Valores normativos para o índice de desvantagem vocal no canto - revisão sistemática e metanálise

Resumo

Introdução

Não há protocolos diagnósticos oficiais para avaliação de voz no canto. Neste estudo baseado em uma revisão de literatura, são fornecidos padrões para o índice de desvantagem vocal no canto exclusivamente dedicado a distúrbios vocais no canto.

Objetivo

Determinar os valores normativos para o índice de desvantagem vocal no canto.

Método

O estudo é uma revisão sistemática com metanálise. Uma busca sistemática da literatura foi feito no PubMed para acessar bancos de dados relevantes e para localizar estudos de desfecho. Os critérios de inclusão foram: estudos escritos em inglês, artigos originais e estudos em seres humanos, retrospectivos e prospectivos, estudos transversais e de caso-controle.

Resultados

Oito artigos foram incluídos na análise final. O valor normativo para o índice de desvantagem vocal no canto foi de 20,35 com intervalo de confiança de 10,6 a 30,1 em um grupo de 729 indivíduos saudáveis cujas vozes foram consideradas normais, de 16 a 64 anos.

Conclusões

O valor normativo médio do índice de desvantagem vocal no canto foi de 20,35 com intervalo de confiança entre 10,6 e 30,1.

Palavras-chave
IDVC; Cantores; Vozes normais; Metanálise

Abstract

Introduction

There are no official diagnostic protocols for singing voice assessment. In this publication, on the basis of a literature review, standards for the singing voice handicap index exclusively dedicated to voice disorders in singing have been given.

Objective

The study aims to determine the normative values for the singing voice handicap index.

Methods

The study is a systematic review and a meta-analysis. A systematic literature search was performed using PubMed to access relevant databases and to locate outcome studies. The “inclusion” criteria were as follows: English language, original papers and human studies retrospective and prospective papers, cross-sectional and case-control studies.

Results

Eight articles were included for the final analysis. The normative value for the singing voice handicap index was 20.35 with a confidential range of 10.6–30.1 for a group of 729 healthy subjects whose voices were judged as normal, with an age range of 16–64 years.

Conclusion

The mean normative value of the singing voice handicap index was 20.35 with the confidence levels between 10.6 and 30.1.

Keywords
SVHI; Singers; Normal voices; Meta-analysis

Introdução

Cantores constituem um grupo especial de usuários profissionais da voz que são particularmente sensíveis a deficiências vocais e apresentam alto risco de problemas de voz. Em comparação com os não cantores, eles podem ter um impacto maior em sua qualidade de vida e ter mais problemas de voz autorrelatados. Eles também são mais propensos a procurar atendimento médico.^1–3

Relatos anteriores mostram que os distúrbios da voz afetam negativamente a vida física, emocional, econômica e social do paciente.^4–6 Levando em conta esses relatos, a Organização Mundial de Saúde definiu uma deficiência como uma desvantagem social, ambiental ou econômica. Assim, medir a disfunção de um paciente que resulta de problemas de voz em cantores é essencial para fornecer suas necessidades de saúde vocal.

O questionário mais popular criado para medir o impacto dos problemas de voz em indivíduos é o voice handicap index (VHI) (tabela 1).⁷ Ele foi criado para avaliar problemas de voz na população em geral, principalmente na voz falada. O VHI é organizado em três categorias: funcional, física e emocional, cada uma com 10 itens. Desses 30 itens, cinco funcionais, três físicos e dois emocionais foram escolhidos para criar o questionário VHI-10.

Tabela 1
Questionário do Índice de Desvantagem Vocal no Canto⁹

(1) É preciso muito esforço para cantar.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(2) Minha voz está falhando e quebrando	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(3) Sinto-me frustrado (a) com o meu canto.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(4) As pessoas perguntam "O que há de errado com sua voz?"	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(5) Minha capacidade de cantar varia de um dia para o outro	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(6) Minha voz falha quando eu estou cantando.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(7) Meu canto me aborrece.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(8) Meus problemas de canto me fazem não querer cantar / me apresentar.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(9) Meu canto me deixa envergonhado (a).	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(10) Eu não consigo usar minha "voz aguda".	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(11) Eu fico nervoso (a) antes de cantar por causa dos meus problemas de canto.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(12) Minha voz falada não é normal.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(13) Minha garganta fica seca quando canto.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(14) Eu tive que eliminar certas músicas do meu canto / apresentações.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(15) Eu não tenho confiança na minha voz cantada.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(16) Minha voz cantada nunca é normal.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(17) Tenho dificuldades de conseguir que minha voz faça o que eu quero.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(18) Tenho de me esforçar muito para produzir minha voz ao cantar.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(19) Tenho dificuldade de controlar a soprosidade na minha voz.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(20) Tenho dificuldade de controlar a aspereza da minha voz.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(21) Tenho dificuldade de cantar em voz alta.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(22) Tenho dificuldade de manter o timbre da frequência quando canto.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(23) Eu me sinto ansioso (a) com o meu canto.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(24) Meu canto soa forçado.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(25) Minha voz falada fica rouca depois que eu canto.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(26) Minha qualidade de voz é inconsistente.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(27) Minha voz cantada torna difícil que o público me ouça.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(28) Meu canto faz com que eu me sinta deficiente.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(29) Minha voz cantada se cansa com facilidade.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(30) Sinto dor, cócegas ou engasgo quando canto.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(31) Não tenho certeza de como minha voz vai sair quando canto.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(32) Sinto que algo está faltando na minha vida por causa da minha incapacidade de cantar.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(33) Estou preocupado com que meus problemas de canto me façam perder dinheiro.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(34) Eu me sinto deixado de fora do cenário musical por causa da minha voz.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(35) Meu canto faz com que eu me sinta incompetente.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre
(36) Tenho que cancelar apresentações, compromissos, ensaios ou práticas por causa do meu canto.	Nunca	Quase Nunca	Às vezes	Quase Sempre	Sempre

Durante a prática clínica, notou-se que os cantores tinham escores significativamente menores no VHI e no VHI-10 em comparação aos não cantores.⁸ Rosen et al.² e Behrman et al.³ observaram que a desvantagem vocal de cantores é menor do que a de não cantores. Pode ser devido ao fato de que os cantores podem ser mais sensíveis às mudanças de voz. Além disso, os problemas de voz de não cantores podem diferir daqueles dos cantores. O VHI pode não ser sensível o suficiente para os cantores, pois se concentra na voz falada. Essa observação levou ao desenvolvimento do segundo índice: o índice de desvantagem vocal no canto e sua versão reduzida, IDVC-10, para cantores com problemas de voz. Esse índice foi desenvolvido e validado em cantores por Cohen et al. em 2007.⁹ O questionário IDVC é composto por 36 itens: físicos, emocionais, sociais e econômicos, graduados individualmente em uma escala Likert de cinco pontos (0 - nunca, 1 - quase nunca, 2 - às vezes, 3 - quase sempre, 4 - sempre; ver o apêndice) cuja variação vai de 0 a 144. Ficou provado que o IDVC pode ser usado para medir os desfechos do tratamento em cantores.¹⁰ Um escore maior no IDVC indica maior deficiência de voz cantada. O IDVC comparado com o questionário VHI é mais sensível para cantores com distúrbios de voz.¹⁰

A principal proposta deste estudo foi determinar os valores normativos para o IDVC em cantores cuja voz foi julgada como normal.

Material e método

Os estudos incluídos nesta pesquisa foram selecionados a partir de uma busca sistemática da literatura no banco de dados PubMed. Estudos publicados até 15 de abril de 2018 foram incluídos. Os critérios de inclusão foram os seguintes: artigos em inglês, originais e estudos em seres humanos retrospectivos e prospectivos, estudos transversais e de caso-controle. Os critérios de exclusão foram os seguintes: mediana do IDVC, valor médio do IDVC sem desvio-padrão. Relatos de casos não foram considerados. A triagem dos resultados foi baseada nas frases e palavras: IDVC, cantores, usuários profissionais de voz, vozes normais. Estudos não publicados e aqueles sem avaliações por pares, resumos ou textos incompletos não foram considerados. Autores não foram contatados. Dois revisores, o primeiro e o segundo autores, avaliaram cada resumo para possível inclusão e chegaram a um consenso para que o artigo final fosse incluído na revisão.

Critérios de elegibilidade

A revisão sistemática foi feita com as diretrizes PRISMA.¹¹ Os requisitos específicos estão listados a seguir:

Paciente/população: Usuários profissionais de voz, adultos com vozes normais e sem doença de prega vocal identificável, em todas as faixas etárias.

Limites usados: Estudos em seres humanos, estudos publicados em inglês.

Cadeia de pesquisa: Os detalhes são mostrados na figura 1.

Figura 1
Fluxograma da inclusão de artigos.

Análise estatística

A análise estatística foi feita com o software Statistica 13. A heterogeneidade estatística foi avaliada pela medida do índice de inconsistência I₂. A análise foi feita com um modelo de efeitos fixos e a diferença média padronizada com intervalo de confiança de 95% (IC 95%).

Resultados

Nossa estratégia de busca identificou 21 artigos no banco de dados PubMed. Após a triagem com as frases e palavras índice de desvantagem vocal no canto (IDVC), adultos e vozes normais e usuários profissionais da voz, oito estudos foram identificados^12–19 e, portanto, incluídos. As características dos estudos estão resumidas na tabela 2. Na metanálise, consideramos apenas os cantores profissionais que se identificaram como saudáveis, o que foi definido como não tendo problemas vocais conhecidos.

Tabela 2
Escores do IDVC e desvios-padrão

Estudo	Grupo controle do IDVC Média (DP)	Número de indivíduos
Lorenz et al.12	15,0 (12,7)	130
Garcia-Lopez et al.13	28,43 (18,58)	81
Baracca et al.14	29,26 (25,72)	117
Gunjawate et al.15	19,81 (10,74)	84
Lee et al.16	19,84 (12,84)	90
Castelblanco et al.17	22,4 (16,33)	47
Sielska-Badurek et al.18	19,4 (11,2)	57
Denizŏglu et al.19	21,8 (18,5)	123

A maioria dos estudos foi feita na Europa (n = 6), seguida do Egito (n = 1) e da Índia (n = 1).

A análise dos dados foi feita com metanálise. A faixa etária foi de 16 a 64 anos. O valor normativo médio recebido do IDVC para um grupo de 729 profissionais da voz saudáveis foi de 20,65, com IC95% de 10,6-30,1 (fig. 2). Uma heterogeneidade para os diferentes estudos incluídos na metanálise foi I² = 0%, então o modelo de efeito fixo foi usado.

Figura 2
Gráfico em floresta (forest plot) do escore do IDVC, com p-valor indicando nível de significância estatística.

Discussão

O objetivo deste estudo foi encontrar o valor normativo para o IDVC em uma grande população de cantores profissionais saudáveis. Os cantores representam um grupo específico de usuários profissionais da voz. Eles correm o risco de desenvolver problemas de voz que afetam não apenas a voz falada, mas também a cantada. Para maximizar o tratamento desse grupo especial de pessoas, é essencial entender como os problemas de voz os afetam. Embora o VHI tenha sido aplicado para avaliar a voz cantada,⁸ foi observado que sua sensibilidade era fraca para avaliar essa categoria de problemas de voz. Como resultado, houve a necessidade de criar um instrumento de autorrelato mais específico, o singing voice handicap index, ou índice de desvantagem vocal no canto (IDVC). Trata-se de um questionário específico para avaliar a voz cantada nos domínios emocional, social, físico e econômico. Foi demonstrado¹⁰ que o IDVC é sensível a alterações clínicas e ajuda a identificar problemas específicos de canto.

A validação e adaptação de IDVC foram feitas em vários idiomas: inglês,⁹ alemão,¹² italiano,¹⁴ turco,¹⁹ espanhol¹³ e polonês.¹⁸ A maioria dos estudos considerou pequenos grupos de participantes saudáveis, por isso é muito difícil dar um escore de vozes normativas digno de confiança para os cantores. Para receber um escore mais apropriado, consideramos um grupo relativamente grande de indivíduos saudáveis sem queixas de voz ou audição de estudos multicêntricos. Para fazer isso, fizemos uma busca sistemática da literatura no banco de dados eletrônico PubMed. Os critérios de elegibilidade incluíram o tipo de publicação, as características do participante (para nossa análise, escolhemos apenas indivíduos saudáveis) o e relato dos resultados.

O valor normativo médio recebido do IDVC para um grupo de 729 cantores saudáveis foi de 20,65 com intervalo de confiança de 95% de 10,6 a 30,10. Sabe-se que o valor normal do VHI fica entre 0 e 30; entretanto, deve-se notar que um resultado acima de 30 nem sempre será sinônimo da existência de distúrbios vocais reais.²⁰ Nosso resultado está de acordo com os de Renk et al.,²¹ que mostraram que o valor médio dos escores do VHI-10 (12,1) dos cantores foi significativamente menor do que os escores do SVHI-10 (20,4). Eles notaram que esses dois grupos foram classificados de maneira diferente em 10 afirmações. Além disso, quando Murry et al. mudou as frases que continham “minha voz” para “minha voz cantada” o grupo de cantores considerou suas queixas de voz como mais graves e isso provavelmente causou algumas diferenças nos escores do VHI-10 e IDVC-10. A razão por trás dos resultados mais altos do escore do IDVC pode ser considerada como uma queixa geral de cantores sobre sua voz. Os usuários de voz profissional, como cantores, também têm queixas específicas que avaliam apenas sua voz cantada.

Na metanálise feita, consideramos apenas os artigos que encontramos na base de dados PubMed. Foram considerados apenas os trabalhos escritos na língua inglesa, nos quais os resultados dos escores do IDVC foram apresentados como média ± desvio-padrão. Excluímos todos os dados apresentados como mediana do IDVC com intervalo ou valor médio de IDVC sem desvio-padrão, o que limitou o número de resultados que poderíamos usar.

Não há protocolos diagnósticos oficiais para avaliação da voz cantada. Nesta publicação, com base em uma revisão da literatura, foram dados padrões para uma ferramenta exclusivamente dedicada aos distúrbios da voz no canto. Estabelecer padrões para o IDVC significa que o questionário se tornará uma ferramenta muito mais sensível e específica para detectar distúrbios de voz no canto. Além disso, poderá ser usado por laringologistas, foniatras, fonoaudiólogos e pedagogos do canto.

Conclusão

Na metanálise feita, o valor normativo médio do IDVC para um grupo de 729 cantores saudáveis (entre 16 e 64 anos) foi de 20,35. O nível de confiança do IDVC ficou entre 10,6 e 30,1. No futuro, seria sensato fazer uma análise subordinada que permitisse determinar a faixa de IDVC para distúrbios leves ou graves da voz no canto.

• ☆
  Como citar este artigo: Sobol M, Sielska-Badurek EM, Osuch-Wójcikiewicz E. Normative values for singing voice handicap index -systematic review and meta-analysis. Braz J Otorhinolaryngol. 2020;86:497–501.
• A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  28 Ago 2020
• Data do Fascículo
  Jul-Aug 2020

Histórico

• Recebido
  22 Ago 2018
• Aceito
  27 Dez 2018