Acessibilidade / Reportar erro

NEORICKETTSIA (EHRLICHIA) RISTICII NO SUL DO BRASIL: HELEOBIA SPP. (MOLLUSCA: HYDROBILIDAE) E PARAPLEUROLOPHOCECOUS CERCARIAE (TREMATODA: DIGENEA) COMO POSSÍVEIS VETORES

NEORICKETTSIA (EHRLICHIA) RISTICII IN SOUTHERN BRAZIL: HELEOBIA SPP. (MOLLUSCA: HYDROBILIDAE) AND PARAPLEUROLOPHOCECOUS CERCARIAE (TREMATODA: DIGENEA) AS POSSIBLE VECTORS

RESUMO

Para pesquisa de possíveis vetores envolvidos na transmissão da erliquiose monocítica eqüina (EME) no Rio Grande do Sul, Brasil, caramujos dulciaquícolas dos gêneros Drepanotrema, Physa, Pomacea, Biomphalaria e Heleobia foram coletados em propriedades com histórico de ocorrência de EME localizadas nos Municípios de Rio Grande, Arroio Grande e Santa Vitória do Palmar, extremo sul do Estado. A Neorickettsia (Ehrlichia) risticii foi detectada através de PCR em uma freqüência de 13,33%, em caramujos do gênero Heleobia (H. piscium, H. parchappei e H. davisi). Nesses caramujos, estágios de cercárias e rédias de um trematódeo não identificado foram encontrados. Cercárias emergidas de H. piscium foram classificadas como Parapleurolophocercous cercariae. Esses trematódeos testados por PCR foram positivos para N. risticii em 20% das amostras. Com esses resultados pode-se afirmar que a N. risticii está no ambiente veiculada por caramujos do gênero Heleobia presentes em canais de irrigação e rios da região costeira da Lagoa Mirim, e em trematódeos portados por eles.

PALAVRAS-CHAVE
Neorickettsia (Ehrlichia)risticii; Heleobia ; Parapleuro lophocecous cercariae

ABSTRACT

In order to study possible vectors involved in the transmission of Equine monocytic Ehrlichiosis (EME) in Rio Grande do Sul state, Brazil, fresh water snails were collected from establishments with a history of EME occurrence. The snails were collected from the area of Rio Grande, Santa Vitoria and Arroio Grande counties. Snails belonging to the genera Drepanotrema, Physa, Pomacea, Biomphalaria, and Heleobia were found. Neorickettsia (Ehrlichia) risticii were detected in 13.33% of the snails of the genus (Heleobia H. piscium, H. parchappei, H. davisi) using the PCR method, but not in the other genera. In these snails we found cercariae that were classified as Parapleurolophocercous cercariae. It was observed that 20% of the P. cercariae were positive for N. risticii by PCR. Based in our observations we concluded that N. risticii is present in this area of Brazil. Also, we can suggest that its transmission is mediated by the snail of genus Heleobia since this snail harbors the trematode and is present in irrigation channels, rivers and in the coastal area of Mirim Lake.

KEY WORDS
Neorickettsia (Ehrlichia) risticii ; Heleobia ; Parapleuro lophocecous cercariae

INTRODUÇÃO

A erliquiose monocítica equina (EME), também conhecida como a febre do cavalo de Potomac, é uma síndrome diarréica de eqüinos causada por uma riquétsia denominada Neorickettsia (anteriormente Ehrlichia) risticii. Atualmente, a enfermidade é reconhecida em mais de 34 estados americanos (PALMER et al., 1986PALMER, J.E.; WHITLOCK, R.H.; BENSON, C.E. Equineehrlichial colitis (Potomac horse fever): Recognition of the disease in Pensylvania, New Jersey, New York, Ohio, Idaho and Connecticut. Journal American Veterinary Medical Association, v.189, p.197-199, 1986.; BREIDER & HENTON, 1987BREIDER, M.A. & HENTON, J.E. Equine monocytic ehrlichiosis (Potomac Horse Fever). Equine Pratice, v.9, p.20-24, 1987.), Brasil e Uruguai (DUTRA et al., 2001DUTRA, F.; SCHUCH, L.D.F.; DELUCCHI, E.; CURCIO, B.R.; COIMBRA, H.S.; RAFFI, M.B.; DELLAGOSTIN, O.; RIET-CORREA, F. Equine monocytic Ehrlichiosis (Potomac Horse Fever) in horses in Uruguay and southern Brazil. Journal Veterinary Diagnostic Investigation, v.13, p.433-437, 2001.). Evidências sorológicas da EME em Canadá, França, Itália, Venezuela, Índia e Austrália já foram relatadas (PALMER et al., 1986PALMER, J.E.; WHITLOCK, R.H.; BENSON, C.E. Equineehrlichial colitis (Potomac horse fever): Recognition of the disease in Pensylvania, New Jersey, New York, Ohio, Idaho and Connecticut. Journal American Veterinary Medical Association, v.189, p.197-199, 1986.; BREIDER & HENTON, 1987BREIDER, M.A. & HENTON, J.E. Equine monocytic ehrlichiosis (Potomac Horse Fever). Equine Pratice, v.9, p.20-24, 1987.; RIKIHISA, 1998RIKIHISA, Y. Rickettsial diseases. In: REED, S.M. & BAYLY, W.M.A. (Eds). Equine internal medicine. Philadelphia: W.B. Saunders, 1998. cap.112-123.).

No Rio Grande do Sul e Uruguai, assim como nos Estados Unidos, a enfermidade demonstra tendência sazonal e endêmica, com a ocorrência da maioria dos casos nos meses mais quentes do ano e em regiões alagadiças (PALMER et al., 1986PALMER, J.E.; WHITLOCK, R.H.; BENSON, C.E. Equineehrlichial colitis (Potomac horse fever): Recognition of the disease in Pensylvania, New Jersey, New York, Ohio, Idaho and Connecticut. Journal American Veterinary Medical Association, v.189, p.197-199, 1986.; GOETZ et al., 1989GOETZ, T.E.; HOLLAND, J.C.; D AWSON, J.E.; RISTIC, M.; SKIBBE, K.; KEEGAN, K.G.; JOHNSON, P.J.; SCHAEFFER, D.J.; BAKER, G.J. Monthly prevalence (in 1986) of antibody titters against equine monocytic ehrlichiosis in apparently healthy horses in Illinois. American Journal Veterinary Research, v.50, p.1936-1939, 1989.; OLCHOWY et al., 1990OLCHOWY, T.W.J; AMES, T.R.; MOLLITOR, T.W. Serodiagnosis of equine monocytic ehrlichiosis in selected groups of horses in Minnesota. Journal American Veterinary Medical Association, v.196, p.1967-1970, 1990.; ATWILL et al., 1992ATWILL, E.R.; MOHAMMED, H.O.; DUBOVI, E.; LOPES, J. Retrospective evaluation of factors associated with the risk of seropositivity to Ehrlichia risticii in horses in New York state. American Journal Veterinary Research, v.53, p.1931-1934, 1992.; ATWILL et al., 1994ATWILL, E.R.; MOHAMMED, H.O.; RUA-DOMENECH, R. Geographical variation of seropositivity to Ehrlichia risticii (equine monocytic ehrlichiosis) of horses in New York state. Equine Veterinary Journal, v.26, p.143-147, 1994.; DUTRA et al., 2001DUTRA, F.; SCHUCH, L.D.F.; DELUCCHI, E.; CURCIO, B.R.; COIMBRA, H.S.; RAFFI, M.B.; DELLAGOSTIN, O.; RIET-CORREA, F. Equine monocytic Ehrlichiosis (Potomac Horse Fever) in horses in Uruguay and southern Brazil. Journal Veterinary Diagnostic Investigation, v.13, p.433-437, 2001.; COIMBRA, 2003COIMBRA, H.S. Erliquiose Monocítica Eqüina no Rio Grande do Sul: aspectos clínicos, anatomo-patológicos e epidemiológicos. 2003. Dissertação (Mestrado em Ciências) Faculdade de Veterinária, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2003.). Estudos experimentais do modo de transmissão revelaram que a EME pode ser obtida mais facilmente via transfusão sangüínea, sendo que os eqüinos também são sensíveis à infecção pelas vias subcutânea, intradérmica e a oral (HOLLAND et al., 1985HOLLAND, C.J.; RISTIC, M.; COLE, A.I.; JOHNSON, P.; BAKER, G.; GOETZ, T. Isolation, Experimental transmission, and characterization of Causative Agent of Potomac Horse Fever. Science, v.227, p.522-524, 1985.; DUTTA et al., 1988DUTTA, S.K.; PENNEY, B.E.; MYRUP, A.C; ROBL, M.G; RICE, R.M. Disease features in horses with induced equine monocytic ehrlichiosis (Potomac Horse Fever). American Journal Veterinary Research, v.49, p.1747-1751, 1988.; PALMER & BENSON, 1988PALMER, J.E. & BENSON, C.E. Oral transmission of Ehrlichia risticii resulting in Potomac Horse Fever. Veterinary Record, v.122, p.635-639, 1988.).

Devido à semelhança genética com riquétsias sabidamente de transmissão oral (Ehrlichia sennetsu, Neorickettsia helminthoeca e o agente SF –Stellantchasmus falcatus), foi sugerido que a Neorickettsia (Ehrlichia) risticii acompanha esse padrão de transmissão, intermediado por trematódeos aquáticos (RIKIHISA, 1998RIKIHISA, Y. Rickettsial diseases. In: REED, S.M. & BAYLY, W.M.A. (Eds). Equine internal medicine. Philadelphia: W.B. Saunders, 1998. cap.112-123.; BARLOUGH et al. 1998BARLOUGH, J.E.; REUBEL, G.H.; MADIGAN, J.E.; VREDEVOE, L.K.; MILLER, P.E.; RIKIHISA, Y. Detection of Ehrlichia risticii, the Agent of Potomac Horse Fever, in Freshwater Stream Snails (Pleuroceridae: Juga spp) from Northern California. Applied and Environmental Microbiology, v.64, p.2888-2893, 1998.; PUSTERLA et al. 2000PUSTERLA, N.; MADIGAN, J.E.; CHAE, J.-S.; DEROCK, E.; JOHNSON, E.; PUSTERLA, J.B. Helminthic Transmission and Isolation of Ehrlichia risticii, the Causative Agent of Potomac Horse Fever, by Using Trematode Stages from Freshwater Stream Snails. Journal of Clinical Microbiology, v.38, p.1293-1297, 2000.; KANTER et al. 2000KANTER, M.; MOTT, J.; OHASHI, N.; FRIED, B.; REED, S.; LIN, Y.C.; RIKIHISA, Y. Analysis of 16S rRNA and 51-Kilodalton Antigen gene and Transmission in Mice of Ehrlichia risticii in Virgulate Trematodes from Elimia livescens snails in Ohio. Journal of Clinical Microbiology, v.38, p.3349-3358, 2000.).

BARLOUGH et al. (1998)BARLOUGH, J.E.; REUBEL, G.H.; MADIGAN, J.E.; VREDEVOE, L.K.; MILLER, P.E.; RIKIHISA, Y. Detection of Ehrlichia risticii, the Agent of Potomac Horse Fever, in Freshwater Stream Snails (Pleuroceridae: Juga spp) from Northern California. Applied and Environmental Microbiology, v.64, p.2888-2893, 1998. estudaram caramujos da família Pleuroceridae do gênero Juga como possíveis vetores de trematódeos portadores de N. risticii. Esses caramujos são operculados e medem 0,5 a 3 cm de comprimento, foram coletados das regiões de ocorrência de EME. Os estágios do trematódeo foram coletados, caracterizados e testados por PCR para presença de DNA da N. risticii. As cercárias encontradas foram morfologicamente classificadas como cercárias virguladas. Os resultados no PCR foram compatíveis para o agente da EME, tornando assim os trematódeos liberados pelo caramujo Juga spp. possíveis vetores da N. risticii.

PUSTERLA et al. (2000)PUSTERLA, N.; MADIGAN, J.E.; CHAE, J.-S.; DEROCK, E.; JOHNSON, E.; PUSTERLA, J.B. Helminthic Transmission and Isolation of Ehrlichia risticii, the Causative Agent of Potomac Horse Fever, by Using Trematode Stages from Freshwater Stream Snails. Journal of Clinical Microbiology, v.38, p.1293-1297, 2000. reproduziram experimentalmente a EME em eqüinos inoculando fases de esporocistos e cercárias coletadas de caramujos Juga yrekaensins coletados de áreas de ocorrência de casos de EME. Esses autores constataram que a infecção pela N. risticii está envolvida com o ciclo biológico de um trematódeo de ambiente aquático.

Caramujos operculados Elimia livescens foram coletados no Estado de Ohio-EUA, nos meses de junho a outubro e estudados para presença de trematódeos e DNA da N. risticii; as cercárias encontradas foram identificadas como Xhiphidiocercarias virguladas. Através do PCR, pode-se identificar o DNA da N. risticii a partir dos trematódeos, com uma freqüência de 4 a 54% de positivos no “Nested PCR” (KANTER et al., 2000KANTER, M.; MOTT, J.; OHASHI, N.; FRIED, B.; REED, S.; LIN, Y.C.; RIKIHISA, Y. Analysis of 16S rRNA and 51-Kilodalton Antigen gene and Transmission in Mice of Ehrlichia risticii in Virgulate Trematodes from Elimia livescens snails in Ohio. Journal of Clinical Microbiology, v.38, p.3349-3358, 2000.).

Este estudo tem como objetivo relatar a presença de caramujos dulciaquícolas como possíveis vetores envolvidos na transmissão da EME em região endêmica no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil.

MATERIAL E MÉTODOS

Coletas de caramujos: foram realizadas em áreas endêmicas da EME no RS, mais especificamente nos Municípios de Rio Grande – coletas em agosto e novembro de 2001, Arroio Grande – coletas em dezembro de 2001, janeiro, fevereiro e maio de 2002 e Santa Vitória do Palmar em maio de 2002.

Todos caramujos eram de água doce, sendo coletados manualmente aderidos às raízes de aguapés Eichornea azurea/ou enterrados na lama, em canais de irrigação e aguadas em que os cavalos tinham acesso. Os espécimes coletados foram acondicionados em potes plásticos contendo água do habitat e transportados para o Laboratório de Doenças Infecciosas da Faculdade Veterinária – UFPEL. Os caramujos foram identificados no Departamento de Microbiologia e Parasitologia – Instituto de Biologia – UFPEL e Laboratório de Malacologia do Departamento de Zoologia – Instituto de Biociências – UFRGS.

Processamento dos caramujos: os caramujos coletados - Drepanotrema, Physa, Pomacea, Biomphalaria e Heleobia - foram separados por taxon e tamanho, lavados e acondicionados em placas de Petri com 15 mL de água destilada estéril. Para realização do PCR, as partes moles de cada exemplar foram retiradas da concha e rompidas com bisturi estéril sobre lâmina histológica estéril. Para o processamento, foi utilizado material individual por amostra e colocados em tubos de reação do tipo "eppendorff", de 1,5 mL, contendo tampão de extração SE (EDTA 0,1 M (pH 8,0), NaCl 0,15 M). Cada amostra continha um pool de cinco caramujos, exceto aqueles caramujos grandes - acima de 1 cm de comprimento - que foram utilizados individualmente. No total, foram obtidas 30 amostras de caramujos do gênero Heleobia (14 de Arroio Grande e 16 de Rio Grande), 11 de Biomphalaria (um de Arroio Grande e 10 de Rio Grande), dois de Drepanotrema (Rio Grande), dois de Physa (Rio Grande) e um Pomacea (Rio Grande). Duas amostras foram feitas com restos de caramujos (conchas e água restante da dissecação) e uma com a água da placa de Petri onde eles permaneceram entre 48 e 72h.

Coleta e processamento dos trematódeos: para pesquisa e coleta de trematódeos, foram processados 108 caramujos do gênero Heleobia. Esses caramujos foram dissecados com auxilio de pinças e agulhas sendo observados sob lupa em aumento 8x para visualização das fases de rédias e cercárias presentes na glândula digestiva dos caramujos. Para recuperar as fases larvais dos trematódeos presentes sobre o tecido dos caramujos, foi adicionado 300 μL de água destilada estéril. Com auxílio de micropipeta, essas estruturas foram aspiradas e acondicionadas em tubos "eppendorff" de 1,5 mL. As amostras com os estágios larvais do trematódeo foram montadas em forma de pools: cinco amostras contendo estágios de rédias e cercárias em vários graus de desenvolvimento; três amostras com cercárias maduras oriundas da água em que estavam os caramujos; e dois pools contendo tecidos de 10 caramujos que não apresentavam rédias e cercárias, a título de controle negativo. Todo material foi centrifugado a 10.000 rpm por 2min, o sobrenadante foi descartado e o pellet formado foi ressuspendido em tampão de extração SE (EDTA 0,1 M (pH 8,0), NaCl 0,15 M) para proceder a extração do DNA.

Extração de DNA: a partir dos caramujos, trematódeos e água, a extração foi realizada pelo método do fenol-clorofórmio, que consiste em lavagens sucessivas com fenol, fenol x clorofórmio (1:1) e clorofórmio com a finalidade de extrair e purificar o DNA, seguido de precipitação do DNA com etanol. Após, o sedimento obtido foi ressuspendido em 100 mL de Tampão TE (Tris HCl 10 mM (pH 7,4), EDTA 1 mM pH 8,0).

Reação em Cadeia da Polimerase – PCR: para a detecção do DNA de N. risticii, PCR em duas etapas (Nested PCR) foi realizado segundo descrito por BARLOUGH et al., (1997)BARLOUGH, J.E.; RIKIHISA, Y.; MADIGAN, J.E. Nested Polymerase Chain Reaction for detection of Ehrlichia risticii genomic DNA in infected horses. Veterinary Parasitology, v.68, p.367-373, 1997.. A primeira etapa utilizando um par de oligonucleotídeos (ER-3 5’ATTTGA GAGTTTGATCCTGG3’ e ER-2 5’GTTTTAAATGCATTCTTG3’) que amplifica uma região de 599pb do DNA que codifica para a região 16s do RNA ribossômico da N. risticii. Na segunda etapa, utilizouse um segundo par de oligonucleotídeo (ER-3a 5’CTAGCGGTAGCGTTAAC 3’ e ERSSSS-2a 5’CACACCTAACTTACGGG3’) que amplifica uma região interna ao primeiro de 529 pb.

As reações do PCR foram montadas para um volume final de 50μL, sendo utilizado em cada reação 1U de taq DNA Polymerase, 20 mM Tris-HCl (pH8,4) e 50 mM KCl, 400μM dNTP, MgCl2 a 1,5 mM, 40 pmol de cada oligonucleotídeo iniciador e quantidade suficiente para 50 μL (qsp) de água milli Q estéril, em termociclador 480. Na primeira etapa do PCR, utilizou-se 3 μL do DNA alvo e, na segunda etapa, 1,5μL do produto do 1º PCR. As duas etapas do PCR foram realizadas sob as mesmas condições de temperatura e tempo. Primeiramente, uma desnaturação inicial de 5 minutos a 94° C, após 35 ciclos de desnaturação a 94° C por 1min, anelamento a 60° C por 2min e amplificação a 72° C por 1,5min, após uma extensão final a 72° C por 7min. Após o término dos ciclos, a temperatura foi reduzida para 4° C até que o material fosse manipulado ou retirado e conservado sob refrigeração até proceder-se a leitura do produto do PCR. Um volume de 15 μL do produto do PCR, adicionado a 3 μL de tampão de corrida (LB – sacarose a 40%, com azul de bromocresol a 0,06%, foi submetido a eletroforese em gel de agarose a 1,5%, conduzida a 100V por 60min, e visualizado em transluminador (MacoVue, UV-25 hoefer), sendo o tamanho das bandas obtido por comparação com marcador de peso molecular de 100pb (100 Base-Paier Ladder).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nested PCR a partir de caramujos: o PCR realizado a partir de 30 amostras de caramujos do gênero Heleobia, oriundos de Arroio Grande e Rio Grande, quatro foram positivas (uma de Rio Grande e três de Arroio Grande), apresentando um produto de PCR de 529pb indicando uma freqüência de 13,33% de positivos. Os outros gêneros de caramujos submetidos ao PCR foram negativos. Os caramujos do gênero Heleobia que se apresentaram positivos para N. risticii no PCR, são moluscos que possuem concha cônica em espiral de coloração amarelo castanho (marrom), medindo em média 0,5 cm de comprimento (Fig. 1). A partir de coletas de caramujos em zonas endêmicas para a enfermidade, três espécies de Gastropoda da família Hydrobiidae foram identificadas - Heleobia piscium (ORBIGNY, 1935), Heleobia parchappe (ORBIGNY, 1935) e Heleobia davisi SILVA & THOMÉ, 1985. Tais espécies de caramujos estão presentes em várias regiões, inclusive nas lagoas localizadas na Planície Costeira do Rio Grande do Sul (ALMEIDA et al., 2001ALMEIDA, J.L.; MEINERZ, A.L.; CURCIO, B.R.; MOLLER, G.; COIMBRA, H.S.; SCHUCH, L.F.D.; MEIRELES, M. Erliquiose monocítica eqüina na região norte do Rio Grande do Sul. In: CONGRESSO DE INICIAÇÃO CIENTIFICA, 10., LABORATÓRIO DE PESQUISA, 9., ENCONTRO DO PÓSGRADUAÇÃO, 3., Pelotas, RS, 2001. Resumos. Pelotas: 2001. Resumo 1648.; SILVA, 2003SILVA, M.C.P. Hydrobiidae (Gastropoda, Mesogastropoda, Rissooidea) da Planície Costeira do Rio Grande do Sul, Brasil. 2003. Tese (Doutorado em Biologia Animal) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.), onde já foram diagnosticados casos de EME. Este estudo identificou uma freqüência mínima de 13,33% de caramujos do gênero Heleobia PCR-positivos para N. risticii. BARLOUGH et al. (1998)BARLOUGH, J.E.; REUBEL, G.H.; MADIGAN, J.E.; VREDEVOE, L.K.; MILLER, P.E.; RIKIHISA, Y. Detection of Ehrlichia risticii, the Agent of Potomac Horse Fever, in Freshwater Stream Snails (Pleuroceridae: Juga spp) from Northern California. Applied and Environmental Microbiology, v.64, p.2888-2893, 1998. encontraram pelo menos 3,5% dos caramujos Juga spp. positivos. PUSTERLA et al. (2000)PUSTERLA, N.; MADIGAN, J.E.; CHAE, J.-S.; DEROCK, E.; JOHNSON, E.; PUSTERLA, J.B. Helminthic Transmission and Isolation of Ehrlichia risticii, the Causative Agent of Potomac Horse Fever, by Using Trematode Stages from Freshwater Stream Snails. Journal of Clinical Microbiology, v.38, p.1293-1297, 2000., encontraram uma freqüência de 12,5% de caramujos da família Pleuroceridae positivos no PCR. Possivelmente, essas freqüências sejam variáveis em diferentes épocas do ano e em diferentes espécies de caramujos; uma das razões para essas variações é a necessidade da presença de trematódeos infestando o caramujo.

Fig. 1
Caramujos identificados como pertencentes ao gênero Heleobia.

Pesquisa de trematódeos: dos 108 caramujos dissecados do gênero Heleobia, fases de rédias e cercárias foram evidenciadas em 18 caramujos verificando-se uma freqüência de 16,66%. A partir do esmagamento da concha do caramujo foram obtidas cercárias livres, junto ao corpo do molusco em vários estágios de desenvolvimento. Rédias com diferentes graus de desenvolvimento foram observadas, entretanto todas de coloração clara sendo possível observar, internamente a presença de bolas germinativas. Em rédias maiores, junto à região anterior, observou-se a presença de cercárias em formação sem pigmentação escura, sendo observado o corpo e curta cauda. Cercárias maduras emergidas de H. piscium foram caracterizadas como do tipo Parapleurolophocercous cercariae. Essas cercárias apresentaram corpo aproximadamente elíptico, medindo 250 μm comprimento x 62,5 μm largura, fortemente pigmentado, com a presença de uma ventosa oral e um par de ocelos fortemente pigmentados (Fig. 2). A cauda mediu 325 μm de comprimento sendo mais longa que o corpo, e apresentando duas membranas natatórias, uma membrana posicionada lateralmente em ambos os lados da cauda até a extremidade posterior onde se unem, e outra membrana posicionada na região mediana dorsal da cauda, iniciando na região anterior até mais ou menos a metade da cauda (onde parece que termina). Segundo FRANDSEN & CHRISTENSES (1984)FRANDSEN, F. & CHRISTENSES, N.O. An introductory guide to the identification of cercariae from African freshwater snails with special reference to cercariae of trematodes species of medical and veterinary importance. Acta Tropica, v.41, p.181-202, 1984., a cercária do tipo Parapleurolophocercous cercariae, se caracteriza por apresentar cauda mais longa (sem furca) ou tão longa quanto o corpo com a presença de membranas caudais bem desenvolvidas. Segundo SHELL (1970)SHELL, S.C. How to know the trematodes. Dubuque: WM.C. Brown, 1970. 355p., há a presença de membranas laterais e dorso-ventral; ventosa ventral ausente ou vestigial; presença de ocelos; ausência de órgãos adesivos na região posterior do corpo.

Fig. 2
Cercaria do tipo Parapleurolophocercous cercaria e presentes em Heleobia e positivas no PCR para E. risticii.

Nested PCR a partir dos trematódeos: um dos cinco pools de trematódeos oriundos dos caramujos demonstrou reação positiva no PCR, com uma amplificação de um fragmento de DNA de 529pb, esperado para N. risticii, demonstrando uma freqüência de 20% (Fig. 3). Dos pools realizados a partir dos trematódeos livres na água, nenhum foi positivo. As amostras com tecidos dos caramujos sem trematódeos foram negativas no PCR. Esse resultado aproxima-se com o obtido por KANTER et al. (2000)KANTER, M.; MOTT, J.; OHASHI, N.; FRIED, B.; REED, S.; LIN, Y.C.; RIKIHISA, Y. Analysis of 16S rRNA and 51-Kilodalton Antigen gene and Transmission in Mice of Ehrlichia risticii in Virgulate Trematodes from Elimia livescens snails in Ohio. Journal of Clinical Microbiology, v.38, p.3349-3358, 2000., que relataram uma freqüência de 20,4% de trematódeos positivos para N. risticii. Foi possível verificar a presença de trematódeos parasitando caramujos do gênero Heleobia, com uma freqüência de 16,66%.

Fig. 3
Eletroforese em agarose indicando o produto do PCR de 529pb do DNA da N. risticii. Na coluna A controle positivo para N. risticii. Nas colunas B, C, E, e G, caramujos dos gêneros Drepanotrema, Physa, Pomacea e Biomphalaria respectivamente. Nas colunas D e F caramujos do gênero Heleobia. Na coluna H pool de tecido de caramujos Heleobia com rédias e cercárias. Na coluna I pool de tecido de caramujos Heleobia sem trematódeos. Na coluna J, marcador de peso molecular de 100 pares.

A compreensão da forma de transmissão da EME pode permitir a introdução de métodos de controle eficazes nas áreas de risco. PUSTERLA et al. (2000)PUSTERLA, N.; MADIGAN, J.E.; CHAE, J.-S.; DEROCK, E.; JOHNSON, E.; PUSTERLA, J.B. Helminthic Transmission and Isolation of Ehrlichia risticii, the Causative Agent of Potomac Horse Fever, by Using Trematode Stages from Freshwater Stream Snails. Journal of Clinical Microbiology, v.38, p.1293-1297, 2000. e BARLOUGH et al. (1998)BARLOUGH, J.E.; REUBEL, G.H.; MADIGAN, J.E.; VREDEVOE, L.K.; MILLER, P.E.; RIKIHISA, Y. Detection of Ehrlichia risticii, the Agent of Potomac Horse Fever, in Freshwater Stream Snails (Pleuroceridae: Juga spp) from Northern California. Applied and Environmental Microbiology, v.64, p.2888-2893, 1998. demonstraram através do PCR a presença do DNA da N. risticii em caramujos encontrados nas áreas de ocorrência da EME nos EUA. Esses caramujos eram da família Pleuroceridae, encontrados às margens superficiais de córregos e canais com água corrente sendo classificados e identificados como Juga spp. e Elimia livescens. Através da análise dos caramujos, esses autores verificaram que os mesmos albergavam trematódeos, sendo encontradas as fases de esporocisto, rédias e cercárias que foram testadas por PCR para pesquisa de DNA de N. risticii, obtendo resultado positivo; as cercárias encontradas pelos autores foram identificadas como Xiphidiocercarias virguladas.

REFERÊNCIAS

  • ALMEIDA, J.L.; MEINERZ, A.L.; CURCIO, B.R.; MOLLER, G.; COIMBRA, H.S.; SCHUCH, L.F.D.; MEIRELES, M. Erliquiose monocítica eqüina na região norte do Rio Grande do Sul. In: CONGRESSO DE INICIAÇÃO CIENTIFICA, 10., LABORATÓRIO DE PESQUISA, 9., ENCONTRO DO PÓSGRADUAÇÃO, 3., Pelotas, RS, 2001. Resumos Pelotas: 2001. Resumo 1648.
  • ATWILL, E.R.; MOHAMMED, H.O.; RUA-DOMENECH, R. Geographical variation of seropositivity to Ehrlichia risticii (equine monocytic ehrlichiosis) of horses in New York state. Equine Veterinary Journal, v.26, p.143-147, 1994.
  • ATWILL, E.R.; MOHAMMED, H.O.; DUBOVI, E.; LOPES, J. Retrospective evaluation of factors associated with the risk of seropositivity to Ehrlichia risticii in horses in New York state. American Journal Veterinary Research, v.53, p.1931-1934, 1992.
  • BARLOUGH, J.E.; REUBEL, G.H.; MADIGAN, J.E.; VREDEVOE, L.K.; MILLER, P.E.; RIKIHISA, Y. Detection of Ehrlichia risticii, the Agent of Potomac Horse Fever, in Freshwater Stream Snails (Pleuroceridae: Juga spp) from Northern California. Applied and Environmental Microbiology, v.64, p.2888-2893, 1998.
  • BARLOUGH, J.E.; RIKIHISA, Y.; MADIGAN, J.E. Nested Polymerase Chain Reaction for detection of Ehrlichia risticii genomic DNA in infected horses. Veterinary Parasitology, v.68, p.367-373, 1997.
  • BREIDER, M.A. & HENTON, J.E. Equine monocytic ehrlichiosis (Potomac Horse Fever). Equine Pratice, v.9, p.20-24, 1987.
  • COIMBRA, H.S. Erliquiose Monocítica Eqüina no Rio Grande do Sul: aspectos clínicos, anatomo-patológicos e epidemiológicos 2003. Dissertação (Mestrado em Ciências) Faculdade de Veterinária, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2003.
  • DUTRA, F.; SCHUCH, L.D.F.; DELUCCHI, E.; CURCIO, B.R.; COIMBRA, H.S.; RAFFI, M.B.; DELLAGOSTIN, O.; RIET-CORREA, F. Equine monocytic Ehrlichiosis (Potomac Horse Fever) in horses in Uruguay and southern Brazil. Journal Veterinary Diagnostic Investigation, v.13, p.433-437, 2001.
  • DUTTA, S.K.; PENNEY, B.E.; MYRUP, A.C; ROBL, M.G; RICE, R.M. Disease features in horses with induced equine monocytic ehrlichiosis (Potomac Horse Fever). American Journal Veterinary Research, v.49, p.1747-1751, 1988.
  • FRANDSEN, F. & CHRISTENSES, N.O. An introductory guide to the identification of cercariae from African freshwater snails with special reference to cercariae of trematodes species of medical and veterinary importance. Acta Tropica, v.41, p.181-202, 1984.
  • GOETZ, T.E.; HOLLAND, J.C.; D AWSON, J.E.; RISTIC, M.; SKIBBE, K.; KEEGAN, K.G.; JOHNSON, P.J.; SCHAEFFER, D.J.; BAKER, G.J. Monthly prevalence (in 1986) of antibody titters against equine monocytic ehrlichiosis in apparently healthy horses in Illinois. American Journal Veterinary Research, v.50, p.1936-1939, 1989.
  • HOLLAND, C.J.; RISTIC, M.; COLE, A.I.; JOHNSON, P.; BAKER, G.; GOETZ, T. Isolation, Experimental transmission, and characterization of Causative Agent of Potomac Horse Fever. Science, v.227, p.522-524, 1985.
  • KANTER, M.; MOTT, J.; OHASHI, N.; FRIED, B.; REED, S.; LIN, Y.C.; RIKIHISA, Y. Analysis of 16S rRNA and 51-Kilodalton Antigen gene and Transmission in Mice of Ehrlichia risticii in Virgulate Trematodes from Elimia livescens snails in Ohio. Journal of Clinical Microbiology, v.38, p.3349-3358, 2000.
  • OLCHOWY, T.W.J; AMES, T.R.; MOLLITOR, T.W. Serodiagnosis of equine monocytic ehrlichiosis in selected groups of horses in Minnesota. Journal American Veterinary Medical Association, v.196, p.1967-1970, 1990.
  • OSTROWSKIDE NÚÑEZ, M. Fauna de agua dulce de la Republica Argentina. II. Cercaria pertenciente a la superfamilia Ophistorchioidea y parte de su ciclo evolutivo (Trematoda). Physis, v.33, n.86, p.1-9, 1974.
  • PALMER, J.E. & BENSON, C.E. Oral transmission of Ehrlichia risticii resulting in Potomac Horse Fever. Veterinary Record, v.122, p.635-639, 1988.
  • PALMER, J.E.; WHITLOCK, R.H.; BENSON, C.E. Equineehrlichial colitis (Potomac horse fever): Recognition of the disease in Pensylvania, New Jersey, New York, Ohio, Idaho and Connecticut. Journal American Veterinary Medical Association, v.189, p.197-199, 1986.
  • PUSTERLA, N.; MADIGAN, J.E.; CHAE, J.-S.; DEROCK, E.; JOHNSON, E.; PUSTERLA, J.B. Helminthic Transmission and Isolation of Ehrlichia risticii, the Causative Agent of Potomac Horse Fever, by Using Trematode Stages from Freshwater Stream Snails. Journal of Clinical Microbiology, v.38, p.1293-1297, 2000.
  • RIKIHISA, Y. Rickettsial diseases. In: REED, S.M. & BAYLY, W.M.A. (Eds). Equine internal medicine Philadelphia: W.B. Saunders, 1998. cap.112-123.
  • SHELL, S.C. How to know the trematodes Dubuque: WM.C. Brown, 1970. 355p.
  • SILVA, M.C.P. Hydrobiidae (Gastropoda, Mesogastropoda, Rissooidea) da Planície Costeira do Rio Grande do Sul, Brasil 2003. Tese (Doutorado em Biologia Animal) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2005

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2005
  • Aceito
    29 Set 2005
Instituto Biológico Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 1252 - Vila Mariana - São Paulo - SP, 04014-002 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: arquivos@biologico.sp.gov.br