Acessibilidade / Reportar erro

Crescimento Econômico, Mercados e Primado das Leis: Breves Considerações sobre o Caso Brasileiro

RESUMO

A existência de mercados que operem de forma adequada é um importante fator para a determinação do crescimento econômico de uma nação. Por outro lado, um sistema judicial eficaz é uma condição necessária para o bom funcionamento dos mercados. Assim sendo, é de se esperar que exista uma relação crescente entre a renda per capita e o grau de prevalência do primado das leis (rule of law em inglês). Essa conjectura é ratificada em uma amostra de 110 países para o ano de 2016. Adicionalmente, os dados mostram que o grau de primado das leis é relativamente baixo no Brasil. Essas conclusões sugerem que uma reforma do sistema judicial brasileiro tem o potencial de estimular o crescimento econômico do país.

PALAVRAS-CHAVE
Primado das leis; mercados; renda per capita; crescimento

ABSTRACT

The existence of markets that operate smoothly is an important factor influencing a nation’s economic growth. Furthermore, an effective judicial system is a necessary condition for markets to function well. Therefore, it is reasonable to expect a positive relationship to exist between income per capita and adhesion to the rule of law. This conjecture is corroborated here in a sample of 110 countries in 2016. Additionally, the data show that the rule of law is relatively weak in Brazil, suggesting that an improvement of the Brazilian judicial system is a potential growth-enhancing reform.

KEYWORDS
Rule of law; markets; per capita income; growth

1. INTRODUÇÃO

Em seu clássico livro The Wealth of Nations, Smith (1776Smith, A. (1776). An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. London: Strahan and Cadell.) argumentou que os mercados livres se constituem em um importante catalisador da prosperidade. Essa conclusão se constituiu no mais influente legado daquela obra. Contudo, o livro em questão continha outra mensagem relevante que não recebeu a mesma atenção por parte dos economistas: a existência de um sistema judicial eficaz é uma condição necessária para o desenvolvimento econômico.14 14 Smith manifesta claramente essa visão no seguinte trecho do capítulo III do livro V: "Commerce and manufactures can seldom flourish long in any state which does not enjoy a regular administration of justice; in which the people do not feel themselves secure in the possession of their property; in which the faith of contracts is not supported by law; and in which the authority of the state is not supposed to be regularly employed in enforcing the payment of debts from all those who are able to pay. Commerce and manufactures, in short, can seldom flourish in any state, in which there is not a certain degree of confidence in the justice of government".

Realiza-se neste artigo uma análise empírica e teórica da possível relação entre crescimento econômico e instituições jurídicas. Em consonância com a visão de Smith, conclui-se que a aderência de uma nação ao primado das leis15 15 Para os fins deste texto, a expressão primado das leis deve ser entendida como equivalente à inglesa rule of law. é um elemento importante para a determinação da sua renda per capita. No caso particular do Brasil, a evidência sugere que uma reforma que aprimore as suas instituições legais pode contribuir para a retomada do crescimento econômico.

O estudo se inicia com uma análise da relação entre renda per capita e primado das leis para uma amostra de 110 nações em 2016. Os dados referentes à renda per capita são aqueles disponibilizados pelo Banco Mundial. No tocante ao primado das leis, essa variável é mensurada pelo Rule of Law Index calculado pelo Word Justice Project (WJP).16 16 A Seção 3 e o Apêndice A contêm informações adicionais sobre o WJP e o seu Rule of Law Index. Detectam-se duas importantes regularidades empíricas: (i) existe uma correlação positiva entre a prevalência do primado das leis e a renda per capita, e (ii) à medida que essas duas variáveis crescem, o primado das leis se torna mais relevante para explicar o comportamento da renda per capita.

Em seguida, essas regularidades são interpretadas à luz da teoria econômica e das evidências empíricas documentadas em estudos anteriores. A primeira delas é de simples compreensão. Como o bom funcionamento dos mercados é importante para o crescimento econômico e os mercados não operam de forma eficaz sem uma boa estrutura jurídica, conclui-se que uma maior prevalência do primado das leis funciona como indutor do crescimento. No tocante à segunda, observe que a baixa aderência de uma nação ao primado das leis obstaculiza o funcionamento dos mercados e consequentemente eles se tornam menos relevantes para o processo de determinação da renda. Isso abre espaço para que outros fatores (como geografia, cultura etc.) tenham um papel mais importante no processo em questão. Desta forma, o primado das leis é menos relevante para a determinação da renda per capita justamente quando ele é menos prevalente.

Em uma nação que possui uma baixa adesão ao primado das leis, a resolução judicial de uma disputa contratual tende a ser mais demorada ou até mesmo impossível. Esse fenômeno pode afetar de forma adversa a atividade econômica por pelo menos três canais. O primeiro deles é dado pelos seus impactos sobre os mercados financeiros, pois as transações realizadas nesse tipo de mercado requerem contratos.

A análise dos outros dois canais é um pouco mais sutil. Esse tópico é discutido detalhadamente nas Seções 4 e 5. O elemento central desse problema consiste no fato de que firmas que operam em países nos quais há uma maior aderência ao primado das leis tendem a ter custos menores do que as suas congêneres que operam em ambientes juridicamente menos seguros. Para compreender esse ponto, considere a situação de uma hipotética firma brasileira. Para alugar o imóvel no qual opera, ela foi obrigada a adquirir um seguro de fiança locatícia. Por outro lado, possivelmente uma empresa similar que opere em um país no qual um inquilino inadimplente seja rapidamente despejado pela via judicial não incorrerá no custo do seguro. Tendo em vista que as relações que envolvem fornecedores, produtores, distribuidores e consumidores frequentemente são regidas por contratos, não é difícil concluir que o seguro fiança é apenas uma das diversas maneiras pelas quais a insegurança jurídica pode elevar os custos produtivos. Esses custos mais elevados se constituem no segundo canal pelo qual um baixo grau do primado das leis impacta a atividade econômica de forma adversa.

O terceiro canal está relacionado às vantagens comparativas. Como essas são determinadas pelos custos relativos, instituições jurídicas fracas se constituem em uma barreira para que um país desenvolva vantagem comparativa em bens que possuem cadeias produtivas longas e/ou complexas, pois essas cadeias requerem um maior número de relações contratuais.

No caso específico do Brasil, o seu indicador de primado das leis é ligeiramente inferior à média e marginalmente superior à mediana da amostra. Desta forma, existe espaço para o país aprimorar o seu sistema jurídico. Tendo em vista que existe uma relação crescente entre o grau de primado das leis e a renda per capita, uma reforma das instituições legais do Brasil pode contribuir para o crescimento da renda per capita do país. Adicionalmente, a evidência empírica sugere que tal ganho seria não desprezível.

O restante deste texto está organizado da seguinte forma. Discute-se na Seção 2 a literatura relacionada. A análise das estatísticas é realizada na Seção 3. A evidência empírica é interpretada na Seção 4. Os efeitos de uma baixa adesão ao primado das leis sobre a atividade econômica são estudados na Seção 5. Realiza-se na Seção 6 uma breve discussão dos possíveis impactos de uma reforma no sistema jurídico do Brasil sobre a renda per capita do país. Por fim, as considerações finais são apresentadas na Seção 7.

2. LITERATURA RELACIONADA

Existe uma longa tradição na Ciência Econômica que associa o bom funcionamento dos mercados à eficiência e ao crescimento. De fato, Smith (1776Smith, A. (1776). An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. London: Strahan and Cadell.) afirmou de forma persuasiva que existência de mercados livres era essencial para a prosperidade e o bem-estar. Friedman (1962Friedman, M. (1962). Capitalism and Freedom. Chicago: The University of Chicago Press.) apresentou argumentos que corroboravam o raciocínio de Smith. Adicionalmente, o grande desenvolvimento da teoria do equilíbrio geral ocorrida durante o século XX estabeleceu que os mercados competitivos alocam os recursos de forma eficiente.

Entretanto, os mercados não operam em um vácuo institucional. O seu adequado funcionamento requer uma estrutura jurídica; ou seja, leis e a enforceability delas são necessárias. Inclusive, conforme previamente mencionado neste texto, o próprio Adam Smith já discutia essa questão. A despeito disso, Cooter e Schäfer (2012Cooter, R., Schäfer, H. B. (2012). Solomon’s Knot: How Can Law End the Poverty of Nations. Princeton: Princeton University Press., prefácio) corretamente mencionam que as disciplinas de Direito e de Economia quase que não se comunicavam até a segunda metade do século XX; somente após a publicação do importante artigo The Problem of Social Cost (Coase, 1960Coase, R. (1960). The Problem of Social Cost. Journal of Law and Economics, 3(1), 1-44.) o campo de Law & Economics emergiu como uma importante área de pesquisa.

Apesar de muitas vezes isso não ser enunciado de forma explícita, os mercados também exercem um papel importante na moderna literatura de crescimento. Vários ensaios, como o de Acemoglu e Robinson (2012Acemoglu, D., Robison, J. (2012). Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity and Poverty. Londres: Crown Business.), analisam a relevância de fatores institucionais para o desempenho econômico. Ademais, Acemoglu, Johnson e Robison (2005Acemoglu, D., Johnson, S., Robison, J. (2005). Institutions as a Fundamental Cause of Long-Run Growth. In: Aghion, P., Durlauf, S. (orgs.). Handbook of Economic Growth, Volume 1A. (pp. 385-472) Amsterdã: North-Holland., Subseção 2.1.1) deixam claro que as instituições afetam o crescimento através do seu impacto sobre os mercados. Rodrik (2005Rodrik, D. (2005). Growth Strategies. In: Aghion, P., Durlauf, S. (orgs.). (pp. 967-1014) Handbook of Economic Growth, Volume 1A. Amsterdã: North-Holland., Subseção 5.1) apresenta argumento similar. Adicionalmente, De Haan, Lundström e Sturm (2006De Haan, J., Lundström, S., Sturm, J. E. (2006). Market-Oriented Institutions and Economic Growth: A Critical Survey. Journal of Economic Surveys, 20(2), 157-191.) realizam um survey de trabalhos empíricos e concluem que a evidência disponível efetivamente sugere que políticas fomentadoras do bom funcionamento dos mercados tendem a incentivar o crescimento.

Um canal pelo qual o primado das leis pode influenciar a atividade econômica é o seu impacto sobre as decisões de uma firma de produzir ou comprar um insumo. O problema em questão (conhecido como make-or-buy na literatura internacional) é bastante estudado pelos pesquisadores das áreas de organização industrial e de estratégia empresarial. Besanko, Dranove, Shanley e Schaefer (2010Besanko, D., Dranove, D., Shanley, M., Schaefer, S. (2010). Economics of Strategy. 5the edition. Hoboken: John Wiley & Sons.) fornecem um tratamento competente e acessível desse tópico.

Um dos fatores determinantes para que Oliver Hart fosse agraciado com o Prêmio Nobel de Economia de 2016 foi a sua análise de como a impossibilidade de que um contrato cubra todas as contingências (incomplete contracting approach) impacta diversas decisões econômicas, inclusive a de produzir ou comprar. Parte da seção 5 é baseada na abordagem de Hart. Contudo, ao invés de focar na incompletude, este artigo analisa os efeitos da eficácia (no sentido de enforceability) de um contrato sobre a decisão em questão.

Da Ros (2015Da Ros, L. (2015). O Custo da Justiça no Brasil: Uma Análise Comparativa Exploratória. Newsletter do Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil, 2(9), 1-15.) mostra que, relativamente aos padrões internacionais, o sistema judicial brasileiro tem sido financiado de forma generosa. A despeito disso, o indicador de primado das leis do Brasil é menor do que a média dos 110 países da amostra e consideravelmente inferior aos de dois países sul-americanos (Chile e Uruguai). Assim sendo, uma eventual reforma do sistema legal deve ser feita sem exacerbar o problema identificado por Da Ros.

A questão estudada neste ensaio é correlata ao problema dos impactos da origem do sistema jurídico (legal origin) sobre o crescimento e outras variáveis econômicas. De forma simplificada, há duas possíveis origens: (i) lei dos comuns (common law) e (ii) direito civil (civil law). Ademais, a categoria (ii) pode ser dividida em várias tradições (por exemplo, germânica, francesa e escandinava). O Brasil está na categoria (ii) e segue a tradição francesa.

Mahoney (2001Mahoney, P. (2001). The Common Law and Economic Growth: Hayek Might Be Right. Journal of Legal Studies, 30(2), 503-525.) apresenta evidências de que nações com o sistema legal baseado na lei dos comuns tendem a crescer mais rapidamente do que as demais. La Porta, Lopez-de-Silanes e Shleifer (2008La Porta, R., Lopez-de-Silanes, F. Shleifer, A. (2008). The Economic Consequences of Legal Origins. Journal of Economic Literature, 46(2), 285-332.) discutem essa questão em detalhes. Apesar de concluírem que as evidências apresentadas por Mahoney necessitam de algumas qualificações, aqueles autores concluem que efetivamente a lei dos comuns está associada a melhores resultados econômicos do que o direito civil da tradição francesa. Por outro lado, Milhaupt e Pistor (2008Milhaupt, C., Pistor, K. (2008). Law & Capitalism: What Corporate Crises Reveal about Legal Systems and Economic Development around the World. Chicago: The University of Chicago Press .) argumentam que a literatura sobre os efeitos econômicos da origem do sistema legal não dá a devida atenção a fatores (que variam de nação para nação) como o grau de centralização do processo legislativo e do sistema judicial, as funções desempenhadas pelas normas legais em suporte das atividades econômicas e a natureza econômica e política do processo de criação e aplicação das leis. Na visão dos referidos autores, tais fatores seriam potencialmente mais relevantes para o crescimento econômico do que a origem do sistema legal.

A discussão acima abre as portas para que se questione se a prevalência do primado das leis não seria um privilégio para aqueles países que possuem uma origem legal específica. Por exemplo, será que o primado das leis vigora exclusivamente nos países com sistema legal baseado nas leis dos comuns? Se a resposta para essa pergunta fosse afirmativa, então os países que, a exemplo do Brasil, estão baseados no direito civil dificilmente viriam a desfrutar dos benefícios associados à prevalência do primado das leis. Conforme se discute abaixo, a base de dados estudada neste ensaio afasta, ao menos de forma parcial, esse cenário negativo.

Dos trinta países com o maior índice de primado das leis, vinte têm a sua origem legal no direito civil. Desta forma, pode-se concluir que o primado das leis não é privilégio das nações que adotaram um sistema baseado na lei dos comuns. Todavia, há que se fazer uma qualificação. Dos países que, a exemplo do Brasil, seguem a tradição francesa, há oito nas trinta primeiras posições. Entretanto, somente Holanda (que sofreu influência da tradição germânica) e Bélgica estão entre os vinte primeiros.

Em linhas gerais, pode-se dizer que o debate sobre a retomada do crescimento brasileiro gira em torno de duas posições. Um grupo de economistas defende a realização de algumas reformas de cunho macroeconômico que levem ao equilíbrio das contas públicas e outras de caráter microeconômico e regulatório que elevem a competitividade das firmas brasileiras. O livro organizado por Giambiagi e Almeida (2017Giambiagi, F., Almeida Jr., M. (orgs.) (2017). Retomada do Crescimento: Agendas e Propostas. Rio de Janeiro: Elsevier.) é uma publicação representativa dessa visão. Outros pesquisadores defendem que a retomada requer uma política macroeconômica que leve a uma depreciação real da taxa de câmbio, pois tal depreciação causará um aumento da competitividade do setor industrial e uma consequente elevação da taxa de crescimento do PIB. Esse ponto de vista é defendido por Bresser-Pereira, Oreiro e Marconi (2016Bresser-Pereira, L. C., Oreiro, J. L., Marconi, N. (2016). Macroeconomia Desenvolvimentista: Teoria e Política Econômica do Novo Desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: Elsevier.).

Este artigo é complementar a ambas as abordagens. As conclusões aqui apresentadas sugerem que uma reforma das instituições jurídicas do país pode impactar positivamente a sua renda per capita. Apesar de aquela obra cobrir uma vasta agenda de potenciais políticas públicas, essa reforma específica não é discutida em Giambiagi e Almeida (2017Giambiagi, F., Almeida Jr., M. (orgs.) (2017). Retomada do Crescimento: Agendas e Propostas. Rio de Janeiro: Elsevier.). Por outro lado, na visão de Bresser-Pereira et al. (2016Bresser-Pereira, L. C., Oreiro, J. L., Marconi, N. (2016). Macroeconomia Desenvolvimentista: Teoria e Política Econômica do Novo Desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: Elsevier.), a indústria tem um papel central para o crescimento. E, conforme se discute na Seção 5 deste texto, o setor em questão provavelmente seria beneficiado por uma elevação no grau de primado das leis no Brasil.

3. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E PRIMADO DAS LEIS: ALGUMAS REGULARIDADES EMPÍRICAS

Realiza-se nesta seção uma breve investigação da relação empírica entre o nível de desenvolvimento econômico e a prevalência do primado das leis. A primeira etapa da análise consiste em discutir os indicadores utilizados para mensurar as variáveis em questão.

Seguindo o procedimento padrão da literatura de crescimento, adota-se a renda per capita para mensurar o desenvolvimento econômico. Os dados utilizados são do Banco Mundial (em dólares, método Atlas) para o ano de 2016.17 17 Dados disponíveis no websitehttps://data.worldbank.org/indicator/NY.GNP.PCAP.CD. Para se quantificar a prevalência do primado das leis, utiliza-se um indicador denominado Rule of Law Index, o qual é calculado pelo WJP. Para os fins da presente seção, é suficiente afirmar que: (i) esse indicador assume valores no intervalo [0,1] e (ii) quanto maior for o seu valor, maior será a prevalência do primado das leis no país em análise. Informações mais detalhadas sobre essa variável estão disponíveis no Apêndice A APÊNDICE A: O ÍNDICE DE PRIMADO DAS LEIS Discute-se neste apêndice a origem e as propriedades do Rule of Law Index. De forma geral, as informações aqui apresentadas e discutidas estão disponíveis em WJP (2017) e no websitehttps://worldjusticeproject.org/. Exceções a essa regra serão mencionadas à medida que elas ocorrerem. O indicador em análise foi criado pelo World Justice Project (WJP). Essa entidade surgiu em 2006 como uma iniciativa da presidência da Bar Association (equivalente à Ordem dos Advogados) dos EUA. Em 2009, o WJP foi separado da Bar Association e se transformou em uma organização autônoma. O seu objetivo consiste em promover o primado das leis em todo o planeta. O Rule of Law Index é uma ferramenta quantitativa que busca fornecer uma visão do grau de aderência de cada nação ao primado das leis. Os dados referentes a 2016 estão disponíveis no websitehttps://worldjusticeproject.org/our-work/wjp-rule-law-index/wjp-rule-law-index-2016/current-historical-data e em WJP (2017). Vale ressaltar que essa foi a sexta edição do índice, o qual tem periodicidade anual. O Rule of Law Index é calculado com base nos seguintes oito subíndices: (1) restrição aos poderes do governo; (2) ausência de corrupção; (3) transparência e abertura do governo; (4) direitos fundamentais; (5) ordem e segurança; (6) cumprimento e execução das normas regulatórias; (7) justiça civil; (8) justiça criminal. Por sua vez, esses subíndices também possuem divisões. Por exemplo, o subíndice (3) tem os seguintes componentes: (3.1) publicidade das leis e dados governamentais; (3.2) direito à informação; (3.3) participação cívica; (3.4) mecanismos para queixas e reclamações. Cada componente de um subíndice recebe uma nota no intervalo [0,1], onde 1 corresponde à maior aderência possível ao primado das leis. A nota de um subíndice é igual à média aritmética simples das notas dos seus componentes. Por fim, o valor do Rule of Law Index também é dado pela média aritmética simples das notas dos oito subíndices. A nota de cada componente de um subíndice é elaborada a partir de entrevistas realizadas com uma fração dos habitantes de cada país e também com especialistas locais. Para a elaboração do índice de 2016, foram conduzidas mais de 110 mil entrevistas do primeiro tipo e 2,7 mil do segundo tipo. As informações assim coletadas são submetidas a uma análise de confiabilidade e sensibilidade que, conforme informado no websitehttp://worldjusticeproject.org/methodology, conta com a participação da Unidade de Econometria e Estatística Aplicada do Centro de Pesquisa Conjunta da Comissão Europeia. Como consequência dos procedimentos descritos acima, o Rule of Law Index assume valores no intervalo [0,1]. Quanto maior o seu valor, maior será a prevalência do primado das leis no país em análise. De acordo com Versteeg e Ginsburg (2017, p. 101), o Rule of Law Index do WPJ é o mais abrangente indicador de aderência ao primado das leis. Isso se deve aos fatos de o indicador em questão utilizar a mais abrangente definição de primado das leis e contemplar o mais amplo leque de aspectos (ausência de corrupção, indicadores de criminalidade, proteção aos direitos de propriedade etc.) dentre todos os indicadores similares presentemente disponíveis. Conclui-se esta seção com uma breve análise do desempenho do Rule of Law Index do WPJ frente a outras medidas correlatas. Versteeg e Ginsburg (2017, p. 102) cotejam o indicador em questão com o índice de governança do Banco Mundial e com os índices de primado das leis da Heritage Foundation e da Freedom House. Com a exceção desse último, o coeficiente de correlação entre qualquer par de indicadores é superior a 0,95. Adicionalmente, os coeficientes de correlação do indicador da Freedom House com os outros três são superiores a 0,78. Os indicadores do projeto Doing Business27 são bastante populares entre os pesquisadores da área de Economia. Por tal motivo, este autor os utilizou para realizar um exercício similar ao discutido no parágrafo anterior. Dentre os dez índices integrantes daquele projeto, três deles estão claramente relacionados ao conceito de primado das leis: enforcing contracts, resolving insolvency e protecting minority investors. Denote esses indicadores por, respectivamente, EF, RI e PMI. Apresenta-se abaixo a matriz de correlação, para o ano de 2016, dessas variáveis e de L (ou seja, o índice de Rule of Law do WJP). Tabela 4. Matriz de Correlação variável L EF RI PMI L 1 EF 0,578 1 RI 0,658 0,487 1 PMI 0,490 0,483 0,564 1 Fonte: cálculos do autor Os três coeficientes de correlação dentre os indicadores do Doing Business são iguais a 0,487, 0,483 e 0,564. Os coeficientes de L com EF e RI excedem todos esses valores, ao passo que o coeficiente de L com PMI (0,490) somente é inferior ao maior daqueles três valores. Logo, é possível concluir que a correlação de L com EF, RI e PMI é, como regra geral, superior à correlação dentre os próprios indicadores do Doing Business. Os resultados apresentados no parágrafo anterior e as conclusões de Versteeg e Ginsburg (2017) discutidas acima sugerem que o Rule of Law do WJP é uma medida de primado das leis consistente com os demais indicadores presentemente disponíveis. Adicionalmente, conforme apontado por aqueles autores, o índice em questão é a mais abrangente medida de aderência de uma nação ao primado das leis. .

A edição de 2016 do Rule of Law Index do WJP contém informações para 113 países. O Banco Mundial disponibiliza a renda per capita de 110 daquelas nações, as quais compõem a amostra estudada neste ensaio. O Apêndice B APÊNDICE B: DISTRIBUIÇÕES DE FREQUÊNCIA E HISTOGRAMAS Tabela 5. Distribuição de frequência de L L frequência absoluta % 0,3000-0,3599 2 1,82 0,3600-0,4199 9 8,18 0,4200-0,4799 19 17,27 0,4800-0,5399 26 23,64 0,5400-0,5999 14 12,73 0,6000-0,6599 9 8,18 0,6600-0,7199 11 10,00 0,7200-0,7799 6 5,45 0,7800-0,8399 9 8,18 0,8400-0,8999 5 4,55 Total 110 100 Fonte: cálculos do autor. Tabela 6. Distribuição de frequência de lny lny Frequência absoluta % 5,5000-6,0999 3 2,73 6,1000-6,6999 6 5,45 6,7000-7,2999 10 9,09 7,3000-7,8999 10 9,09 7,9000-8,4999 17 15,45 8,5000-9,0999 20 18,18 9,1000-9,6999 17 15,45 9,7000-10,8999 8 7,27 10,3000-10,8999 14 12,73 10,9000-11,4999 5 4,55 Total 110 100 Fonte: cálculos do autor. Figura 4. Histogramas de L e lny contém a relação completa desses 110 países.18 18 O leitor pode indagar se não seria possível incluir outros anos na amostra. Tal procedimento implicaria reduzir o número de países estudados, pois em 2015 o número de países contemplados no levantamento do WJP era menor. E, mais importante, os valores do Rule of Law Index não são facilmente comparáveis de um ano para o outro. O próprio website do WJP recomenda cautela ao se realizar uma comparação intertemporal.

Faz-se necessário estabelecer algumas notações. As letras L e y denotam, respectivamente, os valores do indicador do primado das leis e da renda per capita. Quando pertinente, utiliza-se um subscrito para denotar o país, sendo que i corresponde a uma nação genérica. A barra acima de uma variável denota a sua média amostral.

Algumas estatísticas descritivas de L e y estão disponíveis na Tabela 1.19 19 O Apêndice B contém as distribuições de frequência e histogramas de L e do logaritmo natural de y.

Tabela 1.
Estatísticas descritivas

Tendo em vista a importância do Brasil para este texto, o fato de os EUA serem tradicionalmente adotados como um padrão de referência e que o Brasil é frequentemente comparado aos demais integrantes do grupo dos BRICS, apresentam-se a seguir (Tabela 2) as estatísticas referentes aos seis países em questão.

Tabela 2.
Brasil, EUA e países selecionados

A renda per capita brasileira é ligeiramente inferior a 1/6 da dos EUA. Tanto a renda per capita como o indicador de primado das leis do Brasil são superiores as suas respectivas medianas e inferiores às correspondentes médias. O Brasil está bem próximo da posição mediana do ranking do primado das leis e um pouco acima quando se considera a ordenação definida pela variável y i .

A relação entre a renda per capita e o primado das leis está ilustrada na Figura 1. Os pontos referentes ao Brasil e aos EUA estão destacados com, respectivamente, um quadrado e um triângulo. O gráfico também contém uma reta, estimada pelo método de mínimos quadrados ordinários20 20 Utilizou-se o método de mínimos quadrados ordinários (sem correção dos desvios-padrão ou qualquer outro tipo de ajuste) em todas as estimações realizadas neste artigo. , que relaciona as duas variáveis.

Figura 1.
Renda per capita (y) e primado das leis (L)

Evidentemente, por si só a figura acima não é suficiente para que se faça qualquer inferência sobre a direção de uma possível relação de causalidade entre as duas variáveis. Ainda assim, é possível identificar diversos fatos relevantes. O restante desta seção é dedicado à sua discussão .

Existe uma relação crescente entre as variáveis. Contudo, essa constatação trivial está longe de esgotar as implicações da figura. Observe que não há nenhum ponto no extremo noroeste do gráfico. Desta forma, não existe país que possua simultaneamente renda per capita elevada e baixa aderência ao primado das leis. Similarmente, a ausência de pontos no extremo sudeste implica que não existe nação com renda per capita baixa e um elevado grau de primado das leis.21 21 De acordo com Milhaupt e Pistor (2008, p. 5), "many countries have achieved remarkable economic growth with legal systems that do not live up to the rule-of-law ideal". Contudo, os dados aqui analisados sugerem que um alto grau de primado das leis é uma condição necessária para que uma nação cresça o suficiente para se tornar uma das mais ricas do planeta. De fato, dentre os países com renda per capita no decil superior da amostra, o valor de L dos EUA é igual a 0,7391, ao passo que L > 0,8 para todas as demais nações.

Conforme mencionado na Tabela 1, L- = 0,5762. A inspeção visual da Figura 1 sugere que os pontos para os quais LL- de forma geral estão mais próximos da reta de mínimos quadrados do que os pontos que satisfazem a condição L<L- . Ou seja, aparentemente o primado das leis é um previsor mais acurado da renda per capita para países com L relativamente elevado do que para aqueles nos quais o valor dessa variável é relativamente baixo. Essa questão é investigada no próximo parágrafo.

O primeiro passo da análise consiste em particionar os dados em duas subamostras. Uma delas é composta pelos países para os quais Li<L- , ao passo que a outra contém as nações que satisfazem a condição LiL- . Em seguida, o método de mínimos quadrados ordinários é utilizado para estimar a equação

l n y i = α + β L i + ε i (1)

para as duas subamostras. Os resultados são apresentados abaixo (Tabela 3).

Tabela 3.
Estimação da equação (1) por subamostras (partição pela média)

A diferença entre os valores estimados de β de uma amostra para a outra é modesta. O mesmo comentário se aplica ao parâmetro α. Adicionalmente, ambos R 2 e erro quadrático médio (EQM) sugerem que a equação (1) tende a gerar previsões mais acuradas de y quando os valores de L são relativamente mais elevados.

Em síntese, a breve análise estatística realizada nesta seção identificou duas importantes regularidades empíricas (RE):

RE1: Existe uma relação crescente entre L e y.

RE2: À medida que L cresce, a relação acima mencionada se torna mais estrita, no sentido de que a fração de y que é explicada pela equação (1) cresce.22 22 Mostra-se no Apêndice C que essas regularidades empíricas são robustas a outras maneiras de dividir a amostra. Outra questão importante é a robustez das mesmas à introdução de variáveis de controle. Deixa-se para estudos posteriores a obtenção de uma resposta detalhada para tal indagação. De toda forma, vale mencionar que as conclusões de Mendonça e Fonseca (2012) trazem alguma luz sobre tal questão. Esses dois autores, utilizando diversas variáveis de controle, apresentam evidências de que uma elevação no grau de primado das leis tende a reduzir, de forma estatisticamente significativa, a corrupção em nações emergentes e que esse mesmo efeito não é significativo para os países mais ricos. Adicionalmente, eles concluem que há um impacto adverso da corrupção sobre o PIB per capita e que ele tende a ser mais forte em países em desenvolvimento do que nos desenvolvidos. A combinação dessas duas conclusões sugere que (i) a exemplo de RE1, existe uma relação crescente entre primado das leis e PIB per capita e (ii) assim como em RE2, a natureza da relação entre L e y depende do grau de desenvolvimento do país.

4. INTERPRETANDO AS DUAS REGULARIDADES EMPÍRICAS

O objetivo desta seção consiste em aplicar a Ciência Econômica à análise e à compreensão das duas regularidades empíricas identificadas na seção anterior. A relação entre mercados e crescimento econômico, a qual foi brevemente discutida na Seção 2, tem um papel central nos argumentos a serem apresentados.

4.1. INTERPRETAÇÃO DA RE1

Os mercados não funcionam em um vácuo institucional. Dentre outros fatores, o seu bom funcionamento requer uma estrutura jurídica. Para ilustrar esse ponto, considere a situação hipotética descrita a seguir.23 23 O exemplo aqui analisado é similar ao discutido em Baird, Gertner e Picker (1994, p. 54-56). O Sr. E é proprietário de um ativo real (por exemplo, um imóvel) o qual ele deseja alugar pelo prazo de um mês. Por outro lado, o Sr. F deseja usufruir do ativo durante o período em questão. O pagamento do aluguel será efetuado ao fim da locação. Suponha que E e F residam em um país no qual inexiste justiça. Em consequência, caso F não pague o aluguel devido, ele não sofrerá qualquer penalidade. A figura abaixo (Figura 2) ilustra a situação com a qual E e F se defrontam.

Figura 2.
Aluguel em um país sem justiça

O jogador E opta entre alugar (a) e não alugar (ã) o ativo. Se ele seguir esse último curso de ação, então o jogo se encerra. Caso ele alugue o imóvel, então F desfrutará do ativo e ao fim do período de locação optará entre pagar (p) e não pagar () o aluguel. O jogo se encerra após F implementar a sua ação.

Os payoffs especificados na Figura 2 correspondem ao ordenamento atribuído por cada jogador aos três possíveis resultados do jogo. Considere o Sr. E. Para esse agente, o melhor cenário é aquele no qual ele aluga o imóvel (a) e F efetua o pagamento (p). Assim sendo, o seu payoff em tal contexto é igual a 3. A pior alternativa é aquela em que ele aluga o imóvel (a) e F não realiza o pagamento (). Desta forma, atribui-se a essa alternativa o payoff 1. Por fim, o cenário no qual E não aluga o imóvel é, sob seu ponto de vista, um resultado intermediário. Assim sendo, o seu payoff assume o valor 2. No caso do jogador F, a situação que lhe é mais benéfica é aquela em que ele desfruta do ativo e não paga o aluguel. Assim sendo, o seu payoff assume o valor 3 caso ele jogue após E jogar a. Assume-se aqui que F prefere desfrutar do imóvel e pagar o aluguel a não poder utilizá-lo. Por tal motivo, o payoff de F quando ele usa o ativo e paga o aluguel é igual a 2, ao passo que caso E opte por não alugar imóvel o payoff de F assume o valor 1.

A resolução do jogo deve ser feita de trás para a frente (backward induction). Considere a situação de F. Ele desfrutará do payoff 2 caso implemente a ação p, ao passo que a ação lhe proporciona o payoff 3. Logo, se ele tiver a oportunidade de jogar, então ele escolherá . No caso do agente E, ele pode jogar ã e receber o payoff 2. Caso ele opte por a, então em seguida F jogará e isso fara com que E tenha payoff 1. Assim sendo, ã é a escolha ótima para E. Desta forma, o ativo não será alugado.

Os payoffs de E e F no resultado descrito acima são, respectivamente, 2 e 1. Observe que se E jogasse a e F jogasse p, então os jogadores atingiriam os payoffs especificados no vetor (3,2). Assim sendo, o resultado do jogo é ineficiente, pois há uma combinação de ações (i.e., a e p) que permitem que se aumentem os payoffs dos dois agentes. Mostra-se a seguir que a introdução de um sistema judiciário eficaz elimina a ineficiência aqui identificada.

Suponha que caso F desfrute do ativo e não pague o aluguel, um agente externo (a justiça) lhe aplicará alguma penalidade (por exemplo, uma multa pecuniária) de forma que, aos olhos de F, a ação seja menos atrativa do que p. Formalmente, seja x um número real menor do que 2. Nesse novo contexto, a interação estratégica entre os jogadores E e F passa a ser representada pela figura que se segue (Figura 3).

Figura 3.
Aluguel em um país com justiça

Como x < 2, F implementará a ação p caso tenha a oportunidade de jogar. Logo, se E optar por a, o seu payoff será 3. Por outro lado, se ele escolher ã, então ele desfrutará do payoff 2. Assim sendo, conclui-se que em equilíbrio E e F jogam, respectivamente, a e p.

Em síntese, a justiça permite que os agentes econômicos se comprometam a implementar certas ações e impõe penalidades para eventuais desvios daquilo que foi previamente contratado. Isso modifica a relação estratégica entre os jogadores de forma que se atinja um resultado superior, sob o ponto de vista de todas as partes envolvidas, àquele que prevaleceria no ambiente desprovido de garantias legais.24 24 Vale ressaltar que o exemplo aqui discutido não se aplica apenas à questão do aluguel de um ativo real. De fato, análise similar é válida em diversos outros contextos, como compra de mercadoria com pagamento a prazo, compra de mercadoria com pagamento realizado antes da sua entrega e empréstimos bancários.

O exemplo acima ilustra como a existência de um sistema judicial viabiliza a realização de transações que, de outra forma, não se realizariam. Por outro lado, o bom funcionamento da economia de mercado requer que os agentes se engajem em trocas. Assim sendo, pode-se concluir que a existência de um arcabouço jurídico permite uma elevação do volume de transações, proporciona uma alocação mais eficiente dos recursos produtivos, incentiva a acumulação de capital físico e humano etc.; ou seja, o bom funcionamento da justiça leva a um crescimento da renda e do bem-estar social.

É importante ter em mente que a justiça não é relevante apenas para uma pequena fração das transações ou para aquelas que são manifestamente mais complexas (como a construção de uma grande usina hidroelétrica). Mesmo trocas que à primeira vista são bastante simples requerem uma sofisticada estrutura jurídica. A título de ilustração, considere a aquisição de uma xícara de café expresso em uma lanchonete com o pagamento sendo efetuado em espécie. Essa é uma das mais simples transações dentre todas aquelas que ocorrem no mundo contemporâneo. Contudo, mesmo essa operação está longe de ser, sob o ponto de vista jurídico, algo simples. A interação entre o vendedor e o comprador do produto final se resume à troca de dinheiro em espécie por um bem de baixo valor. Todavia, a cadeia produtiva do cafezinho requer um número considerável de contratos. Considere inicialmente o grão de café. O seu produtor provavelmente obteve um ou mais financiamentos e trabalho foi certamente utilizado na sua produção; transporte, armazenagem e empacotamento também foram necessários. Adicionalmente, fez-se uso de uma máquina que combina o grão de café com água quente, de energia elétrica e do imóvel no qual lanchonete está localizada. Todos os itens dessa lista, a qual está longe de enumerar todos os itens necessários à produção do bem final, requerem contratos que somente são minimamente eficazes se existir uma estrutura jurídica.

De fato, está longe de ser uma tarefa trivial identificar alguma transação que aconteça rotineiramente no mundo contemporâneo que não demande um arcabouço legal. Consequentemente, o bom funcionamento da economia contemporânea requer um sofisticado sistema jurídico.

A exposição acima contém os elementos necessários à interpretação da RE1 (i.e., as variáveis L e y se relacionam de forma crescente). Tendo em vista que atividade econômica requer a existência de uma estrutura jurídica, não é de surpreender que quanto maior for a aderência de uma nação ao primado das leis, então melhor será o funcionamento a sua economia. Consequentemente, valores mais elevados para L deverão estar associados a valores mais elevados para y.

4.2 INTERPRETAÇÃO DA RE2

Assim como no caso da RE1, a compreensão da RE2 tem como pilar o fato de o bom funcionamento dos mercados requerer uma estrutura jurídica. A título de ilustração, considere uma sociedade hipotética que existia há aproximadamente cinco mil anos. Os seus habitantes se dedicavam a atividades como caça, pesca e agricultura. Os mercados eram bem rudimentares, de forma que as poucas transações realizadas ocorriam por meio de escambo. Justiça, se existisse, era bastante primitiva. Em tal contexto, fatores aleatórios como qualidade do solo, fartura de animais para caça e pesca etc. se constituiriam nos principais determinantes da produção.

Evidentemente, o exemplo acima é um caso limite no qual o valor da renda per capita é governado principalmente por eventos aleatórios. Contudo, ele ilustra um importante ponto: fatores como clima e disponibilidade de recursos naturais tendem a ser mais importantes para determinação da renda per capita para países nos quais os mercados não funcionam adequadamente. Por outro lado, isso tende a ocorrer justamente nas nações com baixa aderência ao primado das leis. Consequentemente, é natural que a capacidade de L em explicar y seja crescente em L.

5. IMPACTOS DE UMA BAIXA ADERÊNCIA AO PRIMADO DAS LEIS SOBRE A ECONOMIA: UMA VISÃO GERAL

Realiza-se nesta seção uma abordagem preliminar dos efeitos de uma reduzida aderência ao primado das leis sobre a economia. Mais especificamente, abordam-se algumas questões relacionadas ao financiamento da atividade econômica, à eficiência das empresas e à determinação das vantagens comparativas.

O canal mais evidente pelo qual um baixo valor da variável L pode impactar de forma adversa a atividade econômica é através dos impactos sobre a obtenção de crédito. As firmas podem se financiar por meio de capitais de terceiros (como empréstimos e financiamentos) ou próprios (por exemplo, ações). Ambas as opções requerem uma estrutura jurídica. No mundo contemporâneo, empréstimos e financiamentos são regidos por contratos. Adicionalmente, a garantia e a proteção dos investidores minoritários requerem instrumentos legais como estatutos e leis. Desta forma, ambas as formas de financiamento requerem uma estrutura jurídica.

Existem diversos estudos sobre a relação entre crescimento econômico e o setor financeiro. Levine (2005Levine, R. (2005). Finance and Growth: Theory and Evidence. In: Aghion, P., Durlauf, S. (orgs.). Handbook of Economic Growth, Volume 1A. Amsterdã: North-Holland .) realiza um apanhado dessa literatura. Conforme esse autor deixa claro, a evidência empírica é fortemente favorável à hipótese de que os mercados e as instituições financeiras são importantes determinantes do crescimento econômico. A combinação desse fato com o argumento desenvolvido no parágrafo anterior permite que se conclua que o sistema financeiro é um dos canais pelos quais a aderência ao primado das leis influencia a renda per capita de um país.

A decisão de produzir ou comprar um insumo consiste em outra via pela qual L pode influenciar y. A título de ilustração, considere a situação de um jornal localizado em uma cidade qualquer. Presentemente, o seu gestor precisa tomar uma decisão referente à distribuição da versão impressa da publicação para os seus assinantes: qual é a melhor opção, criar um departamento responsável pela entrega (produzir) ou contratar uma empresa transportadora (comprar)? A decisão de produzir exigirá uma ampliação da força de trabalho, ao passo que a opção comprar demandará uma interação duradoura com a transportadora. Logo, de uma forma ou de outra, a firma precisará se engajar em relações contratuais.

Apesar de contratos serem necessários tanto para produzir como para comprar, o grau de prevalência do primado das leis impacta a atratividade de uma opção em relação à outra. Suponha que seja menos custoso contratar a transportadora. Contudo, tal opção tem a desvantagem de ser menos confiável, no sentido de que de falhas na entrega podem ocorrer com maior frequência. Uma possível solução que faria com que o jornal se dispusesse a contratar a transportadora consistiria em adicionar ao contrato uma multa por falhas na entrega que excedessem um patamar tido como aceitável pelos gestores do jornal. Obviamente, a efetividade de tal solução depende de quão rápido e eficaz for o sistema judiciário. Em um país no qual o primado das leis for relativamente alto, o jornal optará por contratar a transportadora e desfrutará de um menor custo de entrega. Por outro, se o valor de L for relativamente baixo, a escolha ótima consistirá em criar o seu próprio departamento de entrega.

Apesar de simples, o exemplo acima ilustra um importante ponto: as decisões do tipo produzir ou comprar são afetadas pelo grau de eficácia do sistema judicial. Em uma sociedade com baixa adesão ao primado das leis, as firmas podem tomar decisões opostas àquelas que seriam ótimas se o valor de L fosse mais elevado. Consequentemente, empresas que operam em uma sociedade com baixo grau de primado das leis tendem a ter custos mais elevados.

A última conclusão tem implicações para a determinação de vantagens comparativas, pois essas são determinadas pelas razões entre os custos. Sejam R e S dois países hipotéticos. Ambos são grandes produtores de petróleo. Adicionalmente, L R < L S . Coloca-se então a seguinte questão: qual dois dos países terá vantagem comparativa no refino de petróleo? Ora, o refino de petróleo é um processo complexo. É preciso construir refinarias, estocar petróleo bruto, distribuir o produto final etc. Existe um considerável número de decisões do tipo produzir ou comprar embutidas nessa atividade. Assim sendo, o custo do refino tende a ser relativamente maior em R do que em S.

O exemplo acima ilustra um princípio mais geral: dificilmente uma sociedade com baixa adesão ao primado das leis terá vantagem comparativa na produção de um bem que possui uma cadeia produtiva relativamente longa. Evidentemente, isso inclui boa parte dos bens industrializados. Esse ponto será discutido com mais detalhes nos próximos dois parágrafos.

A ocorrência ou não de uma desindustrialização da economia brasileira tem sido objeto de um ativo debate entre os pesquisadores brasileiros. Por exemplo, Oreiro e Feijó (2010Oreiro, J. L., Feijó, C. A. (2010). Desindustrialização: Conceituação, Causas, Efeitos e o Caso Brasileiro. Revista de Economia Política, 30(2), 219-232.) argumentam que fenômeno em questão efetivamente se verifica. Adicionalmente, Faleiros, Silva e Nakaguma (2016Faleiros, J. P., Silva, J. C., Nakaguma, M. (2016). Evaluating the effect of exchange rate and labor productivity on import penetration of Brazilian manufacturing sectors. Economia, 17(1), 3-32.) fornecem evidências, referentes ao período 1996-2011, de que decréscimos na produtividade média do trabalho na indústria brasileira levaram a quedas na participação de bens produzidos localmente no consumo doméstico de bens manufaturados. Por outro lado, Nassif (2018Nassif, A. (2018). Há Evidências de Desindustrialização no Brasil?. Revista de Economia Política, 28(1), 72-96.) afirma que, pelo menos no período após 1990, não houve um processo de perda de importância da indústria. Bonelli e Pessôa (2010Bonelli, R., Pessôa, S. (2010). Desindustrialização no Brasil: Um Resumo da Evidência. Texto para Discussão no 7, FGV/IBRE.) apresentam argumento similar.

Foge do escopo deste trabalho realizar uma detalhada análise desse tema. Contudo, o fato de que os contratos são mais relevantes em atividades produtivas complexas sugere que a indústria seria um dos setores que mais se beneficiaria de uma elevação no primado das leis.

6. UMA ANÁLISE PRELIMINAR DO IMPACTO SOBRE A RENDA PER CAPITA DE UMA REFORMA NAS INSTITUIÇÕES JUDICIAIS DO BRASIL

O objetivo desta seção consiste em investigar qual seria o impacto sobre a renda per capita brasileira de uma reforma que lograsse elevar o indicador de primado das leis do país. Contudo, antes de se iniciar tal exercício, é preciso fazer algumas considerações preliminares.

A análise efetuada na Seção 2 teve como foco a correlação entre y e L. Tanto que as duas regularidades empíricas enunciadas ao fim daquela parte do texto nada dizem sobre uma possível relação de causalidade entre as duas variáveis. Por outro lado, é sabido que correlação não implica causalidade. Assim sendo, para que o exercício a ser realizado tenha alguma relevância, é preciso estabelecer que L "causa" y no seguinte sentido: a ação governamental pode afetar positivamente o valor de L, e tal mudança tem impactos sobre y. Ora, o governo (aqui entendido como o conjunto composto pelos poderes executivo, legislativo e judiciário) está apto a alterar a legislação de forma a impactar o valor de L. Adicionalmente, a análise desenvolvida nas Seções 4 e 5 estabelece que diversas variáveis econômicas seriam afetadas por tal mudança. Mais especificamente, um crescimento em L tende a reduzir os custos de produção e viabilizar transações que não ocorreriam de outra forma.25 25 Acemoglu et al. (2005) entendem que as instituições determinam o crescimento. Por sua vez, Jones (2016, p. 51) afirma que o sucesso econômico é afetado pelas "rules that are put in place". Similarmente, Cooter e Schäfer (2012, p. 12) argumentam que "better law can promote innovation and increase a nation's wealth". A análise aqui realizada segue a linha de raciocínio desses autores.

Após essa breve elucidação, é possível dar início ao exercício acima colocado. Inicialmente, obter-se-á um teto para o possível ganho, em termos de renda per capita, caso o Brasil tivesse sucesso em elevar o seu indicador de primado das leis até o valor observado nos Estados Unidos. De acordo com os dados subjacentes à Figura 1, se uma nação qualquer tivesse o mesmo grau de aderência ao primado das leis que os EUA, então ela deveria ter, de acordo com a previsão gerada pela reta de mínimos quadrados, uma renda per capita igual a US$ 23.478,79.

Conforme mencionado acima, o último valor deve ser interpretado como um limite superior. Há vários motivos para tanto. Dentre outros, esse valor é 165,6% superior à renda per capita brasileira. Como tal crescimento seria um ganho bastante expressivo, este autor prefere adotar uma postura cautelosa e interpretar o valor de US$ 23.478,79 como um teto bastante otimista. Adicionalmente, a análise bivariada aqui realizada não controla para diversos outros fatores que podem impactar y. Por exemplo, suponha que para financiar as reformas capazes de trazer o valor de L até o patamar observado nos EUA, o governo aumente a carga tributária. Possivelmente isso reduziria os impactos positivos que uma maior aderência ao primado das leis poderia ter sobre a renda per capita.

Feita a ressalva acima, não se pode deixar de mencionar que existem evidências adicionais de que esse tipo de reforma pode efetivamente levar a um expressivo ganho de renda per capita. Considere o Chile, que é o único padrão de referência sul-americano disponível para avaliar os efeitos de tal reforma.26 26 Além do Brasil, a amostra contém nove outros países da América do Sul. Dentre esses, somente Argentina, Chile e Uruguai possuem um grau de primado das leis superior ao do Brasil. O valor observado na Argentina é essencialmente igual ao do Brasil. O indicador do Uruguai é bem próximo ao dos EUA, país ao qual o Brasil já foi comparado. Os dados sugerem que o grau de primado das leis daquele país corresponde, em média, a uma renda per capita 67,6% maior que a brasileira. Adicionalmente, dentre todos os países da amostra para os quais L i > L EUA , a menor renda per capita era igual a US$ 17.570. Esse valor excede a renda per capita do Brasil por 98,8%.

Em síntese, a evidência apresentada neste ensaio efetivamente sugere que o Brasil desfrutaria de um expressivo crescimento em y caso tivesse sucesso em elevar L de forma considerável. Caso contrário, o país seria uma notável exceção à experiência internacional.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste trabalho consistiu em estudar a relação entre a prevalência do primado das leis (rule of law em inglês) em uma nação e o seu grau de desenvolvimento econômico. Inicialmente, realizou-se uma investigação empírica da relação entre o indicador de primado das leis elaborado pelo Word Justice Project (WJP) e a renda per capita de 110 países no ano de 2016. Concluiu-se que existe uma correlação positiva entre as duas variáveis. Adicionalmente, verificou-se que quanto maior o valor do indicador do WJP, maior é a capacidade dessa variável em explicar a renda per capita.

Essas duas regularidades empíricas foram interpretadas à luz do atual conjunto de conhecimento, teórico e empírico, da Ciência Econômica. Os mercados não operam em um vácuo institucional. O seu funcionamento requer que os agentes econômicos se engajem em contratos. E esses contratos serão tão mais eficazes quanto maior for a prevalência do primado das leis. Tendo em vista as evidências de que o bom funcionamento dos mercados é um dos motores do crescimento econômico, é natural que exista uma relação positiva entre o indicador do WJP e a renda per capita.

A interpretação da segunda evidência empírica tem como pilar uma extensão do argumento apresentado no parágrafo anterior. Em nações nas quais as instituições jurídicas são menos sólidas e eficazes, os mercados têm o seu funcionamento obstaculizado e, por tal motivo, se tornam menos relevantes para a determinação da renda. Consequentemente, outros fatores, inclusive de cunho aleatório (como disponibilidade de recursos naturais e guerras), passam a ter um papel mais relevante. Por sua vez, isso faz com que o indicador do WJP seja menos capaz de explicar o comportamento da renda per capita.

Analisou-se também o impacto de uma baixa prevalência do primado das leis sobre a atividade econômica. Os efeitos de instituições judiciais frágeis sobre os mercados financeiros e os consequentes impactos adversos sobre o crescimento já foram amplamente discutidos na literatura. Contudo, levanta-se neste artigo a possibilidade de que países com baixo grau de primado das leis dificilmente terão vantagem comparativa na produção de bens que possuem cadeias produtivas relativamente longas ou complexas.

A aderência do Brasil ao primado das leis é consideravelmente inferior à de países desenvolvidos como os EUA, o Reino Unido e o Japão. A combinação da evidência empírica aqui discutida com a teoria econômica sugere que reformas que aprimorem consideravelmente a justiça brasileira poderão ocasionar um crescimento expressivo da renda per capita do país.

Concluindo, Lucas (1988Lucas Jr., R. (1988). On the Mechanics of Economic Development. Journal of Monetary Economics, 22(1), 3-42.) afirma que a partir do momento no qual se começa a refletir sobre as diversas implicações decorrentes de o crescimento econômico ocorrer a taxas maiores ou menores, torna-se extremamente difícil pensar em qualquer outra questão. Possivelmente, aqui existe uma situação análoga: no momento em que se percebe o quão a atividade econômica é dependente da estrutura legal, torna-se difícil não pensar nos potenciais benefícios que Brasil poderia obter caso aprimorasse as suas instituições jurídicas.

REFERENCES

  • Acemoglu, D., Johnson, S., Robison, J. (2005). Institutions as a Fundamental Cause of Long-Run Growth. In: Aghion, P., Durlauf, S. (orgs.). Handbook of Economic Growth, Volume 1A (pp. 385-472) Amsterdã: North-Holland.
  • Acemoglu, D., Robison, J. (2012). Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity and Poverty Londres: Crown Business.
  • Baird, D., Gertner, R., Picker, R. (1994). Game Theory and the Law Cambridge: Harvard University Press.
  • Besanko, D., Dranove, D., Shanley, M., Schaefer, S. (2010). Economics of Strategy 5the edition. Hoboken: John Wiley & Sons.
  • Bonelli, R., Pessôa, S. (2010). Desindustrialização no Brasil: Um Resumo da Evidência Texto para Discussão no 7, FGV/IBRE.
  • Bresser-Pereira, L. C., Oreiro, J. L., Marconi, N. (2016). Macroeconomia Desenvolvimentista: Teoria e Política Econômica do Novo Desenvolvimentismo Rio de Janeiro: Elsevier.
  • Coase, R. (1960). The Problem of Social Cost. Journal of Law and Economics, 3(1), 1-44.
  • Cooter, R., Schäfer, H. B. (2012). Solomon’s Knot: How Can Law End the Poverty of Nations Princeton: Princeton University Press.
  • Da Ros, L. (2015). O Custo da Justiça no Brasil: Uma Análise Comparativa Exploratória. Newsletter do Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil, 2(9), 1-15.
  • De Haan, J., Lundström, S., Sturm, J. E. (2006). Market-Oriented Institutions and Economic Growth: A Critical Survey. Journal of Economic Surveys, 20(2), 157-191.
  • Faleiros, J. P., Silva, J. C., Nakaguma, M. (2016). Evaluating the effect of exchange rate and labor productivity on import penetration of Brazilian manufacturing sectors. Economia, 17(1), 3-32.
  • Friedman, M. (1962). Capitalism and Freedom Chicago: The University of Chicago Press.
  • Giambiagi, F., Almeida Jr., M. (orgs.) (2017). Retomada do Crescimento: Agendas e Propostas Rio de Janeiro: Elsevier.
  • Jones, C. (2016). The Facts of Economic Growth. In Taylor, J., Uhlig, H. Handbook of Macroeconomics, Volume 2A Amsterdã: North-Holland .
  • Levine, R. (2005). Finance and Growth: Theory and Evidence. In: Aghion, P., Durlauf, S. (orgs.). Handbook of Economic Growth, Volume 1A Amsterdã: North-Holland .
  • La Porta, R., Lopez-de-Silanes, F. Shleifer, A. (2008). The Economic Consequences of Legal Origins. Journal of Economic Literature, 46(2), 285-332.
  • Lucas Jr., R. (1988). On the Mechanics of Economic Development. Journal of Monetary Economics, 22(1), 3-42.
  • Mahoney, P. (2001). The Common Law and Economic Growth: Hayek Might Be Right. Journal of Legal Studies, 30(2), 503-525.
  • Mendonça, H. F., Fonseca, A. O. (2012). Corruption, Income, and Rule of Law: Empirical Evidence from Developing and Developed Economies. Brazilian Journal of Political Economy, 32(2), 305-314.
  • Milhaupt, C., Pistor, K. (2008). Law & Capitalism: What Corporate Crises Reveal about Legal Systems and Economic Development around the World Chicago: The University of Chicago Press .
  • Nassif, A. (2018). Há Evidências de Desindustrialização no Brasil?. Revista de Economia Política, 28(1), 72-96.
  • Oreiro, J. L., Feijó, C. A. (2010). Desindustrialização: Conceituação, Causas, Efeitos e o Caso Brasileiro. Revista de Economia Política, 30(2), 219-232.
  • Rodrik, D. (2005). Growth Strategies. In: Aghion, P., Durlauf, S. (orgs.). (pp. 967-1014) Handbook of Economic Growth, Volume 1A Amsterdã: North-Holland.
  • Smith, A. (1776). An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations London: Strahan and Cadell.
  • Versteeg, M., Ginsburg, T. (2017). Measuring the Rule of Law: A Comparison of Indicators. Law & Social Inquiry, 42(1), 100-137.
  • World Justice Project (2017). Rule of Law Index 2016 Washington: World Justice Project.
  • AGRADECIMENTOS

    O autor agradece o apoio financeiro do CNPq e os comentários de dois pareceristas anônimos.

APÊNDICE A: O ÍNDICE DE PRIMADO DAS LEIS

Discute-se neste apêndice a origem e as propriedades do Rule of Law Index. De forma geral, as informações aqui apresentadas e discutidas estão disponíveis em WJP (2017World Justice Project (2017). Rule of Law Index 2016. Washington: World Justice Project.) e no websitehttps://worldjusticeproject.org/. Exceções a essa regra serão mencionadas à medida que elas ocorrerem.

O indicador em análise foi criado pelo World Justice Project (WJP). Essa entidade surgiu em 2006 como uma iniciativa da presidência da Bar Association (equivalente à Ordem dos Advogados) dos EUA. Em 2009, o WJP foi separado da Bar Association e se transformou em uma organização autônoma. O seu objetivo consiste em promover o primado das leis em todo o planeta.

O Rule of Law Index é uma ferramenta quantitativa que busca fornecer uma visão do grau de aderência de cada nação ao primado das leis. Os dados referentes a 2016 estão disponíveis no websitehttps://worldjusticeproject.org/our-work/wjp-rule-law-index/wjp-rule-law-index-2016/current-historical-data e em WJP (2017World Justice Project (2017). Rule of Law Index 2016. Washington: World Justice Project.). Vale ressaltar que essa foi a sexta edição do índice, o qual tem periodicidade anual.

O Rule of Law Index é calculado com base nos seguintes oito subíndices: (1) restrição aos poderes do governo; (2) ausência de corrupção; (3) transparência e abertura do governo; (4) direitos fundamentais; (5) ordem e segurança; (6) cumprimento e execução das normas regulatórias; (7) justiça civil; (8) justiça criminal. Por sua vez, esses subíndices também possuem divisões. Por exemplo, o subíndice (3) tem os seguintes componentes: (3.1) publicidade das leis e dados governamentais; (3.2) direito à informação; (3.3) participação cívica; (3.4) mecanismos para queixas e reclamações.

Cada componente de um subíndice recebe uma nota no intervalo [0,1], onde 1 corresponde à maior aderência possível ao primado das leis. A nota de um subíndice é igual à média aritmética simples das notas dos seus componentes. Por fim, o valor do Rule of Law Index também é dado pela média aritmética simples das notas dos oito subíndices.

A nota de cada componente de um subíndice é elaborada a partir de entrevistas realizadas com uma fração dos habitantes de cada país e também com especialistas locais. Para a elaboração do índice de 2016, foram conduzidas mais de 110 mil entrevistas do primeiro tipo e 2,7 mil do segundo tipo. As informações assim coletadas são submetidas a uma análise de confiabilidade e sensibilidade que, conforme informado no websitehttp://worldjusticeproject.org/methodology, conta com a participação da Unidade de Econometria e Estatística Aplicada do Centro de Pesquisa Conjunta da Comissão Europeia.

Como consequência dos procedimentos descritos acima, o Rule of Law Index assume valores no intervalo [0,1]. Quanto maior o seu valor, maior será a prevalência do primado das leis no país em análise.

De acordo com Versteeg e Ginsburg (2017Versteeg, M., Ginsburg, T. (2017). Measuring the Rule of Law: A Comparison of Indicators. Law & Social Inquiry, 42(1), 100-137., p. 101), o Rule of Law Index do WPJ é o mais abrangente indicador de aderência ao primado das leis. Isso se deve aos fatos de o indicador em questão utilizar a mais abrangente definição de primado das leis e contemplar o mais amplo leque de aspectos (ausência de corrupção, indicadores de criminalidade, proteção aos direitos de propriedade etc.) dentre todos os indicadores similares presentemente disponíveis.

Conclui-se esta seção com uma breve análise do desempenho do Rule of Law Index do WPJ frente a outras medidas correlatas. Versteeg e Ginsburg (2017Versteeg, M., Ginsburg, T. (2017). Measuring the Rule of Law: A Comparison of Indicators. Law & Social Inquiry, 42(1), 100-137., p. 102) cotejam o indicador em questão com o índice de governança do Banco Mundial e com os índices de primado das leis da Heritage Foundation e da Freedom House. Com a exceção desse último, o coeficiente de correlação entre qualquer par de indicadores é superior a 0,95. Adicionalmente, os coeficientes de correlação do indicador da Freedom House com os outros três são superiores a 0,78.

Os indicadores do projeto Doing Business27 27 Informações adicionais sobre o projeto Doing Business estão disponíveis no websitehttp://www. doingbusiness.org. são bastante populares entre os pesquisadores da área de Economia. Por tal motivo, este autor os utilizou para realizar um exercício similar ao discutido no parágrafo anterior. Dentre os dez índices integrantes daquele projeto, três deles estão claramente relacionados ao conceito de primado das leis: enforcing contracts, resolving insolvency e protecting minority investors. Denote esses indicadores por, respectivamente, EF, RI e PMI. Apresenta-se abaixo a matriz de correlação, para o ano de 2016, dessas variáveis e de L (ou seja, o índice de Rule of Law do WJP).

Tabela 4.
Matriz de Correlação

Os três coeficientes de correlação dentre os indicadores do Doing Business são iguais a 0,487, 0,483 e 0,564. Os coeficientes de L com EF e RI excedem todos esses valores, ao passo que o coeficiente de L com PMI (0,490) somente é inferior ao maior daqueles três valores. Logo, é possível concluir que a correlação de L com EF, RI e PMI é, como regra geral, superior à correlação dentre os próprios indicadores do Doing Business.

Os resultados apresentados no parágrafo anterior e as conclusões de Versteeg e Ginsburg (2017Versteeg, M., Ginsburg, T. (2017). Measuring the Rule of Law: A Comparison of Indicators. Law & Social Inquiry, 42(1), 100-137.) discutidas acima sugerem que o Rule of Law do WJP é uma medida de primado das leis consistente com os demais indicadores presentemente disponíveis. Adicionalmente, conforme apontado por aqueles autores, o índice em questão é a mais abrangente medida de aderência de uma nação ao primado das leis.

APÊNDICE B: DISTRIBUIÇÕES DE FREQUÊNCIA E HISTOGRAMAS

Tabela 5.
Distribuição de frequência de L
Tabela 6.
Distribuição de frequência de lny

Figura 4.
Histogramas de L e lny

APÊNDICE C: ROBUSTEZ DE RE1 E RE2

Estuda-se neste apêndice se as duas regularidades empíricas identificadas na Seção 3 também se manifestam caso a amostra seja particionada de forma distinta daquela adotada na referida seção. Para tanto, a amostra é dividida de duas outras maneiras: pela mediana L~ do indicador de primado das leis e por quintis da mesma variável.

A tabela que se segue contém os resultados obtidos quando a amostrada é particionada com base em L~ .

Tabela 7.
Estimação da equação (1) por subamostras (partição pela mediana)

Exceto pelo número de observações em cada grupo, nenhum dos valores é consideravelmente distinto do seu correspondente na Tabela 3. Consequentemente, o mesmo raciocínio utilizado na Seção 3 pode ser aqui aplicado de forma a concluir que ambas RE1 e RE2 são consistentes com essa partição alternativa da amostra.

Apresentam-se a seguir os resultados obtidos quando os dados disponíveis são divididos de acordo com os quintis de L.

Tabela 8.
Estimação da equação (1) por subamostras (partição por quintis)

Exceto pelo segundo quintil, a estimativa de β é sempre positiva. Porém, justamente nesse quintil o valor do R 2 é extremamente próximo de 0. Assim sendo, exceto pelo subamostra na qual aparentemente não há uma sólida relação entre y e L, essas duas variáveis se relacionam de forma crescente. Ou seja, a RE1 também se manifesta nos resultados acima. Com relação à RE2, observe que: (i) o valor do EQM decresce à medida que se avança pelos quintis de L e (ii) o R 2 é quase que nulo nos três primeiros quintis e cresce quando se passa para o 4o e o 5o quintis. Consequentemente, a RE2 também é consistente com os resultados apresentados na Tabela 8.

APÊNDICE D: PAÍSES INTEGRANTES DA AMOSTRA

Afeganistão; África do Sul; Albânia; Alemanha; Antígua e Barbuda; Argentina; Austrália; Áustria; Bahamas; Bangladesh; Barbados; Bélgica; Belize; Bielorrússia; Bolívia; Bósnia e Herzegovina; Botswana; Brasil; Bulgária; Burkina Faso; Camarões; Camboja; Canadá; Cazaquistão; Chile; China; Cingapura; Colômbia; Coréia do Sul; Costa do Marfim; Costa Rica; Croácia; Dinamarca; Dominica; Egito; El Salvador; Emirados Árabes Unidos; Equador; Eslovênia; Espanha; Estônia; Etiópia; EUA; Filipinas; Finlândia; França; Gana; Geórgia; Granada; Grécia; Guatemala; Guiana; Holanda; Honduras; Hong Kong; Hungria; Índia; Indonésia; Itália; Jamaica; Japão; Jordânia; Líbano; Libéria; Macedônia do Norte; Madagascar; Malásia; Malawi; Marrocos; México; Moldávia; Mongólia; Nepal; Nicarágua; Nigéria; Noruega; Nova Zelândia; Panamá; Paquistão; Peru; Polônia; Portugal; Quênia; Quirguistão; Reino Unido; República Dominicana; República Tcheca; Romênia; Rússia; Santa Lúcia; São Cristóvão e Nevis; São Vicente e Granadinas; Senegal; Serra Leoa; Sérvia; Sri Lanka; Suécia; Suriname; Tailândia; Tanzânia; Trinidad e Tobago; Tunísia; Turquia; Ucrânia; Uganda; Uruguai; Uzbequistão; Vietnã; Zâmbia; Zimbábue.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    27 Mar 2020
  • Revisado
    19 Jun 2020
  • Aceito
    14 Jul 2020
  • Publicado
    01 Fev 2021
Fucape Business School Av. Fernando Ferrari, 1358, Boa Vista, 29075-505, Vitória, Espírito Santo, Brasil, (27) 4009-4423 - Vitória - ES - Brazil
E-mail: bbronline@bbronline.com.br