Acessibilidade / Reportar erro

Associação entre tabagismo materno, gênero e fendas labiopalatinas

RESUMO

Introdução:

Fendas labiais e/ou palatinas (FL/P) representam as anomalias congênitas mais comuns da face.

Objetivo:

Avaliar a relação entre tabagismo materno, gênero e FL/P.

Método:

Realizou-se um estudo epidemiológico, de corte transversal. Foram entrevistadas 1.519 mães, divididas em dois grupos: Casos: mães de crianças com FL/P (n = 843); e Controles: mães de crianças sem FL/P (n = 676). Todas as mães foram classificadas como fumantes ou não fumantes durante o primeiro trimestre de gravidez. Para determinar a associação entre tabagismo materno, gênero e FL/P, odds ratios foram calculadas e o ajuste realizado pelo modelo de regressão logística.

Resultados:

Observou-se associação entre tabagismo materno, e fendas. Houve também forte associação entre sexo masculino e presença de fendas (OR = 3,51; 95% IC 2,83-4,37). Regressão logística binária demonstrou que ambas as variáveis foram independentemente associadas coma ocorrência de fendas. Na análise multivariada, o sexo masculino teve 2,5 vezes mais chance de apresentar fendas e tabagismo materno teve 1,5 vez mais chance dessa ocorrência.

Conclusão:

Os resultados são consistentes com a associação positiva entre tabagismo materno durante a gravidez e a ocorrência de FL/P no gênero masculino. Os resultados suportam a importância da prevenção do tabagismo e a aplicação de programas entre mulheres com potencial de gravidez.

Palavras-chave:
Fenda labial; Fenda palatina; Hábito de fumar; Gravidez

ABSTRACT

INTRODUCTION:

Cleft lip and/or palate (CL/P) represent the most common congenital anomalies of the face.

OBJECTIVE:

To assess the relationship between maternal smoking, gender and CL/P.

METHODS:

This is an epidemiological cross-sectional study. We interviewed 1519 mothers divided into two groups: Cases: mothers of children with CL/P (n = 843) and Controls: mothers of children without CL/P (n = 676). All mothers were classified as smoker or non-smoker subjects during the first trimester of pregnancy. To determine an association among maternal smoking, gender, and CL/P, odds ratios were calculated and the adjustment was made by a logistic regression model.

RESULTS:

An association between maternal smoking and the presence of cleft was observed. There was also a strong association between male gender and the presence of cleft (OR = 3.51; 95% CI 2.83-4.37). By binary logistic regression analysis, it was demonstrated that both variables were independently associated with clefts. In a multivariate analysis, male gender and maternal smoking had a 2.5- and a 1.5-time greater chance of having a cleft, respectively.

CONCLUSION:

Our findings are consistent with a positive association between maternal smoking during pregnancy and CL/P in male gender. The results support the importance of smoking prevention and introduction of cessation programs among women with childbearing potential.

Keywords:
Cleft lip; Cleft palate; Smoking; Pregnancy

Introdução

Fenda labial e/ou palatina não sindrômica (FL/PNS, MIM #119530) representa a malformação congênita mais frequente na região da cabeça e pescoço, com uma prevalência variando entre 1:500 e 1:2500 nascidos vivos.11. Dixon MJ, Marazita ML, Beaty TH, Murray JC. Cleft lip and palate: understanding genetic and environmental influences. Nat Rev Genet. 2011;12:167-78. Sua prevalência varia com a etnia (africanos 0,3:1.000; europeus 1,3:1.000; asiáticos 2,1:1.000; indígenas americanos 3,6:1.000) e nível socioeconômico.22. Rahimov F, Jugessur A, Murray JC. Genetics of nonsyndromic orofacial clefts. Cleft Palate Craniofac J. 2012;49:73-91. No Brasil, a prevalência de FL/PNS varia entre 0,36 e 1,54:1.000 nascidos vivos.33. Martelli-Junior H, Porto LV, Martelli DR, Bonan PR, Freitas AB, Coletta R. Prevalence of nonsyndromic oral clefts in a refe- rence hospital in the state of Minas Gerais, Brazil, between 2000-2005. Braz Oral Res. 2007;21:314-7. 44. Rodrigues K, Sena MF, Roncalli AG, Ferreira MA. Prevalence of orofacial clefts and social factors in Brazil. Braz Oral Res. 2009;23:38-42.

FL/PNS consiste em uma interrupção imediatamente identificável da estrutura facial normal. Embora não seja causa importante de mortalidade em países desenvolvidos, FL/PNS efetivamente causa morbidade considerável nas crianças afetadas e representa uma carga financeira substancial, sobretudo para as famílias de baixa situação socioeconômica.55. Wehby G, Cassell CH. The impact of orofacial clefts on quality of life and healthcare use and costs. Oral Dis. 2010;16:3-10. Indivíduos com FL/PNS podem apresentar problemas com a alimentação, a fala, a audição, a integração social e o câncer.11. Dixon MJ, Marazita ML, Beaty TH, Murray JC. Cleft lip and palate: understanding genetic and environmental influences. Nat Rev Genet. 2011;12:167-78. 66. Vieira AR, Khaliq S, Lace B. Risk of cancer in relatives of chil- dren born with isolated cleft lip and palate. Am J Med Genet A. 2012;158:1503-4.

A etiologia de FL/PNS, que envolve tanto fatores genéticos como ambientais, é altamente complexa, e sua base molecular permanece em grande parte desconhecida.22. Rahimov F, Jugessur A, Murray JC. Genetics of nonsyndromic orofacial clefts. Cleft Palate Craniofac J. 2012;49:73-91. 77. Brito LA, Paranaiba LMR, Bassi CFS, Massoti C, Malcher C, Schesinger D, et al. Region 8q24 is a susceptibility locus for nonsyndromic oral clefting in Brazil. Birth Defects Res A: Clin Mol Teratol. 2012;94:464-8. A identificação de fatores de risco modificáveis para FL/ PNS é o primeiro passo em direção à prevenção primária. Já foram previamente identificados fatores de risco como exposição materna à fumaça do tabaco, álcool, desnutrição, gênero, idade materna, infecção viral, medicamentos e teratógenos no local de trabalho ou no domicílio no início da gravidez.11. Dixon MJ, Marazita ML, Beaty TH, Murray JC. Cleft lip and palate: understanding genetic and environmental influences. Nat Rev Genet. 2011;12:167-78. 88. Boyles AL, DeRoo LA, Lie RT, Taylor JA, Jugessur A, Murray JC, et al. Maternal alcohol consumption, alcohol metabolism genes, and the risk of oral clefts: a population-based case-control study in Norway,1996-2001. Am J Epidemiol. 2010;172:924-31. 1111. Martelli DRB, Cruz KM, Barros LM, Silveira MF, Swerts MSO, Maternal Martelli-Junior H. paternal age, birth order and interpregnancy interval evaluation for cleft lip-palate. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76:107-12.

A associação entre tabagismo materno e FL/PNS já foi avaliada em muitos estudos, e uma meta-análise desses estudos sugere uma associação positiva.1212. Little J, Cardy A, Munger RG. Tobacco smoking and oral clefts: a meta analysis. Bull World Health Organ. 2004;82:213-8. 1313. Honein MA, Rasmussen SA, Reefhuis J, Romitti PA, Lammer EJ, Correa A. Maternal smoking and environmental tobacco smoke exposure and the risk of orofacial clefts. Epidemiology. 2007;18:226-33. Diversos trabalhos já foram publicados em todo o mundo com o objetivo de avaliar a distribuição de FL/PNS, frequentemente resultando em percentuais de prevalência variáveis.1414. Christensen K, Juel K, Herskind AM, Murray JC. Long term follow up study of survival associated with cleft lip and palate at birth. BMJ. 2004;328:1405. 1515. Derijcke A, Eerens A, Carels C. The incidence of oral clefts: a review. Br J Oral Maxillofac Surg. 1996;34:488-94. Em um estudo com população brasileira, demonstramos predominância de fenda labiopalatina (52,6%), seguida por fenda labial (33,12%) e fenda palatina (14,28%).1616. Martelli DR, Machado RA, Swerts MS, Rodrigues LA, Aquino SN, Martelli-Junior H. Non-syndromic cleft lip and palate: relationship between sex and clinical extension. Braz J Otorhi- nolaryngol. 2012;78:116-20. A incidência de fenda labial e de fenda labiopalatina é maior no gênero masculino, enquanto a fenda palatina isoladamente demonstra prevalência mais significativa no gênero feminino.1616. Martelli DR, Machado RA, Swerts MS, Rodrigues LA, Aquino SN, Martelli-Junior H. Non-syndromic cleft lip and palate: relationship between sex and clinical extension. Braz J Otorhi- nolaryngol. 2012;78:116-20. 1717. Wu T, Liang KY, Hetmanski JB, Ruczinski I, Fallin MD, Ingersoll RG, et al. Evidence of gene environment interaction for the IRF6 gene and maternal multivitamin supplementation in control- ling the risk of cleft lip with/without cleft palate. Hum Genet. 2010;128:401-10.

São pouquíssimos os estudos que avaliaram a influência de fatores ambientais na população brasileira com FL/PNS. O objetivo do presente estudo foi avaliar a relação entre tabagismo materno, gênero e FL/PNS em uma população brasileira.

Método

Esse é um estudo epidemiológico do tipo caso-controle, realizado em uma só instituição. Todos os participantes foram recrutados na mesma instituição (Centro de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais e Clínica Dental, Minas Gerais, Brasil) entre fevereiro de 2009 e agosto de 2012, numa tentativa de selecionar casos e indivíduos para controle com base étnica e situação sociocultural semelhantes.

Entrevistamos 1.519 mães, que foram divididas em dois grupos: casos - mães de crianças com FL/PNS (n = 843); e controles: mães de crianças sem FL/PNS (n = 676). Todas as mães foram ainda classificadas como fumantes ou não fumantes durante o primeiro trimestre de gestação. Todas as crianças com anomalias ou síndromes associadas ou com história familiar de doença genética foram excluídas do estudo. As mães de crianças com FL/PNS foram avaliadas no Centro de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, enquanto as mães de crianças sem FL/PNS foram avaliadas na Clínica Odontológica.

As fendas foram categorizadas em três grupos, tendo como referência o forame incisivo: 1) Fenda labial (FL): abrangendo fendas pré-forame completas ou incompletas, uni ou bilaterais; 2) Fenda labiopalatina (FL/P): incluindo fendas trans-forame uni ou bilaterais e fendas pré ou pós-forame; 3) Fenda palatina (FP): incluindo todas as fendas pós-forame, completas ou incompletas.1818. Spina V, Psillakis JM, Lapa FS, Ferreira MC. Classification of cleft lip and cleft palate. Suggested changes. Rev Hosp Clin Fac Med Sao Paulo. 1972;27:5-6. Para fins de análise, FL e FL/P (fenda labial com ou sem fenda palatina) foram reunidas em um mesmo grupo, com FP no outro grupo.1111. Martelli DRB, Cruz KM, Barros LM, Silveira MF, Swerts MSO, Maternal Martelli-Junior H. paternal age, birth order and interpregnancy interval evaluation for cleft lip-palate. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76:107-12. 1919. Christensen K, Fogh-Andersen P. Cleft lip (+/- cleft palate) in Danish twins, 1970-1990. Am J Med Genet. 1993;47:910-6. As crianças foram avaliadas por profissionais com experiência no campo das fendas orais.

As informações coletadas foram lançadas em um banco de dados e analisadas com o uso de um programa estatístico, SPSS(r) versão 18.0 (Statistical Package for Social Sciences for Windows, Inc., EUA). A análise foi realizada em duas etapas. Inicialmente, a análise estatística tomou por base a apresentação de dados descritivos e a distribuição de variáveis categóricas. Foram utilizados odds ratio (OR) e intervalos de confiança de 95% (IC 95%) para prevalência, com o objetivo de determinar associações entre tabagismo materno, gênero e ocorrência de FL/PNS. A associação entre tabagismo materno e fendas foi testada em separado para cada gênero. Em seguida, também foi testada em separado a associação entre gênero e ocorrência de FL/PNS, entre as crianças cujas mães fumavam e entre aquelas cujas mães não fumavam. Finalmente, foi aplicado um modelo de regressão logística para identificar variáveis que foram independentemente associadas à ocorrência de FL/PNS.

Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade (#259-2010). Antes da sua realização, foi obtido consentimento informado das participantes, ou de seus responsáveis.

Resultados

No total, 1.519 mulheres foram entrevistadas: 680 mães de bebês com FL/P não sindrômica, 163 mães de bebês com FP sindrômica e 676 mães de bebês sem defeitos congênitos importantes (controles). Das 1.519 crianças incluídas na análise, havia predominância de meninas (57%). Dessas crianças, 843 apresentavam fendas: 680 nasceram com FL/P e 163 com FP isolada. Das 1.519 mães, 307 (20%) eram fumantes: 212/843 (25%) no grupo de casos e 95/676 (14%) no grupo de controle. Houve associação entre tabagismo materno e fendas (OR = 2,02; IC 95% 1,54-2,63). Tabagismo materno também estava associado com FL/P (OR = 2,08; IC 95% 1,58-2,75) e com FP (OR = 1,92; IC 95% 1,26-2,92) (tabela 1). A maioria dos bebês com FL/P era do gênero masculino (61%), e as meninas predominaram entre as crianças com FP isolada (63,8%). Também foi observada uma robusta associação entre gênero masculino e presença de fendas (OR = 3,51; IC 95% 2,83-4,37). Essa associação foi consistente entre os diferentes tipos de fenda (FL/P; OR = 4,28; IC 95% 3,40-5,39; FP; OR = 1,55; IC 95% 1,08-2,23) (tabela 1).

Tabela 1
Análise univariada da distribuição de fenda labial com ou sem fenda palatina (FL/P), fenda palatina (CP) e todas as fendas/fendas, de acordo com a situação de tabagismo materno e gênero do bebê

A associação entre tabagismo materno e fendas, em cada gênero, foi avaliada em separado. Embora o tabagismo materno tenha aumentado o risco de fendas nos dois gêneros, esse aumento foi significativo apenas para as meninas (OR = 2,48; IC 95% 1,73-3,54) (tabela 2). Em contraste, foi observada uma associação entre gênero masculino e fendas entre crianças cujas mães eram fumantes vs. não fumantes. Foi também observado que a ocorrência de fenda foi significativamente mais elevada em meninos, tanto entre aqueles com mães fumantes, como naqueles com mães não fumantes (mãe fumante: OR = 2,10; IC 95% 1,28-3,45 e mãe não fumante: OR = 3,89; IC 95% 3,05-4,97).

Por meio de uma análise de regressão logística binária, ficou demonstrado que ambas as variáveis (gênero e tabagismo materno) estavam independentemente associadas com fendas. Nessa análise multivariada, "gênero masculino" demonstrou uma probabilidade 2,5 vezes maior de fendas (OR = 2,39; IC 95% 2,0-2,87; p < 0,001) e "tabagismo materno" teve uma probabilidade 1,5 vezes maior (OR = 1,49; IC 95% 1,15-1,93; p = 0,002). Vale ressaltar a ocorrência de aumento daodds ratio na comparação entre subgrupos estratificados por gênero das crianças e situação materna em relação ao tabagismo: gênero feminino/mãe não fumante (OR = 0,63; 95% IC 0,54-0,73), gênero feminino/mãe fumante (OR = 1,56; 95% IC 1,13-2,16), gênero masculino/mãe não fumante (OR = 2,43; 95% IC 2,01-2,95), e gênero masculino/mãe fumante (OR = 3,37; 95% IC 2,31-4,91) (χ2 = 153,5; p < 0,001). A figura 1 ilustra a diferença entre os efeitos simultâneos das duas variáveis estratificadas ao longo desses quatro subgrupos.

Tabela 2
Análises da associação entre tabagismo materno e ocorrência de fenda labial e/ou palatina não sindrômica em cada gênero em separado e associação entre gênero e ocorrência de fendas em relação ao tabagismo materno

Discussão

Os pacientes descritos no presente estudo foram recrutados no Centro de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Minas Gerais, Brasil. Este serviço é considerado um dos maiores centros de reparo de fendas do país, realizando todos os procedimentos de reabilitação que são encaminhados ao Sistema Unificado de Saúde brasileiro.99. Bufalino A, Paranaíba LMR, Aquino SN, Martelli-Junior H, Swerts MSO, Coletta RD. Maternal polymorphisms in folic acid metabolic genes are associated with nonsyndromic cleft lip and/or palate in the Brazilian population. Birth Defects Res A: Clin Mol Teratol. 2010;88:980-6. 1111. Martelli DRB, Cruz KM, Barros LM, Silveira MF, Swerts MSO, Maternal Martelli-Junior H. paternal age, birth order and interpregnancy interval evaluation for cleft lip-palate. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76:107-12. Com uma população superior a 190 milhões de habitantes e nascimento de 3 milhões de bebês por ano, FL/PNS é um importante problema de saúde pública no país, com aproximadamente 4 mil novos casos de FL/PNS a cada ano.1111. Martelli DRB, Cruz KM, Barros LM, Silveira MF, Swerts MSO, Maternal Martelli-Junior H. paternal age, birth order and interpregnancy interval evaluation for cleft lip-palate. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76:107-12.

Embora os fatores de risco ambientais e genéticos associados com FL/PNS permaneçam ainda obscuros, nota-se progresso no entendimento dos mecanismos envolvidos nessa malformação.11. Dixon MJ, Marazita ML, Beaty TH, Murray JC. Cleft lip and palate: understanding genetic and environmental influences. Nat Rev Genet. 2011;12:167-78. 22. Rahimov F, Jugessur A, Murray JC. Genetics of nonsyndromic orofacial clefts. Cleft Palate Craniofac J. 2012;49:73-91. Por repetidas vezes, o tabagismo materno tem sido associado a maior risco de FL/PNS, e uma meta-análise corrobora uma OR global para ocorrência de fendas de aproximadamente 1,3 entre a prole de mães fumantes.1212. Little J, Cardy A, Munger RG. Tobacco smoking and oral clefts: a meta analysis. Bull World Health Organ. 2004;82:213-8. 2020. Shi M, Christensen K, Weinberg CR, Romitti P, Bathum L, Lozada A, et al. Orofacial cleft risk is increased with maternal smok- ing and specific detoxification gene variants. Am J Hum Genet. 2007;80:76-90. 2121. Shi M, Christensen K, Weinberg CR, Romitti P, Bathum L, Lozada A, et al. Review on genetic variants and maternal smoking in the etiology of oral clefts and other birth defects. Birth Defects Res C: Embryo Today. 2008;84:16-29. Nossos achados confirmam os dados na literatura. Em nossa análise, a probabilidade de ocorrência de fenda em crianças cuja mãe era fumante equivale ao dobro, em comparação com filhos de mães não fumantes. Little et al (2004)1212. Little J, Cardy A, Munger RG. Tobacco smoking and oral clefts: a meta analysis. Bull World Health Organ. 2004;82:213-8.realizaram uma meta-análise para associação entre tabagismo materno durante a gestação e fendas orais com o uso de dados provenientes de 24 estudos de casocontrole e de coorte. Seus autores observaram um risco relativo de 1,34 (IC 95% 1,25-1,34) entre tabagismo materno e FL/P, e de 1,22 (IC 95% 1,10-1,35) entre tabagismo materno e FP. Nessa mesma linha, Honei et al. (2007)1313. Honein MA, Rasmussen SA, Reefhuis J, Romitti PA, Lammer EJ, Correa A. Maternal smoking and environmental tobacco smoke exposure and the risk of orofacial clefts. Epidemiology. 2007;18:226-33. demonstraram que o tabagismo periconcepcional estava associado com FL/P (OR = 1,3; IC 95% 1,0-1,6), e ainda mais fortemente associado com FL/P bilateral (OR = 1,7; 1,2-2,6), tendo sido observada uma associação mais fraca para FP.

Figura 1
Associação entre a situação de tabagismo materno e gênero do neonato com a presença de deformidades de fenda facial (nf = não fumante). Os retângulos representam os intervalos de confiança de 95%.

A fumaça do cigarro contém nicotina, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, alcatrão, partículas de carbono e monóxido de carbono. A exposição dos tecidos embrionários depende do número de cigarros fumados, da frequência das tragadas, da profundidade da inalação e da transferência materno-embrionária e do metabolismo do embrião. Ainda não foram devidamente elucidados os mecanismos que fazem com que a fumaça do cigarro afete prejudicialmente o resultado da gestação.2222. Van Rooij IA, Wegerif MJ, Roelofs HM, Peters WH, Kuijpers- Jagtman AM, Zielluis GA, et al. Smoking, genetics poly- morphisms in biotransformation enzymes, and nonsyndromic oral clefting: a gene-environment interaction. Epidemiology. 2001;12:502-7. Os maiores riscos decorrentes da exposição ao fumo materno durante o período periconcepcional levantam a possibilidade de que genes em determinadas vias metabólicas possam desempenhar algum papel no desenvolvimento de FL/PNS. Especificamente, marcadores nos genes GSTT1 (glutátion S-transferase teta) ou NOS3 (óxido nítrico sintase 3) parecem influenciar o risco de FL/PNS em presença de tabagismo materno.2020. Shi M, Christensen K, Weinberg CR, Romitti P, Bathum L, Lozada A, et al. Orofacial cleft risk is increased with maternal smok- ing and specific detoxification gene variants. Am J Hum Genet. 2007;80:76-90. 2121. Shi M, Christensen K, Weinberg CR, Romitti P, Bathum L, Lozada A, et al. Review on genetic variants and maternal smoking in the etiology of oral clefts and other birth defects. Birth Defects Res C: Embryo Today. 2008;84:16-29. 2323. Zhu H, Kartiko S, Finnell RH. Importance of gene-environment interactions in the etiology of selected birth defects. Clin Genet. 2009;75:409-20. Os marcadores em GSTT1 são variantes de deleção gênica; isso sugere que deficiências nas vias de destoxificação podem estar na base de parte da suscetibilidade. Recentemente, o fumo também foi associado com variantes do gene IRF6.1717. Wu T, Liang KY, Hetmanski JB, Ruczinski I, Fallin MD, Ingersoll RG, et al. Evidence of gene environment interaction for the IRF6 gene and maternal multivitamin supplementation in control- ling the risk of cleft lip with/without cleft palate. Hum Genet. 2010;128:401-10.

Com relação à distribuição das fendas nos dois grupos (FL/P e FP), foi possível constatar que, dos 843 casos de FL/PNS, 680 (80,7%) eram FL/P e 163 (19,3%) eram FP isoladas. Na maioria dos estudos publicados, o percentual de indivíduos com FL/P tem sido mais alto, em comparação com o percentual exclusivo para FP, inclusive em estudos brasileiros.2424. Freitas JA, Dalben Gda S, Santamaria M Jr, Freitas PZ. Current data on the characterization of oral clefts in Brazil. Braz Oral Res. 2004;18:128-33. 2525. Martelli DR, Bonan PR, Soares MC, Paranaíba LR, Martelli-Junior H. Analysis of familial incidence of non-syndromic cleft lip and palate in a Brazilian population. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2010;15:898-901. Em outro estudo, nosso grupo chegou a resultados semelhantes na distribuição de FL/PNS (FL/P = 81,61% e FP = 18,37%).1111. Martelli DRB, Cruz KM, Barros LM, Silveira MF, Swerts MSO, Maternal Martelli-Junior H. paternal age, birth order and interpregnancy interval evaluation for cleft lip-palate. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76:107-12. Entre as 843 crianças com fenda avaliadas, 474 (56,2%) eram meninos e 369 (43,8%) eram meninas. Em outro estudo, demonstramos que FP era mais frequente em meninas (28,7%vs. 13,6%; 1,77:1); enquanto FL/P (59,8%vs. 45,5%; 1,56:1) e FL (25,7% vs. 26,6%; 1,23:1) predominavam em meninos (p = 0,001).1717. Wu T, Liang KY, Hetmanski JB, Ruczinski I, Fallin MD, Ingersoll RG, et al. Evidence of gene environment interaction for the IRF6 gene and maternal multivitamin supplementation in control- ling the risk of cleft lip with/without cleft palate. Hum Genet. 2010;128:401-10. Também foi possível determinar por regressão logística multinomial que a probabilidade de ocorrência de FL em meninos foi de 2,19, em comparação com FP em meninas, enquanto o risco de ocorrência de FL/P em meninos foi equivalente a 2,78 vezes o risco de FP em meninas.1616. Martelli DR, Machado RA, Swerts MS, Rodrigues LA, Aquino SN, Martelli-Junior H. Non-syndromic cleft lip and palate: relationship between sex and clinical extension. Braz J Otorhi- nolaryngol. 2012;78:116-20. Em populações de raça branca, essa maioria de indivíduos do gênero masculino com FL/P se tornou mais evidente com o aumento da gravidade da fenda, e menos evidente quando mais de um irmão na família estava afetado.2626. Niswander JD, MacLean CJ, Chung CS, Dronamraju K. Sex ratio and cleft lip with or without cleft palate. Lancet. 1972;2:858-60.

Recentemente, Lei et al. (2013),2727. Lei R-L, Chen H-S, Huang B-Y, Chen Y-C, Chen PK-T, Lee HY, et al. Population-based study of birth prevalence and factors associated with cleft lip and/or palate in Taiwan 2002-2009. PLOS ONE. 2013;8:e58690. em um estudo epidemiológico de base populacional em Formosa (Taiwan), demonstraram prevalências mais elevadas de FL/P ou FP em mulheres multíparas, de FL/P para "ser do gênero masculino", de FP para "ser do gênero feminino", idade gestacional ≤ 37 semanas e baixo peso ao nascer (< 1,5 kg). De acordo com os achados desses autores, "neonato do gênero masculino" e "neonato do gênero feminino" estavam fortemente associados com FL/P e FP, respectivamente (ambos, p < 0,0001). Em nossa análise, o tabagismo materno aumentou a probabilidade de ocorrência de fendas nos dois gêneros; contudo, esse aumento foi significativo apenas para as meninas (OR = 2,48; IC 95% 1,73-3,54). Possivelmente, esse achado está relacionado ao fato de que houve uma associação entre gênero masculino e fendas entre aquelas crianças cujas mães fumavam, e entre aquelas cujas mães não fumavam. Na análise de nossa amostra estratificada para situação de tabagismo materno e gênero da criança, tem particular interesse a observação de um consistente aumento na odds ratio ao longo dos grupos, desde o par "mãe não fumante/gênero feminino" até o par "mãe fumante/gênero masculino".

Com relação às limitações do presente estudo, não fizemos uma avaliação quantitativa da exposição materna ao tabagismo passivo, nem quantificação do número de cigarros consumidos pela mãe e duração do hábito de fumar. Além disso, o banco de dados não proporcionou informações sobre as condições maternas e características perinatais (p. ex., peso ao nascer e idade gestacional), que, evidentemente, podem desempenhar um papel no desenvolvimento de deformidades de fenda facial. Queremos destacar as limitações que ainda existem em relação aos pareamentos realizados entre os grupos de caso e de controle, ainda que conduzidos na mesma instituição.

Conclusão

Resumidamente, nossos achados são consistentes com uma associação positiva entre tabagismo materno durante a gestação e FL/PNS no neonato. Também constatamos que crianças do gênero masculino têm uma probabilidade 3,5 vezes maior de nascer com fendas, em comparação com crianças do gênero feminino. A identificação de fatores de risco modificáveis para FL/PNS, como o tabagismo materno, é o primeiro passo na direção da prevenção primária. A consistência dos achados para FL/PNS e para tabagismo materno sugerem uma oportunidade para a prevenção desses graves defeitos. Os resultados aqui apresentados apoiam a importância da prevenção do fumo e da implementação de programas de cessação do tabagismo entre todas as mulheres em idade fértil.

Agradecimento

Esse estudo foi financiado por bolsas da Fundação de Pesquisa do Estado de Minas Gerais - Fapemig, Brasil; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, Brasil; Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Brasil; e Procad/Casadinho - Capes/CNPq.

References

  • 1
    Dixon MJ, Marazita ML, Beaty TH, Murray JC. Cleft lip and palate: understanding genetic and environmental influences. Nat Rev Genet. 2011;12:167-78.
  • 2
    Rahimov F, Jugessur A, Murray JC. Genetics of nonsyndromic orofacial clefts. Cleft Palate Craniofac J. 2012;49:73-91.
  • 3
    Martelli-Junior H, Porto LV, Martelli DR, Bonan PR, Freitas AB, Coletta R. Prevalence of nonsyndromic oral clefts in a refe- rence hospital in the state of Minas Gerais, Brazil, between 2000-2005. Braz Oral Res. 2007;21:314-7.
  • 4
    Rodrigues K, Sena MF, Roncalli AG, Ferreira MA. Prevalence of orofacial clefts and social factors in Brazil. Braz Oral Res. 2009;23:38-42.
  • 5
    Wehby G, Cassell CH. The impact of orofacial clefts on quality of life and healthcare use and costs. Oral Dis. 2010;16:3-10.
  • 6
    Vieira AR, Khaliq S, Lace B. Risk of cancer in relatives of chil- dren born with isolated cleft lip and palate. Am J Med Genet A. 2012;158:1503-4.
  • 7
    Brito LA, Paranaiba LMR, Bassi CFS, Massoti C, Malcher C, Schesinger D, et al. Region 8q24 is a susceptibility locus for nonsyndromic oral clefting in Brazil. Birth Defects Res A: Clin Mol Teratol. 2012;94:464-8.
  • 8
    Boyles AL, DeRoo LA, Lie RT, Taylor JA, Jugessur A, Murray JC, et al. Maternal alcohol consumption, alcohol metabolism genes, and the risk of oral clefts: a population-based case-control study in Norway,1996-2001. Am J Epidemiol. 2010;172:924-31.
  • 9
    Bufalino A, Paranaíba LMR, Aquino SN, Martelli-Junior H, Swerts MSO, Coletta RD. Maternal polymorphisms in folic acid metabolic genes are associated with nonsyndromic cleft lip and/or palate in the Brazilian population. Birth Defects Res A: Clin Mol Teratol. 2010;88:980-6.
  • 10
    Jentink J, Loane MA, Dolk H, Barisic I, Garne E, Morris JK, et al. Valproic acid monotherapyin pregnancy and major congenital malformations. N Engl J Med. 2010;362:2185-93.
  • 11
    Martelli DRB, Cruz KM, Barros LM, Silveira MF, Swerts MSO, Maternal Martelli-Junior H. paternal age, birth order and interpregnancy interval evaluation for cleft lip-palate. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76:107-12.
  • 12
    Little J, Cardy A, Munger RG. Tobacco smoking and oral clefts: a meta analysis. Bull World Health Organ. 2004;82:213-8.
  • 13
    Honein MA, Rasmussen SA, Reefhuis J, Romitti PA, Lammer EJ, Correa A. Maternal smoking and environmental tobacco smoke exposure and the risk of orofacial clefts. Epidemiology. 2007;18:226-33.
  • 14
    Christensen K, Juel K, Herskind AM, Murray JC. Long term follow up study of survival associated with cleft lip and palate at birth. BMJ. 2004;328:1405.
  • 15
    Derijcke A, Eerens A, Carels C. The incidence of oral clefts: a review. Br J Oral Maxillofac Surg. 1996;34:488-94.
  • 16
    Martelli DR, Machado RA, Swerts MS, Rodrigues LA, Aquino SN, Martelli-Junior H. Non-syndromic cleft lip and palate: relationship between sex and clinical extension. Braz J Otorhi- nolaryngol. 2012;78:116-20.
  • 17
    Wu T, Liang KY, Hetmanski JB, Ruczinski I, Fallin MD, Ingersoll RG, et al. Evidence of gene environment interaction for the IRF6 gene and maternal multivitamin supplementation in control- ling the risk of cleft lip with/without cleft palate. Hum Genet. 2010;128:401-10.
  • 18
    Spina V, Psillakis JM, Lapa FS, Ferreira MC. Classification of cleft lip and cleft palate. Suggested changes. Rev Hosp Clin Fac Med Sao Paulo. 1972;27:5-6.
  • 19
    Christensen K, Fogh-Andersen P. Cleft lip (+/- cleft palate) in Danish twins, 1970-1990. Am J Med Genet. 1993;47:910-6.
  • 20
    Shi M, Christensen K, Weinberg CR, Romitti P, Bathum L, Lozada A, et al. Orofacial cleft risk is increased with maternal smok- ing and specific detoxification gene variants. Am J Hum Genet. 2007;80:76-90.
  • 21
    Shi M, Christensen K, Weinberg CR, Romitti P, Bathum L, Lozada A, et al. Review on genetic variants and maternal smoking in the etiology of oral clefts and other birth defects. Birth Defects Res C: Embryo Today. 2008;84:16-29.
  • 22
    Van Rooij IA, Wegerif MJ, Roelofs HM, Peters WH, Kuijpers- Jagtman AM, Zielluis GA, et al. Smoking, genetics poly- morphisms in biotransformation enzymes, and nonsyndromic oral clefting: a gene-environment interaction. Epidemiology. 2001;12:502-7.
  • 23
    Zhu H, Kartiko S, Finnell RH. Importance of gene-environment interactions in the etiology of selected birth defects. Clin Genet. 2009;75:409-20.
  • 24
    Freitas JA, Dalben Gda S, Santamaria M Jr, Freitas PZ. Current data on the characterization of oral clefts in Brazil. Braz Oral Res. 2004;18:128-33.
  • 25
    Martelli DR, Bonan PR, Soares MC, Paranaíba LR, Martelli-Junior H. Analysis of familial incidence of non-syndromic cleft lip and palate in a Brazilian population. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2010;15:898-901.
  • 26
    Niswander JD, MacLean CJ, Chung CS, Dronamraju K. Sex ratio and cleft lip with or without cleft palate. Lancet. 1972;2:858-60.
  • 27
    Lei R-L, Chen H-S, Huang B-Y, Chen Y-C, Chen PK-T, Lee HY, et al. Population-based study of birth prevalence and factors associated with cleft lip and/or palate in Taiwan 2002-2009. PLOS ONE. 2013;8:e58690.
  • Financiamento Esse estudo foi patrocinado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG Procad/Casadinho - CNPq-Capes.
  • Como citar este artigo: Martelli DRB, Coletta RD, Oliveira EA, Swerts MSO, Rodrigues LAM, Oliveira MC, et al. Association between maternal smoking, gender, and cleft lip and palate. Braz J Otorhinolaryngol. 2015;81:514-9.
  • ☆ ☆
    Instituição: Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Montes Claros, MG, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2015

Histórico

  • Recebido
    29 Mar 2014
  • Aceito
    07 Set 2014
Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Sede da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial, Av. Indianópolia, 1287, 04063-002 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (0xx11) 5053-7500, Fax: (0xx11) 5053-7512 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@aborlccf.org.br