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Monitoramento de casos de anosmia pode ajudar a controlar a pandemia de Covid-19 Como citar este artigo: Miyake MM, Anselmo-Lima WT. Monitoring of cases of anosmia may help control the COVID-19 pandemic. Braz J Otorhinolaryngol. 2021;87:377-8.

Uma das dificuldades mais significativas que os governos em todo o mundo têm enfrentado durante a pandemia de Covid-19 é a falta de dados precisos e rápidos sobre a evolução dos pacientes infectados. Principalmente no Brasil, o acesso limitado ao teste de RT-PCR (real time-polymerase chain reaction) para grande parte da população e a dificuldade de armazenamento e processamento das amostras resultam em subnotificação e atraso nos casos de estatísticas oficiais. A falta de conhecimento dos dados reais da evolução da pandemia torna imensamente difícil a tomada de decisões políticas. O rastreamento preciso dos pacientes permitiria prever o crescimento da pandemia com alguma confiança nos dias e semanas seguintes. Contribuiria também para o bom planejamento das unidades de saúde em uma escalada iminente de internações. Um planejamento adequado seria essencial para estabelecer critérios claros para a intensificação ou flexibilização das medidas restritivas à circulação, como já discutido e criticado no ano passado.

O monitoramento de pacientes com alterações bruscas de olfato e paladar pode ser uma ferramenta essencial para complementar e maximizar o sistema de vigilância de novos casos de Covid-19. O início da pandemia da Covid-19 mostrou que a disosmia, associada ou não à disgeusia, era um sintoma frequente em pacientes com Covid-19, com prevalência estimada de 62%.11 Rocke J, Hopkins C, Philpott C, Kumar N. Is the loss of sense of smell a diagnostic marker in COVID-19: A systematic review and meta-analysis. Clin Otolaryngol. 2020;45:914-22. Além disso, essas alterações sensoriais ocorrem, em geral, mais precocemente e são mais específicas do que outros sintomas, como tosse seca e febre. Alterações repentinas no olfato e paladar também podem estar associadas a diferentes causas, mas esses sintomas no contexto atual são preditivos para o vírus SARS-Cov-2. A perda súbita do olfato apresenta 65% e 97% de sensibilidade e especificidade, respectivamente, no diagnóstico de Covid-19.22 Hahner A, Graf J, Dräger S, De With K, Hummel T. Predictive value of sudden olfactory loss in the diagnosis of COVID-19. ORL J Otorhinolaryngol Relat Spec. 2020;82:175-80. Essas taxas são comparáveis às taxas obtidas pelo teste de RT-PCR (87% e 97%).33 George B, McGee J, Giangrasso E, Finkelstein S, Wu S, Glatt AE. What is the predictive value of a single nasopharyngeal SARS-CoV-2 PCR swab test in a patient with COVID-like symptoms and/or significant COVID-19 exposure?. Open Forum Infect Dis. 2020;7:ofaa399. Portanto, isso representa uma vantagem quando se considera a limitação de recursos e disponibilidade dos testes de RT-PCR para SARS-Cov-2. Além disso, os pacientes devem fazer o teste num intervalo de tempo limitado.

Com base nessas informações, em artigo publicado em outubro de 2020 na Nature Communications,44 Pierron D, Pereda-Loth V, Mantel M, Moranges M, Bignon E, Alva O, et al. Smell and taste changes are early indicators of the COVID-19 pandemic and political decision effectiveness. Commun Nat. 2020;11:5152. Pierron et al. sugerem que alterações repentinas do olfato podem representar um marcador preditivo precoce da evolução dos casos de Covid-19. Com mais de 6.500 pacientes incluídos, o estudo conduzido na França, Itália e Inglaterra observou uma forte correlação entre o aumento de pacientes com alterações olfativas e gustativas súbitas e o número de casos hospitalizados, hospitalização em unidade de terapia intensiva e mortalidade associada à Covid-19. Além disso, o número de novos casos de disosmia súbita foi um indicador capaz de prever a resposta às medidas restritivas mais precocemente, apresentou um pico no número de casos novos 4 dias após a implantação do lockdown, do que os índices atualmente usados, como o número de atendimentos de urgência que atingiu o ápice após 11 dias de lockdown e o número de hospitalizações em unidades de emergência, que atingiu o pico somente após 14 dias. Ao comparar a evolução das alterações de olfato na França e Itália e na Inglaterra, os dois primeiros países com decretos mais restritivos alcançaram uma queda abrupta no registro de novos casos de disosmia súbita após o lockdown em relação ao terceiro, que apresentou um quadro mais gradual de redução de casos, presumivelmente devido à política restritiva menos rígida.

Assim, o número de novos casos de disosmia súbita e disgeusia representa um marcador de alta especificidade, minimamente invasivo e de baixo custo no diagnóstico da Covid-19, além de apresentar alta capacidade de capilaridade em grande parte da população em um curto período. A variação no número de novos casos de alterações olfatórias ao longo dos dias também pode ser um indicador de fundamental importância para estimar a evolução da pandemia nos dias e semanas seguintes, além de ser capaz de detectar precocemente o impacto de medidas restritivas de circulação e eventos específicos, como reuniões em datas festivas, no número de casos da Covid-19. Mesmo com o início da vacinação de nossa população, o controle efetivo da Covid-19 não será imediato, é imprescindível que, nesse período, continuemos a evoluir e aplicar novas estratégias para minimizar o impacto dessa doença em nossa sociedade. A adoção de um sistema unificado de notificação autorrelatada de novos casos de disosmia ou disgeusia súbita na internet, com a contribuição de otorrinolaringologistas e médicos de linha de frente, criaria um banco de dados substancial e de baixo custo, que ajudaria no rastreamento e no combate à pandemia. Esse sistema com informações precisas e atualizadas permitiria uma atuação mais efetiva das autoridades sanitárias no potencial aumento do número de novos casos, minimizaria os efeitos da superlotação das unidades de saúde. Além disso, o planejamento estratégico de intensificação e relaxamento de medidas restritivas de circulação seria mais eficiente. É possível, por um lado, controlar a escalada no número de casos e hospitalizações e, por outro, evitar medidas demasiadamente rigorosas e prolongadas, como o fechamento do comércio e de outras atividades, que impactaram o desempenho socioeconômico em 2020.

References

  • 1
    Rocke J, Hopkins C, Philpott C, Kumar N. Is the loss of sense of smell a diagnostic marker in COVID-19: A systematic review and meta-analysis. Clin Otolaryngol. 2020;45:914-22.
  • 2
    Hahner A, Graf J, Dräger S, De With K, Hummel T. Predictive value of sudden olfactory loss in the diagnosis of COVID-19. ORL J Otorhinolaryngol Relat Spec. 2020;82:175-80.
  • 3
    George B, McGee J, Giangrasso E, Finkelstein S, Wu S, Glatt AE. What is the predictive value of a single nasopharyngeal SARS-CoV-2 PCR swab test in a patient with COVID-like symptoms and/or significant COVID-19 exposure?. Open Forum Infect Dis. 2020;7:ofaa399.
  • 4
    Pierron D, Pereda-Loth V, Mantel M, Moranges M, Bignon E, Alva O, et al. Smell and taste changes are early indicators of the COVID-19 pandemic and political decision effectiveness. Commun Nat. 2020;11:5152.
  • Como citar este artigo: Miyake MM, Anselmo-Lima WT. Monitoring of cases of anosmia may help control the COVID-19 pandemic. Braz J Otorhinolaryngol. 2021;87:377-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Aug 2021
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