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Cenários de aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais às folksonomias

Scenarios of application of the General Law for Personal Data Protection to folksonomies

Resumo:

No universo de Sistemas de Organização do Conhecimento, ferramentas voltadas à representação e organização da informação para sua posterior recuperação, surgem as folksonomias, mecanismos computacionais que fornecem e armazenam tags criadas pelos próprios usuários da Web para indexar recursos online. Por serem instrumentos abertos e voltados ao compartilhamento social de etiquetas e objetos indexados, levanta-se a preocupação com a privacidade nesses ambientes. Nesse sentido, o presente trabalho investiga a existência de cenários de folksonomias em que existem informações pessoais e, portanto, necessitam do amparo da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Ademais, se houver tais possibilidades, procura-se descrever quais principais regras da lei que devem ser aplicadas aos ambientes de tagging na Web. Para realização desta pesquisa, utilizou-se o método de abordagem dedutivo, a metodologia procedimental comparativa e a técnica de pesquisa bibliográfica. Conclui-se que há casos possíveis de presença de dados pessoais em folksonomias, seja quando esse tipo de informação encontra-se em formato de tags, seja na sua inclusão em recursos indexados (textuais, gráficos, audiovisuais, etc.). Ademais, chegou-se à conclusão de que nem todas as regras da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais são aplicáveis a esses sistemas, mas que a lei deve ser observada no que for possível, para dirimir riscos de violações, sendo que a exposição ilegítima das informações pessoais é a principal delas.

Palavras-chave:
folksonomias ; tags; Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais; informações pessoais; privacidade

Abstract:

In the universe of Knowledge Organization Systems, tools aimed at representing and organizing information for later retrieval, folksonomies emerge, computational mechanisms that supply and store tags created by Web users themselves to index online resources. Because they are open instruments and aimed at the social sharing of tags and indexed objects, there is a concern with privacy in these environments. In this sense, the present work investigates the existence of folksonomies scenarios in which there is personal information and, therefore, need the support of the General Law for Personal Data Protection. Furthermore, if there are such possibilities, an attempt is made to describe the main rules of the law that must be applied to tagging environments on the Web. To carry out this research, the deductive method of approach, the comparative procedural methodology and the bibliographical research technique were used. It is concluded that there are possible cases of the presence of personal data in folksonomies, either when this type of information is in the form of tags, or in its inclusion in indexed resources (text, graphics, audiovisual, etc.). In addition, it was concluded that not all the rules of the General Law for Personal Data Protection are applicable to these systems, but that the law must be observed as much as possible, to resolve the risk of violations, and illegitimate exposure of personal information is the main one.

Keywords:
folksonomies; tags; general law for personal data protection; personal information; privacy

1 Introdução

Na seara da Ciência da Informação (CI), é notória a histórica finalidade de representação e organização do conhecimento com os olhos voltados à recuperação da informação, de modo a satisfazer as necessidades dos indivíduos. Nesse contexto, a área da Organização do Conhecimento (OC) fornece proposições teóricas e soluções práticas para organizar recursos informacionais.

No que tange à dimensão instrumental da OC, os Sistemas de Organização do Conhecimento (SOCs) operam como ferramentas que buscam representar o conhecimento sistematizado, com finalidades diversas: classificar e categorizar assuntos (como os esquemas classificatórios), controlar terminologias especializadas (como os tesauros), promover uma navegabilidade digital classificada (como as taxonomias), modelizar domínios de conhecimentos (como as ontologias) e, mais recentemente, as folksonomias, abordagem instrumental que será o foco deste estudo. Folksonomias são SOCs que trabalham como tags indexadoras de recursos na Web, possibilitando que os próprios usuários da internet atribuam etiquetas e compartilhem afinidades temáticas uns com os outros, em um processo colaborativo para organização da informação.

Diante do constante uso de informações referentes a pessoas, especialmente com a propagação das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), faz-se necessária a existência de leis que protejam dados pessoais dos cidadãos, tal como a aclamada General Data Protection Regulation (GDPR). Para proteger a privacidade de dados de brasileiros e de informações que perpassam pelo Brasil, foi promulgada, em 2018, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que dispõe deveres e direitos de agentes de tratamento de dados e dos indivíduos em geral.

O presente trabalho, nesse sentido, tem como objetivo central analisar a aplicabilidade da LGPD a ambientes de folksonomias, buscando responder a duas principais questões: (1) existem cenários de uso de dados pessoais em folksonomias e, portanto, em que se faz necessária a aplicação da LGPD? (2) e, se sim, como as principais normas da aludida lei se aplicam a ambientes de tagging?

Para o alcance deste propósito, este estudo utilizou o método de abordagem dedutivo, em que se partiu das proposições mais abrangentes sobre os dois grandes tópicos aqui tratados (folksonomias e LGPD), para chegar a conclusões sobre a associação entre eles. O método de procedimento utilizado foi o comparativo, de modo que as regras da LGPD foram colocadas lado a lado às possibilidades de uso das folksonomias, com o fim de verificar a existência de tratamento de dados e de viabilidade de aplicação daquelas normas. Por fim, cabe dizer que se utilizou das técnicas de pesquisa bibliográfica e documental, uma vez que as fontes de conhecimento pesquisadas foram artigos científicos, livros e documentos jurídicos. Assim, procuramos associar a importância social da privacidade proposta pela LGPD com as tendências de uso de folksonomias em redes sociais, aplicativos, websites e demais locais da Web.

2 Folksonomias no universo dos Sistemas de Organização do Conhecimento (SOCs)

Em sua instrumentalidade processual, a “Organização do Conhecimento (OC) trata de atividades como descrição, indexação e classificação de documentos realizadas em bibliotecas, bancos de dados e arquivos etc.” (HJORLAND, 2008HJORLAND, Birger. What is Knowledge Organization (KO)? Knowledge Organization, Baden-Baden, v. 35, n. 2/3, p. 86-101, 2008. Available in: Available in: https://doi.org/10.5771/0943-7444-2008-2-3-86 . Accessed on: 2 mar. 2023.
https://doi.org/10.5771/0943-7444-2008-2...
, p. 86, tradução nossa). Tais atividades repercutem em ferramentas especializadas em representar e organizar informações, chamadas de Sistemas de Organização do Conhecimento (SOCs).

Há diversas definições sobre esse conjunto de instrumentos dispostos pela OC. De acordo com Silva, “os SOC desempenham a função de auxiliar no papel de padronização da terminologia no intuito de organizar e recuperar documentos” (SILVA, 2017SILVA, Alessandra Rodrigues. A dimensão discursiva da organização do conhecimento na ciência da informação brasileira. 2017. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Pós-Graduação em Ciência da Informação, Departamento de Ciência da Informação e Documentação, Universidade de Brasília, Brasília, 2017. , p. 66). Barité se refere a “Sistema de Organização do Conhecimento” como “termo genérico e abrangente para o conjunto de ferramentas de classificação e indexação.” (BARITÉ, 2011BARITÉ, Mario. Sistemas de organización del conocimiento: una tipologia actualizada. Informação & Informação, Londrina, v. 16, n. 3, p. 122-139, jan./jun. 2011. Disponível em: https://doi.org/10.5433/1981-8920.2011v16n2p122 . Acesso em: 17 dez. 2021.
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, p. 126, tradução nossa). Já Hodge entende que “o termo ‘sistemas de organização do conhecimento’ pretende abranger todos os tipos de esquema de organização da informação e promoção da gestão do conhecimento.” (HODGE, 2000HODGE, Gail. Systems of Knowledge Organization for digital libraries: beyond traditional authority files. Washington: The Digital Library Federation, 2000. , p. 1, tradução nossa).

Cada SOC possui um método específico para organizar o conhecimento, incluindo dentre alguns de seus principais esquemas: sistemas de classificação bibliográfica, listas de cabeçalhos, tesauros, anéis de sinônimos, taxonomias e ontologias (BARITÉ, 2011BARITÉ, Mario. Sistemas de organización del conocimiento: una tipologia actualizada. Informação & Informação, Londrina, v. 16, n. 3, p. 122-139, jan./jun. 2011. Disponível em: https://doi.org/10.5433/1981-8920.2011v16n2p122 . Acesso em: 17 dez. 2021.
https://doi.org/10.5433/1981-8920.2011v1...
). A diferença na forma de organizar a informação implica na maneira de representá-la, que, basicamente, pode acontecer por navegação ou por pesquisa direta. Assim, é importante que o indivíduo, enquanto usuário de um SOC, utilize o sistema que melhor satisfaça as suas necessidades (HODGE, 2000HODGE, Gail. Systems of Knowledge Organization for digital libraries: beyond traditional authority files. Washington: The Digital Library Federation, 2000. ). Para organizar livros e documentos em suportes físicos, costuma-se utilizar as classificações bibliográficas. Para controle de vocabulário, recomendam-se os tesauros. Para organizar itens de informação em níveis e subníveis, as taxonomias são os sistemas mais adequados.

Nessa perspectiva, diante da consolidação da internet, surgem SOCs especialmente destinados à organização da informação em ambientes digitais. Dentre eles, estão as folksonomias, que ganharam destaque no início dos anos 2000, conforme destacado por Barité (2011BARITÉ, Mario. Sistemas de organización del conocimiento: una tipologia actualizada. Informação & Informação, Londrina, v. 16, n. 3, p. 122-139, jan./jun. 2011. Disponível em: https://doi.org/10.5433/1981-8920.2011v16n2p122 . Acesso em: 17 dez. 2021.
https://doi.org/10.5433/1981-8920.2011v1...
). Sucintamente, se referem à indexação de termos (etiquetas ou tags) relativas a recursos da Web, realizada de modo livre e colaborativo por usuários de websites. Junto com vários outros SOCs - que, aliás, não possuem número delimitado (SILVA, 2017SILVA, Alessandra Rodrigues. A dimensão discursiva da organização do conhecimento na ciência da informação brasileira. 2017. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Pós-Graduação em Ciência da Informação, Departamento de Ciência da Informação e Documentação, Universidade de Brasília, Brasília, 2017. ) - as folksonomias também procuram satisfazer, a seu modo, a finalidade precípua da OC: organizar informações para recuperá-las, suprindo, assim, as necessidades dos seus usuários.

2.1 Os conceitos e os aspectos das folksonomias

As folksonomias são ferramentas disponibilizadas por alguns sites da Web, desde o limiar da década de 1990 e o início do terceiro milênio, em locais como Bitzi, del.icio.us e Flickr. Elas dizem respeito à atribuição de etiquetas (tags) a recursos da Web feita livremente por algum usuário para que outras pessoas também possam encontrá-los ao pesquisar as tags indexadas. À época das primeiras aparições dessa tecnologia, ainda não havia um nome próprio para defini-la, o que foi feito pelo arquiteto da informação Thomas Vander Wal, em 2004, que conjugou “folks” (de povo) e “sonomia” (de taxonomia, cuja partícula em questão vem do grego “nomos”, que quer dizer “lei”). Logo, é o povo - ou melhor, os usuários - que dita como a indexação de um recurso será realizada por meio de tags. E, por conta disso, também é chamada de indexação social (ARAÚJO, 2018ARAÚJO, Carlos Alberto Ávila. O que é Ciência da Informação. Belo Horizonte: KMA, 2018.). Assim, Vander Wal (2007VANDER WAL, Thomas. Folksonomy coinage and definition. vanderwal.net, Bethesda, 2 fev. 2007. Disponível em: https://vanderwal.net/folksonomy.html#:~:text=Definition%20of%20Folksonomy,the%20person%20consuming%20the%20information . Acesso em: 14 abr. 2022.
https://vanderwal.net/folksonomy.html#:~...
) define:

Folksonomia é o resultado da marcação pessoal gratuita de informações e objetos (qualquer coisa com uma URL) para a própria recuperação. A marcação é feita em um ambiente social (geralmente compartilhado e aberto a outras pessoas). A folksonomia é criada a partir do ato de marcação pela pessoa que consome a informação. O valor dessa marcação externa é derivado de pessoas usando seu próprio vocabulário e adicionando significado explícito, que pode vir da compreensão inferida da informação/objeto. As pessoas não estão tanto categorizando, mas fornecendo um meio de conectar itens (colocando ganchos) para fornecer seu significado em seu próprio entendimento (VANDER WAL, 2007VANDER WAL, Thomas. Folksonomy coinage and definition. vanderwal.net, Bethesda, 2 fev. 2007. Disponível em: https://vanderwal.net/folksonomy.html#:~:text=Definition%20of%20Folksonomy,the%20person%20consuming%20the%20information . Acesso em: 14 abr. 2022.
https://vanderwal.net/folksonomy.html#:~...
, não paginado, tradução nossa, grifo nosso).

Para compreender melhor as definições de folksonomia, faz-se imprescindível entender o que constitui o processo de etiquetagem (tagging) e seus produtos, as etiquetas (tags). De acordo com Barité et al. (2015BARITÉ, Mario et al. Diccionario de organización del conocimiento: clasificación, indización, terminología. Montevideo: CSIC, 2015.), define-se como etiqueta:

Palavra ou expressão que representa um tópico encontrado em um documento ou recurso de informação. A atribuição de rótulos pode ser feita por um indexador em bibliotecas e centros de documentação, ou por qualquer pessoa no caso de folksonomias ou outros repertórios online que permitam a indexação de quem contribui com o novo recurso (BARITÉ et al., 2015BARITÉ, Mario et al. Diccionario de organización del conocimiento: clasificación, indización, terminología. Montevideo: CSIC, 2015., p. 69, tradução nossa,grifo nosso).

Com foco nas etiquetas de folksonomias, Noruzi (2006NORUZI, Alireza. Folksonomies: (Un)Controlled Vocabulary? Knowledge Organization, Baden-Baden, v. 33, n. 4, p. 199-203, 2006. ) define:

Tags são palavras ou frases que os usuários anexam a um site ou página da web. Tags são simplesmente rótulos para recursos da web, selecionados para ajudar o usuário na recuperação posterior desses recursos da web. As tags têm o efeito adicional de agrupar recursos da web relacionados. Não há conjunto fixo de categorias ou escolhas oficialmente aprovadas. Um usuário pode usar palavras, acrônimos, números - o que quer que pareça fazer sentido - sem levar em conta as necessidades, interesses ou requisitos de outra pessoa (NORUZI, 2006NORUZI, Alireza. Folksonomies: (Un)Controlled Vocabulary? Knowledge Organization, Baden-Baden, v. 33, n. 4, p. 199-203, 2006. , p. 199, tradução nossa, grifos nossos).

Por conseguinte, a etiquetagem é o “processo pelo qual os rótulos [ou etiquetas] são atribuídos em ambientes eletrônicos nos quais usuários ou emissores podem participar de processos de indexação de recursos online.” (BARITÉ et al., 2015BARITÉ, Mario et al. Diccionario de organización del conocimiento: clasificación, indización, terminología. Montevideo: CSIC, 2015., p. 69, tradução nossa, grifo nosso).

Conforme Catarino e Baptista (2009CATARINO, Maria Elisabete; BAPTISTA, Ana Alice. Folksonomias: características das etiquetas na descrição de recursos da Web. Informação & Informação, Londrina, v. 14, n. especial, p. 46-67, 2009. Disponível em: https://doi.org/10.5433/1981-8920.2009v14n1espp46 . Acesso em: 14 abr. 2022.
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), a literatura especializada tende a conceituar as folksonomias sob duas grandes acepções: uma enquanto processo, sistema, metodologia; outra enquanto produto da atividade de etiquetagem. Entende-se que são definições que dizem respeito à mesma coisa, mas sob perspectivas diferentes, de modo que ambas devem ser consideradas. Ou seja, entende-se que folksonomias são as duas coisas: processo e produto.

A tradicional definição de folksonomia em Vander Wal (2007VANDER WAL, Thomas. Folksonomy coinage and definition. vanderwal.net, Bethesda, 2 fev. 2007. Disponível em: https://vanderwal.net/folksonomy.html#:~:text=Definition%20of%20Folksonomy,the%20person%20consuming%20the%20information . Acesso em: 14 abr. 2022.
https://vanderwal.net/folksonomy.html#:~...
), enquanto resultado de tagging filia-se à vertente que entende tal SOC mais como um produto do que como um processo. A mesma percepção é compartilhada por Yedid (2013YEDID, Nadina. Introducción a las folksonomías: definición, características y diferencias con los modelos tradicionales de indización. Información, Cultura y Sociedad, Buenos Aires, n. 29, p. 13-26, dez. 2013. ), que entende a folksonomia como um conjunto de etiquetas construídas coletivamente em um local da Web, criada como alternativa aos modelos tradicionais de indexação.

Dentre as definições que se referem à folksonomia como processo, está a de Noruzi (2006NORUZI, Alireza. Folksonomies: (Un)Controlled Vocabulary? Knowledge Organization, Baden-Baden, v. 33, n. 4, p. 199-203, 2006. ), que define:

Uma folksonomia é uma metodologia de recuperação de informação baseada na Internet que consiste em rótulos abertos e gerados colaborativamente que categorizam o conteúdo, como recursos da web, fotografias online e links da web (NORUZI, 2006NORUZI, Alireza. Folksonomies: (Un)Controlled Vocabulary? Knowledge Organization, Baden-Baden, v. 33, n. 4, p. 199-203, 2006. , p. 199, tradução nossa, grifos nossos).

Também Araújo (2018ARAÚJO, Carlos Alberto Ávila. O que é Ciência da Informação. Belo Horizonte: KMA, 2018.) prefere defini-la como atividade, que consiste na:

[...] indexação livre, realizada pelos próprios usuários, no trabalho dos profissionais da informação, com o objetivo de proporcionar melhor recuperação da informação - trabalho este desenvolvido em ambiente aberto e de compartilhamento, portanto de construção conjunta (ARAÚJO, 2018ARAÚJO, Carlos Alberto Ávila. O que é Ciência da Informação. Belo Horizonte: KMA, 2018., p. 51).

Em arremate, entende-se ser interessante a definição dada por Barité et al. (2015BARITÉ, Mario et al. Diccionario de organización del conocimiento: clasificación, indización, terminología. Montevideo: CSIC, 2015.), que associam a folksonomia tanto enquanto produto, quanto como processo, de modo a sintetizar bem a noção fundamental desse sistema:

Banco de informação digital disponível na Internet, composto por documentos cedidos gratuitamente pelos usuários, que atribuem categorias, rótulos ou descritores aos diversos continentes de informação (vídeos, imagens, textos). Ao contrário de outros sistemas, em folksonomias os usuários compartilham os rótulos atribuídos com outros usuários (BARITÉ et al., 2015BARITÉ, Mario et al. Diccionario de organización del conocimiento: clasificación, indización, terminología. Montevideo: CSIC, 2015., p. 74, tradução nossa, grifos nossos).

Se comparadas com outros SOCs tradicionais, as folksonomias possuem algumas distinções (visto que surgiram e existem para indexar informações em recursos da Web, não em meios tradicionais e analógicos, como ocorre com os tesauros e os esquemas de classificação bibliotecária). Para Brandt e Medeiros (2010BRANDT, Mariana; MEDEIROS, Marisa Brascher Basílio. Folksonomia: esquema de representação do conhecimento? TransInformação, Campinas, v. 22, n. 2, p. 111-121, maio/ago. 2010. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-37862010000200002 . Acesso em: 14 abr. 2022.
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), por exemplo, os SOCs convencionais devem existir previamente à organização da informação, ao passo que as folksonomias são o próprio resultado da organização. Assim, é uma construção constante, e não algo já pronto para ser aplicado, realizado pelos próprios usuários, que são, concomitantemente, criadores e destinatários desses sistemas (BARITÉ, 2011BARITÉ, Mario. Sistemas de organización del conocimiento: una tipologia actualizada. Informação & Informação, Londrina, v. 16, n. 3, p. 122-139, jan./jun. 2011. Disponível em: https://doi.org/10.5433/1981-8920.2011v16n2p122 . Acesso em: 17 dez. 2021.
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).

Recentemente, um dos exemplos de uso de tags são as hashtags (que constituem a prática de social tagging), que são comuns em redes sociais, como Twitter, Facebook, Instagram e YouTube. Nessa toada, de acordo com Ibba et al. (2015IBBA, Simona et al. Hashtag of Instragram: from folksonomy to complex network. In: INTERNATIONAL JOINT CONFERENCE ON KNOWLEDGE DISCOVERY, KNOWLEDGE ENGINEERING AND KNOWLEDGE MANAGEMENT, 21., 2015, Lisbom. Proceedings [...]. Lisbon: University of Lisbon, 2015, p. 279-284.), “o principal objetivo do social tagging é assim facilitar a visibilidade da informação (visibilidade das imagens no caso do Instagram) para a criação de sistemas de recomendação.” (IBBA, 2015IBBA, Simona et al. Hashtag of Instragram: from folksonomy to complex network. In: INTERNATIONAL JOINT CONFERENCE ON KNOWLEDGE DISCOVERY, KNOWLEDGE ENGINEERING AND KNOWLEDGE MANAGEMENT, 21., 2015, Lisbom. Proceedings [...]. Lisbon: University of Lisbon, 2015, p. 279-284., p. 280, tradução nossa, grifo nosso).

2.2 Vantagens e desvantagens das folksonomias

Diante dessas utilidades, são diversos os benefícios no uso das folksonomias. Pode-se destacar as seguintes vantagens de acordo com a literatura pesquisada:

  1. são construídas pelos próprios usuários de maneira colaborativa, já que envolve a participação livre dos indivíduos e eles podem ter acesso às tags construídas (BARITÉ et al., 2015BARITÉ, Mario et al. Diccionario de organización del conocimiento: clasificación, indización, terminología. Montevideo: CSIC, 2015.; CATARINO; BAPTISTA, 2009CATARINO, Maria Elisabete; BAPTISTA, Ana Alice. Folksonomias: características das etiquetas na descrição de recursos da Web. Informação & Informação, Londrina, v. 14, n. especial, p. 46-67, 2009. Disponível em: https://doi.org/10.5433/1981-8920.2009v14n1espp46 . Acesso em: 14 abr. 2022.
    https://doi.org/10.5433/1981-8920.2009v1...
    ). Em outras palavras, sua construção é democrática (YEDID, 2013YEDID, Nadina. Introducción a las folksonomías: definición, características y diferencias con los modelos tradicionales de indización. Información, Cultura y Sociedad, Buenos Aires, n. 29, p. 13-26, dez. 2013. );

  2. o vocabulário (o conjunto de tags indexadas) estabelecido é mais compreensível que aquele especializado (BARITÉ et al., 2015BARITÉ, Mario et al. Diccionario de organización del conocimiento: clasificación, indización, terminología. Montevideo: CSIC, 2015.);

  3. possibilidade de criar comunidades que se interessam sobre um mesmo tema em torno daquele recurso etiquetado (CATARINO; BAPTISTA, 2009CATARINO, Maria Elisabete; BAPTISTA, Ana Alice. Folksonomias: características das etiquetas na descrição de recursos da Web. Informação & Informação, Londrina, v. 14, n. especial, p. 46-67, 2009. Disponível em: https://doi.org/10.5433/1981-8920.2009v14n1espp46 . Acesso em: 14 abr. 2022.
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    );

  4. usuários podem atribuir os termos que quiserem nas etiquetas (inclusive números e sinais gráficos), de acordo com o seu entendimento sobre o recurso indexado (CATARINO; BAPTISTA, 2009CATARINO, Maria Elisabete; BAPTISTA, Ana Alice. Folksonomias: características das etiquetas na descrição de recursos da Web. Informação & Informação, Londrina, v. 14, n. especial, p. 46-67, 2009. Disponível em: https://doi.org/10.5433/1981-8920.2009v14n1espp46 . Acesso em: 14 abr. 2022.
    https://doi.org/10.5433/1981-8920.2009v1...
    );

  5. refletem a linguagem corrente dos usuários da Web e, assim, estão mais propensas a atualizações de vocabulário. Portanto, podem ser utilizadas para conhecer as tendências linguísticas na internet (YEDID, 2013YEDID, Nadina. Introducción a las folksonomías: definición, características y diferencias con los modelos tradicionales de indización. Información, Cultura y Sociedad, Buenos Aires, n. 29, p. 13-26, dez. 2013. );

  6. baixo custo para indexação (BARITÉ et al., 2015BARITÉ, Mario et al. Diccionario de organización del conocimiento: clasificación, indización, terminología. Montevideo: CSIC, 2015.).

Entretanto, como outros SOCs, as folksonomias também possuem suas desvantagens. Os “contras” desse sistema, em geral, decorrem da ausência de controle de vocabulário, que, apesar de se constituir como uma vantagem para certos fins, acaba por dificultar a recuperação de informação. Dentre esses maléficos sintomas, cabe citar:

  1. termos polissêmicos, o que dificulta ao usuário reconhecer de que assunto a marcação se refere precisamente (NORUZI, 2006NORUZI, Alireza. Folksonomies: (Un)Controlled Vocabulary? Knowledge Organization, Baden-Baden, v. 33, n. 4, p. 199-203, 2006. ; CATARINO; BAPTISTA, 2009CATARINO, Maria Elisabete; BAPTISTA, Ana Alice. Folksonomias: características das etiquetas na descrição de recursos da Web. Informação & Informação, Londrina, v. 14, n. especial, p. 46-67, 2009. Disponível em: https://doi.org/10.5433/1981-8920.2009v14n1espp46 . Acesso em: 14 abr. 2022.
    https://doi.org/10.5433/1981-8920.2009v1...
    ; YEDID, 2013YEDID, Nadina. Introducción a las folksonomías: definición, características y diferencias con los modelos tradicionales de indización. Información, Cultura y Sociedad, Buenos Aires, n. 29, p. 13-26, dez. 2013. );

  2. termos sinônimos, pois não diminuem a certeza de quais tags são realmente relevantes para aos recursos que se deseja encontrar (NORUZI, 2006NORUZI, Alireza. Folksonomies: (Un)Controlled Vocabulary? Knowledge Organization, Baden-Baden, v. 33, n. 4, p. 199-203, 2006. ; CATARINO; BAPTISTA, 2009CATARINO, Maria Elisabete; BAPTISTA, Ana Alice. Folksonomias: características das etiquetas na descrição de recursos da Web. Informação & Informação, Londrina, v. 14, n. especial, p. 46-67, 2009. Disponível em: https://doi.org/10.5433/1981-8920.2009v14n1espp46 . Acesso em: 14 abr. 2022.
    https://doi.org/10.5433/1981-8920.2009v1...
    ; YEDID, 2013YEDID, Nadina. Introducción a las folksonomías: definición, características y diferencias con los modelos tradicionales de indización. Información, Cultura y Sociedad, Buenos Aires, n. 29, p. 13-26, dez. 2013. );

  3. repetição de termos idênticos (CATARINO; BAPTISTA, 2009CATARINO, Maria Elisabete; BAPTISTA, Ana Alice. Folksonomias: características das etiquetas na descrição de recursos da Web. Informação & Informação, Londrina, v. 14, n. especial, p. 46-67, 2009. Disponível em: https://doi.org/10.5433/1981-8920.2009v14n1espp46 . Acesso em: 14 abr. 2022.
    https://doi.org/10.5433/1981-8920.2009v1...
    );

  4. a depender do sistema, um mesmo conceito na sua forma plural e singular pode levar a recursos diferentes, de acordo com o modo que as marcações foram atribuídas pelos usuários (NORUZI, 2006NORUZI, Alireza. Folksonomies: (Un)Controlled Vocabulary? Knowledge Organization, Baden-Baden, v. 33, n. 4, p. 199-203, 2006. );

  5. presença de etiquetas que não representam seus recursos adequadamente (BARITÉ et al., 2015BARITÉ, Mario et al. Diccionario de organización del conocimiento: clasificación, indización, terminología. Montevideo: CSIC, 2015.);

  6. relacionamentos semânticos explicitados entre os termos são ausentes (ou, quando existentes, de baixa qualidade) (BARITÉ et al., 2015BARITÉ, Mario et al. Diccionario de organización del conocimiento: clasificación, indización, terminología. Montevideo: CSIC, 2015.);

  7. o dilema chamado por Yedid (2013YEDID, Nadina. Introducción a las folksonomías: definición, características y diferencias con los modelos tradicionales de indización. Información, Cultura y Sociedad, Buenos Aires, n. 29, p. 13-26, dez. 2013. ) de “nível básico”, em que os usuários tendem a atribuir termos mais populares antes de pensar em etiquetas mais elaboradas que também poderiam ser úteis para descrevê-lo, de modo que se limita a riqueza conceitual envolvendo a informação indexada.

3 Privacidade e a proteção de dados pessoais

Para além das desvantagens operacionais das folksonomias, há uma questão jurídica e ética que chama a atenção na atualidade: a privacidade e, mais especificamente, a proteção de dados pessoais. Na contemporânea sociedade informacional, dados se tornaram verdadeiras matérias-primas para as atividades econômicas (CASTELLS, 1999CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1999.), de maneira que informações referentes aos cidadãos estão a constante risco de violações, as quais incluem: vazamentos, exposições de informações íntimas, roubo de dados, espionagem, perda de dados, etc. (BURKART, 2021BURKART, Daniele Vincenzi Villares. Proteção de dados e o estudo da LGPD. 2021. Dissertação (Mestrado em Mídia e Tecnologia) - Faculdade de Artes, Arquitetura e Comunicação, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2021. ).

Todas essas possibilidades de violação de informações pessoais ofendem a privacidade, que é um direito fundamental previsto pela Constituição Federal e que se relaciona com a tutela (proteção) da pessoa humana (DONEDA, 2020DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais: fundamentos da Lei Geral de Proteção de Dados. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. ). Como uma das expressões do direito à privacidade, está o direito à proteção dos dados pessoais. Assim, compreende-se que é necessário ter noção da primeira antes de falar daquela outra.

Como destacado por Doneda (2020DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais: fundamentos da Lei Geral de Proteção de Dados. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. ), não existe um conceito universal de privacidade, de modo que ela pode variar de acordo com as leis de cada país. Historicamente, ela possui origem nos gregos antigos, que separavam a sua vida na esfera pública e privada. No decurso do tempo, essa distinção também foi bastante valorizada pela ascendente burguesia europeia na modernidade (CANCELIER, 2017CANCELIER, Mikhail Vieira de Lorenzi. O Direito à Privacidade hoje: perspectiva histórica e o cenário brasileiro. Seqüência, Florianópolis, v. 38, n. 76, p. 213-240, ago. 2017. Disponível em: https://doi.org/10.5007/2177-7055.2017v38n76p213 . Acesso em: 18 nov. 2021.
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).

Com o recorrente uso de informações pessoais graças à popularização das TICs, a preocupação com a privacidade enseja no dilema de proteção de dados pessoais, que estão suscetíveis a constantes riscos de violação. De acordo com Doneda (2020DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais: fundamentos da Lei Geral de Proteção de Dados. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. ), as primeiras normas de proteção de dados pessoais surgem a partir da década de 1970, quando emerge a preocupação com o modo com que informações de cidadãos eram coletadas e utilizadas pelo Poder Público. Desde então, foram surgindo leis, primeiramente na Europa e, depois, em outros países, que protegiam os dados pessoais de ingerências e utilização indevidas tanto por entes públicos quanto por entidades privadas (como empresas).

3.1 Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD): surgimento e finalidade

Calcula-se que, atualmente, mais de uma centena de países possuem alguma legislação que visa à proteção de dados pessoais (CONSUMERS INTERNATIONAL, 2018CONSUMERS INTERNATIONAL. The state of data protection rules around the world: a briefing for consumer organisations. Londres: Consumers International, 2018. ). Dentre as regulamentações existentes, está a General Data Protection Regulation (GDPR), uma norma que regulamenta e dá as principais diretrizes para a privacidade de informações pessoais no âmbito da União Europeia. Publicada em 2016, ela passou a viger em 2018, exigindo que os países que comercializassem com a Europa se adequassem às suas exigências legais. A GDPR tornou-se um verdadeiro marco, pois implicou no impacto global das suas disposições, visto o poder econômico do continente europeu (LI; YU; HE, 2019LI, He; YU, Lu; HE, Wu. The impact of GDPR on global technology development. Journal of Global Information Technology Management, Philadelphia, v. 22, n. 1, p. 1-6, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1080/1097198X.2019.1569186 . Acesso em: 18 fev. 2022.
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).

No Brasil, até 2018, havia algumas leis esparsas que citavam a proteção de dados pessoais ou que tratavam sobre algum ponto desse assunto, como o Código de Defesa do Consumidor, a Lei de Acesso à Informação e o Marco Civil da Internet. Porém, o ordenamento jurídico nacional ainda carecia de uma lei que estabelecesse normas gerais sobre o tema (ARAGÃO; SCHIOCCHET, 2020ARAGÃO, Suéllyn Mattos de; SCHIOCCHET, Taysa. Lei Geral de Proteção de Dados: desafio do Sistema Único de Saúde. RECIIS - Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde, Rio de Janeiro, v. 14, n. 3, p. 692-708, jul./set. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.29397/reciis.v14i3.2012 . Acesso em: 17 dez. 2021.
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).

Influenciado pela necessidade de se adequar às exigências da GDPR, o Brasil promulgou, em agosto de 2018, a Lei n° 13.709/2018, chamada de Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Sob inspiração da norma europeia, grande parte das regras presentes na GDPR são aproveitadas no texto da LGPD (ARAGÃO; SCHIOCCHET, 2020ARAGÃO, Suéllyn Mattos de; SCHIOCCHET, Taysa. Lei Geral de Proteção de Dados: desafio do Sistema Único de Saúde. RECIIS - Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde, Rio de Janeiro, v. 14, n. 3, p. 692-708, jul./set. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.29397/reciis.v14i3.2012 . Acesso em: 17 dez. 2021.
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). Essa nova lei entrou em vigência, plenamente, no ano de 2021, exigindo a observância de direitos e deveres que garantam legitimidade para o tratamento de dados pessoais (BIONI; RIELLI, 2021BIONI, Bruno Ricardo; RIELLI, Mariana Marques. A construção multissetorial da LGPD: história e aprendizados. In: BIONI, Bruno Ricardo (org.). Proteção de dados: contexto, narrativas e elementos fundantes. São Paulo: B.R. Bioni Sociedade Individual de Advocacia, 2021. p. 15-58.).

3.2 Conceitos básicos da LGPD

É impossível compreender a LGPD sem entender os conceitos básicos utilizados pela lei, visto que eles funcionam como diretrizes conceituais para entendimento sobre a matéria regulamentada. A definição fundamental da lei é justamente “dado pessoal”, que é conceituado pela norma como “informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável.” (BRASIL, 2018BRASIL. Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: Brasília, DF, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. , p. 59). Vale enfatizar que, para a aludida lei, não há distinção entre dado e informação, tal como é feito pela CI. Porém, para fins de coesão conceitual, este trabalho se refere à informação como significado transmissível, elemento da cognição humana (LE COADIC, 1996LE COADIC, Yves-François. A ciência da informação. Brasília: Briquet de Lemes, 1996.). Por outro lado, o dado pode ser entendido como ”o meio físico de transmissão da informação” (SILVA; GOMES, 2015SILVA, Jonathas Luiz Carvalho; GOMES, Henriette Ferreira. Conceitos de informação na Ciência da Informação: percepções analíticas, proposições e categorizações. Informação & Sociedade: Estudos, João Pessoa, v. 25, n. 1, p. 145-157, 2015. , p. 150), isto é, o suporte informacional. Outra questão diz respeito ao fato do dado se referir a pessoa natural identificada (identidade delimitada) ou identificável (passível de delimitação). Ademais, refere-se sempre a pessoa natural, ou seja, uma pessoa física, um ser humano; não se refere a pessoas jurídicas, como empresas, entidades públicas e instituições em geral. Há infinitas possibilidades de dados pessoais, dentre as quais se destacam: nome, número de identidade, informações de contato, profissão do indivíduo, registros de ligações ou de acessos à internet, contas de e-mail, interesses pessoais, etc. (VAINZOF, 2019VAINZOF, Rony. Capítulo I: disposições preliminares. In: MALDONADO, Viviane Nóbrega; BLUM, Renato Opice (coord.). LGPD: Lei Geral de Proteção de Dados Comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. ). Quando uma informação (ou um conjunto de informações) não for capaz de identificar a pessoa a quem se refere, então os seus dados são anonimizados e, portanto, não são pessoais (PINHEIRO, 2020PINHEIRO, Patricia Peck. Proteção de dados pessoais: comentários à Lei n. 13.709/2018 (LGPD). São Paulo: Saraiva Educação, 2020.).

Existe uma tipologia especial de dados pessoais instituída pela LGPD, os dados pessoais sensíveis (ou meramente “dados sensíveis”). Eles dizem respeito àquelas informações que possuem potencial de discriminação ilegal ou abusiva. (MULHOLLAND, 2018MULHOLLAND, Caitlin Sampaio. Dados pessoais sensíveis e a tutela de direitos fundamentais: uma análise à luz da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/18). Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, Vitória, v.19, n. 3, p. 159-180, set./dez. 2018. Disponível em: https://doi.org/10.18759/rdgf.v19i3.1603 . Acesso em: 10 mar. 2021.
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) A norma não define o que seriam esses tipos de dados, mas prefere apresentar um rol de exemplos:

[...] dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural (BRASIL, 2018, p. 59).

A “pessoa natural a quem se referem os dados pessoais [...]” (BRASIL, 2018BRASIL. Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: Brasília, DF, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. , p. 59) é chamada de titular. Por exemplo, se Maria deixa “rastros” de navegação na Web em seu computador, aquelas informações são consideradas dados pessoais pela LGPD e ela é titular deles. Se eles tiverem conteúdo sensível, que revelam sobre sua saúde ou seus interesses políticos, por exemplo, então são considerados dados sensíveis. Nessa perspectiva, obedecidos os critérios legais de aplicação material e territorial, recai a tutela da LGPD sobre os dados quando eles forem objetos de tratamento, que é:

[...] toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração (BRASIL, 2018BRASIL. Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: Brasília, DF, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. , p. 59).

Se de um polo do tratamento de dados pessoais figura o titular, do outro figuram os agentes de tratamento (o controlador e o operador). O controlador é a “pessoa natural ou jurídica, de direito público [órgão público] ou privado [instituição privada], a quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais.” (BRASIL, 2018BRASIL. Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: Brasília, DF, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. , p. 59). É controladora, por exemplo, a empresa responsável pelo desenvolvimento de determinado site que trata dados pessoais. A controladoria pode ser exercida de forma singular ou em conjunto, quando várias pessoas naturais ou jurídicas tratam os mesmos dados pessoais para propósitos comuns ou convergentes (BRASIL, 2021BRASIL. Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Guia orientativo para definições dos agentes de tratamento de dados pessoais e do encarregado. Brasília, DF: Governo Federal, 2021. ).

Como nem sempre o controlador consegue tratar os dados pessoais, existe a figura do operador, que é a “pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, que realiza o tratamento de dados pessoais em nome do controlador” (BRASIL, 2018, BRASIL. Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: Brasília, DF, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. p. 59). O operador pode ser um profissional contratado, uma empresa terceirizada ou mesmo um comitê de especialistas. Ele pode decidir sobre coisas secundárias envolvendo o tratamento, como o software a ser utilizado para cada atividade, ao passo que o controlador toma as decisões fundamentais (por exemplo, quais dados devem ser tratados e qual a finalidade do tratamento) (BRASIL, 2021BRASIL. Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Guia orientativo para definições dos agentes de tratamento de dados pessoais e do encarregado. Brasília, DF: Governo Federal, 2021. ).

Também é destacável a figura do encarregado (chamado pela GDPR de Data Protection Officer, ou DPO). Ele é uma pessoa indicada pelos agentes de tratamento para “atuar como canal de comunicação entre o controlador, titular e Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).” (BRASIL, 2018BRASIL. Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: Brasília, DF, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. , p. 59). Pode ser tanto uma pessoa contratada, quanto uma empresa terceirizada ou mesmo um robô (PINHEIRO, 2020PINHEIRO, Patricia Peck. Proteção de dados pessoais: comentários à Lei n. 13.709/2018 (LGPD). São Paulo: Saraiva Educação, 2020.), desde que possua autonomia em relação aos agentes de tratamento (BRASIL, 2021).

Por fim, enfatiza-se a presença da Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD), órgão público federal que regulamenta, orienta, fiscaliza e sanciona (quando verificadas ilicitudes) os agentes de tratamento de dados pessoais (BRASIL, 2018BRASIL. Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: Brasília, DF, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. ).

4 Existem cenários de aplicação da LGPD a folksonomias?

Após explicação sobre as folksonomias e sobre a noção geral da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, a presente seção dedica-se a responder o seguinte questionamento: existem cenários de aplicação da LGPD a folksonomias? A expressão “aplicar a LGPD” diz respeito à observância das regras propostas pela referida lei a determinado ambiente. Assim, para a resolução de tal problema, é importante recorrer ao que diz o texto da própria norma, que determina o seguinte: “Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado [...]” (BRASIL, 2018BRASIL. Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: Brasília, DF, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. , p. 59). Diante disso, não importa o contexto, de modo que a LGPD deve ser aplicada quando envolver dado pessoal.

Nessa perspectiva, visto que as folksonomias são consideradas SOCs e, portanto, possuem a informação como seu objeto, é evidente que elas também trabalham com dados, que, por vezes, podem ser pessoais. Essa condição coloca dados pessoais em folksonomias sob a tutela da LGPD. Ademais, vale enfatizar que a referida lei trabalha com qualquer tipo de dado pessoal, seja escrito, visual, sonoro, etc. Desse modo, tanto as próprias tags (sejam autônomas ou associadas com outras) ou mesmo os recursos indexados podem figurar como dados pessoais em uma folksonomia. A seguir, pontuam-se possíveis cenários de presença de informações pessoais nesse sistema, de modo a demandar a aplicação da LGPD:

  1. tags autônomas que identificam pessoa natural - O exemplo mais clássico de informação que identifica uma pessoa é a do seu próprio nome. Se alguém atribui o nome completo de um indivíduo a uma fotografia sua, ou a um bem seu (como um carro ou um imóvel), então a etiqueta e seu recurso associado formam dados pessoais;

  2. tags associadas que identificam pessoa natural - Pode-se pensar, por exemplo, em um texto na Web cujas tags indexadas identificam o primeiro nome de uma pessoa (como o autor do texto ou seu destinatário), sua profissão, sua idade e onde ela mora, concomitantemente. Aí se está falando de tags que, associadas, identificam uma pessoa, formando, portanto, um conjunto de dados pessoais;

  3. recursos indexados sob mesmas tags - Em alguns locais da internet, é possível navegar sobre recursos indexados sob uma mesma tag, como é o caso das hashtags da plataforma Instagram. Nesse exemplo, pode ocorrer de uma empresa publicar uma série de fotos de serviços destinados ao mesmo cliente, atribuindo uma mesma tag com o nome desse consumidor. Esse também é um caso de tratamento de dados pessoais, que também deve se adequar à lei.

Comprovado que há presença de dados pessoais em cenários de folksonomias e que esses são tratados (o que inclui sua publicação, exposição, utilização, etc.), então é imperioso o ajuste desses sistemas às regras da LGPD. Para além da necessidade de adequação à lei, ajustar as folksonomias às disposições da lei implica na adoção de medidas de técnicas e administrativas de segurança, conforme é apresentado nas seções posteriores.

5 Proteção de dados pessoais aplicada às folksonomias

O risco de violação de dados pessoais é latente na sociedade informacional, em que diversos interesses (seja políticos, econômicos, íntimos) envolvem a utilização de informações referentes a terceiros. Com a folksonomia não seria diferente, de modo que, por se tratar de um SOC cujo ambiente próprio é a Web, um dos tipos de violação das quais ela mais está suscetível é a exposição de informações pessoais, o que pode causar ofensas não apenas à imagem e à honra dos seus titulares, por exemplo, mas também prejuízos de ordem financeira. Entende-se, no entanto, que a exposição de informações pessoais não abrange aquelas manifestamente públicas, como dados inseridos pelo próprio usuário em sua rede social ou o nome de uma personalidade pública.

Nesta seção, são apresentadas algumas das principais orientações dadas pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, associadas com ambientes de folksonomias em que estão presentes dados pessoais. Devido à extensão da norma (65 artigos), não é possível tratar de todos os pontos, de modo que só aqueles mais importantes são abordados neste trabalho.

5.1 Aplicação material e territorial

Como já apontado, a regra primária da LGPD é que ela se aplica às operações de tratamento de dados pessoais, seja em ambiente digital (como é o caso das folksonomias), seja em suportes analógicos (BRASIL, 2018BRASIL. Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: Brasília, DF, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. ). Entretanto, também são determinadas regras de aplicação material (em que casos de tratamento a lei se aplica) e de aplicação territorial (em que localizações geográficas a lei se aplica). Além de se verificar a existência de dados pessoais e de alguma operação de tratamento (mesmo as mais simples, como mero armazenamento ou utilização), deve ser identificado pelo menos um item de cada critério de aplicação.

Em relação à aplicação material, a regra geral é a mesma do artigo 1°, a qual é enfatizada pelo artigo 3°: “Esta lei aplica-se a qualquer operação de tratamento realizada por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, independentemente do meio [...]” (BRASIL, 2018BRASIL. Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: Brasília, DF, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. , p. 59). Porém, o artigo 4° aponta que hipóteses que afastam aplicação da lei, o que também vale para as folksonomias:

  1. tratamento realizado por pessoa natural para fins estritamente particulares e não econômicos. Observa-se que, na prática de tagging, não é costume utilizar as etiquetas para finalidades privadas, mas, pelo contrário, a marcação é feita para ser compartilhada entre os demais usuários. Assim, dificilmente essa hipótese de exclusão da aplicação pode ser arguida;

  2. realizados para fins jornalísticos, artísticos e acadêmicos (nesse último caso, devendo-se ser observadas as bases legais de tratamento, que serão abordadas na subseção 5.3). Entende-se que, apesar dessas exclusões à aplicação da lei, a folksonomia ainda não pode comportar dados pessoais que ocasionem alguma exposição indevida das informações dos indivíduos (sejam na forma de tags ou de recursos);

  3. tratamento de dados realizado para fins de segurança pública, defesa nacional, segurança do Estado, atividades de investigação e de repressão de delitos. Neste caso, também se entende que dificilmente esse tipo de informação seria utilizada em folksonomias, que são ambientes abertos, já que o acesso ao conteúdo dessas atividades é restrito.

Além dessas regras, é interessante apresentar as hipóteses legais de aplicação territorial da lei (previstas no artigo 3°) e alguns dos possíveis cenários em que elas podem se aplicar, respectivamente:

Quadro 1 -
Aplicação territorial da LGPD aplicada às folksonomias

Também na hipótese de aplicação territorial da lei, há uma exceção, que é quando os dados pessoais sejam:

[...] provenientes de fora do território nacional e que não sejam objeto de comunicação, uso compartilhado de dados com agentes de tratamento brasileiros ou objeto de transferência internacional de dados com outro país que não o de proveniência, desde que o país de proveniência proporcione grau de proteção de dados pessoais adequado ao previsto nesta Lei (BRASIL, 2018BRASIL. Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: Brasília, DF, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. , p. 59).

5.2 Bases legais

Além das regras de aplicação material e territorial, que exigem a aplicação da LGPD sempre que verificadas, existem também as bases legais, que são hipóteses que autorizam o tratamento de dados pessoais, conferindo-lhe legitimidade. Ou seja, se a operação não se adequar em nenhuma das bases legais, então ela será considerada ilegítima, de modo que não pode ser executada (TEFFÉ; VIOLA, 2020TEFFÉ, Chiara Spadaccini; VIOLA, Mario. Tratamento de dados pessoais na LGPD: estudo sobre as bases legais. Civilistica.com, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 1-38, 2020. ). Há dois róis de bases legais: um destinado aos dados pessoais em geral (artigo 7°) e outro mais rígido, voltado aos dados sensíveis, que precisam de maior proteção (artigo 11).

Dentre as bases legais, destaca-se a mais conhecida, a hipótese de consentimento, que é a “manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada.” (BRASIL, 2018BRASIL. Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: Brasília, DF, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. , p. 59). Ela vale tanto para dados pessoais sensíveis quanto os não sensíveis, devendo o agente de tratamento informar ao titular qual é a finalidade do tratamento. Esse consentimento deve ser “fornecido por escrito ou por outro meio que demonstre a manifestação de vontade do titular” (BRASIL, 2018BRASIL. Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: Brasília, DF, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. , p. 59), detendo o titular o direito de revogá-lo quando quiser. No tratamento de dados pessoais em folksonomias, o consentimento é um instrumento eficaz para demonstrar que o indivíduo concorda com a exposição de suas informações pessoais na Web, seja pela inclusão e associação de tags, seja pela atribuição dessas em recursos que serão indexados. Por exemplo, uma empresa prestadora de serviços pode publicar, em sua rede social, imagens de produtos destinados a determinado cliente, explicitando seu nome (e até mesmo sua imagem) e atribuindo uma hashtag de clientes daquela empresa a essa postagem, desde que isso seja consentido pelo consumidor. Os termos de uso, em que o usuário consente com as condições para utilização de um website, bastante comuns na internet, vislumbram-se como os mecanismos mais adequados para coletar o consentimento de um usuário nesses espaços em que se encontram as folksonomias. Importante destacar que o consentimento é dispensado caso a informação já seja manifestamente pública (BRASIL, 2018BRASIL. Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: Brasília, DF, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. , p. 59), como o nome de uma pessoa famosa ou um dado que o titular publicou em sua própria rede social, por exemplo.

Há outras bases legais, como cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador (art. 7°, inc. II; art. 11, inc. II, ‘a’) e legítimo interesse do controlador ou de terceiro (art. 7°, inc. IX). Não se consegue vislumbrar, porém, cenários usuais de folksonomias legitimadas por algumas dessas hipóteses, senão a do consentimento.

5.3 Término do tratamento de dados pessoais

A lei apresenta as circunstâncias que exigem o término do tratamento de dados pessoais, de modo que eles devem ser descartados de maneira segura, para evitar vazamentos. Essas hipóteses são: (1) consecução da finalidade almejada para o tratamento; (2) fim do prazo de tratamento; (3) pedido de revogação pelo próprio titular, no caso de consentimento; (4) por ordem da ANPD, em caso de violação à lei (BRASIL, 2018BRASIL. Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: Brasília, DF, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. , p. 59). Por outro lado, há casos que justificam a conservação dos dados com os agentes de tratamento, quais sejam:

I - cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador; II - estudo por órgão de pesquisa, garantida, sempre que possível, a anonimização dos dados pessoais; III - transferência a terceiro, desde que respeitados os requisitos de tratamento de dados dispostos nesta Lei; ou IV - uso exclusivo do controlador, vedado seu acesso por terceiro, e desde que anonimizados os dados (BRASIL, 2018BRASIL. Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: Brasília, DF, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. , p. 59).

Contudo, essas hipóteses de conservação não podem ser consideradas em ambientes de folksonomias, já que as informações pessoais permanecem publicadas. Assim, se o agente de tratamento descarta o dado pessoal da webpage, então não existe mais tratamento em folksonomia (ainda que ele ainda possa ser tratado em outro contexto, como em um armazenamento interno, por exemplo).

Ademais, quanto às hipóteses que obrigam a exclusão, deve-se lembrar de que as tags geralmente são perenes, isto é, permanecem associadas a um recurso até que sejam deletadas pelo usuário ou pelos próprios proprietários (ou moderadores) do site. Assim, no caso de consentimento para inclusão de etiquetas, é importante que o agente verifique com o titular sobre a possibilidade de manutenção da publicação por tempo indefinido.

5.4 Responsabilidade

Para fins jurídicos, a responsabilidade é a condição em que alguém deve arcar com as consequências dos atos próprios (ou de terceiros, em alguns casos) que causaram dano a alguém (FARIAS; ROSENVALD; BRAGA, 2017FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Curso de Direito Civil: responsabilidade civil. Salvador: JusPodivm, 2017.). Assim, em regra, quem pratica um ato que gera dano a outrem (seja material ou moral), é obrigado a repará-lo (BRASIL, 2002BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002. ).

Na LGPD, de acordo com o seu artigo 42, controlador e operador são responsabilizados por danos causados aos titulares ou a terceiros se o tratamento de dados for irregular. De acordo com artigo 44, considera-se irregular o tratamento quando foi violada alguma exigência da lei ou quando não foi fornecida a segurança que poderia ser esperada pelo titular. Se houver mais de um controlador envolvido, todos aqueles que praticaram algo ou se omitiram quanto à observância da lei e, assim, geraram danos, devem ser responsabilizados (BRASIL, 2018BRASIL. Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União: Brasília, DF, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018. , p. 59).

No ambiente de folksonomias, há diversas possibilidades de violações à lei que acabam por expor informações pessoais de indivíduos, como ausência de consentimento (quando fosse exigido), utilização da informação para outras finalidades e ausência de medidas de segurança cabíveis. Nesse sentido, entende-se que devem ser responsabilizados todos aqueles que praticam operações de tratamento que ensejaram no dano.

De acordo com Moraes (2019MORAES, Maria Celina Bodin de. LGPD: um novo regime de responsabilização civil dito “proativo”. Civilistica.com, Rio de Janeiro, v. 8, n. 3, 2019. ), a responsabilidade dos agentes de tratamento é proativa, isto é, exige a prestação de contas e a adoção de todas as medidas técnicas e administrativas possíveis para proteger os dados pessoais. No âmbito das folksonomias, entende-se que os proprietários dos sites onde as tags estão indexadas devem se responsabilizar quando tomaram conhecimento da ilegalidade e foram lenientes em permitir sua ocorrência. Assim, em interpretação à LGPD, compreende-se que o titular possui direito de acionar a Justiça para que o dono do website remova tags ou recursos indexados que exponham informações pessoais suas.

Já o usuário que indexou a etiqueta é o grande responsável pela ilegalidade, já que é a publicação da marcação em desacordo com a lei que acabou por gerar o dano ao titular, seja ele de ordem material (por exemplo, publicação indevida do seu número de Cadastro de Pessoa Física em uma rede social, associando a uma hashtag) ou moral (como na exposição de dados sensíveis, como relacionados à vida sexual do titular).

6 Conclusão

As folksonomias são Sistemas de Organização do Conhecimento (SOCs) que fornecem e armazenam tags atribuídas por usuários da internet a recursos da Web, de modo a gerar um conjunto de etiquetas criadas colaborativamente e que indexam coisas disponíveis online. Como trabalham com informações, é possível que tanto tags quanto os recursos indexados figurem como dados relativos a pessoas naturais identificadas ou identificáveis (isto é, dados pessoais).

Diante da necessidade de proteção de dados pessoais e para evitar a sua exposição ilegal (violação comum no âmbito das folksonomias), surge a brasileira Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), inspirada na norma europeia General Data Protection Regulation (GDPR). Em plena vigência, a LGPD dispõe direitos e deveres que devem ser observados durante o tratamento de dados pessoais, inclusive em ambientes digitais, como tagging na Web.

Verificadas as principais regras da lei e sua aplicabilidade ao SOC de indexação social, percebeu-se, primeiramente, que a norma deve ser obedecida sempre que verificada a regra geral da aplicação material e algum dos requisitos de aplicação territorial.

Para que a utilização e publicação de informações pessoais sejam legítimas, deve-se verificar a sua aplicabilidade em alguma das bases legais dispostas nos artigos 7° ou 11 da lei. Observa-se, entretanto, que o consentimento é a principal base legal e a que mais se aproxima das possibilidades de exposição legítima de dados pessoais em folksonomias, visto que o seu titular tem conhecimento e aceita a publicação. O consentimento para tratamento de dados pessoais no ambiente próprio de folksonomias, que é a Web, deve ser requisitado ao usuário por meio de apresentação e pedido de confirmação em termos de uso.

Quando houver alguma violação a informações pessoais nesse tipo de SOC (sendo que a exposição sem consentimento e/ou injusta são algumas delas), então aí deve ser responsabilizado tanto o proprietário do website em que se encontra a tag ou recurso indexado, quanto o usuário (seja uma empresa, instituição privada ou pública, ou mesmo uma pessoa natural) que expôs tal informação de maneira injusta e ilegal.

Portanto, comprovada a existência de cenários de tratamento de dados pessoais em folksonomias (sendo a publicação a principal operação) e a possibilidade de violação daqueles, então se deve observar o regramento disposto pela LGPD para proteger esse tipo de conteúdo informacional e, por conseguinte, a privacidade de seus titulares.

Devido à extensão da lei, não foi possível esmiuçar as nuances que envolvem esses SOCs e as exigências legais de privacidade. Perduram questões tangenciais que extrapolam o objetivo central deste trabalho seminal, mas que podem (e devem, em razão da importância social desta temática) ser melhor desenvolvidas em estudos posteriores: como as folksonomias operantes em diversos países devem se adequar a leis brasileiras e estrangeiras sobre proteção de dados pessoais, concomitantemente? De que forma os proprietários de websites podem prevenir e repelir violações a dados pessoais em suas ferramentas de tagging? Como deve ser a atuação do DPO em ambientes de folksonomias? Como termos de uso devem ser elaborados/apresentados a fim de permitir a adequada coleta do consentimento do titular de dados em ambiente online de tags? Compreende-se que estudos posteriores podem responder a esses questionamentos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    23 Jun 2022
  • Aceito
    29 Jan 2023
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