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Miringoplastia em crianças: análise retrospectiva de 35 casos

Resumos

OBJETIVOS: fazer uma análise retrospectiva dos resultados de miringoplastia em crianças em nosso instituto. MATERIAIS E MÉTODOS: Trinta e cinco crianças com idades entre 9 e 14 anos, que sofreram miringoplastia em nosso hospital, entre abril de 2002 e maio de 2004 formaram o Grupo de Estudo. Registramos os dados relacionados a fechamento bemsucedido da perfuração, fatores que influenciaram a taxa de sucesso e melhorias na audição. RESULTADOS: O fechamento bem-sucedido da perfuração ocorreu em 30 (85,7%) dos 35 pacientes. Falha na "pega" do enxerto ocorreu em 5 pacientes. A melhoria auditiva aconteceu em 27 (77%) pacientes, dos quais 23 tiveram gap aéreo-ósseo entre 10-15 db e 4 tiveram esse gap entre 15-20 db. A audição pós-operatória piorou em 3 pacientes, e em 5 não houve alteração a esse respeito. Não houve casos de perda auditiva profunda. CONCLUSÃO: A miringoplastia é um procedimento benéfico na população pediátrica nas mãos de cirurgiões habilidosos e experientes. Se conduzida adequadamente, ela tem boas possibilidades de restaurar a audição da criança. Entretanto, precisamos ainda de um estudo maior, com acompanhamento mais longo para podermos chegar a uma conclusão mais definitiva.

audição; miringoplastia; perfuração da membrana timpânica


AIMS: to carry out a retrospective analysis of myringoplasty results in children in our institute. MATERIALS AND METHODS:Thirty five children, 9 to 14 years old, who underwent myringoplasty in our hospital between April 2002 and May 2004, formed the study group. Data regarding successful perforation closure, factors influencing success rates and hearing improvement were recorded. RESULTS: Closure of perforation was successful in 30 (85.7%) of the 35 patients. Graft take failure occurred in 5 patients. Audiological improvement was seen in 27 (77%) patients, out of which 23 cases had 10-15 db and 4 cases had 15-20 db air-bone gap. Hearing was found to be worse postoperatively in 3 patients, while no change was noted in the remaining 5 patients. There was no case of profound hearing loss. CONCLUSION: Myringoplasty is a beneficial procedure in the pediatric population in the hands of a skilled and experienced surgeons. If performed properly, it has a good chance of restoring a child's hearing. However, a large study with a long follow up is warranted in order to come to a definitive conclusion.

hearing; myringoplasty; tympanic membrane perforation


ARTIGO ORIGINAL

Miringoplastia em crianças: análise retrospectiva de 35 casos

Nemer Al-Khtoum; Mohammad Ali Hiari

Otorrinolaringologista Sênior - King Hussein Medical Center, Royal Medical Services (Amman-Jordan). Department of Otorhinolaryngology, King Hussein Medical Center (Amman- Jordan)

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVOS: fazer uma análise retrospectiva dos resultados de miringoplastia em crianças em nosso instituto.

MATERIAIS E MÉTODOS: Trinta e cinco crianças com idades entre 9 e 14 anos, que sofreram miringoplastia em nosso hospital, entre abril de 2002 e maio de 2004 formaram o Grupo de Estudo. Registramos os dados relacionados a fechamento bemsucedido da perfuração, fatores que influenciaram a taxa de sucesso e melhorias na audição.

RESULTADOS: O fechamento bem-sucedido da perfuração ocorreu em 30 (85,7%) dos 35 pacientes. Falha na "pega" do enxerto ocorreu em 5 pacientes. A melhoria auditiva aconteceu em 27 (77%) pacientes, dos quais 23 tiveram gap aéreo-ósseo entre 10-15 db e 4 tiveram esse gap entre 15-20 db. A audição pós-operatória piorou em 3 pacientes, e em 5 não houve alteração a esse respeito. Não houve casos de perda auditiva profunda.

CONCLUSÃO: A miringoplastia é um procedimento benéfico na população pediátrica nas mãos de cirurgiões habilidosos e experientes. Se conduzida adequadamente, ela tem boas possibilidades de restaurar a audição da criança. Entretanto, precisamos ainda de um estudo maior, com acompanhamento mais longo para podermos chegar a uma conclusão mais definitiva.

Palavras-chave: audição, miringoplastia, perfuração da membrana timpânica.

INTRODUÇÃO

A cirurgia otológica em crianças é considerada menos eficaz do que em pacientes adultos. A maior incidência de otite media na população pediátrica é frequentemente explicada pelos resultados ruins do seu tratamento cirúrgico. Isso leva a opiniões díspares com relação às indicações adequadas de timpanoplastia em crianças. A maioria concordaria que ouvidos com colesteatoma ou com algum outro tumor de ouvido médio necessitam de cirurgia. O ouvido que purga cronicamente, e é resistente a tratamento clínico também necessita de cirurgia. Entretanto, o tratamento de pacientes com perfuração persistente da membrana timpânica (MT), com ou sem otorreia intermitente, é bastante controverso. Alguns indicam a cirurgia precocemente para corrigir os defeitos anatômicos e melhorar a audição. Outros defendem que a cirurgia eletiva deve ser postergada até que tenha passado o período de pico de incidência de otite média aguda.

Miringoplastias pediátricas começaram a ser relatadas nos EUA em 19621 e no início dos anos 70, no Reino Unido.2 Desde então, vários estudos sobre miringoplastia pediátrica publicados na língua inglesa têm relatado taxas de sucesso entre 56% e 94%.3 Os critérios de sucesso e formatos de estudo não foram semelhantes nesses estudos, tornando difícil comparar os resultados e tirar conclusões imparciais. Mesmo assim, uma meta-análise concluiu que não houve diferença associada à idade com relação à taxa de sucesso da miringoplastia.3

O objetivo do presente estudo foi conduzir uma análise retrospectiva dos resultados de miringoplastia em crianças em nossa instituição.

MATERIAIS E MÉTODOS

Após aprovação do Comitê de Ética Médica do Royal Medical Services, Amman- Jordan (protocolo de aprovação no. RMS/07/032/07).

Trinta e cinco crianças, entre 9 e 14 anos de idade, que sofreram miringotomias no Departamento de Otorrinolaringologia do King Hussein Medical Center na Jordânia, entre abril de 2002 e maio de 2004, formaram o grupo de estudo. A idade média à época da cirurgia foi 12 anos.

Todas as crianças tinham perfuração central que tinham permanecido secas por um período de 10 semanas com uma boa reserva coclear - avaliada pela audiometria tonal pré-operatória.

Os pacientes que passaram por qualquer tipo de mastoidectomia no mesmo dia, ou no mesmo ano em uma data prévia, que passaram por qualquer tipo de reconstrução ossicular juntamente com o procedimento ou previamente a ele, ou aqueles que não tinham dados de acompanhamento disponíveis foram excluídos do estudo.

Registramos os dados relacionados à bem-sucedida cirurgia de fechamento da perfuração timpânica, fatores que influenciam a taxa de sucesso e melhorias na audição.

O fechamento bem-sucedido da perfuração foi definido como o paciente tendo um tímpano intacto 1 ano após o procedimento. O sucesso em termos auditivos foi definido como uma melhoria de 10 dB ou mais em 2 frequências consecutivas comparado aos limiares aéreos pós-operatórios.4 Os limiares pós-operatórios foram medidos em 500; 1,000; 2,000 em 4,000 Hz.

A cirurgia foi feita por um cirurgião experiente. A abordagem endaural foi utilizada em todos os casos. O enxerto de fáscia temporal foi colhido e posicionado medialmente ao tímpano remanescente usando a técnica underlay.

O tempo de internação hospitalar foi de um dia, usando analgésicos por via oral e antibióticos por via endovenosa. Medicação oral foi mantida por uma semana após a alta hospitalar.

RESULTADOS

Percebemos que a taxa de sucesso foi discretamente melhor na faixa etária entre 12 e 14 anos, quando comparadas às crianças entre 9 e 11 anos.

O fechamento da perfuração foi bem sucedido em 30 (85,7%) dos 35 pacientes. Falha no enxerto ocorreu em 5 pacientes.

A melhoria auditiva aconteceu em 27 (77%) pacientes, dos quais 23 tiveram gap aéreo-ósseo de 10-15 db (gap médio pré-operatório e pós-operatório de 27,4 ± 7,6 vs 11,4 ± 6,.1dB respectivamente).

Quatro casos tiveram gap aéreo-ósseo de 15-20 db (gap médio aéreo-ósseo pré-operatório e pós-operatório de 30,4 ± 4,6 vs 17,4 ± 5,1dB respectivamente).

Encontramos a audição piorada no pós-operatório em 3 pacientes (gap aéreo-ósseo pré-operatório e pósoperatório foi de 26,7 ± 5,8 vs 34,6 ± 7,2dB respectivamente), enquanto nenhuma alteração foi encontrada nos 5 pacientes remanescentes. Não houve caso algum de perda auditiva profunda.

Outros fatores que contribuíram para o desfecho da miringoplastia foram a duração da purgação no ouvido, período de inatividade, tamanho da perfuração, condições do ouvido contralateral e condições da mucosa do ouvido médio (Tabela I). Percebemos uma taxa de sucesso mais alta quando a purgação do ouvido foi de curta duração, período mais longo de ouvido seco e menores perfurações timpânicas.

Dos 5 casos que fracassaram, 3 tinham mucosa edematosa ou inflamada no ouvido médio no momento da cirurgia.

E, também, dos cinco casos que falharam, quatro tiveram rejeição completa do enxerto e dois destes tiveram deterioração do nível auditivo, enquanto os outros 2 não tiveram alteração no nível da audição. Um caso permaneceu com uma pequena perfuração residual sem alterações no nível da audição.

DISCUSSÃO

A perfuração da membrana timpânica em crianças pode causar significativa incapacidade. A miringoplastia é um procedimento simples e eficaz que resulta no fechamento da perfuração timpânica na maioria dos casos. Entretanto, parece não haver consenso entre os otologistas com relação aos benefícios da miringoplastia em crianças.5-7 A indicação de se operar crianças precocemente é baseada em 3 fatores6: (1) evitar a possibilidade do paciente desenvolver doença crônica do ouvido e suas complicações; (2) melhorar a audição sem a necessidade de prótese auditiva e assim otimizar uma das principais condições para o desenvolvimento da fala e da linguagem; e (3) ajudar a criança a aproveitar atividades aquáticas. Por outro lado, disfunções persistentes da tuba auditiva (TA), infecções recorrentes do trato respiratório superior, dificuldades técnicas, e reperfuração são os principais argumentos usados para se postergar o procedimento até uma certa idade,7 que pode variar entre 10 e 14 anos. Também já foi defendido que uma perfuração timpânica funciona como um tubo de ventilação.5

O momento da cirurgia na população pediátrica é bastante controverso. Glasscock9 considera a idade tenra como uma contraindicação relativa à timpanoplastia, porque crianças abaixo de três ou quatro anos estão mais pré-dispostas a infecções respiratórias e otite média. Koch et al.5 relataram uma taxa de sucesso de 81% para crianças com 8 anos de idade ou mais, mas apenas 30% de sucesso em crianças mais jovens do que isso. Eles concluíram que a timpanoplastia abaixo dos 8 anos de idade tinha alta taxa de fracasso por causa do mau funcionamento da tuba auditiva e frequentes infecções do trato respiratório superior. Smyth10 concordou, escrevendo que pacientes com menos de 10 anos de idade tinham uma alta taxa de falha na miringoplastia quando comparadas às crianças mais velhas. Isso foi independente do tipo de secreção, local da perfuração e material de enxerto.

Ainda assim, outros como Lau e Tos11 não encontraram diferenças significativas em termos de desfecho do tratamento entre o grupo de crianças entre 2 e 7 anos e aquelas entre 8 e 14. Eles sugeriram que a cirurgia precoce pode evitar a progressão da reabsorção da cadeia ossicular. Ophir et al.12 relatou taxa de sucesso de 79%, e o sucesso que tiveram com as crianças mais jovens (5-8) foi comparável à taxa alcançada com as crianças mais velhas. Eles concluíram que a miringoplastia tinha boa chance de sucesso em qualquer idade. Kessler et al.6 revisaram os resultados de 209 miringoplastias e concluíram que mesmo em pacientes jovens (2-6 anos) a miringoplastia tinha uma alta taxa de sucesso (75-94%), e que idade apenas não pode ser considerada contraindicação para a cirurgia.

O resultado da miringoplastia depende dos critérios usados para a seleção e duração do acompanhamento. Se apenas o fechamento da perfuração for considerado uma medida de sucesso, a taxa relatada fica entre 75% e 92%.12 Isso se compara favoravelmente aos resultados relatados para a população adulta.13-14 Entretanto, a taxa de sucesso pode ser de até 45% se fatores tais como ocorrência de OME, reinserção de tubos de ventilação e atelectasia forem considerados medidas de fracasso.5,12 Apesar de poder participar de atividades aquáticas e a ausência de otorreia sejam benefícios bem reconhecidos que melhoram a qualidade de vida das crianças após a miringoplastia, ainda não há escala para medir esses benefícios.

Assim sendo, é crucial definir os critérios de sucesso na miringoplastia pediátrica, preferencialmente no cenário internacional, que nos permitam comparar resultados de forma mais significativa.

O presente estudo foi conduzido em pacientes com idades entre 9-14 anos, e o resultado de "pega" bem sucedida do enxerto foi de 85,7% que é comparável aos resultados relatados por vários autores.4,5,15,16

A razão pela variação nos resultados desses autores poderia ser atribuída à ampla faixa etária abordada nos vários estudos, à técnica utilizada, à duração variada do acompanhamento e experiência dos cirurgiões.

O gap aéreo-ósseo pós-operatório foi menor do que 20 db em nosso estudo em 77% dos casos comparáveis àqueles de outros autores16,17, enquanto nenhuma alteração na audição foi percebida em cinco pacientes.

Não conseguimos identificar a causa da perda auditiva sofrida por 3 pacientes.

CONCLUSÃO

A miringoplastia é um procedimento benéfico na população pediátrica quando nas mãos de cirurgiões habilidosos e experientes. Se conduzida adequadamente, há uma boa chance de se recuperar a audição da criança. Entretanto, precisamos de um estudo maior e com acompanhamento mais longo para chegarmos a uma conclusão definitiva.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jul 2009
  • Data do Fascículo
    Jun 2009

Histórico

  • Aceito
    13 Mar 2007
  • Recebido
    10 Dez 2006
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