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Democracia e transconstitucionalismo: “direito ao esquecimento”, extraterritorialidade e conflito entre ordens jurídicas

Democracy and Transconstitutionalism: The “Right To Oblivion”, Extraterritoriality and the Conflict Between Juridical Orders

Resumo

Estado e território são pilares fundamentais do Direito moderno. Todavia, a progressiva perda de centralidade desses elementos caracteriza-se como uma transformação que tem feito com que conflitos de direitos humanos e fundamentais passem a implicar simultaneamente ordens jurídicas de diversos níveis (internacional, transnacional e nacional). Nessa linha, temas como a legitimação democrática do Direito, sua eficácia espacial e a compatibilidade entre ordens jurídicas passam a ser objeto importante de diversos estudos jurídicos. Este artigo, partindo do exame do caso do “direito ao esquecimento”, na forma como definido por tribunais na Europa e no Brasil, pretende expor essas dificuldades operacionais do Direito. Para tanto, examina-se a forma como os ordenamentos implicados e seus tribunais delimitaram esse direito e a eficácia espacial de suas decisões, abordando-se a problemática que envolve o diálogo entre ordens jurídicas e as dificuldades suscitadas pelo deslocamento da legitimidade do Direito da democracia para a racionalidade de suas normas. Em conclusão, defende-se a impossibilidade de substituição da democracia como fundamento do Direito, sem, contudo, propor um retorno aos padrões jurídicos clássicos modernos.

Palavras-chave
Transconstitucionalismo; democracia; direitos fundamentais; direito ao esquecimento; liberdade de expressão

Abstract

The State and its territory are fundamental institutions of modern Law. Nevertheless, these elements aren't as important as they have been, and this transformation has allowed that conflicts of fundamental rights start affecting distinct legal orders (international, transnational and national) simultaneously. Issues like the democratic legitimization of Law, its spatial efficacy and the compatibility of legal orders have become a core piece of legal studies. This article intends to explore some legal operational problems through the examination of decisions whose subject is the “right to oblivion” as it has been affirmed by Courts in Europe and in Brazil. For that reason, it analyzes how these legal orders and their Courts have been defining the depth and the scope of this “right” and also the way in which they have settled the spatial efficacy of their rulings. Its aim is to address the problematic dialogue between legal orders and the concerns raised by the replacement of the legitimacy of Law, progressively detached from democracy in order to become more related to the rationality of juridical norms. In conclusion, the paper defends democracy as an unreplaceable basis for Law, though it doesn't propose a return to classical Modernity standards.

Keywords
Transconstitutionalism; democracy; fundamental rights; right to oblivion; free speech

Introdução

Um dos grandes problemas com o qual a sociedade globalizada contemporânea defronta-se é o da legitimidade da produção de efeitos extraterritoriais por normas e decisões estrangeiras, tendo em vista as implicações e correlações específicas entre Direito, Estado, democracia e território, agitadas particularmente num mundo em que as fronteiras nacionais são cada vez mais porosas e as certezas jurídicas menos presentes. É sobre esse tema, mediante exame de um problema concreto específico – referente às distintas aplicações do “direito ao esquecimento” feitas no Brasil e na Europa – que o trabalho vai se debruçar.

O estudo terá como foco o exame de fontes primárias (jurisprudência e, no que for necessário, legislação), no Brasil e na Europa, com vistas à identificação das diferentes formas pelas quais tais ordenamentos lidam com o tema de fundo – o “direito ao esquecimento”1 1 Conci e Gerber (2015, p. 262) assim definem esse direito: “O direito ao esquecimento define-se pelo direito de que ‘ninguém pode ser eternamente lembrado ou cobrado por atos praticados no passado'”. Os mesmos autores, desenvolvendo conceitos produzidos pela jurisprudência em tribunais brasileiros e internacionais, relacionam a existência do “direito ao esquecimento” à intimidade e à proteção dos dados pessoais (CONCI; GERBER, 2015, p. 264-267). – para problematizar os pontos de crise do Direito na contemporaneidade. Também se valerá de exame de doutrina para a elaboração do debate sobre as relações entre território, produção do Direito, seus componentes democráticos e necessidade de diálogo entre ordenamentos.

Para contextualizar o debate, é importante frisar que a formação dos Estados, das Constituições e do Direito modernos tem íntima ligação com a afirmação dos territórios nacionais. Quanto ao Direito, na modernidade, sua vigência está atrelada à noção de territorialidade porque sua feição marcantemente estatal faz com que a autoridade dos agentes públicos – uma das condições para a imperatividade dos seus comandos jurídicos – esteja espacialmente delimitada e confinada pelo território. Como defende Dobner (2010DOBNER, Petra. More Law, Less Democracy? Democracy and Transnational Constitutionalism. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism:? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 141–161., p. 144), o território (ou princípio da territorialidade) é elemento central da soberania, componente do Estado moderno e de sua ordem jurídica.2 2 “O princípio da territorialidade é mais decisivo para o Estado moderno. Ele se ampara na aceitação de fronteiras territoriais como uma forma de limite material ao exercício do poder. (.) Estados modernos ‘explicitamente reivindicam e baseiam-se em territórios geográficos particulares, o que é distinto da mera ocupação de espaço geográfico, que ocorreu em todas as formas de organização social” (DOBNER, 2010, p. 144, tradução nossa).

Essa íntima conexão entre Direito e território, e também entre Direito e Estado, sofre, contemporaneamente, um forte abalo. Em relação à territorialidade, já não se pode afirmar, como antes, que o limite geográfico do Estado defina a extensão máxima de incidência de normas jurídicas (cuja única exceção, no paradigma moderno, era o Direito Internacional Público vigente entre os Estados), justamente porque, além de mudar a própria natureza do território, por um lado, por outro também não é mais o Estado o único ator (e, talvez, nem mesmo o mais privilegiado dos atores) a estabelecer ordenamentos jurídicos. A emergência das ordens trans e supranacionais, públicas e privadas (TEUBNER, 2010TEUBNER, Gunther. Fragmented Foundations: Societal Constitutionalism Beyond the Nation State. In: DOBNER, Petra. LOUGHLIN, Martin. (Org.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010, p. 327–342., p. 331-332), traz ao sistema jurídico um novo elemento de complexidade que faz com que pressupostos até então pacíficos na modernidade (quanto à eficácia espacial de decisões proferidas pelo Judiciário, por exemplo) devam ser necessariamente relidos.

Como adverte Neves (2009NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. 256), as questões jurídicas na sociedade (global) contemporânea não são mais matéria de um único Estado, ou que, regularmente, possam ser equacionadas apenas local ou nacionalmente. Especialmente quando se trata de conflitos de direitos humanos e fundamentais,3 3 Uma proposta de distinção das duas expressões – direitos humanos e direitos fundamentais – pode ser encontrada em Neves (2009, p. 253): “Dessa maneira, tanto os direitos humanos quanto os direitos fundamentais dizem respeito à inclusão da pessoa e à diferenciação da sociedade. Os conteúdos praticamente coincidem. A diferença reside no âmbito de suas pretensões de validade. Os direitos fundamentais valem dentro de uma ordem constitucional estatalmente delimitada. Os direitos humanos pretendem valer para o sistema jurídico mundial de níveis múltiplos, ou seja, para qualquer ordem jurídica existente na sociedade mundial (não apenas para a ordem jurídica internacional)”. a hiperintegração mundial leva a que afetem múltiplas ordens jurídicas, de variados níveis (locais, nacionais, internacionais, regionais e transnacionais), o que evoca, justamente, a perda da centralidade do Estado e de seu território para o Direito e, precipuamente, a necessidade de se estabelecer um diálogo entre diversos ordenamentos jurídicos.

Para cumprir seu propósito, então, o trabalho partirá de uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no julgamento do caso Google Spain SL e Google Inc. contra Agencia Española de Protección de Datos (AEPD) e Mario Costeja González (processo C-131 / 12), de 13/5/2014, na qual o TJUE entendeu que seria possível determinar a buscadores da Internet, a partir da simples vontade do indivíduo, e em respeito a seus direitos fundamentais de proteção à privacidade, a exclusão de resultados de busca ou a supressão do acesso a suas informações todas as vezes que estivessem presentes as condições fáticas e jurídicas enunciadas no acórdão (UNIÃO EUROPEIA, 2014UNIÃO EUROPEIA. Tribunal de Justiça da União Europeia. Processo C-131/12. Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) ECLI:EU:C:2014:317. Partes: Google Spain SL e Google Inc. contra Agencia Española de Protección de Datos (AEPD) e Mario Costeja González. Pedido de decisão prejudicial: Audiência Nacional—Espanha. Relator: M. Ileši. Grande Secção. 13 mai. 2014. Jornal Oficial, Luxemburgo, 7 jul. 2014, p. 4. Disponível em: <http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=9ea7d2dc30d585485bc5ed1a4a0698fdcbaf380e2b01.e34KaxiLc3qMb40Rch0SaxuNb3z0?text=&docid=152065&pageIndex=0&doclang=PT&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=262988>. Acesso em: 30 jun. 2016.
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).

Questões como essa, que tocam temas sensíveis de direitos fundamentais (direito à privacidade, liberdade de expressão etc.), são objeto de preocupação em diversos ordenamentos. Globaliza-se a sociedade na mesma medida em que se globalizam os problemas. No Brasil, o “Marco Civil da Internet” (Lei n. 12.965/2014) enuncia como princípio, no inc. I do seu art. 2°, que sua disciplina parte do “reconhecimento da escala mundial da rede” (BRASIL, 2014aBRASIL. Lei n. 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 abr. 2014a. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 29 jun. 2016.
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). A seu turno, o STJ reconheceu a eficácia jurídica do direito ao esquecimento em nosso ordenamento,4 4 Esse direito consta do Enunciado n. 531, aprovado na VI Jornada de Direito Civil do CJF, que interpretou o art. 11 do Código Civil. A redação do enunciado é a seguinte: “Enunciado 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento” (BRASIL, 2013a). embora com diferentes matizes, dadas as especificidades dos casos examinados pela Corte.

Num dos julgados adiante explorados, por exemplo, a Corte brasileira posicionou-se contra a possibilidade de determinar que mecanismos de pesquisa fossem compelidos a remover de seus resultados de busca certas páginas consideradas ofensivas a determinado indivíduo. Noutro caso, a Corte afastou a possibilidade de estender o alcance desse direito ao esquecimento para limitar a atuação dos instrumentos de busca da Internet, uma vez que tal extensão teria que lidar com regulações internacionais e afetaria a “soberania dos Estados”.

Em sentido oposto às decisões do STJ, o TJUE afirmou sua competência para decidir sobre o direito ao esquecimento em relação aos mecanismos de busca da Internet, mesmo que sediados fora do território da UE, com evidentes impactos extracomunitários; todavia, ainda que tenha reconhecido que a informação do caso concreto não era algo sobre o que incidisse relevante e atual interesse público, não condenou o veículo de imprensa a que modificasse seus registros ou os suprimisse, exatamente para não afetar a liberdade de expressão e informação.

É importante destacar, ainda, que o tema ganhou novos contornos, em nosso país, a partir da edição do Marco Civil da Internet, especialmente à luz de seu art. 11, caput e § 2° (BRASIL, 2014aBRASIL. Lei n. 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 abr. 2014a. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 29 jun. 2016.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
), que impõe a observância compulsória da legislação brasileira e a vinculação aos “direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros” a todas as atividades de “coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet” ocorridas no Brasil, ainda que o executor dessas atividades esteja sediado no exterior.

Os exemplos dão a exata noção de que conflitos similares, cada dia mais, afetarão, simultaneamente, ordenamentos jurídicos distintos, com decisões potencialmente contraditórias. Ainda que os dois Direitos em cotejo (comunitário europeu e brasileiro) não sejam sobrepostos, não é difícil encontrar situações em que ordens jurídicas com pretensões de validade sobre um mesmo espaço geográfico confrontem-se em concreto; é o que se dá, por exemplo, entre o Direito estatal brasileiro e as ordens jurídicas indígenas tradicionais, como retratado por Neves (2009NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. 216-229). Todavia, percebe-se, com ou sem sobreposição espacial de Direitos, a simultaneidade de conflitos de direitos humanos e fundamentais e sua reprodução na sociedade mundial.5 5 Não é distinta a preocupação de Conci e Gerber (2015, p. 270), que anotam o seguinte: “Esse diálogo de ordem transnacional exige que cortes nacionais e internacionais se percebam como atores de um processo de integração em matéria de direitos humanos, trocando experiências, teorias e modos de interpretar dispositivos. Tudo isso passa pela necessidade de se enfrentar um paradigma que o constitucionalismo vem construindo já há algumas décadas que exige um relacionamento aberto entre ordens jurídicas internas (domésticas) e internacionais e entre os diversos tribunais nacionais de estados diferentes. Isso porque os problemas que afetam direitos humanos têm sido solucionado[s] por uma miríade de tribunais que ao menos devem conhecer e dialogar com outros para avançar na matéria de proteção dos direitos humanos”.

E, ademais, seu tratamento tem alcance global. Por isso, além de examinar a integração e o diálogo entre as normas jurídicas, aspectos como a legitimidade da decisão do TJUE que vincula agentes fora do território europeu (com possíveis repercussões sobre cidadãos que não legitimaram democraticamente os órgãos comunitários), a forma de entrecruzamento das ordens jurídicas, a relevância do caráter democrático para a legitimação do Direito etc., são temas sensíveis para o constitucionalismo contemporâneo. Nos seus apertados limites, é o que este artigo passará a tratar.

1 O território e o Estado Moderno e sua crise

O território é um elemento definidor da existência do Estado e do Direito modernos, intimamente ligado à afirmação da soberania nos séculos XVI e XVII. A formação da estrutura político-jurídica estatal moderna pressupôs a centralização dos poderes e competências, até então dispersos ao longo de uma intricada rede de ordens sobrepostas, nas mãos do soberano, que, justamente no desempenho dos atributos da soberania, passou a exercer um poder não apenas maior que os demais, senão que, segundo Preuss (2010PREUSS, Ulrich K. Disconnecting Constitutions from Statehood: Is Global Constitutionalism a Viable Concept? In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 23–46., p. 34-35), qualitativamente superior a todos os outros poderes (políticos, econômicos, e assim por diante) da sociedade.6 6 Brunkhorst (2010, p. 182-184) destaca que a ascensão do Estado moderno corresponde a um processo de sucessivas soluções de crises: primeiramente, as guerras religiosas (o que permitiu a concretização de direitos de liberdade religiosa); em seguida, a crise da legitimidade do poder político (resolvida pelas revoluções do século XVIII mediante a produção de um direito que garantiria a liberdade do poder público e em relação ao poder público); por fim, os conflitos de classes sociais (com a produção de um direito que incorporou direitos e garantias sociais). O mesmo autor, posteriormente, analisa a crise de Estado e faz a pergunta sobre a existência de um direito global, apontando desafios da democracia no contexto que emerge a partir do final do século XX. Voltaremos aos desafios da democracia na parte final deste trabalho.

O território foi basilar para tal processo de centralização política porque ele não apenas definiu o âmbito espacial de eficácia dos comandos proferidos pelo soberano, como também permitiu que o poder – antes personalizado e baseado em status, honorabilidade, entre outros – pudesse ser exercido de maneira geral e impessoal (PREUSS, 2010PREUSS, Ulrich K. Disconnecting Constitutions from Statehood: Is Global Constitutionalism a Viable Concept? In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 23–46., p. 26-27). Por isso, Poggi apudPreuss (2010PREUSS, Ulrich K. Disconnecting Constitutions from Statehood: Is Global Constitutionalism a Viable Concept? In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 23–46., p. 27, tradução nossa) afirma que “o Estado não tem um território, ele é um território”.

É Preuss (2010PREUSS, Ulrich K. Disconnecting Constitutions from Statehood: Is Global Constitutionalism a Viable Concept? In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 23–46., p. 35) quem vai perceber que, no transcurso da modernidade, os territórios perderam, paulatinamente, sua a centralidade para o exercício da soberania; diz o autor que teria havido uma mudança radical a partir da consagração das Constituições modernas, que substituíram o território pelo povo (com a ideia da representação e o princípio do autogoverno) como pilar básico em que se apoiaria o exercício do poder político. Mesmo assim, na Era Moderna, o território permaneceu como um elemento definidor do poder político e do Direito, pois estipulava o limite espacial da vigência das normas jurídicas e, ademais, garantia, na tradicional estrutura do Estado, a imposição de uma ordem jurídica com características de generalidade, abstração e impessoalidade.

Entretanto, a sociedade contemporânea, a partir da segunda metade do século XX, assistiu a um gradativo processo de relativização da relevância do território, não mais apenas como fundamento da soberania, senão que, também, para a operação do Direito. Dobner (2010DOBNER, Petra. More Law, Less Democracy? Democracy and Transnational Constitutionalism. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism:? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 141–161., p. 144-145) chega a destacar que estaria em curso não apenas uma crise no território, pela perda de relevância das fronteiras nacionais para fins de incidência das normas jurídicas, como também uma crise do território, não mais visto unicamente em sua dimensão físico-espacial, em virtude da emergência de novos espaços “não geográficos”, como o ambiente virtual digital da Internet.

Em linhas sintéticas, o processo de crise no território – usando a linguagem de Dobner (2010DOBNER, Petra. More Law, Less Democracy? Democracy and Transnational Constitutionalism. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism:? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 141–161., p. 144) – é assim tratado por Preuss (2010PREUSS, Ulrich K. Disconnecting Constitutions from Statehood: Is Global Constitutionalism a Viable Concept? In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 23–46., p. 38, tradução nossa):

O recipiente está vazando. É um lugar comum, atualmente, entender que a porosidade das fronteiras, a extensão e a intensidade de interações “transfronteiriças” e dos movimentos de capitais, pessoas, bens, serviços, informação, símbolos e ideias geraram padrões e instituições sociais transnacionais que estendem as dimensões espaciais das relações sociais através das fronteiras estatais; em muitos aspectos, tornou-se global.

A perda de centralidade do território nacional para a operação do Direito é acompanhada, justamente, pela perda da centralidade do Estado na produção do Direito. Ainda que permaneça como um agente relevante, o Estado não é mais o único ator – e, talvez, nem mesmo o mais relevante deles (PREUSS, 2010PREUSS, Ulrich K. Disconnecting Constitutions from Statehood: Is Global Constitutionalism a Viable Concept? In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 23–46., p. 38; NEVES, 2009NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. 297) – a produzir Direito.7 7 Abordando o tema numa perspectiva de solução de conflitos constitucionais à luz do transconstitucionalismo, Neves (2009, p. 297) escreve: “O Estado deixou de ser um locus privilegiado de solução de problemas constitucionais. Embora fundamental e indispensável, é apenas um dos diversos loci em cooperação e concorrência na busca do tratamento desses problemas. A integração sistêmica cada vez maior da sociedade mundial levou à desterritorialização de problemas-caso jurídico-constitucionais, que, por assim dizer, emanciparam-se do Estado”. Trata-se, segundo Teubner (2010TEUBNER, Gunther. Fragmented Foundations: Societal Constitutionalism Beyond the Nation State. In: DOBNER, Petra. LOUGHLIN, Martin. (Org.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010, p. 327–342., p. 331-332) da necessidade de repensar cinco pressupostos básicos do Direito moderno para que se compreenda o processo de “constitucionalismo societal” contemporâneo.8 8 Uma crítica ao conceito de Constituições civis, a partir da teoria sistêmica, pode ser vista em Neves (2009, p. 111-113). Wahl (2010, p. 240-241) também critica o conceito, por considerar que as “Constituições civis” estão esvaziadas do caráter político fundamental de qualquer Constituição. Uma possível resposta a tal constatação pode ser encontrada em Teubner (2003, p. 11), para quem “[a] relativa distância à política internacional e ao direito internacional não preservará o ‘direito mundial sem Estado’ de uma repolitização. Muito pelo contrário: justamente a reconstrução de (trans)ações sociais e econômicas como atos jurídicos globais solapa o caráter apolítico do direito global e fornece dessarte o fundamento da sua repolitização. Ela, porém, ocorrerá previsivelmente sob novas formas, pouco conhecidas até agora”. Duas dessas novas leituras são relevantes para este trabalho, quais sejam: inicialmente, aceitar a existência dos regimes regulatórios transnacionais (Transnational regulatory regimes), com lógicas jurídicas específicas para determinados campos de atuação, como parte do processo de diferenciação interna ao Direito; e, em segundo lugar, entender a criação de regimes ”privados” transnacionais (Transnational “private” regimes), dentre os quais seriam exemplos a lex mercatoria e a lex digitalis,9 9 Neves (2009, p. 187-216) também faz referência a outras ordens privadas, como a lex sportiva; ademais, trata da conflituosa relação com ordens jurídicas “anticonstitucionais”, como seria o caso do direito “privado” da Al-Qaeda. Teubner (2003, p. 9-10), por sua vez, refere-se a ordens trabalhistas internas de grandes corporações empresariais e a um Direito da padronização técnica internacional. em que não apenas a territorialidade seria redimensionada, como o próprio caráter público do Direito sofreria revisão.10 10 “Nos dias de hoje estão se constituindo em ‘autonomia relativa’ diante do Estado-nação, bem como diante da política internacional[,] setores distintos da sociedade mundial que produzem a partir de si mesmos ordenamentos jurídicos globais sui generis. (.) Vemos, portanto, uma série de formas não mais apenas rudimentares de um ordenamento jurídico mundial, que surge independentemente dos ordenamentos jurídicos nacionais e do clássico direito das gentes” (TEUBNER, 2003, p. 10-11).

Neste ponto, cabe uma advertência: é grande a discussão sobre a existência de um processo de constitucionalização da esfera mundial (internacional e supranacional). Contudo, não nos interessa analisar se é possível ou não falar em Constituições supranacionais e internacionais, além do Estado.11 11 A esse respeito, remete-se aos trabalhos de Grimm (2010), Preuss (2010), Dobner (2010), Prandini (2010) e, especialmente, as distintas visões contidas em Kumm (2010) e Wahl (2010). Relevante, a esta altura, além da investigação sobre seu componente democrático, adiante considerada, é enfatizar que o tratamento de problemas jurídico-constitucionais é cada vez mais realizado por instituições além (interna e externamente) dos Estados nacionais.

2 O direito ao esquecimento conforme o TJUE

Significativamente, uma das expressões jurídicas que mais põe em relevo a relativização das fronteiras estatais no trato de temas jurídicos comuns é a emergência do Direito comunitário europeu.12 12 Não se pode deixar de perceber que o processo de integração jurídica da Europa não se dá apenas no âmbito do direito comunitário europeu. É o que se vê no ordenamento regional dos direitos humanos, que comporta a existência, numa esfera distinta da UE (com um número superior de Estados-partes – quase 50 – e, portanto, uma jurisdição mais ampla), de um sistema próprio – executivo, legislativo e judicial – de direitos humanos, cujo marco legal é a Convenção Europeia de Direitos Humanos, e a atuação jurisdicional está nas mãos da Corte Europeia de Direitos Humanos. A relação de países signatários da Convenção e seus Protocolos está disponível em: <http://conventions.coe.int/Treaty/Commun/ListeTableauCourt.asp?MA=3&CM=16&CL=ENG>. Acesso em: 28 jun. 2016. Grimm (2010GRIMM, Dieter. The Achievement of Constitutionalism and its Prospects in a Changed World. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 3–22., p. 14-15) chega a defender que, em escala mundial, não há mais Estado soberano na mesma medida do período pré-1945, mas que tal seria especialmente verdadeiro no desenvolvimento do Direito europeu, em que “os Estados são constantemente submetidos a normas legais europeias que devem ser por eles observadas” (GRIMM, 2010GRIMM, Dieter. The Achievement of Constitutionalism and its Prospects in a Changed World. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 3–22., p. 15, tradução nossa).

Na complexa estrutura institucional da União Europeia (UE), apresenta-se o TJUE, ao qual é atribuída a competência para interpretar, em última instância, o Direito comunitário europeu e resolver litígios que envolvam instituições europeias.13 13 Confira <http://europa.eu/about-eu/institutions-bodies/court-justice/index_pt.htm>. Acesso em: 27 jun. 2016. O TJUE pode, entre outros, determinar, coativamente, a interpretação de normas produzidas pela UE e impor tal entendimento às instituições nacionais. Seu trabalho reiterado de afirmação do Direito comunitário europeu fez com que Loughlin (2010LOUGHLIN, Martin. What is Constitutionalisation? In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin. (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 47–72., p. 65-66) afirmasse que sua jurisprudência tem sido uma das mais destacadas contribuições para a “constitucionalização por integração” em curso na Europa, reforçando o caráter obrigatório das normas comunitárias e sua superioridade em relação às ordens jurídicas nacionais dos Estados-membros. Quando se põe em perspectiva a intensa legislação produzida no âmbito comunitário, em conjunto com essa jurisprudência expansiva do TJUE, diz o autor (LOUGHLIN, 2010LOUGHLIN, Martin. What is Constitutionalisation? In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin. (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 47–72., p. 65-66), percebe-se a dimensão dessa integração jurídico-constitucional europeia.

Mas também a UE estabelece uma ordem jurídica distinta dos ordenamentos nacionais dos Estados-membros em matéria de direitos humanos e fundamentais. E um dos diplomas normativos referentes ao tema, de interesse para este trabalho, é a Diretiva 95/46/CE, adotada pelo Parlamento Europeu em 24/10/1995, que disciplina a proteção dos dados pessoais dos indivíduos e do direito aplicável à utilização e à circulação de tais dados (UNIÃO EUROPEIA, 1995UNIÃO EUROPEIA. Directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados. Jornal Oficial, Luxemburgo, n. L 281, 23 nov. 1995, p. 31-50. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:31995L0046:pt:HTML>. Acesso em: 30 jun. 2016.
http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexU...
).

Foi com base nesse diploma que o TJUE julgou o processo C-131 /12 (Acórdão ECLI: EU:C:2014:317) que, em resumo, tratava de encaminhamento (reenvio) feito pela Audiência Nacional da Espanha (órgão superior do Judiciário espanhol) para que a Corte europeia manifestasse-se a respeito da interpretação da Diretiva (internalizada na Espanha pela Lei Orgânica 15/1999ESPANHA. Ley Orgánica 15/1999, de 13 de diciembre, de Protección de Datos de Carácter Personal. BOE, Madri, n. 198, 14 dez. 1999, p. 43088-43099. Disponível em: <http://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-A-1999-23750>. Acesso em: 28 jun. 2016.
http://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-...
) no que se referia ao processo de Mário Costeja González em face de Google Inc e Google Spain SL (e, originalmente, também em face do jornal La Vanguardia), que discutia a obrigação de o buscador do Google (”Google Search”) suprimir resultados de pesquisa e impedir a consulta a informações publicadas na Internet que o interessado não pretendia mais que estivessem à disposição para acesso indiscriminado e irrestrito de terceiros.

O interessado também pretendia que o jornal La Vanguardia, que havia publicado as informações consideradas indesejadas, fosse constrangido a alterar seus arquivos ou a suprimi-los, o que foi indeferido pela Justiça espanhola. No entanto, em relação ao Google, entenderam as instâncias iniciais do Judiciário espanhol que os buscadores da Internet estariam sujeitos à legislação de proteção de dados, sendo determinada a retirada das informações que o requerente considerava desabonadoras e o estabelecimento de meios para impedir o acesso a elas, eis que sua localização e difusão seriam suscetíveis de lesar o direito fundamental de proteção dos dados.

Após recursos, a questão foi reenviada para o TJUE posicionar-se sobre as obrigações dos mecanismos de busca da Internet para efeitos da proteção dos dados pessoais. Em suas conclusões, o TJUE fixou quatro pontos principais. Afirmou que os buscadores da Internet são vinculados à legislação comunitária europeia de proteção de dados; posteriormente, tratou da incidência territorial da norma, dizendo que a norma comunitária aplicar-se-ia a mecanismos de busca situados fora do território dos Estados-membros da UE, desde que desenvolvessem atividade correlata no espaço geográfico comunitário; decidiu, também, que o respeito aos direitos dos interessados envolve a obrigação de supressão de resultados de busca mesmo quando as informações sejam lícitas, e que, por fim, seria tarefa a ser desempenhada à luz do caso concreto definir se o interessado tem direito a que a informação seja suprimida, enfatizando que os direitos fundamentais do indivíduo “prevalecem, em princípio, não só sobre o interesse econômico do operador do motor de busca mas também sobre o interesse desse público em aceder à informação numa pesquisa sobre o nome dessa pessoa” (UNIÃO EUROPEIA, 2014UNIÃO EUROPEIA. Tribunal de Justiça da União Europeia. Processo C-131/12. Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) ECLI:EU:C:2014:317. Partes: Google Spain SL e Google Inc. contra Agencia Española de Protección de Datos (AEPD) e Mario Costeja González. Pedido de decisão prejudicial: Audiência Nacional—Espanha. Relator: M. Ileši. Grande Secção. 13 mai. 2014. Jornal Oficial, Luxemburgo, 7 jul. 2014, p. 4. Disponível em: <http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=9ea7d2dc30d585485bc5ed1a4a0698fdcbaf380e2b01.e34KaxiLc3qMb40Rch0SaxuNb3z0?text=&docid=152065&pageIndex=0&doclang=PT&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=262988>. Acesso em: 30 jun. 2016.
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), cabendo afastá-los apenas por razões especiais. Veja-se:

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:
  1. O artigo 2º, alíneas b) e d), da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, deve ser interpretado no sentido de que, por um lado, a atividade de um motor de busca que consiste em encontrar informações publicadas ou inseridas na Internet por terceiros, indexá-las automaticamente, armazená-las temporariamente e, por último, pô-las à disposição dos internautas por determinada ordem de preferência deve ser qualificada de «tratamento de dados pessoais», na aceção do artigo 2º, alínea b), quando essas informações contenham dados pessoais, e de que, por outro, o operador desse motor de busca deve ser considerado «responsável» pelo dito tratamento, na aceção do referido artigo 2º, alínea d).

  2. O artigo 4º, n. 1, alínea a), da Diretiva 95/46 deve ser interpretado no sentido de que é efetuado um tratamento de dados pessoais no contexto das atividades de um estabelecimento do responsável por esse tratamento no território de um Estado-Membro, na aceção desta disposição, quando o operador de um motor de busca cria num Estado-Membro uma sucursal ou uma filial destinada a assegurar a promoção e a venda dos espaços publicitários propostos por esse motor de busca, cuja atividade é dirigida aos habitantes desse Estado-Membro.

  3. Os artigos 12º, alínea b), e 14º, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 95/46 devem ser interpretados no sentido de que, para respeitar os direitos previstos nestas disposições e desde que as condições por elas previstas estejam efetivamente satisfeitas, o operador de um motor de busca é obrigado a suprimir da lista de resultados, exibida na sequência de uma pesquisa efetuada a partir do nome de uma pessoa, as ligações a outras páginas web publicadas por terceiros e que contenham informações sobre essa pessoa, também na hipótese de esse nome ou de essas informações não serem prévia ou simultaneamente apagadas dessas páginas web, isto, se for caso disso, mesmo quando a sua publicação nas referidas páginas seja, em si mesma, lícita.

  4. Os artigos 12º, alínea b), e 14º, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 95/46 devem ser interpretados no sentido de que, no âmbito da apreciação das condições de aplicação destas disposições, importa designadamente examinar se a pessoa em causa tem o direito de que a informação em questão sobre a sua pessoa deixe de ser associada ao seu nome através de uma lista de resultados exibida na sequência de uma pesquisa efetuada a partir do seu nome, sem que, todavia, a constatação desse direito pressuponha que a inclusão dessa informação nessa lista causa prejuízo a essa pessoa. Na medida em que esta pode, tendo em conta os seus direitos fundamentais nos termos dos artigos 7º e 8º da Carta, requerer que a informação em questão deixe de estar à disposição do grande público devido à sua inclusão nessa lista de resultados, esses direitos prevalecem, em princípio, não só sobre o interesse económico do operador do motor de busca mas também sobre o interesse desse público em aceder à informação numa pesquisa sobre o nome dessa pessoa. No entanto, não será esse o caso se se afigurar que, por razões especiais como, por exemplo, o papel desempenhado por essa pessoa na vida pública, a ingerência nos seus direitos fundamentais é justificada pelo interesse preponderante do referido público em ter acesso à informação em questão, em virtude dessa inclusão. (UNIÃO EUROPEIA, 2014UNIÃO EUROPEIA. Tribunal de Justiça da União Europeia. Processo C-131/12. Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) ECLI:EU:C:2014:317. Partes: Google Spain SL e Google Inc. contra Agencia Española de Protección de Datos (AEPD) e Mario Costeja González. Pedido de decisão prejudicial: Audiência Nacional—Espanha. Relator: M. Ileši. Grande Secção. 13 mai. 2014. Jornal Oficial, Luxemburgo, 7 jul. 2014, p. 4. Disponível em: <http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=9ea7d2dc30d585485bc5ed1a4a0698fdcbaf380e2b01.e34KaxiLc3qMb40Rch0SaxuNb3z0?text=&docid=152065&pageIndex=0&doclang=PT&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=262988>. Acesso em: 30 jun. 2016.
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    )

Algumas particularidades do caso chamam atenção. O TJUE não chegou a discutir qualquer obrigação do órgão de imprensa relativamente à modificação das informações por ele prestadas, eis que o Judiciário espanhol decidiu que não haveria qualquer violação a seus deveres pelo fato de os dados publicados serem legalmente justificados.14 14 Conforme relatado no parágrafo 16 da decisão: “16. Por decisão de 30 de julho de 2010, a AEPD indeferiu a referida reclamação na parte em que dizia respeito à La Vanguardia, tendo considerado que a publicação por esta das informações em causa estava legalmente justificada, dado que tinha sido efetuada por ordem do Ministério do Trabalho e dos Assuntos Sociais e teve por finalidade publicitar ao máximo a venda em hasta pública, a fim de reunir o maior número possível de licitantes” (UNIÃO EUROPEIA, 2014). A conclusão principal própria do TJUE mais relevante para o escopo deste artigo é a segunda, atinente à eficácia espacial da decisão. O primeiro questionamento formulado pela Audiência Nacional espanhola era relacionado aos limites territoriais da vinculação dos mecanismos de busca, tendo o TJUE decidido que o Google Search estava vinculado à aplicação do Direito comunitário mesmo que a empresa exploradora não fosse sediada num dos Estados-membro e neles não fizesse a operação do mecanismo, tendo em vista que o Google exploraria atividade econômica na Europa. Veja-se:

46. No que respeita à primeira destas três condições, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o Google Search é operado e gerido pela Google Inc. e que não está demonstrado que a Google Spain realize em Espanha uma atividade diretamente ligada à indexação ou ao armazenamento de informações ou de dados contidos nos sítios web de terceiros. No entanto, a atividade de promoção e de venda de espaços publicitários, de que se ocupa a Google Spain para a Espanha, constitui a parte essencial da atividade comercial do grupo Google e pode considerar-se que está estreitamente ligada ao Google Search.

[…]

49. Ora, não se discute que a Google Spain se dedica ao exercício efetivo e real de uma atividade, através de uma instalação estável em Espanha. Sendo, além disso, dotada de personalidade jurídica própria, constitui, por conseguinte, uma filial da Google Inc. no território espanhol e, portanto, um “estabelecimento” na aceção do artigo 4°, n. 1, alínea a), da Diretiva 95/46.

[…]

51. A Google Spain e a Google Inc. contestam que seja esse o caso, uma vez que o tratamento de dados pessoais em causa no processo principal é efetuado exclusivamente pela Google Inc., que explora o Google Search sem intervenção alguma da Google Spain, cuja atividade se limita a fornecer apoio à atividade publicitária do grupo Google que é distinta do seu serviço de motor de busca.

[…]

53. Além disso, atendendo ao objetivo da Diretiva 95/46 de assegurar uma proteção eficaz e completa das liberdades e dos direitos fundamentais das pessoas singulares, nomeadamente do direito à vida privada, no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais, esta última expressão não pode ser objeto de interpretação restritiva (v., por analogia, acórdão L'Oréal e o., C-324/09, EU:C:2011:474, nos 62 e 63).

54. Neste contexto, importa salientar que resulta designadamente dos considerandos 18 a 20 e do artigo 4º da Diretiva 95/46 que o legislador da União pretendeu evitar que uma pessoa seja privada da proteção garantida por essa diretiva e que essa proteção seja contornada, estabelecendo um âmbito de aplicação particularmente amplo.

55. Tendo em conta este objetivo da Diretiva 95/46 e a redação do seu artigo 4º, n. 1, alínea a), há que considerar que o tratamento de dados pessoais, realizado com vista às necessidades do serviço de um motor de busca como o Google Search, que é explorado por uma empresa sediada num Estado terceiro, mas que dispõe de um estabelecimento num Estado-Membro, é efetuado “no contexto das atividades” desse estabelecimento, se este se destinar a assegurar, nesse Estado-Membro, a promoção e a venda dos espaços publicitários propostos por esse motor de busca, que servem para rentabilizar o serviço prestado por esse motor.

56. Com efeito, nestas circunstâncias, as atividades do operador do motor de busca e as do seu estabelecimento situado no Estado-Membro em causa estão indissociavelmente ligadas, uma vez que as atividades relativas aos espaços publicitários constituem o meio para tornar o motor de busca em causa economicamente rentável e que esse motor é, ao mesmo tempo, o meio que permite realizar essas atividades.

57. A este respeito, importa recordar que, como precisado nos nos 26 a 28 do presente acórdão, a própria exibição dos dados pessoais numa página de resultados de uma pesquisa constitui um tratamento desses dados. Ora, sendo a referida exibição de resultados acompanhada, na mesma página, da exibição de publicidade relacionada com os termos da pesquisa, há que declarar que o tratamento de dados pessoais em questão é efetuado no contexto da atividade publicitária e comercial do estabelecimento do responsável pelo tratamento no território de um Estado-Membro, neste caso, o território espanhol.

[…]

60. Decorre do que precede que há que responder à primeira questão, alínea a), que o artigo 4º, n. 1, alínea a), da Diretiva 95/46 deve ser interpretado no sentido de que é efetuado um tratamento de dados pessoais no contexto das atividades de um estabelecimento do responsável por esse tratamento no território de um Estado-Membro, na aceção desta disposição, quando o operador de um motor de busca cria num Estado-Membro uma sucursal ou uma filial destinada a assegurar a promoção e a venda dos espaços publicitários propostos por esse motor de busca, cuja atividade é dirigida aos habitantes desse Estado-Membro.

[…]

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

[…]

2) O artigo 4º, nº 1, alínea a), da Diretiva 95/46 deve ser interpretado no sentido de que é efetuado um tratamento de dados pessoais no contexto das atividades de um estabelecimento do responsável por esse tratamento no território de um Estado-Membro, na aceção desta disposição, quando o operador de um motor de busca cria num Estado Membro uma sucursal ou uma filial destinada a assegurar a promoção e a venda dos espaços publicitários propostos por esse motor de busca, cuja atividade é dirigida aos habitantes desse Estado Membro. (UNIÃO EUROPEIA, 2014UNIÃO EUROPEIA. Tribunal de Justiça da União Europeia. Processo C-131/12. Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) ECLI:EU:C:2014:317. Partes: Google Spain SL e Google Inc. contra Agencia Española de Protección de Datos (AEPD) e Mario Costeja González. Pedido de decisão prejudicial: Audiência Nacional—Espanha. Relator: M. Ileši. Grande Secção. 13 mai. 2014. Jornal Oficial, Luxemburgo, 7 jul. 2014, p. 4. Disponível em: <http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=9ea7d2dc30d585485bc5ed1a4a0698fdcbaf380e2b01.e34KaxiLc3qMb40Rch0SaxuNb3z0?text=&docid=152065&pageIndex=0&doclang=PT&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=262988>. Acesso em: 30 jun. 2016.
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)

Assim, o Judiciário comunitário europeu considerou inviolável a liberdade de expressão do organismo de imprensa. Além disso, a interpretação dada ao caso, em virtude do objetivo de expandir a proteção aos direitos fundamentais de cidadãos europeus, foi a de vincular buscadores não situados e não operados na Europa, fazendo-o com base na exploração de atividade comercial associada (publicidade) em território europeu. Em outros termos, o TJUE decidiu pela vinculação de instituições que não estão fisicamente em território de qualquer dos Estados-membros da UE, e, ademais, alcançou buscas realizadas por cidadãos de todo o mundo, desde que atendidas as condições de supressão especificadas no acórdão, produzindo uma decisão com eficácia global.

Apenas para que se entenda o impacto de tal decisão, recentemente, na linha desse precedente, a autoridade de proteção de dados pessoais da França (CNIL – Comission Nationale de l'Informatique et des Libertés), pela Decisão n. 2016-054, de 10/3/2016, aplicou uma multa de 100.000 euros ao Google por não ter atendido a uma determinação para excluir de todos os seus resultados de pesquisa – independentemente de restrições geográficas – as buscas que apontavam para cidadãos que haviam invocado um “direito a não serem listados (”right to be delisted”). Na notícia publicada no site do CNIL (FRANÇA, 2016FRANÇA. Comissão Nacional de Informática e das Liberdades. Right to be delisted: the CNIL Restricted Committee imposes a €100,000 fine on Google. França, 24 mar. 2016. Disponível em: <https://www.cnil.fr/en/right-be-delisted-cnil-restricted-committee-imposes-eu100000-fine-google>. Acesso em: 3 jul. 2016.
https://www.cnil.fr/en/right-be-delisted...
), podem-se encontrar três afirmações, quais sejam: (a) as distintas extensões com que opera o Google (”.fr”, “.es”, “.com”, etc.) fazem parte de uma única operação; (b) por isso, cidadãos franceses teriam o direito de pleitear o “esquecimento” (saída da lista de resultados a partir de consultas por nome e sobrenome) com eficácia ampla, para todos os sites e extensões usados; e (c) tal não corresponderia a qualquer violação à liberdade de expressão, eis que nenhum dado seria apagado, e não seria limitada a pesquisa pretendida se empregados meios diversos da simples combinação entre nome e sobrenome.

3 O Diálogo Entre Ordens Jurídicas

Como já antecipado, problemas de direitos humanos e fundamentais são, cada vez mais, compartilhados por distintas ordens jurídicas. Assim é que, mesmo ordenamentos altamente infensos ao compartilhamento de respostas a conflitos normativos – como é o caso dos EUA –, têm passado por um gradativo processo de abertura à influência do Direito de outros países ou de produções supranacionais e internacionais. Nesse sentido, no caso Roper v. Simmons (543 U.S. 551), julgado pela Suprema Corte dos EUA, o Syllabus indicou uma abertura para a relevância argumentativa dos precedentes internacionais quanto à imposição da pena de morte a adolescentes com menos de 18 anos. Veja-se:

(c) A maciça ênfase das opiniões internacionais contra a pena de morte a adolescentes não é vinculante aqui, mas apresenta uma confirmação respeitável e significativa para a conclusão da Corte de que essa pena é uma punição desproporcional para criminosos com menos de 18 anos. Ver, e.g., Thompson, supra, em 830-831, e n. 31. Os Estados Unidos são o único país no mundo que continua a dar aprovação oficial à pena de morte para adolescentes. Não diminui a fidelidade à Constituição ou o orgulho em relação a suas origens reconhecer que a expressa afirmação de certos direitos fundamentais por outras nações e povos sublinha a centralidade dos mesmos direitos na nossa própria herança de liberdade. (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2005ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Suprema Corte dos Estados Unidos da América. Autor: Donald P. Roper, Superintendent of Potosi Correctional Center. Réu: Christopher Simmons. Certiorari n. 03-633. Washington, DC, EUA, 1º mar. 2005. 543 U.S. 551 (2005). Disponível em: <http://www.law.cornell.edu/supct/html/03-633.ZS.html>. Acesso em: 28 jun. 2016.
http://www.law.cornell.edu/supct/html/03...
, p. 21-25, tradução livre).

Igualmente, a Corte constitucional sul-africana, no caso National Coalition For Gay And Lesbian Equality v. The Minister Of Justice, valeu-se de normas internacionais (com expressa referência à Convenção Internacional de Direitos Políticos e Civis) para afirmar a inconstitucionalidade do Sexual Offences Act, Seção 20A, que criminalizava a sodomia (ÁFRICA DO SUL, 1998ÁFRICA DO SUL. Corte Constitucional da África do Sul. Caso CCT 11/98. Autores: National Coalition For Gay And Lesbian Equality e The South African Human Rights Commission. Réus: The Minister Of Justice, The Minister of Safety and Security e The Attorney-General of Witwatersrand. Braamfontein, África do Sul, 9 out. 1998. Disponível em: <http://www.constitutionalcourt.org.za/uhtbin/cgisirsi/RFSSALhd2I/MAIN/240150014/9>. Acesso em: 30 jun. 2016.
http://www.constitutionalcourt.org.za/uh...
).

Alguns esclarecimentos fazem-se necessários, todavia. Obviamente, isso não ocorre sem sobressaltos, e é igualmente sujeito a “avanços” e “retrocessos” (o que se diz sem o intuito de emprestar valor positivo ao uso ou ao desuso do Direito externo). O caso norte-americano, novamente, é um exemplo bastante elucidativo. Zaring (2006)ZARING, David. The use of Foreign Decisions by Federal Courts: an empirical analysis. Journal of Empirical Legal Studies, v. 3, n. 2, p. 297-331, jul. 2006. trabalha, empiricamente, com o histórico de precedentes estrangeiros citados pelos juízes federais nos EUA nos 60 anos que antecederam à publicação de sua pesquisa; no contexto do debate entre juízes da Suprema Corte favoráveis (Stephen Breyer) e contrários (Antonin Scalia) ao uso de Direito estrangeiro, destaca que o mais comum é o recurso a essa jurisprudência para auxiliar a interpretação da legislação internacional (tratados, costumes etc.), mas também, ainda que em menor escala, para a coordenação de litígios de alcance global (coordination of litigation), ou, simplesmente, para realização de referências ao longo da argumentação (ZARING, 2006ZARING, David. The use of Foreign Decisions by Federal Courts: an empirical analysis. Journal of Empirical Legal Studies, v. 3, n. 2, p. 297-331, jul. 2006., p. 300-301; 307). É o próprio autor quem pontua, no entanto, a baixa utilização desses precedentes e a enorme controvérsia decorrente do uso de julgamentos externos aos EUA, o que conduziu, inclusive, à elaboração de propostas de atos legislativos que tornariam ilícita tal prática (ZARING, 2006ZARING, David. The use of Foreign Decisions by Federal Courts: an empirical analysis. Journal of Empirical Legal Studies, v. 3, n. 2, p. 297-331, jul. 2006., p. 298-299).

Além desse ponto, é de se notar que um exame da coerência dos argumentos das decisões que efetivamente baseiam-se em Direito externo, seus contextos decisórios, e a própria diferenciação entre ratio decidendi e obiter dictum, em cada caso, poderia pôr em xeque a consistência de alguns dos recursos a precedentes internacionais e, especialmente, a própria relevância das ordens trans e supranacionais para a resolução dos problemas constitucionais destacados. Sabe-se que se trata de uma avaliação fundamental, mas este trabalho, dados os seus limites, não vai se dedicar a tal exame, preferindo pôr foco justamente no fato de que se torna irreversível a tendência de aproximação das ordens nacionais, transnacionais, supranacionais e internacionais para o trato de questões comuns, mormente de direitos humanos e fundamentais.

A aproximação dos problemas e das ordens é verdadeira, também, em relação ao direito ao esquecimento aqui debatido. As conclusões do Judiciário espanhol e do TJUE (inviolabilidade da liberdade de expressão dos organismos de imprensa e expansão da eficácia territorial da decisão do Judiciário comunitário) foram invertidas, por exemplo, no Brasil, no trato de problemas absolutamente similares. O STJ – antes da edição do Marco Civil da Internet, é bom pontuar – proferiu decisões diametralmente opostas, cuja relação com o tema é digna de nota.

Vejamos. O primeiro julgado a se considerar é o REsp 1.316.921/RJ, que tratou de recurso especial sobre a obrigação do Google quanto à limitação de acesso a determinadas páginas pela restrição de funcionamento de seus mecanismos de pesquisa. No caso, a autora, pessoa de renome nacional, pretendia que buscas por determinadas expressões junto com seu nome tivessem resultados omitidos, eis que certas páginas identificadas eram ofensivas à sua honra.

Ao examinar o caso, o STJ deu provimento ao recurso do Google para negar proteção ao direito invocado pela autora. Os itens 5 a 8 do Acórdão são de interesse, e são transcritos abaixo:

5. Os provedores de pesquisa realizam suas buscas dentro de um universo virtual, cujo acesso é público e irrestrito, ou seja, seu papel se restringe à identificação de páginas na web onde determinado dado ou informação, ainda que ilícito, estão sendo livremente veiculados. Dessa forma, ainda que seus mecanismos de busca facilitem o acesso e a consequente divulgação de páginas cujo conteúdo seja potencialmente ilegal, fato é que essas páginas são públicas e compõem a rede mundial de computadores e, por isso, aparecem no resultado dos sites de pesquisa.

6. Os provedores de pesquisa não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação do URL da página onde este estiver inserido.

7. Não se pode, sob o pretexto de dificultar a propagação de conteúdo ilícito ou ofensivo na web, reprimir o direito da coletividade à informação. Sopesados os direitos envolvidos e o risco potencial de violação de cada um deles, o fiel da balança deve pender para a garantia da liberdade de informação assegurada pelo art. 220, § 1°, da CF/88, sobretudo considerando que a Internet representa, hoje, importante veículo de comunicação social de massa.

8. Preenchidos os requisitos indispensáveis à exclusão, da web, de uma determinada página virtual, sob a alegação de veicular conteúdo ilícito ou ofensivo - notadamente a identificação do URL dessa página - a vítima carecerá de interesse de agir contra o provedor de pesquisa, por absoluta falta de utilidade da jurisdição. Se a vítima identificou, via URL, o autor do ato ilícito, não tem motivo para demandar contra aquele que apenas facilita o acesso a esse ato que, até então, se encontra publicamente disponível na rede para divulgação. (BRASIL, 2010BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.316.921. Recorrente: Google Brasil Internet Ltda. Recorrido: Maria da Graça Xuxa Meneghel. Relatora: Min. Nancy Andrighi. Terceira Turma. Brasília, DF, 26 jun. 2010. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 29 jun. 2012.)

Pode-se perceber que o STJ foi enfático ao afirmar que não poderia emitir decisão na mesma linha daquela proferida pelo TJUE, quanto aos mecanismos de pesquisa. Para o Tribunal brasileiro, o fato de os buscadores de pesquisa não serem responsáveis pelo conteúdo das páginas que compõem seus resultados agrega-se à necessidade de proteção prima facie do direito à livre circulação de informações, componente do direito à informação de que seria titular a coletividade.15 15 Deve-se destacar que o Ministro Massami Uyeda, na p. 22 do Acórdão, faz constar sua preocupação com a proteção à honra e à intimidade, dizendo o seguinte: “Mas, efetivamente, é preciso que haja, também, um mecanismo de defesa, porque, embora o direito à informação seja essencial para esse mundo em que vivemos, a realidade é que a honra e intimidade devem ser preservadas” (BRASIL, 2010). A decisão, ao fim e ao cabo, é alvo de críticas de Conci e Gerber (2015, p. 274-275), que enfatizam que o julgado afetaria sobremaneira o direito ao esquecimento, apontando para a necessidade de se utilizar do material fático que embasou a decisão do TJUE – e mesmo um olhar “global” – como parte do processo de amadurecimento do Brasil ao lidar com os mecanismos de busca na Internet, especialmente no que se refere a seu potencial lesivo à intimidade e à vida privada.

A síntese pode ser encontrada na p. 20 do Acórdão, neste trecho do voto da Relatora:

Em suma, pois, tem-se que os provedores de pesquisa: (i) não respondem pelo conteúdo do resultado das buscas realizadas por seus usuários; (ii) não podem ser obrigados a exercer um controle prévio do conteúdo dos resultados das buscas feitas por cada usuário; e (iii) não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação do URL da página onde este estiver inserido. (BRASIL, 2010BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.316.921. Recorrente: Google Brasil Internet Ltda. Recorrido: Maria da Graça Xuxa Meneghel. Relatora: Min. Nancy Andrighi. Terceira Turma. Brasília, DF, 26 jun. 2010. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 29 jun. 2012.)

As discrepâncias entre decisões prosseguem. No REsp 1.334.097-RJ, ao analisar a reprodução jornalística de informações verídicas associadas ao crime conhecido como “chacina da Candelária”, considerou o STJ (a) ser impossível fazer qualquer determinação em relação à supressão de informações na Internet, tendo em vista o complexo arranjo jurídico-institucional limitado pela soberania dos Estados, e (b) condenar a empresa jornalística a indenizar o interessado pela veiculação de informações sobre as quais não havia mais qualquer interesse público contemporâneo (sua condição de indiciado no inquérito policial da chacina), dado o potencial lesivo a seus direitos fundamentais. O item 3 da ementa do Acórdão tem a seguinte redação:

3. No caso, o julgamento restringe-se a analisar a adequação do direito ao esquecimento ao ordenamento jurídico brasileiro, especificamente para o caso de publicações na mídia televisiva, porquanto o mesmo debate ganha contornos bem diferenciados quando transposto para internet, que desafia soluções de índole técnica, com atenção, por exemplo, para a possibilidade de compartilhamento de informações e circulação internacional do conteúdo, o que pode tangenciar temas sensíveis, como a soberania dos Estados-nações. (BRASIL, 2013bBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.334.097. Recorrente: Globo Comunicações e Participações S/A. Recorrido: Jurandir Gomes de França. Relator: Min. Luís Felipe Salomão. Quarta Turma. Brasília, DF, 28 maio 2013b. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 10 set. 2013.)

O Min. Luís Felipe Salomão, relator, não deixou de perceber a natureza multiforme desse tipo de conflito. Ele destacou, nas páginas 23-24 do Acórdão, que “em razão da relevância supranacional do tema, os limites e possibilidades do tratamento e da preservação de dados pessoais estão na pauta dos mais atuais debates internacionais acerca da necessidade de regulação do tráfego informacional” que possa dar conta de equacionar o “conflituoso encontro entre o direito de publicação – que pode ser potencialmente mais gravoso na internet – e o alcance da proteção internacional dos direitos humanos” (BRASIL, 2013bBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.334.097. Recorrente: Globo Comunicações e Participações S/A. Recorrido: Jurandir Gomes de França. Relator: Min. Luís Felipe Salomão. Quarta Turma. Brasília, DF, 28 maio 2013b. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 10 set. 2013.).

O STJ mitigou a liberdade de expressão jornalística (ainda que baseada em fatos verdadeiros) e optou por não proferir uma decisão que pudesse vir a vincular agentes situados fora do Brasil. É impossível saber, quanto ao segundo ponto, por qual razão isso se passou. O fato inconteste é que a decisão foi taxativa ao excluir uma eficácia espacial expansiva.16 16 Aguarda-se, ainda, o posicionamento que adotará o Supremo Tribunal Federal em relação ao perfil constitucional desse direito ao esquecimento no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, o que poderá ser feito quando vier a examinar o Recurso Extraordinário com Agravo n. 833.248-RJ, cuja repercussão geral já foi reconhecida em julgamento do Plenário Virtual, proferido em 11/12/2014 (BRASIL, 2014b).

Mas conflitos não ocorrem apenas entre jurisdições ou entre Tribunais; são, também, internos. Noutro julgado – REsp 1.335.153-RJ –, o mesmo STJ, em acórdão também relatado pelo Min. Luis Felipe Salomão, isentou de condenação veículo de informação que, no mesmo programa que gerou a condenação anteriormente referida, reproduziu um crime que havia ocorrido cerca de 50 anos antes. Nesse terceiro caso, em decisão por maioria, o STJ decidiu que o tempo entre o crime e sua veiculação, assim como a natureza indissociável entre a vítima e o evento, afastariam a responsabilidade civil do veículo de imprensa (BRASIL, 2013cBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.335.153. Recorrente: Nelson Curi e outros. Recorrido: Globo Comunicação e Participações S/A. Relator: Min. Luís Felipe Salomão. Quarta Turma. Brasília, DF, 28 maio 2013c. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 10 set. 2013.).

As decisões do STJ, no entanto, em todos os casos, seguem um padrão, qual seja: limitar a eficácia das decisões ao território nacional. Mas, ao que parece, a restrição à extraterritorialidade foi parcialmente abandonada pelo Marco Civil da Internet. A nova legislação aproximou-se de algumas premissas que nortearam o julgado do TJUE, afirmando, por exemplo, a aplicabilidade da legislação brasileira a atividades virtuais realizadas no território nacional, mesmo que executadas por agentes sediados no exterior (art. 11, caput e §§ 1º e 2º).

O que o Marco Civil não chega a indicar (ao menos não de forma inequívoca) é se será adotado um novo padrão de decisões com efeitos internacionais, como feito pelo TJUE, o qual, para fazer incidir o Direito comunitário, acabou por produzir um julgado com efeitos expansivos não circunscritos ao território em que, em tese, situar-se-ia sua base de legitimação jurídica. Mesmo os exemplos de decisões judiciais baseadas no Marco Civil que impuseram limitações de operação a aplicativos de celular (como os bloqueios recentes ao aplicativo Whatsapp em todo o Brasil), tomadas pelo uso dos instrumentos do art. 12 da lei, restringiram a produção de seus efeitos ao Brasil. Haverá que se aguardar a evolução jurisprudencial para entender até que ponto a nova lei significará ou não uma guinada nas decisões do Judiciário brasileiro em termos de eficácia.

Destaca-se, porém, que, em nosso sentir, há problemas no caminho seguido pela Corte europeia (e, potencialmente, a depender da prática ulterior, pelo art. 11, § 2º, do Marco Civil brasileiro), notoriamente em relação aos efeitos territoriais de sua decisão. A emergência cada vez mais frequente de problemas comuns demanda uma teoria e uma metodologia adequadas (NEVES, 2009NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. 237-238), capazes de harmonizar ordenamentos jurídicos advindos de contextos muitas vezes conflitantes numa sociedade mundial progressivamente hiperintegrada.

Neves (2009NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. 113-234) destaca formas de relacionamento entre as ordens jurídicas na contemporaneidade, ressaltando a possibilidade de que questões jurídicas complexas preocupem, simultaneamente, diversas ordens. Veja-se a introdução do seu trabalho (NEVES, 2009NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. XXI):

O fato é que, mais recentemente, com a maior integração da sociedade mundial, esses problemas tornaram-se insuscetíveis de serem tratados por uma única ordem jurídica estatal no âmbito do respectivo território. Cada vez mais, problemas de direitos humanos ou fundamentais e de controle e limitação do poder tornam-se concomitantemente relevantes para mais de uma ordem jurídica, muitas vezes não estatais, que são chamadas ou instadas a oferecer respostas para a sua solução. Isso implica uma relação transversal permanente entre ordens jurídicas em torno de problemas constitucionais comuns. O direito constitucional, nesse sentido, embora tenha a sua base originária no Estado, dele se emancipa, não precisamente porque surgiu uma multidão de novas Constituições, mas sim tendo em vista que outras ordens jurídicas estão envolvidas diretamente na solução dos problemas constitucionais básicos, prevalecendo, em muitos casos, contra a orientação das respectivas ordens estatais. Além do mais, surgem permanentemente relações diretas entre Estados para tratar de problemas constitucionais comuns. A exceção, nos dois casos, passou a ser a regra.

Para o autor, é fundamental que se pense numa ferramenta para compatibilizar e harmonizar a operação desses “Direitos” sobrepostos, o que o leva a teorizar a respeito dos limites e das possibilidades do transconstitucionalismo, necessariamente dotado de abertura cognitiva e de perspectiva inclusiva em relação à alteridade (NEVES, 2009NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. 166; 279-298). Destaca, também, a assimetria das formas jurídicas, com diferentes imposições “soberanas” em Estados fortes e fracos, e múltiplas relações entre ordens transnacionais (NEVES, 2009NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. 279-286), para indicar como ainda é incipiente a afirmação do transconstitucionalismo, instrumento considerado pelo autor uma exigência funcional para uma integração sistêmica, como forma de promover a comunicação entre os fragmentos da ordem mundial e lidar com o fenômeno da exclusão (NEVES, 2009NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. 279-286; 289-292). É o próprio autor quem aponta que, a despeito das dificuldades e dos problemas de integração de ordens muito diversas, é muito mais promissora a perspectiva da inclusão “no desenvolvimento do transconstitucionalismo no sistema jurídico de níveis múltiplos entrelaçados, do que em ordens isoladas, sobretudo quando essas têm pretensão de constituir comunidades” (NEVES, 2009NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. 293).

Por isso, emerge como um tema de relevância cada vez maior dar peso a formas de comunicação e remissão entre ordens jurídicas distintas. Varella (2013VARELLA, Marcelo Dias. Internacionalização do direito: direito internacional, globalização e complexidade. Brasília: UniCEUB, 2013., p. 164-224) escreve sobre os mecanismos empregados para a harmonização da operação jurídica de múltiplos níveis da sociedade contemporânea, em que destaca as comunicações entre juízes (chamada de transjudicialismo), a integração entre atores legislativos e políticos de diversas instâncias, a construção de uma gramática jurídica comum, e o processo do que chama de confluência constitucional, que seria a “adoção de soluções jurídicas comuns pelos textos constitucionais, a partir da ascensão de valores globais” (VARELLA, 2013VARELLA, Marcelo Dias. Internacionalização do direito: direito internacional, globalização e complexidade. Brasília: UniCEUB, 2013., p. 174).

Independentemente dos mecanismos (se transconstitucionais ou de internacionalização do direito constitucional), o que se pretende enfatizar é que o trato de problemas jurídico-constitucionais que envolvam direitos humanos e fundamentais já não pode mais ser feito apenas nos apertados limites nacionais e estatais pensados na modernidade. Entretanto, essa abertura suscita outra controvérsia, tão relevante quanto ainda de difícil equacionamento, que se refere às limitações democráticas desse direito trans/supra/internacional. É o que se passa a examinar.

4 A Democracia Na Legitimação Do Direito Supranacional

É hora de voltar à segunda questão fundamental deste trabalho: a legitimidade democrática de decisões tomadas por instituições jurídicas no contexto da progressiva perda de centralidade do Estado e do território. Quanto ao caso estudado, trata-se de abordar a vinculação à decisão do TJUE (ou à lei brasileira, a depender da evolução jurisprudencial) de indivíduos e entes estrangeiros.

Ora, é certo que esses agentes não exerceram quaisquer prerrogativas democráticas (que não se limitam ao exercício de uma vontade constitutiva inaugural, ou ao voto nas eleições parlamentares) na construção do Direito comunitário europeu atinente à proteção de dados individuais, pelo que a legitimação democrática do TJUE quanto a eles parece ser, no mínimo, questionável. Mas por quais razões? E qual a relevância disso para o Direito contemporâneo?

Os Estados nacionais modernos, a partir do arranjo constitucional do século XVIII, trabalhavam com a ideia de legitimação democrática do Direito. Como já dito, a Constituição e seu caráter democrático substituem o território como critério da soberania. Grimm (2010GRIMM, Dieter. The Achievement of Constitutionalism and its Prospects in a Changed World. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 3–22., p. 10) chega a dizer que a conjugação do elemento democrático na construção jurídica com o estabelecimento do Estado de Direito (rule of law) são conquistas fundamentais do constitucionalismo moderno (achievements of constitutionalism).17 17 “Os dois elementos do constitucionalismo, o elemento democrático e o elemento do ‘Estado de Direito’, não podem ser separados um do outro sem que sejam diminuídas as conquistas do constitucionalismo. (...) Por essa razão, seria errado reconhecer dois tipos de constituição como representantes iguais das conquistas do constitucionalismo: a do tipo democrático e a do tipo do ‘Estado de Direito’. Em termos de conquistas, apenas uma constituição que conjugue os dois elementos é capaz de preencher plenamente as expectativas do constitucionalismo” (GRIMM, 2009, p. 10, tradução nossa).

Constatar essa ligação entre constitucionalismo e democracia não significa, todavia, afirmar que a Constituição seria plenamente capaz de ordenar a política e a sociedade. Nesse sentido, para Holmes (2012HOLMES, Stephen. Constitutions and constitutionalism. In: ROSENFELD, Michel; SAJÓ, András (Orgs.). Comparative constitutional law. Oxford: Oxford University Press, 2012. p. 189–216., p. 187), a despeito de serem claramente diferenciados projetos constitucionais democráticos e autocráticos (que variam justamente de acordo com a maior ou menor concentração dos poderes nas mãos de determinados atores da comunidade considerada), a distribuição de poder político não é tarefa que a Constituição consiga realizar inteiramente, visto que depende de outros elementos (demográficos, tecnológicos, culturais, econômicos etc.).

Retornando à legitimação democrática, Kumm (2010KUMM, Mattias. The Best of Times and The Worst of Times: Between Constitutional Triumphalism and Nostalgia. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 201–219., p. 213-214) defende que o fundamento de autoridade de um ordenamento constitucional deriva de alguns fatores, dentre os quais se destaca a visão de que “todo Direito positivo deve ser concebido por aqueles a quem se dirige como o resultado de uma escolha coletiva deliberativa de indivíduos livres e iguais” (KUMM, 2010KUMM, Mattias. The Best of Times and The Worst of Times: Between Constitutional Triumphalism and Nostalgia. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 201–219., p. 213, tradução nossa). Na mesma linha, Dobner (2010DOBNER, Petra. More Law, Less Democracy? Democracy and Transnational Constitutionalism. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism:? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 141–161., p. 143, tradução nossa) diz que “uma constituição democrática, então, em contraste com outras formas de regulação, é um conjunto de normas com o qual a comunidade concordou, o qual é em princípio aplicável a todos os assuntos importantes dessa comunidade, e que é igualmente válido e mandatório para todos os membros dessa comunidade”.

A mudança do perfil das Constituições e do lugar ocupado pelo Estado na produção e na operação do Direito tem alterado essa relação direta entre a legitimação da ordem jurídica e o princípio democrático do autogoverno. A explicação desse fenômeno pode estar representada por uma gradativa transformação da fonte dessa legitimidade, que não seria mais (apenas) o processo de decisão fundante do ordenamento, senão que, primordialmente, o conteúdo das normas jurídicas. Loughlin (2010LOUGHLIN, Martin. What is Constitutionalisation? In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin. (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 47–72., p. 56-58) trabalha com dois distintos tipos de constitucionalismo – chamados constitucionalismo republicano (político) e constitucionalismo liberal (legal) – para diferenciar uma forma de articular a ordem constitucional, cujo eixo central seria a política (constitucionalismo republicano), de outra em que relevância maior seria concedida a seu elemento jurídico-normativo (constitucionalismo liberal). De acordo com o autor, a constitucionalização contemporânea seria majoritariamente liberal-legal, que funda a legitimidade da ordem jurídica no conteúdo das normas positivadas; nesse sentido, Constituições seriam legítimas mediante a adoção de conteúdos morais universais, que se imporiam independentemente do contexto, eis que considerados como “verdades racionais” (LOUGHLIN, 2010LOUGHLIN, Martin. What is Constitutionalisation? In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin. (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 47–72., p. 68).18 18 Trata-se, como visto, do que Varella (2013, p. 174) chama de confluência constitucional. Kumm (2010KUMM, Mattias. The Best of Times and The Worst of Times: Between Constitutional Triumphalism and Nostalgia. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 201–219., p. 206-210; 214) segue a mesma linha de raciocínio e questiona a ênfase, a seu ver dada pelos teóricos do “estatismo democrático”, apenas sobre o aspecto voluntarista (a “vontade do povo”) para a legitimação da ordem constitucional;19 19 Nesse particular, a crítica do autor refere-se ao excessivo peso dado ao “voluntarismo” por parte dos defensores do constitucionalismo estatista. O autor tece ácidas considerações quanto ao aspecto excessivamente voluntarista, positivista e nacionalista desse constitucionalismo, cuja defesa, nas palavras de Kumm (2010, p. 201-203), estaria sintetizada na expressão “nostalgia” constitucional, atrelada ao que concebe como “estatismo democrático”. o autor entende que, junto com o processo deliberativo, o conteúdo das normas é fundamental para a autoridade constitucional.20 20 “A autoridade constitucional é em parte diretamente derivada dos princípios constitucionais aos quais ela alega instituir e dar feição completa. (.) As pressuposições normativas do constitucionalismo são traduzidas diretamente em um rol de princípios jurídicos básicos formais, jurisdicionais, procedimentais e substantivos, que são concebidos como bases das práticas jurídicas e políticas e à luz dos quais essas práticas podem ser reconstruídas e acessadas” (KUMM, 2010, p. 214-215, tradução nossa). Por essa razão, o autor defende a natureza constitucional dos tratados da União Europeia.

Nesse quadro, em que os Direitos passam a ser construídos (e legitimados), mais com base na racionalidade de suas premissas, e menos com atenção ao caráter deliberativo de escolha, Grimm (2010)GRIMM, Dieter. The Achievement of Constitutionalism and its Prospects in a Changed World. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 3–22. e Dobner (2010)DOBNER, Petra. More Law, Less Democracy? Democracy and Transnational Constitutionalism. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism:? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 141–161. mostram-se pessimistas e céticos.21 21 Também Wahl (2010, p. 241), que chega a dizer que tal ampara-se no esvaziamento político da Constituição. Consideram, contrariamente a Teubner (2003TEUBNER, Gunther. A Bukovina global: sobre a emergência de um pluralismo jurídico transnacional. Impulso, Piracicaba, v. 14, n. 33, 2003, p. 9-31. Disponível em: <http://www.unimep.br/phpg/editora/revistaspdf/imp33art01.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2016.
http://www.unimep.br/phpg/editora/revist...
, p. 11) e Prandini (2010PRANDINI, Riccardo. The Morphogenesis of Constitutionalism. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 309–326., p. 323), que o arcabouço político-institucional internacional e supranacional não dá ensejo às mesmas potencialidades democráticas que o Estado.

É justamente por conta das incertezas do projeto democrático num ambiente de relativização do Estado que Grimm (2010GRIMM, Dieter. The Achievement of Constitutionalism and its Prospects in a Changed World. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 3–22., p. 21-22) afirma que não haveria que se pretender replicar o modelo constitucional estatal no ambiente mundial, e que seria uma tarefa fundamental preservar o máximo possível das conquistas do constitucionalismo. Tal empreitada poderia ser conduzida por dois caminhos básicos: na luta para democratizar o poder na esfera internacional, ou na limitação da erosão do Estado no plano nacional. Dado seu ceticismo quanto à compatibilidade da democracia com o ambiente trans, supra e internacional, o autor posiciona-se claramente pela preservação, na medida do possível, das garantias estatais do potencial democrático e do controle do exercício do poder político (GRIMM, 2010GRIMM, Dieter. The Achievement of Constitutionalism and its Prospects in a Changed World. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 3–22., p. 21).

Dobner (2010DOBNER, Petra. More Law, Less Democracy? Democracy and Transnational Constitutionalism. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism:? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 141–161., p. 160-161) é ainda mais incisiva. Pondo especial peso no princípio de autodeterminação como um componente indissociável da ideia de igualdade, a autora vê o processo de constitucionalização global como um motor que tem conduzido a uma cada vez mais reduzida possibilidade de autogoverno, propondo, em síntese, que seria necessário voltar a se pensar sobre a legitimação do Direito. Nas palavras da autora (DOBNER, 2010DOBNER, Petra. More Law, Less Democracy? Democracy and Transnational Constitutionalism. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism:? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 141–161., p. 161, tradução nossa):

Essa negligência com a democracia não surge como uma força natural; ela é consequência de uma mudança de atenção e valorização da legitimidade para a eficiência, do constitucionalismo político para o constitucionalismo legal, da democracia para a tecnocracia jurídica. Então, a que ponto chegamos? De volta ao princípio do pensamento sobre a produção legítima do direito global.

É nesse contexto que se entende deva ser analisada a decisão do TJUE. A legitimidade do julgado foi amparada na natureza fundamental do direito protegido (que, como visto, na ordem brasileira, conduziu a julgamentos inversos, ainda que os contornos jurídicos do “direito ao esquecimento” não sejam iguais e que os impactos do Marco Civil da Internet ainda estejam por ser plenamente apreendidos). Mas não se identifica qualquer preocupação, nas razões expostas no julgamento comunitário europeu, quanto aos impactos expansivos da decisão, que afetará cidadãos em todas as partes do mundo. Ao contrário, foi textualmente advogada a inclusão de agentes não europeus sob o manto de incidência da decisão e, assim, do Direito comunitário europeu.

Não é difícil imaginar que as condições traçadas pelo acórdão do TJUE para a supressão de resultados de pesquisas na Internet (que, ademais, já “pondera”, em abstrato, qual direito teria a prevalência prima facie, método do qual se discorda radicalmente22 22 Para uma crítica do método da “ponderação”, defendendo a necessidade de identificação da norma adequada para cada caso, ver, entre outros, Acunha (2014), Benvindo (2010) e 7 jul. 2014, p. 4 Günther (1993). ) sejam atingidas por diversos agentes, que dirigirão pretensões similares àquela analisada no tópico 2 deste trabalho. E isso, certamente, impactará pesquisas e buscas de dados pessoais pela Internet em todo o planeta. Tendo em vista as exigências democrático-políticas para o Direito, cabe questionar: não seria interessante, antes de afirmar que as Diretivas da UE aplicam-se a empresas sediadas fora do território comunitário, que o TJUE discutisse sua legitimação para uma ordem tão expansiva? Como compatibilizar a autoridade dessa decisão com sua imposição a indivíduos não europeus, que não votaram nas eleições dos Parlamentos europeus, que não são jurisdicionados do TJUE, mas que terão seu direito de acesso à informação restringido pela determinação examinada?

Não se pode desconsiderar o peso da democracia na construção do Direito contemporâneo, como afirmado por Brunkhorst (2010BRUNKHORST, Hauke. Constitutionalism and Democracy in the World Society. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 179–198., p. 197-198, tradução nossa):

1. Se todos os níveis do continuum de concretização das normas jurídicas são politicamente criados, então o princípio da democracia apenas é preenchido se aqueles afetados pelas normas são incluídos de forma justa e igualitária em todos os níveis de sua produção (local, nacional, regional, e global) e em todas as instituições (níveis político, econômico, social e cultural; assim, todo o esquema-AGIL parsoniano é aberto para a democratização, na medida em que ela não destrua nem a autonomia pública nem a privada).

[…] 3. Enquanto o conceito de legitimidade superior do sujeito governante (o rei ou o Estado como Staatswillenssubjekt) é tão fundamental para o constitucionalismo de limitação do poder quanto era para os regimes medievais de “dois corpos do rei”, o constitucionalismo democrático e fundante do poder substitui completamente essa legitimidade por um processo juridicamente organizado de legitimação igualitária e inclusiva. Os procedimentos de legitimação tornam-se nada além dos produtos da legislação democrática; a legitimação é, assim, circular no sentido de um aberto e socialmente inclusivo círculo hermenêutico de legitimação sem legitimidade.

Conclusão

No transcurso do trabalho, foi possível ver que a territorialidade e a estatalidade, fundamentos centrais do exercício soberano do poder político e jurídico da modernidade, passam por um processo de progressivo enfraquecimento e relativização. Novas ordens jurídicas, não mais contidas pelos limites do território estatal, algumas de natureza essencialmente privada, dão o tom daquilo que constitui, atualmente, a esfera transnacional do Direito mundial.

Essa transnacionalização do Direito, e a subjacente hiperintegração da sociedade mundial, leva ao inevitável aparecimento de problemas jurídicos comuns, que precisam ser trabalhados em ordens ainda diferenciadas, em níveis diversos. Como exemplo desse processo de criação de novos loci jurídicos, está o contexto comunitário europeu, no qual o papel da jurisprudência do TJUE tem sido decisivo para afirmar o espaço privilegiado do processo de integração comunitária como lugar de equacionamento de conflitos de direitos fundamentais que não mais se limitam a um único país.

Assim é que a decisão proferida pelo TJUE, em relação ao direito ao esquecimento (processo C-131/12), reforça sua jurisprudência de afirmação, tendo a Corte entendido ser possível vincular agentes não europeus a suas decisões, e destaca que questões que são relevantes na Europa também aparecem no quadro jurídico de outros países, exatamente como se deu no Brasil.

No julgamento em questão, o Judiciário espanhol entendeu ser impossível limitar a liberdade de expressão de um organismo de imprensa, ao passo que o TJUE decidiu que está dentro da esfera de direitos do indivíduo, quando não demonstrado um especial interesse público que limitaria a proteção de sua privacidade, pleitear a supressão ou a restrição de acesso a informações desabonadoras, sendo tal direito oponível a mecanismos de busca extracomunitários, desde que demonstrado o desempenho de atividades econômicas correlatas no território da União Europeia.

O direito ao esquecimento foi amparado em disposição de direito fundamental de inegável valor jurídico e, até mesmo, moral. Certamente, a pretensão de respeitar a inviolabilidade da vida privada dos indivíduos é um dos mais comezinhos objetivos do Direito. Salta à vista, nessa linha, que o caso tenha merecido solução diversa em locais com disposições jurídicas igualmente voltadas à tutela dos direitos fundamentais, o que, se não é um problema, destaca ser imprescindível que se pense em mecanismos de harmonização de ordens jurídicas destinadas a tratar de conflitos semelhantes no âmbito de uma sociedade com influências recíprocas paulatinamente mais forte.

Mais controverso, contudo, é o fato de a decisão alcançar indivíduos que não se vinculam diretamente ao direito comunitário europeu, sem que, aparentemente, a legitimação democrática do TJUE em relação aos agentes extracomunitários tenha sido sequer considerada pelos julgadores. É para a pouca relevância do aspecto democrático como fundamento de decisões jurídicas, que gera uma potencial hiperexpansão perigosa de ordenamentos (algo que pode estar presente na aplicação do Marco Civil da Internet brasileiro), que este trabalho alerta.

Este texto não pretende dar uma resposta assertiva sobre a legitimação da decisão examinada. É controverso o fundamento de legitimidade do Direito, assim como é altamente contestada a possibilidade de uma ordem constitucional internacional ou mundial. Não se defende, aqui, a prevalência de um modelo estatal (moderno) como forma de Direito por excelência, ou que toda construção pós-nacional seja antidemocrática. Certamente, impõe-se, para a resolução de conflitos complexos de direitos fundamentais, que as distintas ordens jurídicas abram-se cognitivamente, de forma a que um processo de aprendizado estabeleça-se (NEVES, 2009NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. 297).

De outra sorte, todavia, na mesma medida em que não se pode pretender um constitucionalismo provinciano, que apenas reafirme a soberania dos Estados e tente retornar ao contexto da modernidade clássica, também não se pode deixar de entender que a manutenção da vigência de ordens nacionais, desde que baseadas em instituições democráticas (e não qualquer ordem nacional, frise-se), pode funcionar como freio para a hiperexpansão de Direitos trans e supranacionais com potenciais destrutivos e reconhecidos déficits democráticos.

Entre as visões teóricas exploradas, é inegável o mérito de Grimm (2010)GRIMM, Dieter. The Achievement of Constitutionalism and its Prospects in a Changed World. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 3–22. e Dobner (2010)DOBNER, Petra. More Law, Less Democracy? Democracy and Transnational Constitutionalism. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism:? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 141–161. quanto ao problema da democracia na esfera pós-estatal, de sorte que a produção de normas e decisões nesse contexto tem que ser posta em discussão. Não será a simples racionalidade de comandos jurídicos, descolada da existência de uma verdadeira deliberação política, que permitirá que um Direito mundial – se é que ele surgirá – afirme-se como legítimo. O componente democrático, como demonstrado por Brunkhorst (2010)BRUNKHORST, Hauke. Constitutionalism and Democracy in the World Society. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 179–198., ainda é imprescindível para essa tarefa, sendo imperioso que se tematizem formas de legitimar a produção jurídica em escala global.

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    Conci e Gerber (2015CONCI, Luiz Guilherme Arcaro; GERBER, Konstantin. Diálogo judicial, proteção de dados e soberania informativa. In: ARTESE, Gustavo (Org.). Marco Civil da Internet. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 259-276. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/303785518_Luiz_Guilherme_Arcaro_GERBER_K_Dialogo_judicial_protecao_de_dados_e_soberania_informativa_In_Gustavo_Artese_Org_Marco_Civil_da_Internet_1edsao_paulo_quartier_latin_2015_v_1_p_259-276>. Acesso em: 29 jun. 2016.
    https://www.researchgate.net/publication...
    , p. 262) assim definem esse direito: “O direito ao esquecimento define-se pelo direito de que ‘ninguém pode ser eternamente lembrado ou cobrado por atos praticados no passado'”. Os mesmos autores, desenvolvendo conceitos produzidos pela jurisprudência em tribunais brasileiros e internacionais, relacionam a existência do “direito ao esquecimento” à intimidade e à proteção dos dados pessoais (CONCI; GERBER, 2015CONCI, Luiz Guilherme Arcaro; GERBER, Konstantin. Diálogo judicial, proteção de dados e soberania informativa. In: ARTESE, Gustavo (Org.). Marco Civil da Internet. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 259-276. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/303785518_Luiz_Guilherme_Arcaro_GERBER_K_Dialogo_judicial_protecao_de_dados_e_soberania_informativa_In_Gustavo_Artese_Org_Marco_Civil_da_Internet_1edsao_paulo_quartier_latin_2015_v_1_p_259-276>. Acesso em: 29 jun. 2016.
    https://www.researchgate.net/publication...
    , p. 264-267).
  • 2
    “O princípio da territorialidade é mais decisivo para o Estado moderno. Ele se ampara na aceitação de fronteiras territoriais como uma forma de limite material ao exercício do poder. (.) Estados modernos ‘explicitamente reivindicam e baseiam-se em territórios geográficos particulares, o que é distinto da mera ocupação de espaço geográfico, que ocorreu em todas as formas de organização social” (DOBNER, 2010DOBNER, Petra. More Law, Less Democracy? Democracy and Transnational Constitutionalism. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism:? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 141–161., p. 144, tradução nossa).
  • 3
    Uma proposta de distinção das duas expressões – direitos humanos e direitos fundamentais – pode ser encontrada em Neves (2009NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. 253): “Dessa maneira, tanto os direitos humanos quanto os direitos fundamentais dizem respeito à inclusão da pessoa e à diferenciação da sociedade. Os conteúdos praticamente coincidem. A diferença reside no âmbito de suas pretensões de validade. Os direitos fundamentais valem dentro de uma ordem constitucional estatalmente delimitada. Os direitos humanos pretendem valer para o sistema jurídico mundial de níveis múltiplos, ou seja, para qualquer ordem jurídica existente na sociedade mundial (não apenas para a ordem jurídica internacional)”.
  • 4
    Esse direito consta do Enunciado n. 531, aprovado na VI Jornada de Direito Civil do CJF, que interpretou o art. 11 do Código Civil. A redação do enunciado é a seguinte: “Enunciado 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento” (BRASIL, 2013aBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.316.921. Conselho da Justiça Federal. VI Jornada de Direito Civil. Brasília, jun. 2013a. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/jornadas-cej/vijornadadireitocivil2013-web.pdf/view>. Acesso em: 31 out. 2016.
    http://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-d...
    ).
  • 5
    Não é distinta a preocupação de Conci e Gerber (2015CONCI, Luiz Guilherme Arcaro; GERBER, Konstantin. Diálogo judicial, proteção de dados e soberania informativa. In: ARTESE, Gustavo (Org.). Marco Civil da Internet. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 259-276. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/303785518_Luiz_Guilherme_Arcaro_GERBER_K_Dialogo_judicial_protecao_de_dados_e_soberania_informativa_In_Gustavo_Artese_Org_Marco_Civil_da_Internet_1edsao_paulo_quartier_latin_2015_v_1_p_259-276>. Acesso em: 29 jun. 2016.
    https://www.researchgate.net/publication...
    , p. 270), que anotam o seguinte: “Esse diálogo de ordem transnacional exige que cortes nacionais e internacionais se percebam como atores de um processo de integração em matéria de direitos humanos, trocando experiências, teorias e modos de interpretar dispositivos. Tudo isso passa pela necessidade de se enfrentar um paradigma que o constitucionalismo vem construindo já há algumas décadas que exige um relacionamento aberto entre ordens jurídicas internas (domésticas) e internacionais e entre os diversos tribunais nacionais de estados diferentes. Isso porque os problemas que afetam direitos humanos têm sido solucionado[s] por uma miríade de tribunais que ao menos devem conhecer e dialogar com outros para avançar na matéria de proteção dos direitos humanos”.
  • 6
    Brunkhorst (2010BRUNKHORST, Hauke. Constitutionalism and Democracy in the World Society. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 179–198., p. 182-184) destaca que a ascensão do Estado moderno corresponde a um processo de sucessivas soluções de crises: primeiramente, as guerras religiosas (o que permitiu a concretização de direitos de liberdade religiosa); em seguida, a crise da legitimidade do poder político (resolvida pelas revoluções do século XVIII mediante a produção de um direito que garantiria a liberdade do poder público e em relação ao poder público); por fim, os conflitos de classes sociais (com a produção de um direito que incorporou direitos e garantias sociais). O mesmo autor, posteriormente, analisa a crise de Estado e faz a pergunta sobre a existência de um direito global, apontando desafios da democracia no contexto que emerge a partir do final do século XX. Voltaremos aos desafios da democracia na parte final deste trabalho.
  • 7
    Abordando o tema numa perspectiva de solução de conflitos constitucionais à luz do transconstitucionalismo, Neves (2009NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. 297) escreve: “O Estado deixou de ser um locus privilegiado de solução de problemas constitucionais. Embora fundamental e indispensável, é apenas um dos diversos loci em cooperação e concorrência na busca do tratamento desses problemas. A integração sistêmica cada vez maior da sociedade mundial levou à desterritorialização de problemas-caso jurídico-constitucionais, que, por assim dizer, emanciparam-se do Estado”.
  • 8
    Uma crítica ao conceito de Constituições civis, a partir da teoria sistêmica, pode ser vista em Neves (2009NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. 111-113). Wahl (2010WAHL, Rainer. In Defence of ‘Constitution’. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 220–242., p. 240-241) também critica o conceito, por considerar que as “Constituições civis” estão esvaziadas do caráter político fundamental de qualquer Constituição. Uma possível resposta a tal constatação pode ser encontrada em Teubner (2003TEUBNER, Gunther. A Bukovina global: sobre a emergência de um pluralismo jurídico transnacional. Impulso, Piracicaba, v. 14, n. 33, 2003, p. 9-31. Disponível em: <http://www.unimep.br/phpg/editora/revistaspdf/imp33art01.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2016.
    http://www.unimep.br/phpg/editora/revist...
    , p. 11), para quem “[a] relativa distância à política internacional e ao direito internacional não preservará o ‘direito mundial sem Estado’ de uma repolitização. Muito pelo contrário: justamente a reconstrução de (trans)ações sociais e econômicas como atos jurídicos globais solapa o caráter apolítico do direito global e fornece dessarte o fundamento da sua repolitização. Ela, porém, ocorrerá previsivelmente sob novas formas, pouco conhecidas até agora”.
  • 9
    Neves (2009NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. 187-216) também faz referência a outras ordens privadas, como a lex sportiva; ademais, trata da conflituosa relação com ordens jurídicas “anticonstitucionais”, como seria o caso do direito “privado” da Al-Qaeda. Teubner (2003TEUBNER, Gunther. A Bukovina global: sobre a emergência de um pluralismo jurídico transnacional. Impulso, Piracicaba, v. 14, n. 33, 2003, p. 9-31. Disponível em: <http://www.unimep.br/phpg/editora/revistaspdf/imp33art01.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2016.
    http://www.unimep.br/phpg/editora/revist...
    , p. 9-10), por sua vez, refere-se a ordens trabalhistas internas de grandes corporações empresariais e a um Direito da padronização técnica internacional.
  • 10
    “Nos dias de hoje estão se constituindo em ‘autonomia relativa’ diante do Estado-nação, bem como diante da política internacional[,] setores distintos da sociedade mundial que produzem a partir de si mesmos ordenamentos jurídicos globais sui generis. (.) Vemos, portanto, uma série de formas não mais apenas rudimentares de um ordenamento jurídico mundial, que surge independentemente dos ordenamentos jurídicos nacionais e do clássico direito das gentes” (TEUBNER, 2003TEUBNER, Gunther. A Bukovina global: sobre a emergência de um pluralismo jurídico transnacional. Impulso, Piracicaba, v. 14, n. 33, 2003, p. 9-31. Disponível em: <http://www.unimep.br/phpg/editora/revistaspdf/imp33art01.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2016.
    http://www.unimep.br/phpg/editora/revist...
    , p. 10-11).
  • 11
    A esse respeito, remete-se aos trabalhos de Grimm (2010)GRIMM, Dieter. The Achievement of Constitutionalism and its Prospects in a Changed World. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 3–22., Preuss (2010)PREUSS, Ulrich K. Disconnecting Constitutions from Statehood: Is Global Constitutionalism a Viable Concept? In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 23–46., Dobner (2010)DOBNER, Petra. More Law, Less Democracy? Democracy and Transnational Constitutionalism. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism:? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 141–161., Prandini (2010)PRANDINI, Riccardo. The Morphogenesis of Constitutionalism. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 309–326. e, especialmente, as distintas visões contidas em Kumm (2010)KUMM, Mattias. The Best of Times and The Worst of Times: Between Constitutional Triumphalism and Nostalgia. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 201–219. e Wahl (2010)WAHL, Rainer. In Defence of ‘Constitution’. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 220–242..
  • 12
    Não se pode deixar de perceber que o processo de integração jurídica da Europa não se dá apenas no âmbito do direito comunitário europeu. É o que se vê no ordenamento regional dos direitos humanos, que comporta a existência, numa esfera distinta da UE (com um número superior de Estados-partes – quase 50 – e, portanto, uma jurisdição mais ampla), de um sistema próprio – executivo, legislativo e judicial – de direitos humanos, cujo marco legal é a Convenção Europeia de Direitos Humanos, e a atuação jurisdicional está nas mãos da Corte Europeia de Direitos Humanos. A relação de países signatários da Convenção e seus Protocolos está disponível em: <http://conventions.coe.int/Treaty/Commun/ListeTableauCourt.asp?MA=3&CM=16&CL=ENG>. Acesso em: 28 jun. 2016.
  • 13
  • 14
    Conforme relatado no parágrafo 16 da decisão: “16. Por decisão de 30 de julho de 2010, a AEPD indeferiu a referida reclamação na parte em que dizia respeito à La Vanguardia, tendo considerado que a publicação por esta das informações em causa estava legalmente justificada, dado que tinha sido efetuada por ordem do Ministério do Trabalho e dos Assuntos Sociais e teve por finalidade publicitar ao máximo a venda em hasta pública, a fim de reunir o maior número possível de licitantes” (UNIÃO EUROPEIA, 2014UNIÃO EUROPEIA. Tribunal de Justiça da União Europeia. Processo C-131/12. Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) ECLI:EU:C:2014:317. Partes: Google Spain SL e Google Inc. contra Agencia Española de Protección de Datos (AEPD) e Mario Costeja González. Pedido de decisão prejudicial: Audiência Nacional—Espanha. Relator: M. Ileši. Grande Secção. 13 mai. 2014. Jornal Oficial, Luxemburgo, 7 jul. 2014, p. 4. Disponível em: <http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=9ea7d2dc30d585485bc5ed1a4a0698fdcbaf380e2b01.e34KaxiLc3qMb40Rch0SaxuNb3z0?text=&docid=152065&pageIndex=0&doclang=PT&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=262988>. Acesso em: 30 jun. 2016.
    http://curia.europa.eu/juris/document/do...
    ).
  • 15
    Deve-se destacar que o Ministro Massami Uyeda, na p. 22 do Acórdão, faz constar sua preocupação com a proteção à honra e à intimidade, dizendo o seguinte: “Mas, efetivamente, é preciso que haja, também, um mecanismo de defesa, porque, embora o direito à informação seja essencial para esse mundo em que vivemos, a realidade é que a honra e intimidade devem ser preservadas” (BRASIL, 2010BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.316.921. Recorrente: Google Brasil Internet Ltda. Recorrido: Maria da Graça Xuxa Meneghel. Relatora: Min. Nancy Andrighi. Terceira Turma. Brasília, DF, 26 jun. 2010. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 29 jun. 2012.). A decisão, ao fim e ao cabo, é alvo de críticas de Conci e Gerber (2015CONCI, Luiz Guilherme Arcaro; GERBER, Konstantin. Diálogo judicial, proteção de dados e soberania informativa. In: ARTESE, Gustavo (Org.). Marco Civil da Internet. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 259-276. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/303785518_Luiz_Guilherme_Arcaro_GERBER_K_Dialogo_judicial_protecao_de_dados_e_soberania_informativa_In_Gustavo_Artese_Org_Marco_Civil_da_Internet_1edsao_paulo_quartier_latin_2015_v_1_p_259-276>. Acesso em: 29 jun. 2016.
    https://www.researchgate.net/publication...
    , p. 274-275), que enfatizam que o julgado afetaria sobremaneira o direito ao esquecimento, apontando para a necessidade de se utilizar do material fático que embasou a decisão do TJUE – e mesmo um olhar “global” – como parte do processo de amadurecimento do Brasil ao lidar com os mecanismos de busca na Internet, especialmente no que se refere a seu potencial lesivo à intimidade e à vida privada.
  • 16
    Aguarda-se, ainda, o posicionamento que adotará o Supremo Tribunal Federal em relação ao perfil constitucional desse direito ao esquecimento no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, o que poderá ser feito quando vier a examinar o Recurso Extraordinário com Agravo n. 833.248-RJ, cuja repercussão geral já foi reconhecida em julgamento do Plenário Virtual, proferido em 11/12/2014 (BRASIL, 2014bBRASIL. Supremo Tribunal Federal. Repercussão geral no recurso extraordinário com agravo n. 833.248. Recorrentes: Nelson Curi e outros. Recorrido: Globo Comunicação e Participações S/A. Relator: Min. Dias Toffoli. Plenário. Brasília, DF, 11 dez. 2014b. Diário da Justiça Eletrônico, n. 33, Brasília, DF, 20 fev. 2015.).
  • 17
    “Os dois elementos do constitucionalismo, o elemento democrático e o elemento do ‘Estado de Direito’, não podem ser separados um do outro sem que sejam diminuídas as conquistas do constitucionalismo. (...) Por essa razão, seria errado reconhecer dois tipos de constituição como representantes iguais das conquistas do constitucionalismo: a do tipo democrático e a do tipo do ‘Estado de Direito’. Em termos de conquistas, apenas uma constituição que conjugue os dois elementos é capaz de preencher plenamente as expectativas do constitucionalismo” (GRIMM, 2009, p. 10, tradução nossa).
  • 18
    Trata-se, como visto, do que Varella (2013VARELLA, Marcelo Dias. Internacionalização do direito: direito internacional, globalização e complexidade. Brasília: UniCEUB, 2013., p. 174) chama de confluência constitucional.
  • 19
    Nesse particular, a crítica do autor refere-se ao excessivo peso dado ao “voluntarismo” por parte dos defensores do constitucionalismo estatista. O autor tece ácidas considerações quanto ao aspecto excessivamente voluntarista, positivista e nacionalista desse constitucionalismo, cuja defesa, nas palavras de Kumm (2010KUMM, Mattias. The Best of Times and The Worst of Times: Between Constitutional Triumphalism and Nostalgia. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 201–219., p. 201-203), estaria sintetizada na expressão “nostalgia” constitucional, atrelada ao que concebe como “estatismo democrático”.
  • 20
    “A autoridade constitucional é em parte diretamente derivada dos princípios constitucionais aos quais ela alega instituir e dar feição completa. (.) As pressuposições normativas do constitucionalismo são traduzidas diretamente em um rol de princípios jurídicos básicos formais, jurisdicionais, procedimentais e substantivos, que são concebidos como bases das práticas jurídicas e políticas e à luz dos quais essas práticas podem ser reconstruídas e acessadas” (KUMM, 2010KUMM, Mattias. The Best of Times and The Worst of Times: Between Constitutional Triumphalism and Nostalgia. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 201–219., p. 214-215, tradução nossa). Por essa razão, o autor defende a natureza constitucional dos tratados da União Europeia.
  • 21
    Também Wahl (2010WAHL, Rainer. In Defence of ‘Constitution’. In: DOBNER, Petra; LOUGHLIN, Martin (Orgs.). The Twilight of Constitutionalism? Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 220–242., p. 241), que chega a dizer que tal ampara-se no esvaziamento político da Constituição.
  • 22
    Para uma crítica do método da “ponderação”, defendendo a necessidade de identificação da norma adequada para cada caso, ver, entre outros, Acunha (2014)ACUNHA, Fernando José Gonçalves. Colisão de normas: distinção entre ponderação e juízo de adequação. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal, ano 51, v. 203, p. 165-183, jul.-set. 2014., Benvindo (2010)BENVINDO, Juliano Zaiden. On the Limits Of Constitutional Adjudication: Deconstructing Balancing and Judicial Activism. Heidelberg: Springer, 2010. e 7 jul. 2014, p. 4 Günther (1993)GÜNTHER, Klaus. The Sense of Appropriateness: Application discourses in Morality and Law. Trad. John Farrell. Albany: State University of New York Press, 1993..

Referências Bibliográficas

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    » http://www.constitutionalcourt.org.za/uhtbin/cgisirsi/RFSSALhd2I/MAIN/240150014/9
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    » http://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/jornadas-cej/vijornadadireitocivil2013-web.pdf/view
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  • BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.335.153. Recorrente: Nelson Curi e outros. Recorrido: Globo Comunicação e Participações S/A. Relator: Min. Luís Felipe Salomão. Quarta Turma. Brasília, DF, 28 maio 2013c. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 10 set. 2013.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    08 Mar 2015
  • Aceito
    29 Set 2016
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