Resumos
O objetivo deste trabalho foi caracterizar a utilização do sistema orçamentário por meio de um estudo multicaso realizado em duas empresas brasileiras de grande porte. O quadro referencial teórico baseou-se na abordagem contingencial. De acordo com tal quadro referencial, foram estudados cinco itens: tecnologia, participação, acompanhamento orçamentário, integração do sistema orçamentário e ênfase na utilização. Complementados por mais cinco itens que descreveram o contexto corporativo: tamanho, diversificação, descentralização, dinamismo, posição e participação no mercado. Na caracterização do uso do sistema orçamentário, percebeu-se que ambas as empresas utilizavam-no como principal ferramenta de controle gerencial. Não havia participação da média e baixa gerência no processo de planejamento estratégico, sendo que em uma delas, sequer havia divulgação do planejamento estratégico para a média gerência. A empresa A, com uso mais intenso do sistema orçamentário, possuía maior participação dos empregados e buscava utilizar as informações do sistema na implantação de medidas corretivas. Essa empresa era maior, mais diversificada, mais centralizada, atuava num ambiente mais dinâmico, e possuía menor market share. Os resultados obtidos convergiram quase que totalmente com os resultados obtidos em outras pesquisas empíricas e indicaram que as variáveis do contexto corporativo ajudam a explicar a forma como o sistema é utilizado.
Sistema de controle orçamentário; Controle de gestão; Teoria da contingência
This paper aims to describe the budget system utilization applying the case study methodology in studying two large Brazilian corporations. The analytical framework is based on contingency theory. In this framework, five items were studied: technology, participation, the budget follow-up process, integration, and the utilization emphasis. Also, five more items related to the corporate environment were studied: size, diversification, decentralization, market aggressiveness and market share. Both corporations studied use the budget control system as the main tool of managerial control. The medium and low managers do not have participation in the strategic plan process; even the results of the strategic plan process were not made available to the medium and low managers in one of the corporations. The corporation that had a more intense utilization of the budget control system had more workers participation, and tried to apply this system output in corrective action plans. This corporation was larger, had more diversification, more centralization, more market aggressiveness, and also a smaller market share. These results were in agreement almost in their totality, with other research results, and signalized that the variables of the corporate environment help to explain the budget control systems utilization.
Budget control system; Management control; Contingency theory
Aplicação da abordagem contingencial na caracterização do uso do sistema de controle orçamentário: um estudo multicaso
Contingency theory in budget control systems characterization: case studies
Adriana Cristina da Silva; Rosana Carmen de Meiroz Grillo Gonçalves
Universidade de São Paulo Ribeirão Preto, Brasil
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Adriana Cristina da Silva Universidade de São Paulo, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto, Departamento de Contabilidade Av. Bandeirantes, 3900, FEA - Bloco C, sala 32, campus da USP CEP 14049-000 Telefone: (16) 3602-3899 Fax: (16) 3633-3221 Email: adrics@usp.br
RESUMO
O objetivo deste trabalho foi caracterizar a utilização do sistema orçamentário por meio de um estudo multicaso realizado em duas empresas brasileiras de grande porte. O quadro referencial teórico baseou-se na abordagem contingencial. De acordo com tal quadro referencial, foram estudados cinco itens: tecnologia, participação, acompanhamento orçamentário, integração do sistema orçamentário e ênfase na utilização. Complementados por mais cinco itens que descreveram o contexto corporativo: tamanho, diversificação, descentralização, dinamismo, posição e participação no mercado. Na caracterização do uso do sistema orçamentário, percebeu-se que ambas as empresas utilizavam-no como principal ferramenta de controle gerencial. Não havia participação da média e baixa gerência no processo de planejamento estratégico, sendo que em uma delas, sequer havia divulgação do planejamento estratégico para a média gerência. A empresa A, com uso mais intenso do sistema orçamentário, possuía maior participação dos empregados e buscava utilizar as informações do sistema na implantação de medidas corretivas. Essa empresa era maior, mais diversificada, mais centralizada, atuava num ambiente mais dinâmico, e possuía menor market share. Os resultados obtidos convergiram quase que totalmente com os resultados obtidos em outras pesquisas empíricas e indicaram que as variáveis do contexto corporativo ajudam a explicar a forma como o sistema é utilizado.
Palavras-Chave: Sistema de controle orçamentário, Controle de gestão, Teoria da contingência
ABSTRACT
This paper aims to describe the budget system utilization applying the case study methodology in studying two large Brazilian corporations. The analytical framework is based on contingency theory. In this framework, five items were studied: technology, participation, the budget follow-up process, integration, and the utilization emphasis. Also, five more items related to the corporate environment were studied: size, diversification, decentralization, market aggressiveness and market share. Both corporations studied use the budget control system as the main tool of managerial control. The medium and low managers do not have participation in the strategic plan process; even the results of the strategic plan process were not made available to the medium and low managers in one of the corporations. The corporation that had a more intense utilization of the budget control system had more workers participation, and tried to apply this system output in corrective action plans. This corporation was larger, had more diversification, more centralization, more market aggressiveness, and also a smaller market share. These results were in agreement almost in their totality, with other research results, and signalized that the variables of the corporate environment help to explain the budget control systems utilization.
Keywords: Budget control system, Management control, Contingency theory
1 INTRODUÇÃO
Dentre as muitas práticas adotadas no controle de gestão, o controle orçamentário tem sido a mais discutida na literatura (HANSEN et al, 2003). Isso pode ser explicado considerando-se tanto a expressiva utilização do orçamento como sua longevidade. No trabalho de Umapathy (1987), noventa e sete por cento das empresas norte-americanas entrevistadas possuíam um processo formal de controle orçamentário. O orçamento é uma prática de controle de gestão muito antiga. Segundo Hoper e Fraser (2003, p. 9), na década de 1920, grandes indústrias iniciaram o uso do orçamento relacionado com a gestão de custos e de fluxo de caixa. Segundo os mesmos autores, na década de 1970, percebeu-se uma crescente dominação da contabilidade no controle de resultados, sendo que a maioria das empresas norte-americanas já havia adotado o controle orçamentário.
Em Chenhall (2003), vemos que o controle orçamentário tem sido considerado como um controle determinístico ao associar-se com práticas rígidas de controle. No entanto, ao tratar de orçamentos participativos e ao se referir a orçamentos flexíveis, Chenhall (2003) também relaciona o orçamento a um controle mais orgânico. Fato é que, como os demais controles de gestão, o orçamento também possui diversas formas de implantação, e sua mescla com a cultura organizacional influencia seu êxito ou fracasso (FREZATTI, 2005a). A abordagem contingencial enfatiza que a efetividade da adoção do controle orçamentário é influenciada pelo contexto organizacional (HANSEN et al, 2003, p.107). O êxito de sua implementação depende muito de cada desenho e implantação em particular. Para que se prossiga no estudo da mensuração de seu êxito, e na descrição do desenho adequado é fundamental avançar-se na caracterização do uso do controle orçamentário que foi o foco deste estudo.
Este trabalho desenvolve-se sobre a proposição de que os sistemas de informação eficazes aumentam as possibilidades e facilidades de diferentes desenhos de sistemas de controle orçamentário, tornando-se condição necessária para uma implantação bem-sucedida.
No Brasil, a adoção mais intensa do controle orçamentário ocorreu após o fim da hiperinflação, ou seja, após 1994 e "... o orçamento pode ser reconhecido como insuficiente e, muitas vezes inadequado, [mas] nenhum administrador pode prescindir dele inteiramente" (BERTERO, 2005, p. 4).
Frezatti (2005b) estudou as práticas gerenciais em contabilidade em uma amostra de 119 empresas brasileiras, tendo identificado que a aderência entre a teoria e a prática quanto ao planejamento estratégico e ao processo orçamentário (planejamento e controle) varia entre as empresas, com as maiores apresentando um maior grau de aderência aos aspectos conceituais estudados.
Souza, Lisboa e Rocha (2002) estudaram a adoção da contabilidade gerencial em 49 subsidiárias brasileiras de empresas estrangeiras sediadas na região de São Paulo, explorando, entre outras coisas, a utilização de planos orçamentários, suas características e as formas de avaliação de desempenho. Todas as empresas entrevistadas utilizavam orçamento, havendo um controle bastante rígido por parte das matrizes.
O presente trabalho difere dos dois anteriores pelo foco descritivo longitudinal. Não existe interesse na exploração da diversidade de práticas adotadas por empresas brasileiras e sim na caracterização do uso de sistemas de controle orçamentário e na maneira como progride sua adoção nas duas empresas analisadas. Foi estudada a utilização do sistema de controle orçamentário, considerando-se os aspectos organizacionais das empresas, em uma abordagem contingencial.
Diante dos argumentos colocados nos parágrafos antecedentes, esse estudo se justifica pela adoção inquestionável por parte de inúmeras empresas brasileiras do sistema de controle orçamentário e pela necessidade de compreender, a partir de dois estudos de casos, como essa adoção ocorreu e se modificou durante alguns anos. Esse estudo foi conduzido, tendo como referencial a abordagem contingencial, a qual enfatiza a interação entre o sistema analisado e os aspectos organizacionais que permeiam as instituições.
Partindo-se da teoria da contingência (COVALESKI et al, 2003), o problema investigado pode ser resumido da seguinte forma: "como é a utilização do sistema de controle orçamentário em duas empresas brasileiras de grande porte?" O objetivo desse trabalho foi caracterizar tal utilização, identificando algumas mudanças tecnológicas ocorridas nos últimos anos. A partir desse macroobjetivo, derivaram-se três objetivos específicos: (1) estabelecimento, a partir da literatura, de um quadro de referência que contivesse todas as características do uso do sistema de controle orçamentário a serem examinadas nas empresas estudadas; (2) caracterização da utilização do sistema de controle orçamentário nas empresas estudadas; (3) identificação de algumas mudanças tecnológicas recentemente ocorridas.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
O estudo do sistema de controle orçamentário no presente trabalho parte de uma perspectiva ampla na qual o controle não se restringe aos aspectos financeiros, ou seja, engloba em sua apresentação a discussão de aspectos organizacionais e outras formas de controle.
Gomes e Salas (1999, p. 24) estudam controles de gestão, considerando duas perspectivas: a restrita e a ampla, com a primeira baseada apenas em aspectos financeiros e a segunda levando em conta também o contexto em que ocorrem as atividades, incluindo, estrutura organizacional, comportamento individual, cultura organizacional e contexto social e competitivo. Também é analisada a existência de controles informais.
Segundo Otley (1994, p. 295), as organizações contemporâneas sobrevivem por meio da adaptação. Sua evolução decorre das renovações e reinvenções corporativas. Isso requer não somente um foco externo em novos produtos e novos clientes, mas também um foco interno. A importância da organização interna para o desenvolvimento e distribuição de novos produtos e para o alcance de novos clientes resume-se na questão: como criar um ambiente interno que conduza à renovação? O sistema de controle deve encorajar os gestores a arcarem com a responsabilidade de manter, no que lhes diz respeito, a organização afinada com as necessidades ambientais. Sistemas que contemplem recompensas pelo alcance de determinados níveis de desempenho, juntamente com outros mecanismos de prestação de contas (accountability) são as pedras angulares sobre as quais repousa um controle gerencial bem-sucedido (OTLEY, 1994, p. 296).
Percebe-se que, a partir das afirmações anteriores, o sistema de controle orçamentário, enquanto sistema de controle gerencial, também pode ser visto de uma perspectiva restrita ou ampla, sendo que sua utilidade e importância tendem a aumentar quando se utiliza a segunda perspectiva.
Os estudos sobre sistemas de controle orçamentário foram fortemente influenciados pela administração científica e pela abordagem racional representada por Anthony (1965). Nessa abordagem, o uso dos sistemas orçamentários é tipicamente limitado: à projeção anual, que é avaliada mensalmente para prestação de contas junto ao conselho administrativo da empresa e; aos mecanismos de pressão junto às áreas. Não existe forte ênfase na análise de processos e em sua integração com as estratégias da empresa. Por outro lado, em Alegría (1996, p. 88), destaca-se que o sistema orçamentário deve servir de apoio ao processo de planejamento estratégico, pois ainda que pareça que todas as decisões referentes ao futuro da empresa sejam traçadas no planejamento estratégico, há muitas decisões que estão inicialmente presentes no plano detalhado que é representado pelo orçamento. Em outras palavras, o orçamento não substitui o planejamento estratégico, mas é um apoio que a empresa tem para administrar o curto prazo, sem se esquecer do longo prazo.
Covaleski et al (2003) apresentam-nos três perspectivas teóricas que podem ser utilizadas no estudo do processo orçamentário: econômica, motivacional e contingencial. A primeira perspectiva considera o valor econômico das práticas orçamentárias, tanto para os proprietários como para os empregados. O controle orçamentário tem papel importante na coordenação das atividades e no estabelecimento de incentivos apropriados nas organizações. A segunda perspectiva está voltada à seguinte questão: "quais são os efeitos das práticas orçamentárias no estado mental, no comportamento e no desempenho dos indivíduos?". A terceira perspectiva, denominada de contingencial, tem seu foco em participação, avaliação de desempenho, baseada no orçamento e no uso do orçamento para controle gerencial. Esta abordagem apóia-se primariamente nos estudos sobre comportamento organizacional e enfatiza a importância das características da organização e de seu ambiente (incerteza ambiental, tamanho da organização e sofisticação tecnológica) no projeto e operação de sistemas de informação contábil, que incluem o orçamento.
O quadro referencial deste artigo (figura 1) foi fortemente baseado nos trabalhos de Otley (1978, 1980, 1994 e 1999) e Merchant (1981 e 1984), os quais trazem diferentes fatores contingentes em seus quadros referenciais de pesquisa.
2.1 Quadro Referencial
Na elaboração do quadro referencial desta pesquisa foram considerados aspectos da abordagem contingencial, com a divisão das variáveis estudadas em dois grupos:
variáveis do contexto corporativo;
variáveis relacionadas diretamente à caracterização do uso dos sistemas de controle orçamentário.
Os tópicos 2.1.1 e 2.1.2 detalham os aspectos estudados do contexto corporativo, assim como as variáveis de caracterização do uso do sistema de controle orçamentário propriamente dito.
2.1.1 Variáveis do contexto corporativo
Como apresentado por Covaleski et al (2003, p. 31), os estudos sobre sistemas orçamentários, baseados nos modelos da abordagem contingencial, apregoam que não existem práticas orçamentárias de sucesso universal. A escolha das práticas orçamentárias dependerá das circunstâncias ambientais e tecnológicas às quais determinadas organizações estão sujeitas. Sendo assim, a caracterização do uso do sistema orçamentário nesta pesquisa considerou fatores contingentes ou variáveis ambientais, denominadas variáveis do contexto corporativo, tal como feito nos estudos de Pugh et al (1969), Bruns e Waterhouse (1975), Merchant (1981, 1984), Otley (1994 e 1999), Marginson (1999) e Chenhall (2003).
As variáveis de contexto corporativo observadas foram: (a) tamanho; (b) diversificação; (c) descentralização; (d) dinamismo do mercado; (e) posição e participação no mercado, aqui chamadas de potenciais variáveis independentes. Tais variáveis foram definidas a partir dos trabalhos de Merchant (1981 e 1984), Otley (1994 e 1999) e Chenhall (2003).
O tamanho das empresas foi expresso pelo número de empregados, também usado em Merchant (1981). A diversificação foi obtida mediante a informação de quanto cada um dos negócios impactou o faturamento global das empresas, com base no trabalho de Rumelt apud Merchant (1981, p. 817).
Para mensurar o nível de centralização/descentralização, foram elaboradas seis questões que objetivavam identificar o nível de autonomia existente nas empresas para tomada de decisão, de forma semelhante ao estudo de Merchant (1981), embora não se tratem das mesmas perguntas, dada à diferença temporal e de escopo dos trabalhos. Já o dinamismo de mercado derivou-se da classificação de variáveis ambientais propostas por Chenhall (2003), e duas foram as proxis utilizadas em sua mensuração: freqüência de atualização nas tabelas de preços e o número de concorrentes diretos. Por fim, são observadas a posição no mercado, estudada anteriormente por Merchant (1984) e o market share (participação no mercado).
2.1.2 Variáveis diretamente relacionadas à caracterização do uso dos sistemas de controle orçamentário
Foram consideradas cinco variáveis: tecnologia do sistema de controle orçamentário, participação, acompanhamento orçamentário, integração e ênfase.
A definição de tecnologia adotada neste trabalho é próxima àquela adotada por Chenhall (2003, p. 139), o qual define tecnologia como sendo a forma pela qual os processos de trabalho da empresa acontecem, o que inclui hardware, materiais, processos, pessoas, softwares e conhecimento.
O estudo da variável "tecnologia" incluiu a identificação da metodologia adotada no planejamento orçamentário e como a estrutura organizacional estava refletida no processo orçamentário, o estudo das mudanças tecnológicas ocorridas entre 1998 e 2003 (com o objetivo de trazer mais subsídios à compreensão da utilização do sistema atual) e a caracterização do software atual, identificando o nível de sua integração com os demais softwares.
A variável participação foi explorada sob três aspectos: participação dos gestores na definição das estratégias, participação na elaboração do planejamento orçamentário e identificação das pessoas envolvidas com a fase de projeção orçamentária. O primeiro aspecto explorado, participação nas estratégias, foi apresentado por Otley (1994 e 1999) e Alegría (1996), como uma variante importante na compreensão do uso do sistema de controle orçamentário.
Já a variável acompanhamento explorou a metodologia adotada nessa etapa do processo orçamentário, considerando-se seus participantes e a periodicidade de realização do acompanhamento. A completude do ciclo de feedback foi outra variável estudada, observando-se a forma de controle das variações orçamentárias, a identificação de suas causas e a proposição de medidas corretivas.
Além dos três aspectos baseados em Merchant (1981), também foi incluído o estudo sobre a integração entre os vários sistemas de controle gerencial, apresentada por Otley (1994 e 1999).
O quinto elemento estudado referiu-se à ênfase dada ao sistema orçamentário. Segundo Merchant (1984), o sistema de controle orçamentário pode ser utilizado primariamente como ferramenta de planejamento e não como ferramenta de controle e integração. Foram consideradas duas ênfases possíveis: projeção financeira, que caracteriza seu uso como instrumento de planejamento; voltado às decisões ex-ante de alocação de recursos; e controle de gestão, que caracteriza o uso como controle gerencial bem-sucedido, no qual deve ser ressaltado o vínculo entre recompensas e o sistema de controle orçamentário.
3 METODOLOGIA
Essa pesquisa visou enriquecer o entendimento sobre o uso do sistema de controle orçamentário nas empresas estudadas. Entende-se que os limites entre sistema de controle orçamentário e outros sistemas utilizados pela gestão das empresas não estão claramente definidos, e que o primeiro é amplamente influenciado pelo contexto organizacional, portanto foi utilizada a metodologia de estudo de caso, que possibilita uma compreensão em profundidade. Scapens (2006) afirma que surveys proporcionam apenas uma visão geral das práticas gerenciais, diferentemente dos estudos de caso, que possibilitam uma visão mais ampla de tais práticas.
Os estudos de caso realizados foram feitos seguindo-se as orientações metodológicas propostas em Yin (2001).
Foram escolhidas duas empresas a serem estudadas, em função da sofisticação dos sistemas de informações e do sistema de controle orçamentário nelas existentes, e do fato de ambas serem líderes nos mercados em que atuam, além da conveniência de ambas estarem geograficamente próximas do centro de pesquisa. As duas empresas foram estudadas no início do ano de 2004. Antes da escolha das duas empresas, pelo menos quatro outras foram prospectadas. Em uma delas, foi feito um estudo de caso piloto, útil para a validação do protocolo, particularmente dos roteiros de entrevistas. As empresas prospectadas não foram incluídas neste estudo por apresentarem sistemas de controle orçamentário de menor impacto em suas administrações. Para responder ao problema de pesquisa, definiu-se o ambiente organizacional de cada empresa estudada como unidade de análise, utilizando como principal instrumento de coleta de dados a entrevista não-estruturada. Esse tipo de entrevista é feita por meio de uma conversa guiada, em que se pretende obter informações detalhadas que possam ser úteis em análise posterior (RICHARDSON, 1999, p. 208).
O protocolo dos estudos de caso realizados inclui a visão geral do projeto de estudo do caso, apresentada no quadro referencial da pesquisa (item 2.1). Também inclui os procedimentos de campo que foram seguidos, roteiros de entrevistas, e orientações para a análise dos dados coletados.
Para a caracterização do sistema orçamentário foram ouvidas pelo menos duas pessoas: uma diretamente envolvida até mesmo com questões operacionais, e outra de papel mais tático e estratégico. A coleta de dados com estes entrevistados foi efetuada em duas partes. A primeira de duração média de quatro horas foi gravada e ocorreu nas empresas estudadas, sendo intercalada com observações diretas dos respectivos ambientes de trabalho. A segunda parte ocorreu não presencialmente mediante contatos telefônicos e trocas de e-mails, com objetivo de obtenção de informações complementares. Os dados relativos ao contexto corporativo foram obtidos nas entrevistas não-estruturadas e em pesquisa documental realizada em sites corporativos e revistas especializadas; sendo feita sua triangularização, buscando-se maior confiabilidade. Adicionalmente, para mensurar o nível de centralização/descentralização de forma objetiva, aplicou-se um questionário para identificação do nível de autonomia existente nas empresas para tomada de decisão, de forma semelhante ao estudo de Merchant (1981).
Os entrevistados na empresa A foram: o gerente do departamento de custos e orçamento, e o responsável por parte do sistema orçamentário. Na empresa B foram entrevistados o controller e o chefe do departamento de custos e orçamento.
A análise dos dados obtidos foi feita mediante transcrição das entrevistas, e confrontação dos resultados obtidos com as proposições teóricas também presentes na revisão bibliográfica.
4 ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS
As empresas estudadas, denominadas de empresa A e empresa B, são de grande porte e familiares, sendo que a primeira é de capital nacional e a segunda é de capital estrangeiro, com matriz no continente europeu. Embora sejam empresas familiares, a gestão de ambas é profissionalizada. As duas empresas estão no mercado brasileiro há mais de 50 anos, mas atuando em setores bastante distintos. As duas empresas utilizam sistemas integrados de gestão, a empresa A possui um sistema integrado de gestão desenvolvido sobre o banco de dados Oracle, e a empresa B, o sistema SAP/R3.
A empresa A atua no ramo de distribuição atacadista e é uma das maiores empresas nesse segmento. Ela pertence a um grupo empresarial localizado no estado de Minas Gerais, cujo principal negócio é distribuição. Seu faturamento no ano de 2003 foi de aproximadamente R$ 2 bilhões, o que corresponde a aproximadamente 11% do faturamento global do setor atacadista, possuindo uma carteira com mais de 150.000 clientes, cujos principais são micro e pequenas empresas varejistas. A empresa A atende a todos os municípios do país, distribuindo mais de 20.000 itens e possuindo mais de 42 centros de distribuição. Quando da realização das entrevistas, possuía treze diretorias compostas por 235 departamentos e aproximadamente 5.000 mil funcionários.
A empresa B é uma subsidiária de um grupo estrangeiro de controle familiar, presente no país há mais de 70 anos e empregava, aproximadamente 3.000 funcionários. Está localizada no interior do estado de São Paulo, na região de Ribeirão Preto, atuando na produção de bens de consumo e exportando parte de sua produção. Em 2004, possuía três plantas produtivas no país, sendo duas no estado de São Paulo e uma no estado de Minas Gerais, cuja produção e comercialização lhe permitia faturamento anual de aproximadamente R$ 220 milhões. Cerca de 40% de seu faturamento provêem de exportações. A empresa é líder no principal segmento em que atua, é bastante verticalizada, sendo responsável pela produção em várias etapas da cadeia produtiva. O principal mercado em que opera é sazonal, com as vendas se concentrando nos meses de novembro a março. Para tentar diminuir os efeitos sazonais sobre a comercialização dos seus produtos, tem buscado diversificá-los. Em 2004, ela trabalhava com quatro unidades de negócio: U1, U2, cosméticos, e brindes promocionais. As duas primeiras unidades de negócio relacionam-se a uma única linha de produtos, sendo que a unidade U1 refere-se ao mercado interno dessa linha, e a U2, ao mercado externo. Nas outras unidades de negócios, cosméticos e brindes promocionais, não é feita a abertura entre mercado interno e externo.
4.1 - Apresentação dos dados referentes às variáveis do contexto corporativo
As variáveis do contexto corporativo consideradas nesse estudo foram: tamanho, diversificação, descentralização, dinamismo, posição e participação no mercado.
Tamanho
Assim como em Merchant (1981), o tamanho da empresa foi observado a partir do número de empregados, sendo que em 2004, a empresa A possuía aproximadamente 5.000 funcionários e a empresa B, aproximadamente 3.000 funcionários.
Diversificação
O nível de diversificação de cada empresa foi avaliado considerando-se a participação do faturamento de cada segmento de atuação em relação ao faturamento global. O principal segmento de atuação da empresa A era distribuição de alimentos, correspondente a 65% do seu faturamento. Também atuava na distribuição de eletrodomésticos, distribuição de materiais de construção, além de distribuir produtos de marcas próprias. Já a empresa B tinha mais de 70% de seu faturamento no principal segmento em que atuava, embora estivesse aumentando a participação em outros segmentos, tidos como estratégicos e com grande potencial de crescimento.
Descentralização
Para avaliar o nível de descentralização foram elaboradas perguntas sobre a autonomia na implementação de projetos e atividades relacionadas ao planejamento orçamentário em cada uma das empresas estudadas.
Na empresa A, de acordo com o controller, todos os gastos tinham de passar por algum nível de aprovação, devendo-se evitar a realização de gastos não-orçados. Os investimentos de até R$ 100 mil tinham de ser aprovados pelo diretor da área requisitante. Acima desse valor, era preciso fazer um projeto, cuja avaliação e parecer eram feitos pela controladoria, devendo, também, ser submetido ao conselho administrativo para aprovação final. Nessa empresa, os gestores também não tinham autonomia para realocar verbas entre contas, essas transferências podiam ocorrer apenas em casos esporádicos e bem justificados.
Na empresa B, a autonomia dos gestores na execução do orçamento também era restrita, sendo comum a necessidade de aprovação dos superiores desses gestores para a realização de um investimento ou de uma despesa, quando havia valores expressivos envolvidos. Até o ano de 1999, o nível de centralização era maior e o orçamento era imposto à empresa pela matriz, não havendo espaço para negociações.
Em 2004, a hierarquia de autorização iniciava-se com a aprovação do projeto pelo conselho administrativo, após isso, era submetido à área industrial (responsável pela avaliação dos projetos de investimento), posteriormente à diretoria do solicitante e, por último, ao superintendente (diretor-presidente).
Já a execução das despesas de gestão diferenciava-se em gestão direta e gestão indireta, sendo que as despesas de gestão direta eram de responsabilidade do gestor do centro de despesa e nelas estavam agrupadas as contas de escritório, telefone, fotocópias, viagens, entre outros. As despesas de gestão indireta eram administradas por áreas específicas, por exemplo, despesas indiretas de pessoal eram monitoradas pelo Departamento Pessoal.
No momento de efetuarem despesas de gestão direta, os gastos acima de quatro mil reais deviam ser autorizados. Em relação à autonomia na realização de gastos não orçados era preciso pedir autorização para o diretor da área, devendo tal decisão ser justificada à controladoria.
Uma prática comum era negociar a transferência entre contas (desde que do mesmo grupo), para evitar que houvesse consumo adicional de recursos globais. Já no caso de investimentos não-previstos, sua aprovação dependia do resultado econômico que a empresa obteve até o momento da solicitação e da urgência do projeto pleiteado, tais investimentos obedeciam às mesmas hierarquias de aprovação, sendo uma opção comum a troca de um projeto que já tinha sido incluído no orçamento por novo projeto.
Dinamismo do mercado, posição e participação no mercado
Na análise do dinamismo do mercado, considerou-se a freqüência da atualização da tabela de preços e o número de concorrentes diretos. A empresa A mencionou realizar cerca de doze alterações trimestrais em suas tabelas de preços, enquanto a empresa B realizava cerca de três alterações trimestrais em suas tabelas. A empresa A possuía cerca de 10 concorrentes, sendo que alguns deles era de porte bastante inferior. Quatro deles se localizavam no estado de Minas Gerais. A empresa B possuía somente um concorrente expressivo nacionalmente, além de distribuidores de produtos importados de países asiáticos, que ganharam bastante espaço na década de 90.
Quanto às variáveis "posição" e "participação no mercado", as duas empresas eram líderes de mercado. A empresa A possuía um market share acima de 35% no seu principal segmento e a empresa B possuía uma participação acima de 50% no principal segmento em que atuava.
4.2 - Apresentação dos dados coletados referentes às variáveis diretamente relacionadas à caracterização do uso dos sistemas de controle orçamentário
A caracterização do sistema de controle orçamentário considerou as seguintes variáveis: (I) tecnologia: metodologia e estrutura organizacional, mudanças tecnológicas ocorridas entre 1998 e 2003 e características do software atual; (II) participação: na definição de estratégias, no orçamento e características dos participantes; (III) acompanhamento orçamentário: metodologia e feedback; (IV) integração: com as estratégias e com outros controles; (V) ênfase do sistema de controle orçamentário (figura 1).
(I) Tecnologia: metodologia adotada no sistema orçamentário
Metodologia utilizada no sistema de controle orçamentário
A metodologia do sistema orçamentário na empresa A era matricial (figura 2). As linhas da matriz eram os "pacotes" ou conjuntos de contas orçamentárias. Os "pacotes" possuíam gestores específicos, responsáveis pelo estabelecimento de suas metas. Adicionalmente, os gestores dos centros de custos envolviam-se na "negociação das metas" e traziam propostas de redução de custos para que fosse atingida a meta corporativa.
Os grupos de contas orçamentárias associavam-se às diretorias e as gerências de divisão das diferentes áreas de negócio. Esta associação obedecia à estrutura hierárquica da empresa. O diretor-presidente ou CEO (chief executive officer) respondia ao conselho administrativo. Diretamente ligadas ao diretor-presidente ficavam as áreas de suporte: Finanças e Recursos Humanos. Abaixo do diretor-presidente, havia as unidades de negócios, com suas diretorias, gerências de divisão e supervisores. No mesmo nível das unidades de negócio estavam as áreas de informática e de logística, sendo que abaixo da área de logística, havia os diretores, gerentes e os supervisores dos centros de distribuição. Já a empresa B possuía a seguinte estrutura hierárquica: conselho administrativo, presidência, diretoria, gerente divisional e chefe de departamento. Seu organograma hierarquizado estava refletido no sistema de controle orçamentário.
A empresa B tinha seu orçamento de despesas dividido em quatro blocos:
Despesas de gestão direta: de responsabilidade do gestor do centro de despesa. Nelas estavam agrupadas as contas de escritório, telefone, fotocópias, viagens, entre outros;
Despesas com pessoal: também sob responsabilidade do administrador do centro de despesa e com informações sobre contratações, demissões e promoções, além dos valores dos salários e seus respectivos encargos;
Despesas indiretas de pessoal: essas despesas eram administradas pelo Departamento de Pessoal que informava o valor unitário de cada benefício para toda a empresa;
Despesas de gestão indiretas: esse grupo permitia uma divisão de responsabilidades que cruza horizontalmente a empresa, de forma semelhante à estrutura matricial apresentada pela empresa A. Os gastos são alocados para os diversos centros de despesa, mas sua administração era realizada pelos gestores de gastos indiretos, nesse grupo havia vários subgrupos, por exemplo:
Recursos de tecnologia de informação: responsabilidade da área de T.I.;
Despesas de logística, responsabilidade da área de logística;
Consultoria: responsabilidade de cada diretoria.
Mudanças tecnológicas
O quadro 1 resume em seis fases o processo de adoção do sistema de controle orçamentário na empresa A. Os primeiros esforços para a implantação de sistemas de controle orçamentário ocorreram em 1999 (fase1 - quadro1). Durante o processo de profissionalização da gestão na empresa A, dentre as mudanças realizadas estava a criação da área de controladoria, a qual identificou primeiramente a necessidade de criação de controles internos mais efetivos. No ano de 2000, uma empresa de consultoria foi contratada com o objetivo de implantar um sistema de controle orçamentário (fase 2 - quadro 1).
Percebeu-se que a maior preocupação da empresa durante esses anos de utilização do sistema de controle orçamentário foi com a metodologia e com as técnicas adotadas (fases 3, 4 e 5 - quadro 1) e não com o sistema de informações (software) utilizado. Desde o início, todos os esforços estavam em definir a metodologia e os processos envolvidos no sistema de controle orçamentário. Os esforços para a adoção de um software que fosse capaz de eliminar as várias planilhas e bancos de dados se intensificaram apenas em 2004, juntamente com mais uma revisão dos processos envolvidos no controle orçamentário (fase 6 - quadro 1).
A empresa B utilizava sistemas de controle orçamentário havia mais de 20 anos. Sua definição, todavia, era totalmente centralizada na diretoria da empresa, que determinava quanto cada área poderia utilizar em determinado período. Apenas no ano 2000, com o acirramento da concorrência e conseqüente necessidade de um gerenciamento de resultados mais robusto, iniciaram-se os esforços de descentralização do processo orçamentário, permitindo aos gestores maior participação, pois a empresa percebeu que era muito difícil adotar políticas de redução de custos e melhorias de processos e tarefas, já que os gestores não eram envolvidos suficientemente nesse processo. Nota-se que tais mudanças tornaram-se viáveis devido às melhorias nos sistemas de informação (softwares) discutidas nas fases 2 e 3 (quadro 2).
A primeira fase de adoção do sistema de controle orçamentário da empresa B (quadro 2) retrata as tentativas de mudanças após a implantação do SAP R/3. Até meados de 1996, era utilizado um software em Clipper para elaborar o planejamento orçamentário. A partir de 1996, os esforços da empresa se concentraram em melhorar o sistema de controle orçamentário, com bastante ênfase no software a ser utilizado, sem, contudo, alcançar grande êxito, devido às limitações das próprias ferramentas e ao estágio da curva de aprendizado da implantação do SAP R/3. O pioneirismo da empresa B na adoção do SAP R/3 no Brasil teve um alto custo.
Somente após as fases 3, 4 e 5 (quadro 2) os sistemas de informação estabilizaram-se a ponto de permitir uma redistribuição de responsabilidades entre os gestores de despesas.
Metodologias e mudanças tecnológicas - considerações finais
De acordo com os dados coletados e conforme ilustrado nos quadros um e dois, a projeção e especialmente o acompanhamento orçamentário eram feitos mediante uma integração parcial entre os sistemas. No caso da empresa A, a extração dos dados do Oracle ERP ocorria por meio de interfaces ou geração manual de arquivos que posteriormente eram manipulados em Excel ou Access. No caso da empresa B, além do SAP, existiam planilhas em Excel, um sistema em Visual Basic e um outro sistema acessado por uma intranet, que auxiliavam a projeção e o controle orçamentário.
Devem ser destacados a vulnerabilidade, a falta de consistência das informações, e o tempo despendido com conferências. Tais limitações derivam-se da ausência de integração adequada dos sistemas.
Na empresa B foi mais nítida a dependência de sistemas de informações robustos para melhorias nos procedimentos orçamentários. Dois fatores podem auxiliar na explicação deste fato. Primeiramente, o número de variáveis envolvidas no sistema orçamentário da empresa B, uma indústria, tende a ter um número mais expressivo de variáveis orçamentárias do que em uma empresa atacadista. Em segundo lugar, empresas mais antigas tendem ao acúmulo de vários sistemas de informações legados, de qualidade duvidosa.
Nas empresas estudadas, as mudanças nos sistemas de controle orçamentário estavam fortemente relacionadas à queda de seus resultados e ao aumento da concorrência. Deve ser ressaltado que na empresa A, a profissionalização da gestão deu origem à utilização do sistema orçamentário.
(II) Participação na definição das estratégias, no orçamento e características dos participantes
Os controllers foram questionados a respeito da participação da controladoria e dos gestores no estabelecimento de estratégias e diretrizes seguidas pelas empresas na projeção orçamentária, tendo sido constatado que não havia participação dos gestores em tais definições. Em ambas as empresas havia uma reunião para abertura dos trabalhos de projeção orçamentária, com enfoque operacional, na qual todos os gestores participavam. As principais diretrizes da empresa, as premissas para o próximo ano e as instruções para elaboração do orçamento eram apresentadas nessa reunião.
A participação nas revisões orçamentárias também envolvia todos os gestores. A elaboração das simulações orçamentárias, no entanto, era restrita à controladoria e sua divulgação restringia-se aos diretores e gerentes.
A utilização do orçamento matricial (para receitas, despesas e investimentos) pela empresa A contribuiu para que houvesse um alto nível de comunicação entre os envolvidos.
Na empresa B, embora fosse utilizado o conceito de gestor responsável por determinado centro de custo (ou centro de responsabilidade), existiam gestores responsáveis pelas despesas comuns à organização. Isso foi verificado principalmente no controle e negociação de contratos de fornecimento de serviços e mercadorias de uso comum.
Na empresa A, o orçamento de investimento também era matricial. Os gestores de centros de custo eram os responsáveis pela projeção das aquisições de equipamentos, das reformas, entre outros. Na empresa B, os investimentos eram orçados pelos gestores dos centros de custo no período de realização das projeções orçamentárias. A ratificação da aprovação dos investimentos orçados nas duas empresas somente ocorria ao longo do período.
As duas empresas afirmaram que a participação dos gestores de área era bastante expressiva. A empresa A apontou 700 funcionários como participantes do processo, e a empresa B, 66 funcionários. No entanto, o número relativo de participantes (número de participantes/número total de empregados) foi cerca de seis vezes maior na empresa A.
Na percepção da maioria dos entrevistados, os gestores se sentiam bastante motivados, pois participavam da definição de metas, projeção e acompanhamento orçamentários. Deve ser ressaltado que na empresa B, um dos entrevistados apontou que alguns gestores ainda relutavam em participar da projeção.
(III) Acompanhamento orçamentário: metodologia e feedback
Nas duas empresas, o acompanhamento orçamentário era feito mensalmente. As mesmas pessoas que realizavam a projeção também eram responsáveis pelo acompanhamento orçamentário.
A empresa A possuía cronograma de atividades mensais, incluindo reuniões de acompanhamento orçamentário com a participação de todos os gestores (dos analistas até os diretores da empresa). O cronograma e as atividades definidas deveriam ser cumpridos rigidamente. Nas reuniões mensais, todos deveriam apresentar um comparativo entre o que foi orçado e o que se realizou, com as justificativas sobre as variações e as ações corretivas propostas.
O acompanhamento orçamentário era utilizado tanto como um mecanismo de feedback como um instrumento de avaliação de processos na empresa A.
Também havia reuniões para a avaliação de resultados na empresa B, mas o ciclo de feedback não era completo. O monitoramento da execução das ações corretivas apresentava algumas falhas, o que poderia resultar em reincidência de problemas anteriormente detectados.
Na empresa B, havia três grupos que auxiliavam o processo de acompanhamento orçamentário: grupo de acompanhamento de margem, de custos e de despesas. Mas cabe ressaltar que a existência desses grupos não isentava os gestores de gastos diretos e indiretos de realizar o acompanhamento orçamentário. Mesmo com essa equipe auxiliar, percebeu-se, durante as entrevistas, que nem sempre o acompanhamento das ações corretivas era efetivo, havendo um distanciamento entre sistema orçamentário e análise de processos.
(IV) Integração: com as estratégias e com outros controles
A empresa A não possuía processo de planejamento estratégico formalizado. No entanto, suas estratégias existiam e eram amplamente divulgadas em reuniões do conselho e em reuniões informais. Havia ampla divulgação entre os gestores sobre os objetivos estratégicos traçados para a companhia.
A empresa B possuía processo de planejamento estratégico formalizado. Anualmente era feito um evento fora da empresa com o objetivo de discutir as estratégias, mas a divulgação do planejamento estratégico aos gestores era restrita. Para o controller da empresa B, o orçamento estava totalmente vinculado com o planejamento estratégico. Porém, ao ser perguntado sobre sua formalização, o mesmo disse "devo confessar que não sei até que ponto isso afeta o orçamento do ano. O que mais afeta o orçamento é o planejamento de marketing (marketing plan)".
Quanto à integração do orçamento com outros sistemas de controles gerenciais a empresa A, que fazia uso de vários tipos de controle, mencionou que todos eram utilizados em conjunto. A atualização e divulgação dos resultados do uso de tais ferramentas eram centralizadas na controladoria. A empresa fazia uso do sistema de custeio baseado em atividades (ABC) para análise do custo de suas atividades e utilizava o EVA para mensurar a agregação de valores gerados pela empresa. Os indicadores de desempenho, definidos em consonância com a metodologia do ciclo PDCA - planejar, fazer, verificar, agir (Deming, 1986), eram utilizados para monitorar o andamento das atividades e corrigir desvios ou "anomalias" (termo utilizado pelo entrevistado).
O principal mecanismo de controle gerencial utilizado pela empresa B era o sistema de controle orçamentário e à época das entrevistas, a empresa estava iniciando a definição de indicadores de desempenho (operacionais, táticos e estratégicos), junto com uma universidade local que os assessorava nessa tarefa. A empresa também era certificada pela ISO 9.001 e ISO 14.000.
(V) Ênfase
A empresa A enfatizava a utilização do sistema orçamentário como mecanismo de controle de gestão, tendo vinculado ao alcance das metas orçamentárias o recebimento de um bônus anual. Segundo Otley (1999), sistemas com ênfase no controle gerencial tendem a propor incentivos aos seus empregados. A prática adotada pela empresa A converge com a mesma realidade detectada por Marginson (1999). Na empresa B, havia premiação anual em função de avaliação de desempenho, mas não havia vinculação entre essa avaliação e as metas orçamentárias.
5 CONCLUSÃO
Para compreender a forma como é utilizado o sistema de controle orçamentário nas empresas brasileiras de grande porte nos dias atuais, definiu-se como metodologia de trabalho o estudo de caso exploratório, aplicado a duas empresas de grande porte.
O objetivo foi caracterizar tal utilização, estabelecendo-se três objetivos específicos:
- estabelecer, a partir da literatura, um quadro de referência que contivesse as características do uso do sistema de controle orçamentário a serem examinadas nas empresas estudadas;
- caracterizar a utilização do sistema de controle orçamentário nas empresas estudadas; e
- identificar algumas mudanças tecnológicas recentes ocorridas no sistema de controle orçamentário.
A maneira pela qual o problema de pesquisa foi respondido, e os três objetivos foram alcançados está exposta nos próximos parágrafos.
O quadro referencial da pesquisa (framework), que originou o instrumento de pesquisa, baseou-se na teoria da contingência e utilizou como principais referências os trabalhos de Merchant (1981 e 1984) e Otley (1994 e 1999).
Mediante a análise das informações obtidas nas entrevistas foi possível compreender as principais características do uso do controle orçamentário nas empresas pesquisadas. A identificação das mudanças tecnológicas ocorridas não se limitou à simples descrição de fatos ocorridos durante cinco anos. Ao contrário, trouxe subsídios para uma melhor compreensão da utilização do sistema nas duas empresas estudadas. Tal compreensão aumentou quando foram feitas comparações entre as duas empresas, e entre seus resultados e os resultados empíricos extraídos da literatura.
Na análise das características diretamente relacionadas ao uso do sistema de controle orçamentário, percebeu-se que as duas empresas valorizavam o processo de controle orçamentário, envolvendo nele um grupo significativo de empregados e de recursos computacionais. Nelas, o orçamento pôde ser considerado como principal ferramenta de controle gerencial.
A empresa A pareceu ser menos conservadora na utilização das tecnologias disponíveis para projeção e controle, principalmente quanto à metodologia utilizada no sistema de controle orçamentário e à integração com outros sistemas de controle, tais como EVA e indicadores de desempenho.
Na empresa B foram reportadas resistências por parte de alguns gestores na participação da projeção orçamentária, além disso, o número de envolvidos era comparativamente menor que o da empresa A.
Quanto às mudanças tecnológicas dessas empresas percebeu-se que a empresa A priorizou a definição de uma metodologia que fosse capaz de atender suas necessidades, sendo que apenas em 2004 os esforços se voltaram para a adoção de um sistema de controle de gestão mais sofisticado. Já a empresa B, durante vários anos tentou implantar um sistema que atendesse suas necessidades, o foco estava no aprimoramento da metodologia, mas também na escolha de um sistema de informações para controle orçamentário. Este fato justifica-se em parte pelo número expressivo de variáveis orçamentárias a serem manipuladas por esta indústria. A infra-estrutura do sistema de informações mostrou-se como condição necessária para o aprimoramento metodológico dos processos orçamentários.
O acompanhamento orçamentário esteve direcionado à adoção de medidas corretivas por meio de ciclos de feedback. A importância de tornar o sistema de controle orçamentário ativo e útil na empresa, voltado à análise de processos, proporcionando ciclos completos de feedback foi mais enfatizada na Empresa A.
A participação dos gestores da baixa e média gerência na definição das estratégias, por outro lado, era bastante restrita, o que também foi encontrado em outros estudos. A segregação entre controle estratégico, gerencial e operacional é destacada por Otley (1994 e 1999) e Marginson (1999) como um aspecto negativo, que não converge com as exigências e demandas das empresas contemporâneas. A congruência de objetivos, por exemplo, tende a ficar prejudicada quando não há comunicação clara no que se espera alcançar. Além disso, os gestores, que estão totalmente envolvidos com a operação da empresa, poderiam contribuir com sua experiência e percepção sobre o negócio.
Ao analisar as variáveis do contexto corporativo, percebeu-se que tamanho e diversificação estão diretamente relacionados ao uso do sistema orçamentário, assim como constatado por Merchant (1981).
Os casos estudados não confirmaram a afirmativa do estudo de Merchant (1981) de que as empresas mais descentralizadas teriam uso mais formal e intenso do controle orçamentário. Fato é que existia pouca descentralização nas empresas estudadas. Muitas empresas brasileiras são de controle familiar e, embora avancem na profissionalização, ainda é forte o traço centralizador da gestão.
Quanto à variável market share, a empresa A, que comparada à empresa B, detinha menor fatia de mercado, utilizava-se de forma mais intensa do sistema orçamentário. A empresa A também operava em mercado mais dinâmico, com maior número de concorrentes expressivos. A utilização menos intensa sistema de controle orçamentário deu-se na empresa B, que era a menos pressionada pela concorrência.
Limitações desse estudo
Uma das limitações desse trabalho refere-se à impossibilidade de abranger uma grande variedade de situações, pois se trata de uma pesquisa qualitativa baseada no estudo de dois casos.
A abordagem contingencial traz vários aspectos a serem estudados para melhor compreender a utilização do sistema de controle orçamentário. Ao definir quais variáveis estudar, algumas foram desconsideradas, dentre elas, a cultura organizacional, sua inclusão poderia, no entanto, ter enriquecido a interpretação dos resultados.
As comparações com outros resultados empíricos são prejudicadas pela falta de outras pesquisas empíricas atuais, realizadas em profundidade em empresas nacionais.
Sugestões para trabalhos futuros
Para finalizar, seguem como sugestões para trabalhos futuros: a aplicação do quadro referencial resultante deste trabalho, considerando-se empresas de um único setor, para que sejam avaliadas as diferenças entre empresas que possuem ambientes externos semelhantes; e a realização de um estudo que considere a cultura organizacional na utilização do sistema orçamentário.
Rosana Carmen de Meiroz Grillo Gonçalves
Universidade de São Paulo, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto, Departamento de Contabilidade
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Telefone: (16) 3602-3899 Fax: (16) 3633-3221
E-mail: rosanagg@usp.br
Recebido em: 03/01/2007
Aprovado em: 05/11/2007
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
23 Fev 2011 -
Data do Fascículo
2008
Histórico
-
Aceito
11 Maio 2007 -
Recebido
03 Jan 2007