (2010Dohmen, T., Falk, A., Huffman, D., & Sunde, U. (2010). Are risk aversion and impatience related to cognitive ability? American Economic Review, 100(3), 1238-1260.) nos quais a idade pode influenciar alguns vieses, como a aversão ao risco, mas não outros.

Finalmente, corroborando a visão de que as diferenças no nível de escolaridade podem influenciar os vieses cognitivos (Chen et al., 2007Chen, G., Kim, K. A., Nofsinger, J. R., & Rui, O. (2007). Trading performance, disposition effect, overconfidence, representativeness bias, and experience of emerging market investors. Journal of Behavioral Decision Making, 20(4), 425-451.), nossos resultados mostram que os níveis de escolaridade, especialmente especialização e mestrado, que são significativos em vários modelos, estão negativamente associados aos vieses da heurística da representatividade. Sendo assim, nossos resultados corroboram a visão de que os indivíduos com maiores níveis de escolaridade são menos propensos a ser afetados pela heurística, tal como pela representatividade (Khan et al., 2017Khan, H. H., Naz, I., Qureshi, F., & Ghafoor, A. (2017). Heuristics and stock buying decision: Evidence from Malaysian and Pakistani stock markets. Borsa Istanbul Review, 17(2), 97-110.).

5 Conclusão

Entender que os vieses cognitivos podem ajudar a minimizar as falhas cognitivas nos permite compreender sua influência no processamento da informação, assim nos capacitando a tomar decisões, já que os erros podem ser corrigidos, uma vez conhecidos. Este estudo, portanto, teve o objetivo de investigar se a capacidade cognitiva influencia a ocorrência de vieses cognitivos gerados pela heurística da representatividade.

Observamos que há uma relação inversa entre a capacidade cognitiva e os vieses da insensibilidade à taxa básica e da ilusão de validade, indicando que quanto maior é a capacidade cognitiva, menor é a incidência desses vieses na tomada de decisão. Outras análises também expandem essa influência negativa aos equívocos da chance, mostrando que uma maior capacidade cognitiva influencia negativamente a ocorrência desse viés da heurística da representatividade.

Além disso, identificamos um grau menor de dificuldade nos três itens do TRC para os indivíduos com TRC = 3; entretanto, indivíduos com TRC = 0 também acharam o teste fácil. Quanto maior a pontuação no TRC, maior a percepção de que o julgamento e a tomada de decisão estão relacionados à razão.

Em relação ao gênero, foi observada uma diferença para todos os vieses, exceto para a insensibilidade à previsibilidade, corroborando, portanto, os resultados de Ohlert e Weiseenberger (2015Ohlert, C. R., & Weissenberger, B. E. (2015). Beating the base-rate fallacy: An experimental approach on the effectiveness of different information presentation formats. Journal of Management Control, 26(1), 51-80.), que mostraram que a tendência de se estar sujeito à falácia da taxa básica, um dos vieses da heurística da representatividade, diminui em linha com a preferência pessoal por processar a informação analiticamente. Isso está, por outro lado, significativamente relacionado ao gênero, indicando que os homens fazem significativamente menos erros de julgamento do que as mulheres.

Quanto ao nível de escolaridade, os vieses afetados por esta variável foram a insensibilidade à taxa básica e a insensibilidade ao tamanho da amostra, confirmando a ideia de que o nível de escolaridade afeta o comportamento dos indivíduos no processo de tomada de decisão, conforme relatado por Bellouma & Belaid (2016Bellouma, M., & Belaid, F. (2016). Decision-making of working capital managers: A behavioral approach. Journal of Business Studies Quarterly, 7(4), 31-43.).

Em relação às regiões, os vieses afetados por essa variável foram a insensibilidade à taxa básica e a ilusão de validade. Observamos que os participantes que residem nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul são menos sensíveis aos vieses do que aqueles que residem nas regiões Nordeste e Norte, o que pode ser explicado por fatores culturais.

Em suma, os resultados deste estudo indicam que os estudantes e profissionais de contabilidade, como qualquer outro indivíduo, estão sujeitos aos vieses cognitivos da heurística da representatividade. É necessário, portanto, que esses indivíduos os compreendam e evitem, para cumprir seu objetivo principal, que é fornecer informações úteis aos interessados. Deve-se enfatizar que os resultados deste estudo confirmam que os indivíduos com alta capacidade cognitiva podem agir inconscientemente.

Com base na visão de que os indivíduos com maior nível de escolaridade tendem a resolver todas as questões do TRC (Stieger & Reips, 2016Stieger, S., & Reips, U. (2016). A limitation of the Cognitive Reflection Test: Familiarity. PeerJ, 4, 1-12.), todavia, consideramos que uma das limitações do nosso estudo é que a amostra analisada pode tender a apresentar níveis maiores de pontuações no TRC. Isso ocorre porque a maioria dos participantes são estudantes universitários, profissionais formados e estudantes de mestrado e doutorado.

Outra limitação é que não realizamos os procedimentos para selecionar uma amostra aleatória. Sendo assim, nossos resultados são apenas válidos para a amostra analisada. Além disso, para evitar um questionário longo, outra limitação é que escolhemos apenas uma mensuração da capacidade cognitiva (pontuação no TRC). Recomendamos, portanto, que os estudos futuros examinem outras alternativas para esse teste, como o teste de pessoal de Wonderlic (WPT), a escala de necessidade de cognição (NFC) e o autorrelato SAT e ACT.

Para os estudos futuros, também sugerimos aplicar o instrumento de pesquisa (Apêndice A Apêndice A - Instrumento de pesquisa ) a outros indivíduos de diferentes cursos para verificar se os resultados são consistentes ou se há diferenças em razão de sua área de formação. Um estudo diferente poderia fazer uso do questionário, aplicando-o a qualquer área de formação para provar a incidência de vieses nos processos de julgamento e tomada de decisão. Também sugerimos utilizar experimentos para investigar se situações que simulam a realidade e possuem variáveis de controle também evidenciam a incidência dos vieses da heurística da representatividade; assim como sugerimos desenvolver e aplicar um novo instrumento que aborde os vieses cognitivos da heurística da disponibilidade, ancoragem e ajuste.

Finalmente, é importante destacar que nossos resultados podem estar sujeitos aos efeitos da confusão. Acreditamos, entretanto, que a abordagem estatística utilizada no estudo evitou esse problema, embora não tenha sido possível obter uma amostra efetivamente aleatória.

Apesar de mitigar possíveis efeitos de confusão de gênero e de formação acadêmica em nossas variáveis dependentes (vieses cognitivos) e independentes (capacidade cognitiva), quando testamos vieses cognitivos específicos, é possível que outros vieses estejam interrelacionados. Sendo assim, os estudos futuros poderiam explorar essa questão ao examinar possíveis efeitos de confusão entre os vieses cognitivos.

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Apêndice A - Instrumento de pesquisa

Apêndice B - Matriz de correlação

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 1 Pontuação TRC 1 2 Insensibilidade à taxa básica -0,200 1 3 Insensibilidade ao tamanho da amostra 0,029 0,337 1 4 Equívocos de chance -0,100 0,344 0,346 1 5 Falácia da regressão -0,328 0,646 0,288 0,220 1 6 Ilusão de validade -0,207 0,313 0,243 0,324 0,251 1 7 Insensibilidade à previsibilidade -0,015 0,214 0,173 0,231 0,141 0,244 1 8 Gênero 0,214 -0,090 -0,009 -0,043 -0,082 -0,032 0,061 1 9 Idade 0,061 -0,087 -0,036 -0,016 -0,057 0,053 0,028 0,151 1 10 Nível técnico 0,011 0,038 -0,003 -0,027 -0,001 -0,043 0,020 0,027 0,030 1 11 Superior completo 0,008 0,072 0,002 0,020 0,036 -0,003 -0,017 -0,015 0,161 -0,032 1 12 Especialização 0,046 -0,051 -0,047 -0,061 -0,003 -0,009 -0,023 0,039 0,326 -0,024 -0,218 1 13 Mestrado 0,053 -0,114 -0,035 -0,057 -0,093 -0,014 0,076 0,058 0,294 -0,018 -0,168 -0,124 1 14 Doutorado 0,090 -0,102 0,003 -0,016 -0,122 -0,025 -0,006 0,056 0,252 -0,010 -0,097 -0,072 -0,055 1 Coeficientes em negrito são significativos em nível de 5%.

Editor Responsável:

Prof. Dr. Joelson Sampaio

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2021

Histórico

  • Recebido
    01 Nov 2018
  • Aceito
    07 Jul 2020
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