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Todos em Um: Influenciadores Digitais Como Agentes de Mercado da Cultura Pop

Resumo

Objetivo

Considerando a crescente relevância dos influenciadores digitais nas práticas de consumo e a emergência do Brasil como um dos principais mercados da cultura pop no mundo, o estudo visa entender como os canais de influenciadores digitais da cultura pop do Brasil produzem paratextos que complementam e ampliam a experiência de consumo de textos midiáticos.

Referencial teórico

Influenciadores digitais são articulados como mediadores de consumo por meio das noções de ideologias e agências de mercado estabelecidas por discursos de discursos de mídia, com base na teoria foucaultiana do saber e a teoria da paratextualidade.

Metodologia

Usando a análise foucaultiana do discurso, a pesquisa analisa 4.006 miniaturas de vídeos publicadas entre janeiro de 2017 e julho de 2019 dos cinco principais canais brasileiros do YouTube especializados em cultura pop e indústria do entretenimento. As formações discursivas identificadas apontam para três posições ideológicas assumidas pelos canais de influenciadores digitais: como imprensa, ressonando analiticamente a indústria do entretenimento; como fãs, divulgando a cultura pop para um público cativo; e como promotores, assumindo um papel de marketing no desenvolvimento da demanda. Juntos, esses discursos evidenciam uma episteme fundada em uma agência de mercado.

Implicações práticas e sociais da pesquisa

O estudo propõe um importante insight teórico, uma vez que influenciadores digitais evidenciam uma sobreposição de papéis desempenhados como agentes de mercado (por exemplo, consumidores, produtores, mediadores), que são frequentemente bem demarcados pela literatura. Especificamente, evoca uma reflexão ética sobre essa conduta e reverbera sua prática na autoria da cultura pop, trazendo luz a questões tanto sociais quanto práticas a esse respeito. Além disso, o estudo também apresenta como implicação prática a importância dos influenciadores na influência das práticas de consumo por meio de seus discursos.

Contribuições

O estudo aborda a concepção de produção paratextual como um diálogo teórico interdisciplinar para a tradição de pesquisa da teoria da cultura de consumo.

Palavras-chave:
Influenciadores digitais; paratexto; ideologias de mercado; mídia; análise foucaultiana do discurso

Abstract

Purpose

Considering the growing relevance of digital influencers in consumer practices and the emergence of Brazil as one of the main popular culture markets in the world, this study aims to understand how Brazilian popular culture digital influencer channels produce paratexts that complement and broaden the consumption experience of media texts.

Theoretical framework

Digital influencers operate as consumption mediators through the notions of marketplace ideologies and agencies established by media discourses, grounded by the Foucauldian Theory of Knowledge and the Theory of Paratextuality.

Design/methodology/approach

Using Foucauldian discourse analysis the research analyzes 4,006 video thumbnails posted between January 2017 and July 2019 from the top-five Brazilian YouTube channels specialized in popular culture and the entertainment industry.

Findings

The identified discursive formations point to three ideological positions taken by the digital influencer channels: as press, analytically resonating the entertainment industry; as fans, touting popular culture to a captive audience; and as promoters, assuming a marketing role in demand development. Altogether, these discourses evidence an episteme founded in market agency.

Practical & social implications of research

The study proposes an important theoretical insight, since digital influencers evidence an overlap of roles performed as market agents (e.g., consumers, producers, mediators), which are often well demarcated by the literature. Specifically, it evokes an ethical reflection on such conduct and reverberates their actions in authoring popular culture, bringing light to both social and practical concerns about it. Furthermore, the study also presents as a practical implication the importance of digital influencers in inducing consumption practices through their discourses.

Originality/value

The study addresses the conception of paratextual production as an interdisciplinary theoretical dialogue for the Consumer Culture Theory research tradition.

Keywords:
Digital influencers; paratext; marketplace ideologies; media; Foucauldian discourse analysis

1 Introdução

Nos últimos anos, o contexto sociocultural vem mudando continuamente, o que se reflete nas práticas de consumo (Bardhi & Eckhardt, 2017Bardhi, F., & Eckhardt, G. M. (2017). Liquid consumption. The Journal of Consumer Research, 44(3), 582-597. http://dx.doi.org/10.1093/jcr/ucx050.
http://dx.doi.org/10.1093/jcr/ucx050...
; Schmitt, 2019Schmitt, B. (2019). From atoms to bits and back: A research curation on digital technology and agenda for future research. The Journal of Consumer Research, 46(4), 825-832. http://dx.doi.org/10.1093/jcr/ucz038.
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). Consequentemente, a pesquisa de marketing passou a considerar uma abordagem alternativa como possibilidade de investigar o consumo como prática cultural. Nesse empreendimento, Arnould e Thompson (2005)Arnould, E. J., & Thompson, C. J. (2005). Consumer culture theory (CCT): Twenty years of research. The Journal of Consumer Research, 31(4), 868-882. http://dx.doi.org/10.1086/426626.
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apresentam a existência de uma tradição de pesquisa alternativa que é definida como teoria da cultura de consumo (consumer culture theory ou CCT).

Apesar do nome, a CCT pode ser mais bem entendida como uma comunidade de pesquisa (Jantzen et al., 2012Jantzen, C., Fitchett, J., Østergaard, P., & Vetner, M. (2012). Just for fun? The emotional regime of experiential consumption. Marketing Theory, 12(2), 137-154. http://dx.doi.org/10.1177/1470593112441565.
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); é uma construção retórica emergente, materializada por meio da análise do consumo como prática cultural, a partir da combinação da experiência dos pesquisadores e da práxis social (Bode & Østergaard, 2013Bode, M., & Østergaard, P. (2013). ‘The wild and wacky worlds of consumer oddballs’: Analyzing the manifestary context of consumer culture theory. Marketing Theory, 13(2), 175-192. http://dx.doi.org/10.1177/1470593113478605.
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). Caracterizadas pela égide do paradigma interpretativo, essas investigações consideram que as relações de consumo não são mais interpretadas apenas na perspectiva utilitária ou comportamental, mas podem agora ser entendidas também como um fenômeno cultural (Arnould & Thompson, 2005Arnould, E. J., & Thompson, C. J. (2005). Consumer culture theory (CCT): Twenty years of research. The Journal of Consumer Research, 31(4), 868-882. http://dx.doi.org/10.1086/426626.
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, 2015Arnould, E., & Thompson, C. J. (2015). Introduction: Consumer culture theory: Ten years gone (and beyond). In A. E. Thyroff, J. B. Murray & R. W. Belk (Eds.) Consumer culture theory (Vol. 17, pp. 1-21). Bingley: Emerald Group Publishing Limited. http://dx.doi.org/10.1108/S0885-211120150000017001.
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).

A perspectiva cultural do consumo que orienta os estudos da CCT não vê a cultura como homogênea, mas como heterogênea – e tem investigado como as ideologias de mercado são propagadas por diferentes atores em práticas massivamente mensuradas (Arnould & Thompson, 2005Arnould, E. J., & Thompson, C. J. (2005). Consumer culture theory (CCT): Twenty years of research. The Journal of Consumer Research, 31(4), 868-882. http://dx.doi.org/10.1086/426626.
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, 2007Arnould, E. J., & Thompson, C. J. (2007). Consumer culture theory (and we really mean theoretics): Dilemmas and opportunities posed by an academic branding strategy. Research in Consumer Behavior, 11, 3-22. http://dx.doi.org/10.1016/S0885-2111(06)11001-7.
http://dx.doi.org/10.1016/S0885-2111(06)...
). Essa concepção se sobrepõe à ação política presente nas práticas de consumo, observada do ponto de vista de como os produtores tentam conduzir e reproduzir os comportamentos de consumo que lhes são satisfatórios (Arnould & Thompson, 2007Arnould, E. J., & Thompson, C. J. (2007). Consumer culture theory (and we really mean theoretics): Dilemmas and opportunities posed by an academic branding strategy. Research in Consumer Behavior, 11, 3-22. http://dx.doi.org/10.1016/S0885-2111(06)11001-7.
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; Casotti & Suarez, 2016Casotti, L. M., & Suarez, M. C. (2016). Dez anos de consumer culture theory: Delimitações e aberturas. Revista de Administração de Empresas, 56(3), 353-359. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-759020160308.
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), estabelecendo assim relações de poder (Arnould & Thompson, 2015Arnould, E., & Thompson, C. J. (2015). Introduction: Consumer culture theory: Ten years gone (and beyond). In A. E. Thyroff, J. B. Murray & R. W. Belk (Eds.) Consumer culture theory (Vol. 17, pp. 1-21). Bingley: Emerald Group Publishing Limited. http://dx.doi.org/10.1108/S0885-211120150000017001.
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).

A mídia tem sido fundamental nesse processo, pois articula verdades tomadas pelos agentes do mercado (Cronin & Hopkinson, 2017Cronin, J., & Hopkinson, G. (2017). Bodysnatching in the marketplace: Market-focused health activism and compelling narratives of dys-appearance. Marketing Theory, 18(3), 269-286. http://dx.doi.org/10.1177/1470593117740754.
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). Isso porque o discurso midiático manifesta valores sociais presentes em determinados contextos a partir de suas representações da realidade presentes em sua produção e recepção (Fairclough, 1995Fairclough, N. (1995). Media discourse. London: Longman.; Freitas et al., 2019Freitas, C. H. G., Dornela, F. J., Silva, M. C., Valadão Jr., V. M., & Medeiros, C. R. de O. (2019). Representações discursivas da Veja e Carta Capital sobre o rompimento da barragem da Samarco: Crime e desastre. Revista Ciências Administrativas, 25(2), 1-16. http://dx.doi.org/10.5020/2318-0722.2019.7225.
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). Os produtores constroem seus textos midiáticos no pressuposto de que serão interpretados pelos consumidores, porém, os consumidores incorporam suas próprias condições interpretativas à sua leitura (Charaudeau, 2006Charaudeau, P. (2006). Discurso das mídias. São Paulo: Contexto.; O’Keeffe, 2006O’Keeffe, A. (2006). Investigating media discourse. London: Routledge. http://dx.doi.org/10.4324/9780203015704.
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).

O papel da mídia foi alterado pela ressonância das redes sociais (Paiva et al., 2017Paiva, A. L., Garcia, A. S., & Alcântara, V. C. (2017). Disputas discursivas sobre corrupção no Brasil: Uma análise discursivo-crítica no Twitter. Revista de Administração Contemporânea, 21(5), 627-647. http://dx.doi.org/10.1590/1982-7849rac2017160163.
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), que estão se tornando – cada vez mais – um recurso estratégico para promover marcas e produtos (McQuarrie et al., 2013McQuarrie, E. F., Miller, J., & Phillips, B. J. (2013). The megaphone effect: Taste and audience in fashion blogging. The Journal of Consumer Research, 40(1), 136-158. http://dx.doi.org/10.1086/669042.
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; Uzuñoglu & Kip, 2014Uzuñoglu, E., & Kip, S. M. (2014). Brand communication through digital influencers: Leveraging blogger engagement. International Journal of Information Management, 34(5), 592-602. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijinfomgt.2014.04.007.
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). Tais plataformas permitem não apenas um feedback instantâneo sobre o nível de interação e alcance da propagação do conteúdo produzido para a sua mídia, mas também permitem que os usuários formem canais de relacionamento diretos e interativos (Van Dijck, 2013Van Dijck, J. (2013). The culture of connectivity: A critical history of social media. Oxford: OUP. http://dx.doi.org/10.1093/acprof:oso/9780199970773.001.0001.
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). As redes sociais são expoentes de possibilidades de novas estratégias de marketing baseadas em práticas de comunicação que, entre outros fatores, legitimam o papel dos influenciadores digitais nesse contexto (Sette & Brito, 2020Sette, G., & Brito, P. Q. (2020). To what extent are digital influencers creative? Creativity and Innovation Management, 29(51), 90-102. http://dx.doi.org/10.1111/caim.12365.
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; Zanette et al., 2013Zanette, M. C., Brito, E. P. Z., & Coutinho, M. (2013). New influentials: An exploratory study on blogs. Journal of Direct, Data and Digital Marketing Practice, 15(1), 36-46. http://dx.doi.org/10.1057/dddmp.2013.45.
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).

O impacto dos influenciadores digitais nas práticas de consumo se baseia na forma como eles alcançam milhões de usuários por meio de seus perfis nas plataformas sociais (Sudha & Sheena, 2017Sudha, M., & Sheena, K. (2017). Impact of influencers in consumer decision process: The fashion industry. SCMS Journal of Indian Management, 14(3), 14-30. https://www.scms.edu.in/uploads/journal/articles/article_12.pdf
https://www.scms.edu.in/uploads/journal/...
). De forma crescente, os consumidores confiam mais nesses influenciadores do que nas comunicações da marca e, portanto, eles se tornaram alvo de endosso de marketing (Magno & Cássia, 2018Magno, F., & Cássia, F. (2018). The impact of social media influencers in tourism. Anatolia, 29(2), 288-290. http://dx.doi.org/10.1080/13032917.2018.1476981.
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; Uzuñoglu & Kip, 2014Uzuñoglu, E., & Kip, S. M. (2014). Brand communication through digital influencers: Leveraging blogger engagement. International Journal of Information Management, 34(5), 592-602. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijinfomgt.2014.04.007.
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). Os influenciadores digitais constroem sua autoridade a partir da confiança e da autenticidade que demonstram ao expressar projetos de identidade congruentes com as perspectivas e expectativas de seu público (McQuarrie et al., 2013McQuarrie, E. F., Miller, J., & Phillips, B. J. (2013). The megaphone effect: Taste and audience in fashion blogging. The Journal of Consumer Research, 40(1), 136-158. http://dx.doi.org/10.1086/669042.
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; Sette & Brito, 2020Sette, G., & Brito, P. Q. (2020). To what extent are digital influencers creative? Creativity and Innovation Management, 29(51), 90-102. http://dx.doi.org/10.1111/caim.12365.
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; Zanette et al., 2013Zanette, M. C., Brito, E. P. Z., & Coutinho, M. (2013). New influentials: An exploratory study on blogs. Journal of Direct, Data and Digital Marketing Practice, 15(1), 36-46. http://dx.doi.org/10.1057/dddmp.2013.45.
http://dx.doi.org/10.1057/dddmp.2013.45...
). Quando diferentes agentes de marketing – como é o caso dos influenciadores digitais e seu público – convergem para manifestações de projetos de identidade do consumidor, eles são capazes, inclusive, de legitimar, desestabilizar ou transformar ideologias de mercado (Thompson, 2004Thompson, C. J. (2004). Marketplace mythology and discourses of power. The Journal of Consumer Research, 31(1), 162-180. http://dx.doi.org/10.1086/383432.
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; Thompson et al., 2018Thompson, C. J., Henry, P. C., & Bardhi, F. (2018). Theorizing reactive reflexivity: Lifestyle displacement and discordant performances of taste. The Journal of Consumer Research, 45(3), 571-594. http://dx.doi.org/10.1093/jcr/ucy018.
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).

De acordo com isso, é comum investigar como os influenciadores digitais costumam conduzir as atitudes e percepções de seu público, tornando-se agentes relevantes para a promoção midiática das marcas (Sette & Brito, 2020Sette, G., & Brito, P. Q. (2020). To what extent are digital influencers creative? Creativity and Innovation Management, 29(51), 90-102. http://dx.doi.org/10.1111/caim.12365.
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; Uzuñoglu & Kip, 2014Uzuñoglu, E., & Kip, S. M. (2014). Brand communication through digital influencers: Leveraging blogger engagement. International Journal of Information Management, 34(5), 592-602. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijinfomgt.2014.04.007.
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). Os conteúdos que eles produzem podem ser entendidos como textos complementares que fazem alusão ao conteúdo mainstream. Esses textos assemelham-se aos paratextos propostos por Genette (1987)Genette, G. (1987). Paratexts: Thresholds of interpretation. Cambridge: Cambridge University Press.: textos que são produzidos de forma alusiva a outro texto que, apesar de autônomo ao paratexto, pode ter sua leitura aprimorada por ele. A função do paratexto vai da complementação à extrapolação, pois proporciona ao leitor novas interpretações de suas leituras (Gray, 2010Gray, J. (2010). Show sold separately: Promos, spoilers, and other media paratexts. New York: New York University Press.).

Nesse sentido, a paratextualidade é a produção de um texto que complementa ou extrapola um texto original (Genette, 1987Genette, G. (1987). Paratexts: Thresholds of interpretation. Cambridge: Cambridge University Press.; Gray, 2010Gray, J. (2010). Show sold separately: Promos, spoilers, and other media paratexts. New York: New York University Press.). Entre suas funções está a de repassar os produtos e preparar os consumidores para a experiência de consumo (Hills & Garde-Hansen, 2017Hills, M., & Garde-Hansen, J. (2017). Fandom’s paratextual memory: Remembering, reconstructing, and repatriating “lost” Doctor Who. Critical Studies in Media Communication, 34(2), 1-20. http://dx.doi.org/10.1080/15295036.2017.1293276.
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; Sørenssen, 2016Sørenssen, I. K. (2016). Consuming Disney Channel: An actor-network perspective. Young Consumers, 17(4), 363-375. http://dx.doi.org/10.1108/YC-05-2016-00601.
http://dx.doi.org/10.1108/YC-05-2016-006...
). Assim, o conteúdo produzido para influenciadores digitais sobre cultura popular – segmento que vem se tornando cada vez mais emblemático para os estudos da CCT (McQuarrie et al., 2013McQuarrie, E. F., Miller, J., & Phillips, B. J. (2013). The megaphone effect: Taste and audience in fashion blogging. The Journal of Consumer Research, 40(1), 136-158. http://dx.doi.org/10.1086/669042.
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; Sugihartati, 2020Sugihartati, R. (2020). Youth fans of global popular culture: Between prosumer and free digital labourer. Journal of Consumer Culture, 20(3), 305-323. http://dx.doi.org/10.1177/1469540517736522.
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) – pode ser entendido como paratextos in-media-res (Mittell, 2015Mittell, J. (2015). Complex TV: The poetics of contemporary television storytelling. London: New York University Press.; Steiner, 2015Steiner, T. (2015). Steering the author discourse: The construction of authorship in quality tv and the case of Game of Thrones. International Journal of TV Serial Narratives, 1(2), 181-192. http://dx.doi.org/10.6092/issn.2421-454X/5903.
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) que permitem complementar ou ampliar a compreensão dos produtos midiáticos (Duffett, 2013Duffett, M. (2013). Understanding fandom: An introduction to the study of media fan culture. London: Bloomsbury. http://dx.doi.org/10.5040/9781501388354.
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) e dos discursos que emergem em torno deles (Dalmonte, 2015Dalmonte, E. F. (2015). Novos cenários comunicacionais no contexto das mídias interativas: O espalhamento midiático. Revista FAMECOS: Mídia, Cultura e Tecnologia, 22(2), 99-114. http://dx.doi.org/10.15448/1980-3729.2015.2.19729.
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).

Assim, a pesquisa visa compreender como os canais de influenciadores digitais da cultura popular produzem paratextos que complementam e ampliam o consumo de textos midiáticos. Contribui para uma agenda CCT ao abordar as mediações ideológicas do consumo, tema relevante e muito menos investigado do que as práticas dos consumidores e até das marcas. A propósito, o presente estudo se concentra em um ator de mercado emergente com crescente interesse na tradição de pesquisa.

A pesquisa se justifica por explorar a produção de conteúdo dos influenciadores digitais como forma de explorar os discursos midiáticos (Cotter, 2019Cotter, K. (2019). Playing the visibility game: How digital influencers and algorithms negotiate influence on Instagram. New Media & Society, 21(4), 895-913. http://dx.doi.org/10.1177/1461444818815684.
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; Godey et al., 2016Godey, B., Manthiou, A., Perdezoli, D., Rokka, J., Aiello, G., Donvito, R., & Singh, R. (2016). Social media marketing efforts of luxury brands: Influence on brand equity and consumer behavior. Journal of Business Research, 69(12), 5833-5841. http://dx.doi.org/10.1016/j.jbusres.2016.04.181.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jbusres.2016...
; Uzuñoglu & Kip, 2014Uzuñoglu, E., & Kip, S. M. (2014). Brand communication through digital influencers: Leveraging blogger engagement. International Journal of Information Management, 34(5), 592-602. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijinfomgt.2014.04.007.
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) – algo que cada vez mais permite estabelecer e transformar ideologias e agências de mercado (Cronin & Hopkinson, 2017Cronin, J., & Hopkinson, G. (2017). Bodysnatching in the marketplace: Market-focused health activism and compelling narratives of dys-appearance. Marketing Theory, 18(3), 269-286. http://dx.doi.org/10.1177/1470593117740754.
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; Thompson et.al., 2018). Além disso, fundamenta-se nos paratextos como conceito frutífero no estabelecimento de relações de mercado. Apesar do conceito de paratexto já estar estabelecido nos estudos culturais (Gray, 2010Gray, J. (2010). Show sold separately: Promos, spoilers, and other media paratexts. New York: New York University Press.; Hills & Garde-Hansen, 2017Hills, M., & Garde-Hansen, J. (2017). Fandom’s paratextual memory: Remembering, reconstructing, and repatriating “lost” Doctor Who. Critical Studies in Media Communication, 34(2), 1-20. http://dx.doi.org/10.1080/15295036.2017.1293276.
http://dx.doi.org/10.1080/15295036.2017....
), ainda é pouco explorado pela pesquisa do consumidor (Hackley & Hackley, 2019Hackley, C., & Hackley, A. R. (2019). Advertising at the threshold: Paratextual promotion in the era of media convergence. Marketing Theory, 19(2), 195-215. http://dx.doi.org/10.1177/1470593118787581.
http://dx.doi.org/10.1177/14705931187875...
).

Para tanto, buscamos apresentar, nas seções de literatura, uma articulação entre os discursos midiáticos presentes nas ideologias e nas agências de mercado. Em seguida, exploramos como funciona o papel do influenciador digital como mediador do consumidor enquanto produção paratextual de produtos midiáticos. Mais adiante, na seção metodológica, são apresentados os conceitos e nossa execução da análise foucaultiana do discurso. Só então os resultados são discutidos e, posteriormente, refletidos para dar continuidade ao que é utilizado como base teórica do estudo. Por fim, respondemos à questão de pesquisa e apontamos possibilidades para futuras agendas de pesquisa na seção de considerações finais.

2 Referencial teórico

Conforme desenvolvido na elaboração do problema de pesquisa, o presente estudo tem como foco a paratextualidade do influenciador digital para estabelecer discursos de mercado. Para tanto, a pesquisa apresenta brevemente a CCT como uma alternativa à pesquisa do consumidor. A partir de um de seus domínios temáticos, assume que as ideologias de mercado estabelecem os discursos midiáticos. Esses discursos levam à produção de paratextos que tratam de objetos culturais. Os influenciadores digitais, responsáveis por criar e difundir parte desses paratextos, atuam como mediadores das práticas de consumo, como mostra a Figura 1. As seções abaixo articulam essas conexões.

Figura 1
Estrutura conceitual

2.1 Ideologias de mercado: um domínio temático da teoria da cultura de consumo

A proposição da teoria da cultura de consumo como tradição alternativa de pesquisa do consumidor reflete um movimento crescente que busca compreender de que forma as mudanças socioculturais recentes afetam as práticas de consumo. Para tanto, vale investigar o consumo relacionado a conceitos da antropologia culturalista, a realidade entendida como construção sociocultural, subjetividades presentes nas relações humanas e aspectos simbólicos que estimulam práticas interacionais como o consumo (Gaião et al., 2012Gaião, B., Souza, I., & Leão, A. (2012). Consumer culture theory (CCT) já é uma escola de pensamento em marketing? ERA: Revista De Administração de Empresas, 52(3), 330-344. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-75902012000300005.
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-75902012...
; Jantzen et al., 2012Jantzen, C., Fitchett, J., Østergaard, P., & Vetner, M. (2012). Just for fun? The emotional regime of experiential consumption. Marketing Theory, 12(2), 137-154. http://dx.doi.org/10.1177/1470593112441565.
http://dx.doi.org/10.1177/14705931124415...
).

Na proposição original, Arnould e Thompson (2005)Arnould, E. J., & Thompson, C. J. (2005). Consumer culture theory (CCT): Twenty years of research. The Journal of Consumer Research, 31(4), 868-882. http://dx.doi.org/10.1086/426626.
http://dx.doi.org/10.1086/426626...
apresentam domínios temáticos que ilustram a existência da tradição alternativa de pesquisa do consumidor desde a década de 1980. Dois anos depois, os autores (Arnould & Thompson, 2007Arnould, E. J., & Thompson, C. J. (2007). Consumer culture theory (and we really mean theoretics): Dilemmas and opportunities posed by an academic branding strategy. Research in Consumer Behavior, 11, 3-22. http://dx.doi.org/10.1016/S0885-2111(06)11001-7.
http://dx.doi.org/10.1016/S0885-2111(06)...
) revisitaram seu estudo seminal para indicar como os quatro domínios apresentados não são fixos e desconexos, mas fluidos e sobrepostos. Essa característica revela como a CCT é uma pesquisa tradicional que engloba um conjunto de perspectivas teóricas para compreender o consumo como fenômeno cultural. Esses domínios são mutuamente inter-relacionados; eles se manifestam em diferentes contextos de consumo, revelando que a CCT funciona como uma exploração heurística da instância cultural inerente às práticas de consumo (Arnould & Thompson, 2018Arnould, E. J., & Thompson, C. J. (Eds.). (2018). Consumer culture theory. Thousand Oaks: Sage.; Arnould et al., 2020Arnould, E. J., Thompson, C. J., & Press, M. (2020). Consumer culture theory. In R. Mir & A.-L. Fayard (Eds.), The Routledge companion to anthropology and business (pp. 118-131). New York: Routledge. http://dx.doi.org/10.4324/9781003052456-7.
http://dx.doi.org/10.4324/9781003052456-...
). Os quatro domínios temáticos são: projetos de identidade do consumidor, considerando que as práticas de mercado reúnem uma gama de recursos míticos e simbólicos por meio dos quais os consumidores – as pessoas que interagem com determinado produto, seja por meio de recursos financeiros ou não – constroem e mantêm as manifestações de suas identidades (Belk, 1988Belk, R. W. (1988). Possessions and the extended self. The Journal of Consumer Research, 15(2), 139-168. http://dx.doi.org/10.1086/209154.
http://dx.doi.org/10.1086/209154...
; Holt, 2002Holt, D. B. (2002). Why do brands cause trouble? A dialectical theory of consumer culture and branding. The Journal of Consumer Research, 29(1), 70-90. http://dx.doi.org/10.1086/339922.
http://dx.doi.org/10.1086/339922...
); culturas de mercado, no esforço acadêmico para desvendar os processos pelos quais contextos culturais específicos instanciam a cultura do consumo, abordando as maneiras pelas quais os consumidores criam sentimentos de conexão com outros agentes de marketing a partir de interesses comuns e práticas de consumo (Kozinets, 2002Kozinets, R. V. (2002). Can consumers escape the market? Emancipatory illuminations from burning man. The Journal of Consumer Research, 29(1), 20-38. http://dx.doi.org/10.1086/339919.
http://dx.doi.org/10.1086/339919...
; Muñiz & O’Guinn, 2001Muñiz Jr., A., & O’Guinn, T. C. (2001). Brand communities. The Journal of Consumer Research, 27(4), 412-432. http://dx.doi.org/10.1086/319618.
http://dx.doi.org/10.1086/319618...
); a padronização sócio-histórica do consumo, linha de pesquisa dedicada a investigar de que forma as estruturas socialmente institucionalizadas (por exemplo, classe, etnia, gênero) influenciam sistematicamente o consumo (Otnes et al., 1993Otnes, C., Lowrey, T., & Kim, Y. C. (1993). Gift selection for easy and difficult recipients: A social roles interpretation. The Journal of Consumer Research, 20(2), 229-244. http://dx.doi.org/10.1086/209345.
http://dx.doi.org/10.1086/209345...
; Wallendorf, 2001Wallendorf, M. (2001). Literally literacy. The Journal of Consumer Research, 27(4), 505-511. http://dx.doi.org/10.1086/319625.
http://dx.doi.org/10.1086/319625...
); e, por fim, as ideologias de mercado midiáticas e as estratégias interpretativas dos consumidores, que apresenta os estudos que examinam os sistemas de significados capazes de canalizar e reproduzir ações e pensamentos de consumidores que buscam manter interesses dominantes na sociedade – as ideologias de mercado (Hirschman, 1993Hirschman, E. C. (1993). Ideology in consumer research, 1980 and 1990: A marxist and feminist critique. The Journal of Consumer Research, 19(4), 537-555. http://dx.doi.org/10.1086/209321.
http://dx.doi.org/10.1086/209321...
; Thompson, 2004Thompson, C. J. (2004). Marketplace mythology and discourses of power. The Journal of Consumer Research, 31(1), 162-180. http://dx.doi.org/10.1086/383432.
http://dx.doi.org/10.1086/383432...
).

As ideologias de mercado articulam a construção de sentido e as posições subjetivas (Casotti & Suarez, 2016Casotti, L. M., & Suarez, M. C. (2016). Dez anos de consumer culture theory: Delimitações e aberturas. Revista de Administração de Empresas, 56(3), 353-359. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-759020160308.
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-75902016...
; Gaião et al., 2012Gaião, B., Souza, I., & Leão, A. (2012). Consumer culture theory (CCT) já é uma escola de pensamento em marketing? ERA: Revista De Administração de Empresas, 52(3), 330-344. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-75902012000300005.
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-75902012...
), estabelecendo políticas de consumo que envolvem a fragmentação e reconfiguração das redes de poder (Arnould & Thompson, 2015Arnould, E., & Thompson, C. J. (2015). Introduction: Consumer culture theory: Ten years gone (and beyond). In A. E. Thyroff, J. B. Murray & R. W. Belk (Eds.) Consumer culture theory (Vol. 17, pp. 1-21). Bingley: Emerald Group Publishing Limited. http://dx.doi.org/10.1108/S0885-211120150000017001.
http://dx.doi.org/10.1108/S0885-21112015...
; Bode & Østergaard, 2013Bode, M., & Østergaard, P. (2013). ‘The wild and wacky worlds of consumer oddballs’: Analyzing the manifestary context of consumer culture theory. Marketing Theory, 13(2), 175-192. http://dx.doi.org/10.1177/1470593113478605.
http://dx.doi.org/10.1177/14705931134786...
), refletidas no governo das relações de consumo (Cronin & Hopkinson, 2017Cronin, J., & Hopkinson, G. (2017). Bodysnatching in the marketplace: Market-focused health activism and compelling narratives of dys-appearance. Marketing Theory, 18(3), 269-286. http://dx.doi.org/10.1177/1470593117740754.
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). Da mesma forma, tais políticas produzem padrões a serem incorporados às novas posições identitárias exercidas pelos consumidores (Arnould et al., 2020Arnould, E. J., Thompson, C. J., & Press, M. (2020). Consumer culture theory. In R. Mir & A.-L. Fayard (Eds.), The Routledge companion to anthropology and business (pp. 118-131). New York: Routledge. http://dx.doi.org/10.4324/9781003052456-7.
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; Thompson et al., 2018Thompson, C. J., Henry, P. C., & Bardhi, F. (2018). Theorizing reactive reflexivity: Lifestyle displacement and discordant performances of taste. The Journal of Consumer Research, 45(3), 571-594. http://dx.doi.org/10.1093/jcr/ucy018.
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). Assim, as políticas de consumo são caracterizadas pela forma como diferentes atores do mercado exercem ações políticas e produzem significados e posições subjetivas (Arnould & Thompson, 2018Arnould, E. J., & Thompson, C. J. (Eds.). (2018). Consumer culture theory. Thousand Oaks: Sage.; Coskuner-Balli & Thompson, 2013Coskuner-Balli, G., & Thompson, C. J. (2013). The status costs of subordinate cultural capital: At-home fathers’ collective pursuit of cultural legitimacy through capitalizing consumption practices. The Journal of Consumer Research, 40(1), 19-41. http://dx.doi.org/10.1086/668640.
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).

Analisar o mercado como redes mediadas pelo consumo permite compreender a cultura como um campo discursivo que engloba práticas individuais e coletivas capazes de expressar os interesses subjetivos dos indivíduos (Arnould & Thompson, 2015Arnould, E., & Thompson, C. J. (2015). Introduction: Consumer culture theory: Ten years gone (and beyond). In A. E. Thyroff, J. B. Murray & R. W. Belk (Eds.) Consumer culture theory (Vol. 17, pp. 1-21). Bingley: Emerald Group Publishing Limited. http://dx.doi.org/10.1108/S0885-211120150000017001.
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; Peñaloza & Mish, 2011Peñaloza, L., & Mish, J. (2011). The nature and processes of market co-creation in triple bottom line firms: Leveraging insights from consumer culture theory and service dominant logic. Marketing Theory, 11(1), 9-34. http://dx.doi.org/10.1177/1470593110393710.
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). As redes mediadas pelo consumo também propõem a forma como conjuntos dinâmicos de práticas sociais refletem relações, interações, identidades e experiências de consumo (Cronin & Hopkinson, 2017Cronin, J., & Hopkinson, G. (2017). Bodysnatching in the marketplace: Market-focused health activism and compelling narratives of dys-appearance. Marketing Theory, 18(3), 269-286. http://dx.doi.org/10.1177/1470593117740754.
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; Souza-Leão & Costa, 2018Souza-Leão, A. L. M., & Costa, F. Z. N. (2018). Agenciados pelo desejo: O consumo produtivo dos potterheads. RAE: Revista de Administração de Empresas, 58(1), 895-913. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-759020180107.
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).

Como qualquer configuração social, os mercados são caracterizados como sistemas ideológicos. Para Arnould e Thompson (2005)Arnould, E. J., & Thompson, C. J. (2005). Consumer culture theory (CCT): Twenty years of research. The Journal of Consumer Research, 31(4), 868-882. http://dx.doi.org/10.1086/426626.
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, as ideologias midiatizadas em massa representam formas pelas quais os sistemas de produção cultural incitam os consumidores a idealizarem identidades e estilos de vida. Nessa perspectiva, Thompson (2004)Thompson, C. J. (2004). Marketplace mythology and discourses of power. The Journal of Consumer Research, 31(1), 162-180. http://dx.doi.org/10.1086/383432.
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considera que certos mitos de mercado geram significados. Isso ocorre porque esses mitos são, ao mesmo tempo, a base das ideologias, mas também apresentam as falhas que permitem ao consumidor disputar e transformar o contexto em que está inserido.

Por um lado, as contradições das ideologias de mercado são questionadas por meio da interatividade de subculturas de consumo específicas – que desafiam a forma como certas formas de publicidade transmitem significados culturais errados (Souza-Leão & Moura, 2018Souza-Leão, A. L. M., & Moura, B. M. (2018). Temos que pegar todos! Discursos identitários sobre o consumo de Pokémon GO no Brasil. Brazilian Journal of Marketing, 17(6), 895-913.; Kozinets, 2001Kozinets, R. V. (2001). Utopian enterprise: Articulating the meaning of Star Trek’s culture of consumption. The Journal of Consumer Research, 28(1), 67-88. http://dx.doi.org/10.1086/321948.
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). Por outro, as ideologias de mercado podem ditar as ações do consumidor, o que pode ser visto pela perspectiva de que os significados culturais permitem governar os consumidores (Cronin & Hopkinson, 2017Cronin, J., & Hopkinson, G. (2017). Bodysnatching in the marketplace: Market-focused health activism and compelling narratives of dys-appearance. Marketing Theory, 18(3), 269-286. http://dx.doi.org/10.1177/1470593117740754.
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; Mick & Buhl, 1992Mick, D., & Buhl, C. (1992). A Meaning-based model of advertising experiences. The Journal of Consumer Research, 19(3), 317-338. http://dx.doi.org/10.1086/209305.
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). De ambas as formas, a publicidade pode transmitir significados culturais adversos – seja para manter ideologias já estabelecidas em certas culturas (por exemplo, comunidades de marca) (Muñiz & O’Guinn, 2001Muñiz Jr., A., & O’Guinn, T. C. (2001). Brand communities. The Journal of Consumer Research, 27(4), 412-432. http://dx.doi.org/10.1086/319618.
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), seja para implementar conceitos desconhecidos ou que não têm valor cultural para determinados contextos locais por meio de práticas de mercado massivamente mediadas (Giesler, 2012Giesler, M. (2012). How doppelgänger brand images influence the market creation process: Longitudinal insights from the rise of Botox cosmetics. Journal of Marketing, 76(6), 55-68. http://dx.doi.org/10.1509/jm.10.0406.
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).

Além disso, ambas as possibilidades indicam uma articulação intersticial (Arnould & Thompson, 2007Arnould, E. J., & Thompson, C. J. (2007). Consumer culture theory (and we really mean theoretics): Dilemmas and opportunities posed by an academic branding strategy. Research in Consumer Behavior, 11, 3-22. http://dx.doi.org/10.1016/S0885-2111(06)11001-7.
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) entre os domínios temáticos da CCT que, posteriormente, se ajusta como um dos eixos conceituais da tradição alternativa de pesquisa do consumidor (Arnould & Thompson, 2015Arnould, E., & Thompson, C. J. (2015). Introduction: Consumer culture theory: Ten years gone (and beyond). In A. E. Thyroff, J. B. Murray & R. W. Belk (Eds.) Consumer culture theory (Vol. 17, pp. 1-21). Bingley: Emerald Group Publishing Limited. http://dx.doi.org/10.1108/S0885-211120150000017001.
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). O eixo considera que a cultura pode ser mais bem vista como uma rede distribuída, uma vez que as ações sociais refletem as estruturas institucionais – algo que pode ser explicado pela forma como as práticas interacionais como o consumo são fundamentalmente moldadas por instituições culturalmente localizadas (Canniford & Shankar, 2013Canniford, R., & Shankar, A. (2013). Purifying practices: How consumers assemble romantic experiences of nature. The Journal of Consumer Research, 39(5), 1051-1069. http://dx.doi.org/10.1086/667202.
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; Parmentier & Fischer, 2015Parmentier, M.-A., & Fischer, E. (2015). Things fall apart: The dynamics of brand audience dissipation. The Journal of Consumer Research, 41(5), 1228-1251. http://dx.doi.org/10.1086/678907.
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).

2.2 Agências estabelecidas entre ideologias de mercado e discursos midiáticos

Em um mundo onde a globalização cultural e econômica está cada vez mais incorporada às práticas de consumo, discursos de marketing como o entretenimento e a mídia são fontes de conexão entre diferentes consumidores (Schmitt, 2019Schmitt, B. (2019). From atoms to bits and back: A research curation on digital technology and agenda for future research. The Journal of Consumer Research, 46(4), 825-832. http://dx.doi.org/10.1093/jcr/ucz038.
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). Nesse processo, a mídia desempenha um papel primordial – e seu conteúdo assim atinge o status de verdade, quando incorporado e propagado pelos consumidores (Cronin & Hopkinson, 2017Cronin, J., & Hopkinson, G. (2017). Bodysnatching in the marketplace: Market-focused health activism and compelling narratives of dys-appearance. Marketing Theory, 18(3), 269-286. http://dx.doi.org/10.1177/1470593117740754.
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).

Ao considerar que a realidade social está intrinsecamente ligada às formas de comunicação, a mídia influencia e é influenciada por diversos agentes sociais (Thompson, 1995Thompson, J. B. (1995). A mídia e a modernidade: Uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes.), porque o consumo de produtos midiáticos pode ser entendido como prática resultante da interação de diferentes atores em arranjos dinâmicos – o que, por sua vez, apresenta as agências de mercado em condições e circunstâncias mutáveis ​​(Wallendorf, 2017Wallendorf, M. (2017). Is the price right? Moral and cultural frames for understanding pricing systems In J. F. Sherry Jr. & E. Fischer (Eds.), Contemporary consumer culture theory (pp. 59-84). London: Routledge. http://dx.doi.org/10.4324/9781315563947-5.
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). Isso pode ser observado na forma como os recursos de marketing são normalmente apropriados para representar as agências de mercado não fixas: há uma transição inerente entre os papéis de consumidores e produtores (Ruckenstein, 2015Ruckenstein, M. (2015). Playing nintendogs: Desire, distributed agency, and potentials of prosumption. Journal of Consumer Culture, 15(3), 351-370. http://dx.doi.org/10.1177/1469540513499225.
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; Souza-Leão & Costa, 2018Souza-Leão, A. L. M., & Costa, F. Z. N. (2018). Agenciados pelo desejo: O consumo produtivo dos potterheads. RAE: Revista de Administração de Empresas, 58(1), 895-913. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-759020180107.
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).

Nessa perspectiva, os estudos da CCT consideram que os consumidores são corresponsáveis pela agência que os orienta (Arnould & Thompson, 2015Arnould, E., & Thompson, C. J. (2015). Introduction: Consumer culture theory: Ten years gone (and beyond). In A. E. Thyroff, J. B. Murray & R. W. Belk (Eds.) Consumer culture theory (Vol. 17, pp. 1-21). Bingley: Emerald Group Publishing Limited. http://dx.doi.org/10.1108/S0885-211120150000017001.
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; Hoffman & Novak, 2018Hoffman, D. L., & Novak, T. P. (2018). Consumer and object experience in the internet of things: An assemblage theory approach. The Journal of Consumer Research, 44(6), 1178-1204. http://dx.doi.org/10.1093/jcr/ucx105.
http://dx.doi.org/10.1093/jcr/ucx105...
). Tal conceito emerge da teoria da assemblage (Giesler, 2012Giesler, M. (2012). How doppelgänger brand images influence the market creation process: Longitudinal insights from the rise of Botox cosmetics. Journal of Marketing, 76(6), 55-68. http://dx.doi.org/10.1509/jm.10.0406.
http://dx.doi.org/10.1509/jm.10.0406...
; Hoffman & Novak, 2018Hoffman, D. L., & Novak, T. P. (2018). Consumer and object experience in the internet of things: An assemblage theory approach. The Journal of Consumer Research, 44(6), 1178-1204. http://dx.doi.org/10.1093/jcr/ucx105.
http://dx.doi.org/10.1093/jcr/ucx105...
), quando diferentes elementos se alinham diante de contingências distintas. Essas contingências moldam os significados e efeitos contextualizados de arranjos que funcionam como agenciamentos de relações de mercado, compostos por diferentes elementos (por exemplo, consumidores, produtores) e seus discursos em uma rede de poder (Canniford & Bajde, 2016Canniford, R., & Bajde, D. (2016). Assembling consumption: Researching actors, networks, and markets. New York: Routledge.; Woermann, 2017Woermann, N. (2017). Back to the roots! Methodological situationalism and the postmodern lesson for studying tribes, practices, and assemblages. Marketing Theory, 17(2), 149-163. http://dx.doi.org/10.1177/1470593116679869.
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).

Segundo Thompson (2019)Thompson, C. J. (2019). The ‘big data’ myth and the pitfalls of ‘thick data’ opportunism: On the need for a different ontology of markets and consumption. Journal of Marketing Management, 35(3-4), 207-230. http://dx.doi.org/10.1080/0267257X.2019.1579751.
http://dx.doi.org/10.1080/0267257X.2019....
, discursos produzidos com o objetivo de serem semelhanças e, possivelmente, ressignificados pelos consumidores, costumam impactar a agência na estrutura do mercado. Em um escopo mais amplo, esses discursos manifestam representações da realidade que revelam propósitos sociais, identidades, ideologias e valores presentes em contextos (Fairclough, 1995Fairclough, N. (1995). Media discourse. London: Longman.; Freitas et al., 2019Freitas, C. H. G., Dornela, F. J., Silva, M. C., Valadão Jr., V. M., & Medeiros, C. R. de O. (2019). Representações discursivas da Veja e Carta Capital sobre o rompimento da barragem da Samarco: Crime e desastre. Revista Ciências Administrativas, 25(2), 1-16. http://dx.doi.org/10.5020/2318-0722.2019.7225.
http://dx.doi.org/10.5020/2318-0722.2019...
). Assim, tais discursos produzem verdades e refletem relações de poder que modificam culturas e práticas sociais (Canniford & Karababa, 2013Canniford, R., & Karababa, E. (2013). Partly primitive: Discursive constructions of the domestic surfer. Consumption Markets & Culture, 16(2), 119-144. http://dx.doi.org/10.1080/10253866.2012.662818.
http://dx.doi.org/10.1080/10253866.2012....
; Humphreys & Thompson, 2014Humphreys, A., & Thompson, C. J. (2014). Branding disaster: Reestablishing trust through the ideological containment of systemic risk anxieties. The Journal of Consumer Research, 41(4), 877-910. http://dx.doi.org/10.1086/677905.
http://dx.doi.org/10.1086/677905...
).

Charaudeau (2006)Charaudeau, P. (2006). Discurso das mídias. São Paulo: Contexto. propôs que o discurso midiático é estruturado por condições de produção e recepção. Uma estrutura que emerge por meio de uma configuração semiótico-discursiva que combina elementos de diferentes sistemas de linguagem. A instância produtora desse discurso pressupõe possíveis efeitos de sentido interpretativo sobre a audiência, mas os receptores o interpretam a partir de suas próprias concepções e condições de interpretação (Batinga et al., 2019Batinga, G. L., Pinto, M. R., & Guimarães, L. V. M. (2019). Por uma compreensão do mundo material: Uma biografia da marca Apple. Cadernos EBAPE.BR, 17(2), 263-276. http://dx.doi.org/10.1590/1679-395167383.
http://dx.doi.org/10.1590/1679-395167383...
; Charaudeau, 2006Charaudeau, P. (2006). Discurso das mídias. São Paulo: Contexto.). Assim, o discurso midiático pode ser entendido como uma representação da realidade que se articula por meio de condições de produção e recepção (Charaudeau, 2006Charaudeau, P. (2006). Discurso das mídias. São Paulo: Contexto.; O’Keeffe, 2006O’Keeffe, A. (2006). Investigating media discourse. London: Routledge. http://dx.doi.org/10.4324/9780203015704.
http://dx.doi.org/10.4324/9780203015704...
).

Consequentemente, o discurso da mídia não deve ser considerado homogêneo. Sua construção se dá pela justaposição de dois propósitos contraditórios: as perspectivas sobre a informação e a captura (Charaudeau, 2006Charaudeau, P. (2006). Discurso das mídias. São Paulo: Contexto.; O’Keeffe, 2006O’Keeffe, A. (2006). Investigating media discourse. London: Routledge. http://dx.doi.org/10.4324/9780203015704.
http://dx.doi.org/10.4324/9780203015704...
). Enquanto a primeira diz respeito ao compromisso ético de relatar com precisão e objetividade, a segunda refere-se à necessidade de atingir o maior público possível. Essa dualidade pode levar a uma mitigação da verve jornalística em favor de uma carga dramática para seduzir um público mais amplo.

2.3 Influenciadores digitais como mediadores do consumo

O papel da mídia foi ressignificado a partir da ressonância das redes sociais (Pedroni, 2016Pedroni, M. (2016). Meso-celebrities, fashion, and the media: How digital influencers struggle for visibility. Film. Fashion e Consumption, 5(1), 103-121. http://dx.doi.org/10.1386/ffc.5.1.103_1.
http://dx.doi.org/10.1386/ffc.5.1.103_1...
; Sette & Brito, 2020Sette, G., & Brito, P. Q. (2020). To what extent are digital influencers creative? Creativity and Innovation Management, 29(51), 90-102. http://dx.doi.org/10.1111/caim.12365.
http://dx.doi.org/10.1111/caim.12365...
). Elas reduzem as barreiras à participação social e ao debate, graças à sua natureza de esfera pública, permitindo que diferentes agentes participem da produção de textos midiáticos (Paiva et al., 2017Paiva, A. L., Garcia, A. S., & Alcântara, V. C. (2017). Disputas discursivas sobre corrupção no Brasil: Uma análise discursivo-crítica no Twitter. Revista de Administração Contemporânea, 21(5), 627-647. http://dx.doi.org/10.1590/1982-7849rac2017160163.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-7849rac20...
).

Dentre os agentes midiáticos que podem influenciar as práticas de consumo, os influenciadores digitais têm se destacado cada vez mais (Cotter, 2019Cotter, K. (2019). Playing the visibility game: How digital influencers and algorithms negotiate influence on Instagram. New Media & Society, 21(4), 895-913. http://dx.doi.org/10.1177/1461444818815684.
http://dx.doi.org/10.1177/14614448188156...
). Considerados microcelebridades, emergem da conexão com públicos específicos, cujas relações são estabelecidas tanto por sua capacidade informacional (ou seja, expertise em determinados assuntos) quanto pelos estímulos sensoriais e afetivos que emanam (ou seja, atratividade, autenticidade) (Cotter, 2019Cotter, K. (2019). Playing the visibility game: How digital influencers and algorithms negotiate influence on Instagram. New Media & Society, 21(4), 895-913. http://dx.doi.org/10.1177/1461444818815684.
http://dx.doi.org/10.1177/14614448188156...
; Kapitan & Silvera, 2015Kapitan, S., & Silvera, D. H. (2015). From digital media influencers to celebrity endorsers: Attributions drive endorser effectiveness. Marketing Letters, 27(3), 553-567. http://dx.doi.org/10.1007/s11002-015-9363-0.
http://dx.doi.org/10.1007/s11002-015-936...
). Enquanto as celebridades tradicionais tendem a manter uma distância protocolar de seu público, os influenciadores digitais se apropriam do potencial interativo das novas tecnologias de mídia (Hearn, 2008Hearn, A. (2008). Meat, mask, burden: Probing the contours of the branded “self”. Journal of Consumer Culture, 8(2), 197-217. http://dx.doi.org/10.1177/1469540508090086.
http://dx.doi.org/10.1177/14695405080900...
; Pedroni, 2016Pedroni, M. (2016). Meso-celebrities, fashion, and the media: How digital influencers struggle for visibility. Film. Fashion e Consumption, 5(1), 103-121. http://dx.doi.org/10.1386/ffc.5.1.103_1.
http://dx.doi.org/10.1386/ffc.5.1.103_1...
) para estabelecer a identificação e a proximidade com o público (Cotter, 2019Cotter, K. (2019). Playing the visibility game: How digital influencers and algorithms negotiate influence on Instagram. New Media & Society, 21(4), 895-913. http://dx.doi.org/10.1177/1461444818815684.
http://dx.doi.org/10.1177/14614448188156...
).

Os influenciadores costumam ser apreciados por sua confiabilidade e autenticidade (Childers et al., 2018Childers, C. C., Lemon, L. L., & Hoy, M. G. (2018). #Sponsored #Ad: Agency perspective on influencer marketing campaigns. Journal of Current Issues and Research in Advertising, 40(3), 258-274. http://dx.doi.org/10.1080/10641734.2018.1521113.
http://dx.doi.org/10.1080/10641734.2018....
; McQuarrie et al., 2013McQuarrie, E. F., Miller, J., & Phillips, B. J. (2013). The megaphone effect: Taste and audience in fashion blogging. The Journal of Consumer Research, 40(1), 136-158. http://dx.doi.org/10.1086/669042.
http://dx.doi.org/10.1086/669042...
; Sette & Brito, 2020Sette, G., & Brito, P. Q. (2020). To what extent are digital influencers creative? Creativity and Innovation Management, 29(51), 90-102. http://dx.doi.org/10.1111/caim.12365.
http://dx.doi.org/10.1111/caim.12365...
; Uzuñoglu & Kip, 2014Uzuñoglu, E., & Kip, S. M. (2014). Brand communication through digital influencers: Leveraging blogger engagement. International Journal of Information Management, 34(5), 592-602. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijinfomgt.2014.04.007.
http://dx.doi.org/10.1016/j.ijinfomgt.20...
), atraindo consumidores em busca de projetos de identidade com os quais se identifiquem (McQuarrie, et al., 2013McQuarrie, E. F., Miller, J., & Phillips, B. J. (2013). The megaphone effect: Taste and audience in fashion blogging. The Journal of Consumer Research, 40(1), 136-158. http://dx.doi.org/10.1086/669042.
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), e afetando suas escolhas e interesses com base na influência pessoal que exercem sobre outros indivíduos em sua rede (Sette & Brito, 2020Sette, G., & Brito, P. Q. (2020). To what extent are digital influencers creative? Creativity and Innovation Management, 29(51), 90-102. http://dx.doi.org/10.1111/caim.12365.
http://dx.doi.org/10.1111/caim.12365...
; Zanette, et al., 2013Zanette, M. C., Brito, E. P. Z., & Coutinho, M. (2013). New influentials: An exploratory study on blogs. Journal of Direct, Data and Digital Marketing Practice, 15(1), 36-46. http://dx.doi.org/10.1057/dddmp.2013.45.
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) – que a literatura de marketing tem concordado em considerar comunicação boca a boca (Godey et al., 2016Godey, B., Manthiou, A., Perdezoli, D., Rokka, J., Aiello, G., Donvito, R., & Singh, R. (2016). Social media marketing efforts of luxury brands: Influence on brand equity and consumer behavior. Journal of Business Research, 69(12), 5833-5841. http://dx.doi.org/10.1016/j.jbusres.2016.04.181.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jbusres.2016...
; Zanette, et al., 2013Zanette, M. C., Brito, E. P. Z., & Coutinho, M. (2013). New influentials: An exploratory study on blogs. Journal of Direct, Data and Digital Marketing Practice, 15(1), 36-46. http://dx.doi.org/10.1057/dddmp.2013.45.
http://dx.doi.org/10.1057/dddmp.2013.45...
). O YouTube tornou-se uma das plataformas mais propícias aos influenciadores digitais (Sudha & Sheena, 2017Sudha, M., & Sheena, K. (2017). Impact of influencers in consumer decision process: The fashion industry. SCMS Journal of Indian Management, 14(3), 14-30. https://www.scms.edu.in/uploads/journal/articles/article_12.pdf
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), porque tem tanto a capacidade de fornecer compartilhamento de conteúdo entre usuários (Van Dijck, 2013Van Dijck, J. (2013). The culture of connectivity: A critical history of social media. Oxford: OUP. http://dx.doi.org/10.1093/acprof:oso/9780199970773.001.0001.
http://dx.doi.org/10.1093/acprof:oso/978...
) quanto, por meio de algoritmos, direcionar os usuários a conteúdos relacionados às suas preferências e quantificar visualizações de vídeos (Dean, 2010Dean, J. (2010). Blog theory: Feedback and capture in the circuits of drive. London: Polity.).

Reconhecendo a capacidade dos influenciadores digitais de atuar na opinião do público, as organizações passaram a considerá-los como potenciais endossantes de seus produtos e serviços (Magno & Cassia, 2018Magno, F., & Cássia, F. (2018). The impact of social media influencers in tourism. Anatolia, 29(2), 288-290. http://dx.doi.org/10.1080/13032917.2018.1476981.
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; Uzuñoglu & Kip, 2014Uzuñoglu, E., & Kip, S. M. (2014). Brand communication through digital influencers: Leveraging blogger engagement. International Journal of Information Management, 34(5), 592-602. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijinfomgt.2014.04.007.
http://dx.doi.org/10.1016/j.ijinfomgt.20...
). Como os consumidores tendem a confiar mais nos influenciadores do que nas ações de promoção da marca (Sudha & Sheena, 2017Sudha, M., & Sheena, K. (2017). Impact of influencers in consumer decision process: The fashion industry. SCMS Journal of Indian Management, 14(3), 14-30. https://www.scms.edu.in/uploads/journal/articles/article_12.pdf
https://www.scms.edu.in/uploads/journal/...
; Uzuñoglu & Kip, 2014Uzuñoglu, E., & Kip, S. M. (2014). Brand communication through digital influencers: Leveraging blogger engagement. International Journal of Information Management, 34(5), 592-602. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijinfomgt.2014.04.007.
http://dx.doi.org/10.1016/j.ijinfomgt.20...
), eles passaram a ser entendidos como um meio de comunicação de marketing, como forma de construir a confiança e a credibilidade do consumidor (Gardner, 2005Gardner, S. (2005). Buzz marketing with blogs for dummies. New York: Wiley Publishing Inc.; Sudha & Sheena, 2017Sudha, M., & Sheena, K. (2017). Impact of influencers in consumer decision process: The fashion industry. SCMS Journal of Indian Management, 14(3), 14-30. https://www.scms.edu.in/uploads/journal/articles/article_12.pdf
https://www.scms.edu.in/uploads/journal/...
).

2.4 A paratextualidade dos produtos midiáticos

Ao tratar de determinados assuntos, o discurso midiático em geral e o conteúdo produzido pelos influenciadores digitais podem ser entendidos como paratextos. Originalmente apresentada por Genette (1987)Genette, G. (1987). Paratexts: Thresholds of interpretation. Cambridge: Cambridge University Press., a noção de paratexto refere-se aos elementos textuais que complementam a compreensão de uma determinada narrativa, orbitando um determinado conteúdo textual central. Para tanto, entende-se por texto qualquer materialidade que possa ser lida e interpretada, seja na forma escrita, visual, iconográfica, audiovisual etc.

Existem duas dimensões paratextuais: o peritexto amplia a materialidade de uma obra, mantendo uma relação direta com seu conteúdo; o epitexto, ao contrário, estabelece uma descontinuidade a que se refere. O peritexto é definido como textos periféricos e dependentes. Seu conteúdo só pode ser entendido em conjunto com o texto original. Sua função é complementar a leitura do próprio texto. O epitexto é concebido como textos autônomos e alusivos. Propõe-se ampliar a leitura do texto original, mas que não depende dele para ser compreendido. Sua função é ampliar as possibilidades do texto como um todo (Dalmonte, 2015Dalmonte, E. F. (2015). Novos cenários comunicacionais no contexto das mídias interativas: O espalhamento midiático. Revista FAMECOS: Mídia, Cultura e Tecnologia, 22(2), 99-114. http://dx.doi.org/10.15448/1980-3729.2015.2.19729.
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; Duffett, 2013Duffett, M. (2013). Understanding fandom: An introduction to the study of media fan culture. London: Bloomsbury. http://dx.doi.org/10.5040/9781501388354.
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; Genette, 1987Genette, G. (1987). Paratexts: Thresholds of interpretation. Cambridge: Cambridge University Press.).

Gray (2010)Gray, J. (2010). Show sold separately: Promos, spoilers, and other media paratexts. New York: New York University Press. apropriou-se do conceito para analisar produtos midiáticos, assumindo que toda produção referente a um texto midiático principal é um paratexto, inclusive aquelas feitas por meio de outras mídias e formatos (Fathallah, 2016Fathallah, J. (2016). Statements and silence: Fanfic paratexts for ASOIAF/Game of Thrones. Continuum (Perth), 30(1), 75-88. http://dx.doi.org/10.1080/10304312.2015.1099150.
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; Gray, 2010Gray, J. (2010). Show sold separately: Promos, spoilers, and other media paratexts. New York: New York University Press.; Steiner, 2015Steiner, T. (2015). Steering the author discourse: The construction of authorship in quality tv and the case of Game of Thrones. International Journal of TV Serial Narratives, 1(2), 181-192. http://dx.doi.org/10.6092/issn.2421-454X/5903.
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). Desse ponto de vista, duas funções podem ser atribuídas aos paratextos: o paratexto de entrada, que atua na expectativa do público, antecipa um ato de consumo (por exemplo, trailers, ações promocionais, materiais extras) (Gray, 2010Gray, J. (2010). Show sold separately: Promos, spoilers, and other media paratexts. New York: New York University Press.; Janes, 2015Janes, S. (2015). Promotional alternate reality games: More than “just” marketing. Arts and the Market, 5(2), 183-196. http://dx.doi.org/10.1108/AAM-07-2014-0027.
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); e paratexto in media res, com o papel de complementar a experiência do consumidor (por exemplo, teorias de fãs, resenhas da mídia especializada) (Gray, 2010Gray, J. (2010). Show sold separately: Promos, spoilers, and other media paratexts. New York: New York University Press.; Jenkins, 2009Jenkins, H. (2009). Confronting the challenges of participatory culture. Cambridge: The MIT Press. http://dx.doi.org/10.7551/mitpress/8435.001.0001.
http://dx.doi.org/10.7551/mitpress/8435....
; Sørenssen, 2016Sørenssen, I. K. (2016). Consuming Disney Channel: An actor-network perspective. Young Consumers, 17(4), 363-375. http://dx.doi.org/10.1108/YC-05-2016-00601.
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). Hills e Garde-Hansen (2017)Hills, M., & Garde-Hansen, J. (2017). Fandom’s paratextual memory: Remembering, reconstructing, and repatriating “lost” Doctor Who. Critical Studies in Media Communication, 34(2), 1-20. http://dx.doi.org/10.1080/15295036.2017.1293276.
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, por sua vez, propuseram uma terceira função para os paratextos, que é exteriorizar o próprio ponto de vista de seu agente produtor. Nessa perspectiva, os produtores entendem que a capacidade midiática dos paratextos permite aos leitores reconstruir, relembrar e repatriar o (para)texto, exteriorizando-o para novos públicos. Assim, os produtores terceirizam para seus leitores a tarefa de ampliar os sentidos do texto.

A paratextualização dos produtos midiáticos pode tanto ecoá-los quanto adicionar novos significados a eles (Gray, 2010Gray, J. (2010). Show sold separately: Promos, spoilers, and other media paratexts. New York: New York University Press.). Assim, isso pode promover a extensão do texto midiático, prolongar seu tempo de circulação, mantê-lo atualizado ou reforçar sua relevância. Por outro lado, isso também pode destacar pontos negativos de um texto midiático, desqualificá-lo e associá-lo a concepções socialmente desvalorizadas ou criticadas (Dalmonte, 2015Dalmonte, E. F. (2015). Novos cenários comunicacionais no contexto das mídias interativas: O espalhamento midiático. Revista FAMECOS: Mídia, Cultura e Tecnologia, 22(2), 99-114. http://dx.doi.org/10.15448/1980-3729.2015.2.19729.
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). Portanto, os paratextos são importantes tanto para a recepção dos textos originais aos quais se relacionam quanto para novas etapas da produção textual desses textos originais (Stanitzek, 2005Stanitzek, G. (2005). Texts and paratexts in media. Critical Inquiry, 32(1), 27-42. http://dx.doi.org/10.1086/498002.
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).

Com o advento das novas mídias, as possibilidades de produção paratextual foram ampliadas, fazendo com que as fronteiras que a delimitam praticamente não existam mais (Dalmonte, 2009Dalmonte, E. F. (2009). Pensar o discurso no webjornalismo: Temporalidade, paratexto e comunidades de experiência. Salvador: Edufba. http://dx.doi.org/10.7476/9788523212155.
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). Assim, os produtores de textos nos quais tais paratextos se apoiam tiveram de lidar com a crescente produção paratextual tanto da mídia quanto dos consumidores (Dalmonte, 2015Dalmonte, E. F. (2015). Novos cenários comunicacionais no contexto das mídias interativas: O espalhamento midiático. Revista FAMECOS: Mídia, Cultura e Tecnologia, 22(2), 99-114. http://dx.doi.org/10.15448/1980-3729.2015.2.19729.
http://dx.doi.org/10.15448/1980-3729.201...
; Fathallah, 2016Fathallah, J. (2016). Statements and silence: Fanfic paratexts for ASOIAF/Game of Thrones. Continuum (Perth), 30(1), 75-88. http://dx.doi.org/10.1080/10304312.2015.1099150.
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) – nem sempre entendendo essa produção como satisfatória (Fathallah, 2016Fathallah, J. (2016). Statements and silence: Fanfic paratexts for ASOIAF/Game of Thrones. Continuum (Perth), 30(1), 75-88. http://dx.doi.org/10.1080/10304312.2015.1099150.
http://dx.doi.org/10.1080/10304312.2015....
). Especificamente, em relação à mídia, sua natureza indica que os paratextos que ela produz atuam na elaboração da crítica especializada (ou seja, YouTube) (Dalmonte, 2015Dalmonte, E. F. (2015). Novos cenários comunicacionais no contexto das mídias interativas: O espalhamento midiático. Revista FAMECOS: Mídia, Cultura e Tecnologia, 22(2), 99-114. http://dx.doi.org/10.15448/1980-3729.2015.2.19729.
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).

3 Procedimentos metodológicos

Conforme apresentado na seção anterior, os fundamentos teóricos adotados para sustentar o objetivo da pesquisa assumem a paratextualização de influenciadores digitais como forma de estabelecer discursos de mercado. Em consonância com essa construção, o estudo adota uma abordagem de análise de discurso sobre os dados.

O método de pesquisa adotado foi a análise do discurso foucaultiana (Foucauldian Discourse Analysis, FDA), uma abordagem pós-estruturalista. Desenvolveu-se no contexto de seu ciclo arqueológico, a fim de revelar regularidades discursivas que possibilitem condições de identificar a existência de epistemes relacionadas a tais discursos (Foucault, 2014). A abordagem se propõe a analisar a produção de discursos como práticas (Kendall & Wickham, 1999Kendall, G., & Wickham, G. (1999). Using Foucault’s methods. London: Sage. http://dx.doi.org/10.4135/9780857020239.
http://dx.doi.org/10.4135/9780857020239...
; Tadajewski, 2011Tadajewski, M. (2011). Producing historical critical marketing studies: Theory, method, and politics. Journal of Historical Research in Marketing, 3(4), 549-575. http://dx.doi.org/10.1108/17557501111183662.
http://dx.doi.org/10.1108/17557501111183...
). Portanto, a FDA permite a identificação dessas práticas discursivas, revelando os meios pelos quais o conhecimento é produzido e legitimado (Denegri-Knott et al., 2018Denegri-Knott, J., Nixon, E., & Abraham, K. (2018). Politicising the study of sustainable living practices. Consumption Markets & Culture, 21(6), 554-573. http://dx.doi.org/10.1080/10253866.2017.1414048.
http://dx.doi.org/10.1080/10253866.2017....
; Thompson, 2017Thompson, C. J. (2017). Producing foucauldians: Consumer culture theory and the analytics of pow In S. Askegaard & B. Heilbrunn (Eds.), Canonical authors in consumption theory (pp. 212-220). New York: Routledge. http://dx.doi.org/10.4324/9781315626093-27.
http://dx.doi.org/10.4324/9781315626093-...
).

Assim, todo seu processo funciona como uma forma objetiva de apresentar as condições históricas responsáveis pela concepção das epistemes (Costa et al., 2013Costa, F. Z. N., Guerra, J. R. F., & Leão, A. L. M. S. (2013). O Solo epistemológico de Michel Foucault: Possibilidades de pesquisa no campo de administração. Revista de Ciências da Administração, 15(35), 168-179. http://dx.doi.org/10.5007/2175-8077.2013v15n35p168.
http://dx.doi.org/10.5007/2175-8077.2013...
). O método é, portanto, um caminho propício para a elucidação e potencial teorização dos fenômenos discursivos (Deleuze, 2005Deleuze, G. (2005). Foucault. São Paulo: Brasiliense.). Para tanto, o método busca analisar as condições que permitem a produção de discursos a partir do que é dito, como é dito e de qual posição é dito (Kendall & Wickham, 1999Kendall, G., & Wickham, G. (1999). Using Foucault’s methods. London: Sage. http://dx.doi.org/10.4135/9780857020239.
http://dx.doi.org/10.4135/9780857020239...
). Nesse esforço, a FDA examina múltiplas ações sociais que compõem a produção de discursos em diferentes contextos investigados (Tadajewski, 2011Tadajewski, M. (2011). Producing historical critical marketing studies: Theory, method, and politics. Journal of Historical Research in Marketing, 3(4), 549-575. http://dx.doi.org/10.1108/17557501111183662.
http://dx.doi.org/10.1108/17557501111183...
). Segundo Khan e MacEachen (2021)Khan, T. H., & MacEachen, E. (2021). Foucauldian discourse analysis: Moving beyond a social constructionist analytic. International Journal of Qualitative Methods, 20, 1-9. http://dx.doi.org/10.1177/16094069211018009.
http://dx.doi.org/10.1177/16094069211018...
, o método aprofunda as possibilidades de investigações qualitativas ao distinguir o papel assumido por tais ações sociais na produção de conhecimento e, possivelmente, nas relações de poder.

3.1 Formação do arquivo de pesquisa

O conjunto de dados utilizado é denominado arquivo, demarcado por um evento discursivo. Esse acontecimento discursivo pode ser identificado a partir da emergência de uma novidade ou ruptura em algum fenômeno social, culminando no estabelecimento de novas regularidades discursivas (Foucault, 2014). Nosso arquivo de pesquisa teve como fonte de dados canais brasileiros do YouTube especializados em cultura popular e indústria do entretenimento. Os cinco principais canais brasileiros do segmento foram selecionados com base no número de assinantes, espectadores e relevância em blogs especializados, a saber: Ei Nerd, Operação Cinema, Omelete, Jovem Nerd e Nerd Land (Woo! Magazine, 2017Woo! Magazine. (2017, 25 de maio). Dia do orgulho nerd: Quem são os maiores geeks do YouTube.https://woomagazine.com.br/dia-do-orgulho-nerd-quem-sao-os-maiores-geeks-do-youtube/
https://woomagazine.com.br/dia-do-orgulh...
; Patio Hype, 2019Patio Hype. (2019, 29 de dezembro). 5 canais nerds para seguir no Youtube. http://patiohype.com.br/no-mes-mais-geek-do-ano-5-canais-nerds-para-seguir-no-youtube/
http://patiohype.com.br/no-mes-mais-geek...
).

Os dados coletados foram todos as miniaturas de vídeos dos cinco canais postados entre janeiro de 2017 e julho de 2019. O período marca (ou seja, evento discursivo) o momento do lançamento de novos produtos para o segmento e da produção de conteúdo de cultura popular pelos canais brasileiros, que aumentou dramaticamente (Ferreira, 2017Ferreira, M. (2017, 5 de abril). C&A lança coleção especial de roupas inspiradas no universo da DC. Geek Publicitário. https://geekpublicitario.com.br/19354/colecao-cea-dc-comics/
https://geekpublicitario.com.br/19354/co...
). Por meio desse procedimento, nosso arquivo de pesquisa consistiu em 4.006 miniaturas de vídeo. A Tabela 1 apresenta informações sobre os canais escolhidos com uma breve descrição adaptada de suas homepages.

Tabela 1
Descrição dos 5 principais canais do YouTube sobre cultura popular no Brasil

Vale explicar que as miniaturas se referem à imagem inicial de qualquer vídeo postado no YouTube. Informações adicionais informam por quanto tempo o vídeo foi postado e quantas visualizações ele tem. As miniaturas do YouTube fornecem aos usuários uma visualização instantânea e obrigatória do conteúdo dos vídeos (Steiner et al., 2011Steiner, T., Verborgh, R., Van de Walle, R., Hausenblas, M., & Gabarro, J. (2011). Crowdsourcing event detection in YouTube videos. In Proceedings of the 1st Workshop on Detection, Representation, and Exploitation of Events in the Semantic Web. Bonn, Germany.), funcionam não apenas como um resumo deles, mas como uma triagem das escolhas de consumo com base no interesse prévio fornecido pelo algoritmo do usuário (Gao et al., 2009Gao, Y., Zhang, T., & Xiao, J. (2009, novembro). Thematic video thumbnail selection. In 16th IEEE International Conference on Image Processing (ICIP). Cairo, Egypt. http://dx.doi.org/10.1109/ICIP.2009.5419128.
http://dx.doi.org/10.1109/ICIP.2009.5419...
), desempenhando um papel importante na atração do público para assistir ao vídeo. O nível de elaboração presente nas miniaturas indica quão profissional ou amador será o vídeo (Steiner et al., 2011Steiner, T., Verborgh, R., Van de Walle, R., Hausenblas, M., & Gabarro, J. (2011). Crowdsourcing event detection in YouTube videos. In Proceedings of the 1st Workshop on Detection, Representation, and Exploitation of Events in the Semantic Web. Bonn, Germany.). Consequentemente, algumas miniaturas, embora atraentes e possivelmente relacionadas a determinados temas, podem estar vinculadas a vídeos que não tratam. Trata-se de uma estratégia de clickbait, quando os canais do YouTube visam, prioritariamente, que seu conteúdo seja acessado por um maior número de usuários para aumentar sua monetização (Gao et al., 2009Gao, Y., Zhang, T., & Xiao, J. (2009, novembro). Thematic video thumbnail selection. In 16th IEEE International Conference on Image Processing (ICIP). Cairo, Egypt. http://dx.doi.org/10.1109/ICIP.2009.5419128.
http://dx.doi.org/10.1109/ICIP.2009.5419...
).

As miniaturas são uma pequena imagem do vídeo sobreposta ao título do vídeo e seguida por um pequeno texto indicando o seu conteúdo. Para fins de análise, foram considerados tanto a escrita quanto os textos imagéticos. Trata-se, portanto, de um tipo de dado secundário e multifocal (Flick, 2009Flick, U. (2009). Desenho da pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Bookman.). Vale dizer que, segundo Foucault (2014), diferentes tipos de textos não devem ser separados para fins de sua análise do discurso.

Vale também explicar que, segundo Foucault (1984)Foucault, M. (1984). What is an author? In P. Rabinow (Ed.), The Foucault reader (pp. 101-120). New York: Pantheon Books., a autoria de determinado conteúdo (ou seja, textos) não está localizada na pessoa que o elabora; a autoria está em uma função (ou seja, autor-função) desempenhada pelo próprio discurso, de modo a possibilitar aos destinatários interpretá-lo e ressignificá-lo. Assim, os textos devem ser analisados ​​por si mesmos, considerando seus produtores como assumindo uma função autoral na criação de conteúdos a serem apropriados pelos destinatários (Mittell, 2004Mittell, J. (2004). Genre and television: From cop shows to cartoons in american culture. London: Routledge. http://dx.doi.org/10.4324/9780203642139.
http://dx.doi.org/10.4324/9780203642139...
). Para tanto, as miniaturas foram analisadas como textos propriamente ditos, partindo do pressuposto de que foram produzidas a partir de um determinado propósito dos canais, com vistas a como atingir suas audiências.

3.2 Categorias e critérios da análise foucaultiana do discurso

A análise dos dados ocorreu por meio da operacionalização sistematizada por Souza-Leão & Costa, 2018; Souza-Leão & Moura, 2018) com base na lógica analítica e nas categorias desenvolvidas por Foucault (2014) divididas em quatro etapas (Figura 2).

Figura 2
Processo analítico da arqueologia de Foucault

Os enunciados refletem temas concretos inferíveis no discurso. Eles podem ser identificados nos signos da linguagem, embora não se reduzam a eles, pois se situam no contexto pragmático da produção do discurso. Construídos sobre a noção de discursividade, os enunciados são interpretados como instâncias de práticas (ou seja, práticas discursivas, segundo Foucault).

Assim, os enunciados expressam certas ações reveladas pelos discursos, cumprindo, portanto, certas funções enunciativas – relação indicada pela seta mais à esquerda na Figura 2. Essas funções são identificadas pela combinação sintagmática de quatro critérios: a referência indica os objetos dos enunciados e suas afirmações ou verdades e relações contestadas; campo associado aponta os saberes que permitem a produção dos enunciados e suas relações; os sujeitos são posições do discurso a partir das quais se enunciam enunciados; a materialidade aponta para as formas como os enunciados são produzidos e podem ser repetidos. Ainda assim, um enunciado pode desempenhar diferentes funções, assim como uma função enunciativa pode ser desempenhada por diferentes enunciados.

De modo similar, as formações discursivas seguem certas regras que indicam princípios de ordenação presentes nos enunciados e suas funções. As duas categorias intermediárias têm uma relação mútua e simultânea estabelecida por seus critérios – ilustrados na seta ambígua no centro da Figura 2. Assim, as regras de formação são forjadas por critérios análogos aos das funções enunciativas: os objetos derivam de delimitações especificadas nos referenciais dos enunciados; conceitos indicam como se dá a produção de enunciados sobre determinado conhecimento (ou seja, campos associados); as modalidades referem-se ao estilo enunciativo utilizado pelos sujeitos; as estratégias são os propósitos discursivos manifestados por meio da materialidade dos enunciados.

A última seta – a mais à direita – da Figura 2 indica como essas regras emanam a (co)existência, manutenção, modificação e desaparecimento do conhecimento, proporcionando condições de possibilidade para formações discursivas. O nível posterior da arqueologia de Foucault indica como a regularidade presente em certos discursos evidencia a prática do conhecimento que desvela epistemes.

Apresentamos os resultados (ou seja, formações discursivas) por meio da relação de convergência entre as diferentes categorias analíticas na seção seguinte. Tais resultados são formulados e ilustrados por exemplos retirados diretamente do arquivo. Na seção subsequente nosso estudo retorna à literatura para refletir – a partir do processo que indica a existência de formações discursivas – e inferir sobre a(s) episteme(s) revelada(s) no processo arqueológico foucaultiano.

3.3 Ilustração da análise foucaultiana do discurso

Para ilustrar o procedimento analítico realizado, selecionamos duas miniaturas que orientam para diferentes formações discursivas da análise. A primeira (Figura 3) está relacionada a um vídeo publicado em 10 de outubro de 2018, no canal Omelete, sobre uma animação japonesa recém-lançada (ou seja, anime): My Hero Academia.

Figura 3
Uma miniatura do Omelete

Essa análise em miniatura nos levou a inferir a afirmação que aponta como os canais estimulam o consumo de produtos da cultura popular. Isso porque estimula a curiosidade sobre o produto midiático (ou seja, My Hero Academia) ao apresentar no lançamento de uma nova série de vídeos – Bentô, com foco em conteúdos da cultura popular japonesa – o que é realizado por meio de um título provocativo em que o tom de questionamento suscita uma discussão sobre a qualidade do produto de mídia.

Com base nisso, interpretamos que o canal assume o papel de um agente (sujeito) que segue a lógica do mercado (campo associado) para lidar com a divulgação (referencial) de objetos midiáticos, materializando simultaneamente elogios e fomento ao produto da cultura popular. Apesar de identificarmos apenas um sujeito, um campo associado e um referencial nesta miniatura específica, essas duas materialidades, sob o arquivo como um todo, permitem observar tais combinações como duas funções enunciativas, já que elogiar e fomentar são formas muito diferentes de concretizar discursos. Assim, por um lado, o elogio conduz à exaltação de produtos e produtores da cultura popular; por outro, o fomento possibilita a divulgação de informações que movimentam o mercado de entretenimento.

Seguindo esse raciocínio, interpretamos que o canal promove (modalidade) a indústria do entretenimento (objeto), realizando (conceito) esse estímulo de consumo (estratégia). Assim, apesar de suas especificidades, as duas funções enunciativas convergem para uma única regra de formação, que é desenvolver o mercado de entretenimento. Esse conjunto de relações permite identificar a existência de uma regularidade a partir do enunciado: a formação discursiva que trata da promoção da indústria do entretenimento.

O segundo exemplo (Figura 4) apresenta a miniatura do vídeo postado em 1º de agosto de 2018, pelo canal Ei Nerd. A imagem indica um possível retorno do diretor James Gunn às produções do Universo Cinematográfico Marvel.

Figura 4
Uma miniatura da Ei Nerd

A análise dessa miniatura simultaneamente indica duas afirmações: os canais de cultura popular destacam os profissionais do setor e o andamento das produções. Na miniatura, é possível identificar o interesse em reconquistar o diretor dos filmes Guardiões da Galáxia – protagonizado por Chris Pratt, que também está presente na imagem. Há tanto interesse em dar continuidade às narrativas dessa franquia, quanto em enfatizar a importância do trabalho do diretor. Ambos os aspectos tratam dos bastidores da indústria (referencial) a partir do desenvolvimento de produções e negócios (áreas associadas) que repercutem na cultura popular. Nesse sentido, revela como os canais de influenciadores digitais assumem o papel da imprensa (assunto) ao discutir (materialidade) as notícias do segmento. O que reflete a função de promover a repercussão dos bastidores da indústria do entretenimento.

Essa função enunciativa em questão é análoga à regra de formação que trata da produção de entretenimento. Ao especular (estratégia) sobre a indústria do entretenimento (objeto), os influenciadores digitais se colocam na perspectiva de avaliadores (modalidade) da cultura popular. Sobre como os canais discutem as notícias do setor (conceito). A concatenação das relações entre as categorias elucidadas revela a regularidade discursiva presente nas falas observadas: como os canais buscam ecoar a indústria do entretenimento.

4 Descrição do resultado

Os resultados descritos nesta seção reúnem a análise de todos os dados obtidos nos cinco canais do YouTube que produzem conteúdo sobre cultura popular. Essa disposição se deu pelo fato de não termos identificado discrepâncias discursivas entre os canais – algo que fica mais visível nos exemplos articulados nas próximas subseções com miniaturas de todas as fontes –, nem em relação ao período analisado.

Para trazer essa descrição, cada uma das subseções a seguir apresenta uma formação discursiva identificada. Seguindo o procedimento analítico da FDA (seção 3.3), as formações discursivas são articuladas por meio de suas regras (FR), funções enunciativas (EF) e enunciados (S), que estão em negrito. Os dois primeiros são discutidos por meio de seus critérios constitutivos (sublinhados) e miniaturas retiradas do arquivo da pesquisa para ilustrar as afirmações e contextualizar nossos achados. Em cada seção as categorias são apresentadas em figuras que demonstram suas relações. Eles são numerados para facilitar essa visualização.

4.1 Ecoando a indústria do entretenimento

A primeira formação discursiva (DF1) diz respeito a como os influenciadores digitais assumem um papel jornalístico na veiculação de notícias da indústria do entretenimento. Informam e analisam o que acontece nessa indústria, tanto no que se refere à produção do entretenimento (FR1), que ecoa diferentes aspectos do funcionamento da indústria do entretenimento, quanto à produção cultural (FR2), que foca na relação da indústria do entretenimento com a sociedade contemporânea como bem como o seu impacto cultural.

Em ambas as regras de formação, os canais assumem uma proposta de especulação (estratégia) sobre a indústria do entretenimento (objeto), posicionando-se como avaliadores (modalidade) do que acontece nessa indústria. As regras de formação são diferenciadas pelos conceitos que as permeiam. No primeiro deles, isso se dá pela ressonância do setor (conceito); na segunda se dá pela relação que as produções dessa indústria estabelecem com o social (conceito). A Tabela 2 mostra a composição das regras de formação com base em seus critérios.

Tabela 2
Regras de formação (FR1 e FR2) e seus critérios

A Tabela 3, por sua vez, mostra como os critérios configuram as funções enunciativas relacionadas a tais regras de formação. Dois dos critérios comuns das regras de formação se repetem nas funções enunciativas: os canais assumem o papel de discutir (materialidade) a notícia por meio de uma postura de imprensa (sujeito). As diferenças entre as funções enunciativas residem justamente na singularidade das regras de formação, bem como na forma como a indústria do entretenimento é abordada. Assim, relacionados apenas à produção de entretenimento (FR1), os canais promovem uma repercussão de bastidor da indústria do entretenimento (EF1). As notícias com foco nos bastidores da indústria (referenciais) referem-se tanto ao desenvolvimento das produções em andamento (área associada) quanto aos arranjos empresariais (área associada). Por outro lado, relacionados apenas à produção cultural (FR2), os canais abordam uma interface entre a cultura popular e a sociedade contemporânea (EF3). A cultura popular é tomada como instância (campo associado) de diálogo com a sociedade (referencial). Por fim, os canais abordam a evolução das produções de entretenimento (EF2), o que é comum a ambas as regras de formação. Essa função enunciativa apresenta o modus operandi da indústria do entretenimento (referencial), tanto em relação à forma como é pensada como negócio quanto narrativa (campo associado).

Tabela 3
Funções enunciativas (EF1, EF2 e EF3) e seus critérios

A Figura 5 mostra todas essas relações, bem como aquelas com os enunciados, que descrevemos a seguir.

Figura 5
Conjunto de relações que ecoam a indústria do entretenimento

Dois enunciados relacionados vinculam-se exclusivamente ao EF1. De um lado, os canais destacam os profissionais da indústria (S01) por meio de entrevistas com atores, diretores e produtores, notícias sobre contratações e demissões, participação de funcionários no desenvolvimento de produções e até sobre a vida pessoal de pessoas do setor. Por outro lado, os canais destacam os produtores da indústria (S02), divulgando o que estão fazendo ou planejando fazer, tanto em relação aos seus produtos (por exemplo, novos projetos, desenvolvimento de narrativas e personagens) quanto aos seus comportamentos de mercado (por exemplo, desenvolvimento de produtos, aquisições, parcerias). A Figura 6 ilustra esses enunciados. As três primeiras imagens referem-se a S01 e as três últimas a S02.

Figura 6
A repercussão nos bastidores da indústria do entretenimento

Mais dois enunciados relacionados referem-se apenas ao EF3. Por um lado, os canais analisam de que forma as produções da indústria do entretenimento incorporam uma agenda contemporânea de debates sociais e políticos (S06), como ideologias políticas, diversidade de gênero e etnia e o papel da mulher na sociedade. Por outro lado, os canais discutem como a cultura popular entra na vida social (S05), difundindo as culturas nerd e gamer, bem como como os temas da cultura popular se relacionam com outros temas da vida social e até mesmo usados como referência para fake news. Esta afirmação é ilustrada na segunda linha de imagens da Figura 7, enquanto as imagens da primeira exemplificam S06.

Figura 7
Interface entre cultura popular e sociedade contemporânea

Por fim, outros dois enunciados relacionados vinculam-se ao EF2, cada um dos quais também se relaciona com outra função enunciativa, bem como com outro enunciado. Assim, também relacionado à repercussão dos bastidores da indústria do entretenimento (EF1) e como os canais destacam os produtores da indústria (S02), os canais destacam o progresso das produções (S03), relatando as diferentes etapas dos produtos midiáticos (por exemplo, filmes, séries de TV, videogames) em desenvolvimento, a forma como os produtores tentam alinhá-los às expectativas dos fãs e analisando ou especulando se essas produções aderem ou não às narrativas já desenvolvidas nas franquias das quais participaram., os canais analisam como a cultura popular se consolidou a partir da própria evolução da indústria do entretenimento (S04), discutindo como as melhorias do desenvolvimento tecnológico e narrativo impactaram a recepção dos produtos midiáticos, o que também diz respeito à interface entre cultura popular e sociedade contemporânea (EF3) e como a cultura popular se confunde com a vida social (S05). Na Figura 8, as três primeiras imagens ilustram S03, enquanto S04 é demonstrada pelas três últimas.

Figura 8
Evolução das produções de entretenimento

4.2 Divulgando a cultura popular

A segunda formação discursiva (DF2) diz respeito a como os influenciadores falam a partir de um lugar de fala de fã na divulgação de produtos da indústria do entretenimento. Eles se propuseram a edificar a cultura dos fãs por meio de seu conhecimento especializado da cultura popular e do meio à sua disposição para propagá-la. Essa formação discursiva se baseia em duas regras de formação: expertise de fã (FR3), referente à análise de produtos da indústria do entretenimento sob o ponto de vista de sua aderência à cultura popular, e difusão da cultura de fã (FR4), que difunde aos fãs o conhecimento sobre a mídia. produtos, bem como comportamentos que caracterizam os torcedores.

Em ambas as regras de formação, a indústria do entretenimento (objeto) é abordada do ponto de vista do fã (conceito), com o objetivo de doutrinar (estratégia) o público na cultura do fã. Eles diferem nas modalidades adotadas. Na primeira regra de formação (FR3) isso acontece por meio da avaliação e julgamento das produções dessa indústria, enquanto na segunda (FR4) essas produções são divulgadas, explicadas e geram expectativa. A composição das regras de formação com base em seus critérios é apresentada na Tabela 4.

Tabela 4
Regras de formação (FR3 e FR4) e seus critérios

Os critérios que configuram as funções enunciativas relacionadas a tais regras de formação são mostrados na Tabela 5. Dentre os critérios comuns de formação das regras, dois se repetem nas funções enunciativas: os canais focam nas produções da indústria do entretenimento a partir do entendimento de que são produtos (referencial) da cultura popular (campo associado). Além disso, todas as modalidades identificadas referem-se a uma posição de fã (sujeito). No entanto, as materialidades variam, o que diferencia as funções enunciativas. Os canais atribuem valor aos produtos da cultura popular (EF4), o que pode acontecer tanto de forma positiva quanto negativa. Essa função enunciativa é caracterizada justamente pela propensão dos influenciadores em qualificar (materialidade) os produtos e está ligada ao conhecimento do fã (FR3). Por outro lado, relacionados apenas à propagação da cultura de fãs (FR4), os canais elucidam aspectos dos produtos da cultura popular (EF6) como forma de difundi-los (materialidade). Por fim, os canais fazem conjecturas sobre produtos da cultura popular (EF5), o que é comum a ambas as regras de formação. Essa função enunciativa é caracterizada por uma especulação (materialidade) sobre o rumo das narrativas da franquia, que se faz como forma de divulgação ou valorização. Essas relações, incluindo aquelas com os enunciados, descritas abaixo, são mostradas na Figura 9.

Tabela 5
Funções enunciativas (EF1, EF2 e EF3) e seus critérios
Figura 9
Conjunto de relações que divulgam a cultura popular

Relacionados exclusivamente ao EF4 estão três enunciados inter-relacionados. Os canais criam listas de diferentes aspectos referentes aos produtos da cultura popular (S07), como a qualidade dos enredos, figurinos ou efeitos especiais de diferentes produções (por exemplo, filmes, séries de TV, animes), atuação de atores que interpretaram um mesmo personagem em diversos filmes, entre outros. Da mesma forma, os canais fazem comparações na cultura popular (S08), seja entre produtos concorrentes ou entre produtos de uma mesma franquia, definindo parâmetros estilísticos, narrativos e técnicos (por exemplo, filmes Marvel versus DC, características dos personagens, consoles de videogame de diferentes marcas, histórias originais versus adaptadas). Além disso, os canais avaliam os produtos da cultura popular (S09) por meio de veredictos, comentários em teasers e trailers e até repercutindo na avaliação da imprensa. Esses enunciados são ilustrados respectivamente pelas imagens em cada linha da Figura 10.

Figura 10
Atribuição de valor a produtos de cultura popular

Duas instruções relacionadas se vinculam apenas ao EF6. De um lado, os canais ecoam os lançamentos de grandes produções (S14), apresentando e discutindo curiosidades como cenas deletadas, erros de continuidade, cenas pós-créditos, easter eggs e até memes que circulam na internet. Por outro lado, os canais explicam produtos da cultura popular (S15), resumindo histórias de universos ficcionais, explicando características de personagens e desvendando informações reservadas aos fãs que conhecem profundamente determinadas franquias. Na Figura 11, essas afirmações são evidenciadas através das três primeiras e das três últimas imagens, respectivamente.

Figura 11
Esclarecimento de produtos de cultura popular

Quatro instruções são vinculadas ao EF5, bem como a uma das outras duas. Os canais destacam o sucesso dos produtos da cultura popular (S10), que está relacionado à avaliação dos influenciadores (S09), bem como uma forma de valorizá-los (EF4). Isso acontece tanto do ponto de vista da sua atuação mercadológica – que é relativizada em relação à sua proposta e custo de produção, por exemplo – quanto da sua capacidade de angariar fãs ou impactar a cultura, também considerada em termos dos segmentos a serem abordados. Por outro lado, os outros três depoimentos também desvendam questões de cultura popular (EF6). Como epicentro dessa articulação, os canais criam e difundem teorias sobre as narrativas dos universos ficcionais (E12), afirmação que se relaciona com todas as outras vinculadas a essa função enunciativa. Os influenciadores confiam em suas interpretações e nos depoimentos de artistas e diretores envolvidos nas produções para acrescentar explicações sobre produções já lançadas e especular sobre o que pode acontecer com aquelas em desenvolvimento. Além disso, os canais dão spoilers sobre as produções da cultura popular (S11) como forma de fazer suposições sobre elas. Por fim, os canais criam um clima de expectativa para o lançamento de novas produções (S13), antecipando um grande volume e diversidade de informações sobre determinadas franquias, sejam elas consideradas emblemáticas da cultura popular, ou aquelas de grande apelo e repercussão (S14). As imagens de cada linha da Figura 12 ilustram, respectivamente, S10, S12, S11 e S13.

Figura 12
Conjecturas sobre produtos da cultura popular

4.3 Promovendo a indústria do entretenimento

A última formação discursiva (DF3) diz respeito à forma como os influenciadores assumem um papel de marketing na promoção da indústria do entretenimento. Essa formação decorre de uma regra única, que diz respeito ao desenvolvimento do mercado de entretenimento (FR5), por meio das ações de influenciadores para estimular a demanda desse mercado. Essa regra de formação refere-se à forma como os canais promovem (modalidade) a indústria de entretenimento (objeto), por meio de sua atuação (conceito) – qualidade e divulgação do produto, eventos, expansão de mercado – com vistas a estimular (estratégia) o consumo. A Tabela 6 mostra a lista dos critérios desta regra de formação.

Tabela 6
Regra de formação (FR5) e seus critérios

Assim, os influenciadores atuam em uma perspectiva de mercado (campo associado), como agentes (sujeito) de seu crescimento. Por um lado, os canais elogiam (materialidade) o sucesso (referencial) alcançado pelas organizações do setor. Por outro lado, fomentam (materialidade) seus produtos por meio da divulgação (referencial). Os critérios que compõem ambas as funções enunciativas são apresentados na Tabela 7.

Tabela 7
Funções enunciativas (EF7 e EF8) e seus critérios

As diferenças entre os critérios singularizam as funções enunciativas vinculadas à regra dessa formação discursiva. As relações que sustentam essa formação discursiva são mostradas na Figura 13 e descritas a seguir.

Figura 13
Conjunto de relações que promovem a indústria do entretenimento

A primeira dessas funções enunciativas exalta os produtos e seus produtores (EF7). Três enunciados inter-relacionados estão vinculados a ela. Alguns produtores da indústria do entretenimento são celebrados (S16) por sua contribuição à cultura popular, com sua história e evolução apresentada e seus principais produtos destacados e discutidos. Além disso, destaca-se o desempenho dos produtos (S17), em que as informações sobre faturamento, rentabilidade, prêmios, longevidade (entre outros) estão associadas à qualidade. Um dos principais parâmetros utilizados para qualificar as produções da cultura pop é o retorno de bilheteria alcançado pelos filmes. Por fim, os canais estimulam o consumo de produtos da cultura popular (S18), indicando produções (por exemplo, séries, filmes, games, animes) que o consumidor não deve perder. Esses enunciados são mostrados respectivamente pelas imagens de cada linha na Figura 14.

Figura 14
Exaltação de produtos e produtores

A afirmação sobre o estímulo ao consumo (S18) também se vincula a outra função enunciativa referente ao DF3, que diz respeito à divulgação de informações para dinamizar o mercado de entretenimento (EF8). Vinculados aos outros dois enunciados desse grupo, os canais apoiam eventos da indústria do entretenimento (S19), reverberando cerimônias de premiação (por exemplo, Oscar, Emmy Awards), além de divulgar, cobrir ou até mesmo realizar eventos de cultura popular. Além de divulgar as expectativas e a avaliação da premiação, os canais destacam como os eventos da cultura pop (ou seja, Super Bowl, Comic Cons) apresentam conteúdos exclusivos (ou seja, trailers, teasers) para os próximos lançamentos do segmento. Por fim, os canais apoiam o desenvolvimento da indústria nacional de entretenimento (S20), informando sobre os produtos, produtores e profissionais brasileiros envolvidos no setor, bem como a presença do país nas produções internacionais. A Figura 15 ilustra essas últimas afirmações em três imagens para cada uma em sequência.

Figura 15
Divulgação de informações para impulsionar o mercado de entretenimento

5 Funções fragmentadas unificadas: insights para a análise da agência de mercado

Ao assumir uma posição tipicamente alinhada à da imprensa especializada, os canais de influenciadores digitais repercutem analiticamente na indústria do entretenimento (DF1), sugerindo uma intenção de construir credibilidade ao se legitimar como mídia informacional (Cotter, 2019Cotter, K. (2019). Playing the visibility game: How digital influencers and algorithms negotiate influence on Instagram. New Media & Society, 21(4), 895-913. http://dx.doi.org/10.1177/1461444818815684.
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; Kapitan & Silvera, 2015Kapitan, S., & Silvera, D. H. (2015). From digital media influencers to celebrity endorsers: Attributions drive endorser effectiveness. Marketing Letters, 27(3), 553-567. http://dx.doi.org/10.1007/s11002-015-9363-0.
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). Por outro lado, assumem também a tarefa de divulgar a cultura popular; torná-la cada vez mais relevante para um público cativo (DF2). Para tanto, assumem um papel de torcedor, que pode ser interpretado como uma forma de realizar essa doutrina por meio da empatia (Cotter, 2019Cotter, K. (2019). Playing the visibility game: How digital influencers and algorithms negotiate influence on Instagram. New Media & Society, 21(4), 895-913. http://dx.doi.org/10.1177/1461444818815684.
http://dx.doi.org/10.1177/14614448188156...
; Kapitan & Silvera, 2015Kapitan, S., & Silvera, D. H. (2015). From digital media influencers to celebrity endorsers: Attributions drive endorser effectiveness. Marketing Letters, 27(3), 553-567. http://dx.doi.org/10.1007/s11002-015-9363-0.
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) e identificação com seu público (Cotter, 2019Cotter, K. (2019). Playing the visibility game: How digital influencers and algorithms negotiate influence on Instagram. New Media & Society, 21(4), 895-913. http://dx.doi.org/10.1177/1461444818815684.
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). Por fim, ainda atuam como promotores da indústria do entretenimento, assumindo um papel de marketing (DF3). Essa prática tem o potencial de construir confiança com seu público, uma vez que se apresentam como especialistas nos assuntos que abordam (Sudha & Sheena, 2017Sudha, M., & Sheena, K. (2017). Impact of influencers in consumer decision process: The fashion industry. SCMS Journal of Indian Management, 14(3), 14-30. https://www.scms.edu.in/uploads/journal/articles/article_12.pdf
https://www.scms.edu.in/uploads/journal/...
; Uzuñoglu & Kip, 2014Uzuñoglu, E., & Kip, S. M. (2014). Brand communication through digital influencers: Leveraging blogger engagement. International Journal of Information Management, 34(5), 592-602. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijinfomgt.2014.04.007.
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).

Essas diferentes agências devem ser discutidas com a complexidade que requerem, pois não podem ser entendidas como variações de uma mesma prática. Na verdade, eles acabam representando um tripé fundamental da estrutura de mercado: produtores, mediadores e consumidores. Essas diferentes posições representam diferentes subjetividades e, consequentemente, diferentes ideologias de mercado. Assim, podemos dizer que os resultados demonstram uma episteme fundada em uma agência de mercado (Figura 16), na forma como os influenciadores digitais da cultura popular desempenham diferentes posições de mercado. Este é um importante insight teórico, uma vez que os papéis envolvidos nas agências de mercado são muitas vezes bem demarcados pela literatura (isto é, produtores, consumidores, mediadores). Em nossa pesquisa, tais papéis de agência de mercado correspondem, respectivamente, às três formações discursivas: imprensa (DF1), fãs (DF2) e promoters (DF3).

Figura 16
Estrutura de episteme

Como os discursos midiáticos são fundamentalmente afetados pelos espaços em que são produzidos (Charaudeau, 2006Charaudeau, P. (2006). Discurso das mídias. São Paulo: Contexto.), podemos argumentar que a volatilidade dos influenciadores se alinha com a própria singularização das mídias digitais como espaços transmidiáticos caracterizados por uma proliferação de linguagens​ (Jenkins, 2006Jenkins, H. (2006). Fans, bloggers, and gamers: Exploring participatory culture. New York: NYU Press.). O ambiente midiático pode ser entendido como parte de uma linguagem, assumindo que cada mídia, antes de ser apenas um meio de comunicação, possui uma linguagem própria (Franco & Leão, 2016Franco, S. M., & Leão, A. L. M. S. (2016). Midiatização: Da disciplina ao controle, um horizonte de reflexão. Fronteiras: Estudos Midiáticos, 18(3), 289-304. http://dx.doi.org/10.4013/fem.2016.183.06.
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; Martino, 2014Martino, L. M. S. (2014). Teoria das mídias digitais: Linguagens, ambientes e redes. Petrópolis: Vozes.). Por outro lado, a crescente ubiquidade midiática levou a um processo de midiatização da vida social, fazendo com que a mídia se tornasse um agente permeante das relações sociais e da própria configuração das sociedades (Franco & Leão, 2016Franco, S. M., & Leão, A. L. M. S. (2016). Midiatização: Da disciplina ao controle, um horizonte de reflexão. Fronteiras: Estudos Midiáticos, 18(3), 289-304. http://dx.doi.org/10.4013/fem.2016.183.06.
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).

Essa volatilidade se alinha à chamada condição pós-moderna, marcada por um processo de dissolução e reconfiguração das estruturas sociais e verdades estabelecidas. Esse processo também produz o que ficou conhecido como fragmentação do sujeito, exemplificado por práticas socioculturais como o consumo (Bardhi & Eckhardt, 2017Bardhi, F., & Eckhardt, G. M. (2017). Liquid consumption. The Journal of Consumer Research, 44(3), 582-597. http://dx.doi.org/10.1093/jcr/ucx050.
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; Bauman, 2000Bauman, Z. (2000). Liquid modernity. Cambridge: Polity Press.). Nos estudos da CCT, os indivíduos podem ser identificados e compreendidos por meio da capacidade de se mover em diferentes posições sociais e, portanto, articular-se entre diferentes concepções ideológicas de acordo com diferentes espaços sociais de significação (por exemplo, a mídia) (Arnould & Thompson, 2015Arnould, E., & Thompson, C. J. (2015). Introduction: Consumer culture theory: Ten years gone (and beyond). In A. E. Thyroff, J. B. Murray & R. W. Belk (Eds.) Consumer culture theory (Vol. 17, pp. 1-21). Bingley: Emerald Group Publishing Limited. http://dx.doi.org/10.1108/S0885-211120150000017001.
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; Firat & Venkatesh, 1995Firat, A. F., & Venkatesh, A. (1995). Liberatory postmodernism and the reenchantment of consumption. The Journal of Consumer Research, 22(3), 239-267. http://dx.doi.org/10.1086/209448.
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).

Em consonância com essa perspectiva, Foucault (2012)Foucault, M. (2012). The history of sexuality: The use of pleasure (Vol. 2). New York: Vintage. argumenta que o autor de um texto não é um indivíduo claramente demarcado. Antes disso, a produção textual resulta de uma função-autor, como modo de existência e circulação dos discursos sociais. Um mesmo texto pode remeter a diferentes posições discursivas de acordo com os diferentes pontos de vista e pretensões de quem os interpreta e ressignifica, não se restringindo, assim, ao propósito de seu escritor. Assim, os textos têm sua possibilidade de produção submetida ao controle, seleção, organização e redistribuição de procedimentos capazes de evidenciar, manipular, estabelecer e mitigar verdades por meio de diferentes contextos de significação (Foucault, 2014).

Assim, a paratextualidade dos produtos midiáticos é fruto dessa função-autor (Mittell, 2015Mittell, J. (2015). Complex TV: The poetics of contemporary television storytelling. London: New York University Press.), no sentido de que essa autoria não diz respeito nem à posse material nem intelectual dos paratextos (Humayun & Belk, 2018Humayun, M., & Belk, R. W. (2018). “Satoshi is dead. long live satoshi”: The curious case of bitcoin’s creator. In S. N. N. Cross, C. Ruvalcaba, A. Venkatesh & R. W. Belk (Eds.) Consumer culture theory (Research in Consumer Behavior, No. 19, pp. 19-35). Bingley: Emerald Group Publishing.). Por outro lado, pode-se esperar que a paratextualidade da mídia sobreponha diferentes pontos de vista e interesses em diferentes camadas de significado (Mittell, 2015Mittell, J. (2015). Complex TV: The poetics of contemporary television storytelling. London: New York University Press.; Steiner, 2015Steiner, T. (2015). Steering the author discourse: The construction of authorship in quality tv and the case of Game of Thrones. International Journal of TV Serial Narratives, 1(2), 181-192. http://dx.doi.org/10.6092/issn.2421-454X/5903.
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).

Podemos concluir, portanto, que os paratextos dos influenciadores digitais sobre cultura popular referem-se a diferentes agências de mercado, pois evidenciam uma ação subjetivamente fragmentada no paradigma da cultura de consumo. Isso nos permite duas reflexões. Em primeiro lugar, sobre a transitoriedade entre os papéis de marketing que são assumidos pelos influenciadores digitais. Segundo Wallendorf (2017)Wallendorf, M. (2017). Is the price right? Moral and cultural frames for understanding pricing systems In J. F. Sherry Jr. & E. Fischer (Eds.), Contemporary consumer culture theory (pp. 59-84). London: Routledge. http://dx.doi.org/10.4324/9781315563947-5.
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, o contexto de mercado possui duas grandes vontades: a moral e a econômica. Este último restringe os atores a uma estrutura que se refere às trocas monetárias. A primeira (isto é, vontade moral), no entanto, permite que os influenciadores transitem entre diferentes papéis de mercado (isto é, produtores, consumidores, canais) e operem fora de uma agência moral pré-estabelecida.

Em segundo lugar, quando os influenciadores digitais exercem diferentes funções de autoria em um ambiente transmidiático intimamente relacionado a práticas de mercado sobrepostas, tais posições não podem ser totalmente separadas. A assunção do papel de fã para criar uma audiência cativa, não se pode dizer que os influenciadores digitais o façam apenas de forma estrategicamente pensada, pois espera-se que abordem questões que conhecem e estimam. Por outro lado, não é possível determinar que a função promocional que desempenham seja sempre patrocinada, então não seria incoerente supor que esteja associada ao seu interesse em construir uma audiência arrebatada. Em meio a essa trama, parece claro que essas diferentes posições são naturalmente desempenhadas, sugerindo que os influenciadores não percebem como questionável conciliar as perspectivas informacional e de captura (Charaudeau, 2006Charaudeau, P. (2006). Discurso das mídias. São Paulo: Contexto.; O’Keeffe, 2006O’Keeffe, A. (2006). Investigating media discourse. London: Routledge. http://dx.doi.org/10.4324/9780203015704.
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).

Se o estatuto ético dessas posições remete a interesses e ideologias de mercado distintos e, por vezes, irreconciliáveis (Arnould & Thompson, 2015Arnould, E., & Thompson, C. J. (2015). Introduction: Consumer culture theory: Ten years gone (and beyond). In A. E. Thyroff, J. B. Murray & R. W. Belk (Eds.) Consumer culture theory (Vol. 17, pp. 1-21). Bingley: Emerald Group Publishing Limited. http://dx.doi.org/10.1108/S0885-211120150000017001.
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; Peñaloza & Mish, 2011Peñaloza, L., & Mish, J. (2011). The nature and processes of market co-creation in triple bottom line firms: Leveraging insights from consumer culture theory and service dominant logic. Marketing Theory, 11(1), 9-34. http://dx.doi.org/10.1177/1470593110393710.
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), a episteme identificada revela a sobreposição de posições de marketing conceitualmente separadas. Elas se misturam na forma como os influenciadores digitais articulam o conteúdo da cultura popular: uma postura crítica e imparcial (isto é, imprensa) pode combinar com o fomento da demanda por um mercado (isto é, marketing), bem como uma posição de consumidor (isto é, fã) pode ser preservada em meio a esses outros.

Isso é possível porque, segundo Foucault (2017)Foucault, M. (2017). Subjectivity and truth: Lectures at the college de France 1980-1981. London: MacMillan., a ética se baseia na produção de verdades. Não existe uma verdade última; verdades diferentes constituem posições éticas distintas. No entanto, verdades que servem para fundamentar uma postura ética não desempenham o mesmo papel em relação a outras éticas. Com isso, joga-se continuamente uma disputa pelo estabelecimento de verdades. Esse processo constitui posições éticas distintas, ora dialogáveis, ora incompatíveis.

6 Observações finais

As formações discursivas identificadas indicam que os canais de influenciadores digitais paratextualizam a cultura popular por meio de diferentes agências de mercado. Como os diferentes canais analisados ​​não apresentam discrepância entre os temas da cultura popular abordados em suas miniaturas, os discursos identificados revelam de que forma o papel de embaixadores desse segmento – assumido pelos influenciadores digitais – se sobrepõe a diferentes posicionamentos em relação ao conteúdo da indústria do entretenimento. Quando divulgam notícias e informações sobre o segmento, sem julgamento, atuam como mediadores, emulando a imprensa especializada; ao se qualificarem por meio de experiências e conhecimento aprofundado do conteúdo, revelam seus sentimentos de fã, atuando como consumidores; ao fazer divulgações destinadas a direcionar formas de consumir textos midiáticos, eles se assemelham a promotores de marketing.

A produção de paratextos por meio das redes sociais se sobrepõe a diferentes ideologias de mercado (isto é, mediadores, consumidores, produtores) que, cada vez mais, se confundem com as variadas possibilidades dadas ao indivíduo no contexto digital. Antes de se referirem a posições alternativas e alternadas em suas performances, são faces concomitantes de um mesmo sujeito fragmentado. O estudo revela uma episteme unificada que é, por si só, um veículo de diferentes saberes que fundamentam agências tradicionalmente separadas que se revelam integradas. Além disso, as novas tecnologias de comunicação e informação (TIC) popularizadas pela lógica participativa da Web 2.0 – e, principalmente, o uso das redes sociais – ilustram como os influenciadores das redes sociais são responsáveis ​​por criar e manter agências de mercado.

Assim, de forma específica, a pesquisa traz uma contribuição teórica à CCT ao abordar a concepção de produção paratextual como um diálogo teórico interdisciplinar para o campo de pesquisa. Em direção a uma generalização teórica, o estudo mostra como os sujeitos desempenham diferentes papéis no mercado, sem que estes estejam separados ou mesmo bem delineados entre si. Complementarmente, abre espaço para uma importante reflexão ética sobre o papel dos influenciadores digitais como agentes mediadores de mercado. Essa contribuição abre espaço para avanços teóricos sobre as agências de mercado, principalmente o papel da mídia nesse processo. Por outro lado, traz à tona preocupações sociais e práticas sobre esse processo.

Reconhecemos que o estudo se limitou à produção paratextual de influenciadores digitais da cultura popular brasileira. No entanto, a escolha de um mercado único justifica-se por permitir o acesso a dados linguisticamente compatíveis. Por outro lado, o mercado da cultura popular brasileira tornou-se um dos maiores do mundo (Souza-Leão & Moura, 2018Souza-Leão, A. L. M., & Moura, B. M. (2018). Temos que pegar todos! Discursos identitários sobre o consumo de Pokémon GO no Brasil. Brazilian Journal of Marketing, 17(6), 895-913.) e também um dos mais apropriados pelas redes sociais, e especificamente o YouTube, como meio de informações e conteúdos culturais (Souza-Leão et al., 2019Souza-Leão, A. L. M., Moura, B. M., Santana, I. R. C., Nunes, W. K. S., & Henrique, V. M. R. (2019). Fans make art: Authoring and creativity in the production of fanvideos. Revista de Negócios, 24(4), 22-36. http://dx.doi.org/10.7867/1980-4431.2019v24n4p22-36.
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). Assim, os dados coletados apresentam a historicidade discursiva exigida pelo método analítico adotado.

Como desdobramentos possíveis, em termos do campo empírico investigado, parece pertinente analisar paratextos produzidos pela indústria do entretenimento (ou seja, grandes estúdios de cinema, serviços de streaming) e fãs de cultura popular, com vistas a teorizar a produção paratextual de produtos midiáticos. Os veículos de comunicação oficiais das marcas e os fóruns de fãs parecem ser fontes ricas para atingir esse objetivo.

Por outro lado, pesquisas que focam em agentes de mercado que desempenham diferentes papéis podem avançar no referencial teórico aqui apresentado. Como ponto de partida amplo, seguindo o conceito de “prossumidor”. Esse conceito reforça que as práticas de mercado são exercidas por consumidores produtivos. Nessa perspectiva, o modelo dualista de produção e consumo é um contínuo em que os consumidores atuam como produtores e vice-versa quando colaboram, cocriam e interagem culturalmente em geral (Cova & Cova, 2012Cova, B., & Cova, V. (2012). On the road to prosumption: Marketing discourse and the development of consumer competencies. Consumption Markets & Culture, 15(2), 149-168. http://dx.doi.org/10.1080/10253866.2012.654956.
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; Ritzer & Jurgenson, 2010Ritzer, G., & Jurgenson, N. (2010). Production, consumption, prosumption: The nature of capitalism in the age of the digital “prosumer”. Journal of Consumer Culture, 10(1), 13-36. http://dx.doi.org/10.1177/1469540509354673.
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). Com essa indefinição de limites entre práticas de produção e consumo, a perspectiva da paratextualização pode ser aplicada a pesquisas que investigam uma gama de interações entre consumidores e compradores organizacionais.

Foucault, M. (2014). A arqueologia do saber (8ª ed.). Rio de Janeiro: Forense Universitária

  • Processo de avaliação:

    Double Blind Review
  • Como citar:Souza-Leão, A. L. M., Moura, B. M., & Nunes, W. K. S. (2022). Todos em um: influenciadores digitais como agentes de mercado da cultura pop. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, 24(2), p. 247-274. https://doi.org/10.7819/rbgn.v24i2.4167
  • Agências de fomento:

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
  • Análise de plágio:

    A RBGN realiza análise de plágio em todos os seus artigos no momento da submissão e após a aprovação do manuscrito por meio da ferramenta iThenticate.

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Editor responsável:

Prof. Dr. Helena Nobre

Revisores:

Ana Hungara; Vinicius Brei

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    02 Jun 2020
  • Aceito
    27 Out 2021
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