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Lesão tecidual aguda induzida por microeletrodos monopolares e radiofrequência em cordas vocais após cordectomia transoral Como citar este artigo: Basterra J, Mosquera N, Oishi N, Pérez A, Zapater E. Acute tissue damage induced by monopolar microelectrodes and radiofrequency in vocal cords after transoral cordectomy. Braz J Otorhinolaryngol. 2021;87:529–32.

Resumo

Introdução:

Em 2006 e 2009, relatamos os níveis de danos teciduais agudos e crônicos após cordectomia associados ao uso de microeletrodos com energia de alta frequência. Em 2010, passamos a usar radiofrequência em vez de eletrogeradores de alta frequência.

Objetivo:

Avaliar a lesão tecidual aguda na laringe após cordectomia com microeletrodos acoplados a um gerador de radiofrequência.

Método:

Foram estudados 22 pacientes com carcinoma espinocelular glótico no estágio T1. Os pacientes foram divididos aleatoriamente nos dois modos de operação: corte ou coagulação (11 pacientes em cada modo). A força do estudo é que não há estudos anteriores sobre o efeito da radiofrequência nas cordas vocais humanas.

Resultados:

O dano tecidual foi mais leve quando os microeletrodos foram acoplados a um gerador de 4 MHz que opera no modo de corte. Assim, ao usar microeletrodos e radiofrequência, recomendamos que o modo de corte seja usado para a incisão epitelial e o modo de coagulação para tratar estroma e músculo e para a hemostasia final.

Conclusão:

O uso de microeletrodos e radiofrequência na cirurgia laríngea transoral produziu dano tecidual leve e oferece uma excelente opção ao uso de energia de alta frequência.

PALAVRAS-CHAVE
Microeletrodos; Corda vocal; Dano tecidual; Radiofrequência

Abstract

Introduction:

In 2006 and 2009, we reported the levels of acute and chronic tissue damage after cordectomy associated with use of the microlectrodes using high frequency energy. In 2010, we shifted to radiofrequency rather than high frequency electrogenerators.

Objective:

The aim of this study is to evaluate acute tissue damage in the larynx after cordectomy using microelectrodes coupled to a radiofrequencygenerator.

Methods:

We studied 22 patients with a stage T1 glottic squamous cell carcinoma. The patients were randomly assigned to the two operating mode: cutting or coagulation (11 patients each mode). The strength of the study is that there are no previous studies on the effect of radiofrequency in human vocal cord.

Results:

Tissue damage was milder when microelectrodes were coupled to a 4 MHz generator operating in the cutting mode. Thus, when using microelectrodes and radiofrequency, we recommend that the cutting mode be used for epithelial incision and the coagulation mode to treat the stroma and muscle and for final hemostasis.

Conclusion:

Microelectrodes and radiofrequency in transoral laryngeal surgery produced mild tissue damage and offer an excellent alternative to the use of high frequency energy.

KEYWORDS
Microelectrodes; Vocal cord; Tissue damage; Radiofrequency

Introdução

Em 2006 e 2009, relatamos os níveis de dano tecidual agudo e crônico após a cordectomia associada ao uso do laser de CO2 e microeletrodos (MEs) com energia de alta frequência (AF) e verificamos que a extensão do dano tecidual era semelhante, qualquer que fosse o método usado.11 Basterra J, Frías S, Alba JR, Pérez A, Zapater E. Comparative study of acute tissue damage induced by the CO2 laser versus microelectrodes in cordectomies. Otolaryngol Head Neck Surg. 2006;135:933–6.,22 Zapater E, Frías S, Pérez A, Basterra J. Comparative study on chronic tissue damage after cordectomies using either CO2 laser or microdissection electrodes. Head Neck. 2009;31:1477–81.

O processo de cicatrização das pregas vocais é único e difere daquele em outros locais do corpo, caracterizado pela substituição do colágeno tipo 1 pelo colágeno tipo 3.33 Tateya T, Tateya I, Sohn JH, Bless DM. Histologic characterization of rat vocal fold scarring. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2005;114:183–91. No estudo, medimos a extensão do dano agudo no tecido causado pela cirurgia, pois ele aumenta o risco de formação de cicatriz e resultado funcional ruim da voz.

Em 2010, mudamos para radiofrequência (RF) em vez de eletrogeradores de alta frequência. A razão para essa mudança é baseada no fato de que a resistência do tecido à radiação de RF é menor do que a da radiação de alta frequência. Quando a radiação de RF é emitida, as paredes das células são interligadas por um efeito capacitivo e a energia é liberada diretamente nas células, minimiza a necessidade de energia44 Stelter K. “Sicher schneiden mit Strom”. HNO Nachrichten. 2014;44:34–40. e a lesão nos tecidos normais circundantes.

O objetivo deste estudo é avaliar o dano tecidual agudo na laringe após a cordectomia com MEs acoplados a um gerador de RF.

Método

Foram estudados 22 pacientes (17 homens e 5 mulheres) com carcinoma espinocelular glótico T1.55 Sobin LH, Compton CC. TNM seventh edition: what’s new, what’s changed. Cancer. 2010;116:5336–9. Os resultados onco- lógicos foram publicados em outros trabalhos.66 Basterra J, Frías S, Alba JR, Zapater E. A new device for treating laryngeal carcinoma using microdissection electrodes. Laryngoscope. 2006;116:2232–4.,77 Basterra J, Reboll R, Zapater E. Eighty-three cases of glottic and supraglottic carcinomas (stage T1-T2-T3) treated with transoral microelectrode surgery: how we do it. Clin Otolaryngol. 2011;36:500–4. Todas as cordectomias88 Remacle M, Van Haverbeke C, Eckel H, Bradley P, Chevalier D, Djukic V, et al. Proposal for revision of the European Laryngological Society classification of endoscopic cordectomies. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2007;264:499–504. foram feitas via laringoscopia de suspensão direta com MEs projetados em 2006 pelo primeiro autor66 Basterra J, Frías S, Alba JR, Zapater E. A new device for treating laryngeal carcinoma using microdissection electrodes. Laryngoscope. 2006;116:2232–4. acoplados a um gerador de RF de 4 MHz (Sutter Medizintechnik Freiburg, Alemanha) que forneceu 15W. Os pacientes foram divididos aleatoriamente para serem submetidos às duas técnicas de operação: corte ou coagulação (11 pacientes em cada modo).

Outros instrumentos cirúrgicos usados foram pinças de microcirurgia convencionais, tubo de aspiração e laringoscópios para comissura anterior e, ocasionalmente, o laringoscópio bivalve, para cirurgia a laser com CO277 Basterra J, Reboll R, Zapater E. Eighty-three cases of glottic and supraglottic carcinomas (stage T1-T2-T3) treated with transoral microelectrode surgery: how we do it. Clin Otolaryngol. 2011;36:500–4. (figs. 1 to 2).

As variáveis analisadas foram idade, sexo, modo de corte/coagulação, status de dano do tecido epitelial e extensão do dano estromal.

As amostras cirúrgicas para este estudo (2-4 mm de diâmetro) foram retiradas do leito cirúrgico após a remoção do tumor. Pinças de microcirurgia foram usadas para essa finalidade e, em seguida, as amostras foram imersas em solução de formalina e coradas com hematoxilina e eosina, o melhor método para quantificar danos agudos nos tecidos.11 Basterra J, Frías S, Alba JR, Pérez A, Zapater E. Comparative study of acute tissue damage induced by the CO2 laser versus microelectrodes in cordectomies. Otolaryngol Head Neck Surg. 2006;135:933–6.

Figura 1
Microeletrodos monopolares. As pontas de metal medem 3 mm × 0,3 mm. O comprimento do cabo é 21 cm. Icroeletrodo se encontra anexado ao instrumento.
Figura 2
Laringoscópio bivalve no lugar. As mãos que seguram a pinça angulada (mão esquerda) e o microeletrodo angulado (mão direita) estão fora do campo. O microscópio cirúrgico é então usado.
O estudo histopatológico considerou:
  • Dano epitelial em cada local da incisão: avaliamos a presença de núcleos picnóticos deformados, vasos sanguíneos e linfáticos trombóticos e zonas de artefatos de cauterização.

  • Danos estromais: uma régua milimétrica foi usada para medir a espessura das amostras e a extensão dos danos às fibras musculares das cordas vocais. O parâmetro morfológico usado para avaliar o dano tecidual foi a espessura das fibras de colágeno desnaturadas.

Cada campo amostral foi dividido em três partes iguais e os danos foram classificados da seguinte forma: a) Sem esclerose: a área alterada não excedeu 1/3 do campo ou tinha largura inferior a 0,6 mm; b) Esclerose leve: a área alterada cobria 1/3 a 2/3 do campo e tinha 0,6-1,3 mm de largura; c) Esclerose moderada: a área alterada excedia 2/3 do campo e tinha 1,3-1,7 mm de largura; d) esclerose grave: todo o campo estava alterado.

Um único patologista fez todas as avaliações histológicas de maneira cega.

Todos os pacientes foram informados sobre a metodologia e os objetivos do estudo e assinaram o termo de consentimento livre e informado. O desenho do estudo foi aprovado pelo nosso conselho de ética institucional, com número de aprovação 25042013. A confidencialidade dos pacientes foi protegida.

Resultados

A média de idade dos pacientes foi de 62,4 anos (DP = 13,1 anos); 82% eram do sexo masculino e 18% do feminino.

Dano epitelial: Todos os pacientes operados no modo de coagulação apresentaram dano epitelial. O modo de corte não causou danos significativos aos tecidos (fig. 3).

Dano estromal: naqueles operados com o modo de corte, a extensão do dano tecidual estroma foi mínima (sem esclerose) em 72,7% dos pacientes; a largura da área que exibia alterações morfológicas foi <0,6 mm; 7,3% dos pacientes exibiram dano leve ou moderado (a largura da área danificada foi de até 1,3 mm). Nenhum paciente apresentou dano moderado ou grave. Quando o modo de coagulação foi usado, a extensão do dano tecidual do estroma foi leve em 54,2% dos pacientes, moderada em 27,3% e nula em 18,2% (sem esclerose). Nenhum paciente apresentou dano grave.

Não encontramos associação significante entre sexo ou idade e a extensão do dano tecidual (p = 0,87 e 0,09, respectivamente). Entretanto, pacientes mais jovens apresentaram tendência (p = 0,09) a mostrar menos danos teciduais.

Discussão

O ponto forte do estudo é que não há estudos anteriores sobre o efeito da RF nas cordas vocais humanas.

Vários estudos avaliaram alterações histológicas no trato aerodigestivo superior após cirurgia com bisturi a frio, uso de laser de CO2 e dissecção com MEs e um eletrogerador de AF. Todos os estudos definiram a desnaturação do colágeno como o principal elemento do dano. Portanto, medimos a espessura da zona de colágeno desnaturado para quantificar os danos agudos aos tecidos causados pela dissecção com MEs e RF nas cordas vocais humanas.

Figura 3
A, Amostra do leito cirúrgico associada ao uso de microelétrodos e radiofrequência no modo de coagulação (H&E, 40X). O epitélio exibe um artefato de coagulação (seta branca), necrose, deiscência e núcleos picnóticos (seta vazia); hemorragia subepitelial também é aparente. B, Amostra do leito cirúrgico associado ao uso de microeletrodos e radiofrequência (no modo de corte (H&E, 20X). A seta preta indica a área da incisão; o epitélio está preservado. As setas cinzas indicam a margem profunda correspondente à zona de corte. As setas brancas indicam uma pequena área com danos estromais leves. A mudança na coloração e no espessamento das faixas de colágeno cobre menos de um terço do campo.
Vários estudos histopatológicos de vários modos de RF aplicados em diferentes locais surgiram e revelaram o seguinte:
  • Redução de tecido profundo com RF: a RF induz a agitação de íons nos tecidos, aumenta a temperatura local e cria lesões térmicas no estroma submucoso profundo sem danificar a superfície; além disso, há o desenvolvimento de fibrose durante a cicatrização, o que leva a reduções no volume do tecido. Essa técnica tem sido usada para tratar lesões benignas, como hipertrofia de conchas nasais, hipertrofia tonsilar obstrutiva, hipertrofia do palato mole e da base da língua.

Vários estudos histopatológicos da faringe após a redução tecidual através de cirurgia com RF foram publicados. Plzak analisou 10 amostras de tonsilas palatinas submetidas à termoterapia por RF: histologicamente, a submucosa não mostrou sinais de aumento da fibrose que refletisse a formação de cicatrizes. A arquitetura dos centros germinais linfoides foi normal, assim como a extensão e o tipo de vascularização.99 Plzak J, Macokova P, Zabrodsky M, Kastner J, Lastuvka P, Astl J. Influence of radiofrequency surgery on architecture of the palatine tonsils. Biomed Res Int. 2014;2014:598257.

b) Ablação por RF: tem sido usada no tratamento de doenças laríngeas benignas, como papilomatose recorrente, grandes cistos laríngeos e estenose (Basterra, dados não publicados) e na feitura de cordotomia posterior.1010 Basterra J, Castillo-Lopez Y, Reboll R, Zapater E, Olavarria C, Krause F, et al. Posterior cordotomy in bilateral vocal cord paralysis using monopolar microelectrodes and radiofrequency in 18 patient. Clin Otolaryngol. 2018;43:340–3. Ao usar um laser de CO2 para tratar a mucosa nasal, vários autores observaram um número reduzido (menos ativas) de glândulas seromucinosas, fibrose do estroma do tecido conjuntivo e comprometimento em longo prazo do transporte mucociliar.1111 Sapçi T, Sahin B, Karavus A, Akbulut UG. Comparison of the effects of radiofrequency tissue ablation, CO2 laser ablation, and partial turbinectomy applications on nasal mucociliary functions. Laryngoscope. 2003;113:514–9. Em comparação, não houve perda funcional aparente após a ablação do tecido com RF.

Aplicabilidade clínica do estudo

A extensão do dano no tecido das cordas vocais após a cordectomia transoral com MEs e um gerador de RF (4 MHz) que forneceu 15W foi geralmente leve no epitélio e no estroma.

Figura 4
Escores de dano tecidual dos modos de gerador usados. O modo de corte causa menos danos do que o modo de coagulação.

A razão para esse achado pode ser porque a energia de RF é conduzida através das membranas celulares para ser absorvida pelas células-alvo, não se propaga para o tecido normal adjacente.

O dano tecidual foi mais leve quando os MEs foram acoplados a um gerador de 4 MHz que operou no modo de corte (fig. 4). Assim, ao usar MEs (fig. 4) e RF, recomendamos que o modo de corte seja usado para a incisão epitelial e o modo de coagulação para tratar o estroma e o músculo e para a hemostasia final. Minimizar o dano tecidual é relevante na laringe, o resultado funcional, além do resultado oncológico, melhora a qualidade de vida.

Conclusão

O uso de MEs e RF na cirurgia laríngea transoral produziu leve dano tecidual e oferece uma excelente opção ao uso de energia de alta frequência.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    25 Jul 2019
  • Aceito
    12 Nov 2019
  • Publicado
    12 Dez 2019
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