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Reabilitação olfatória e alterações do volume do bulbo olfatório em pacientes pós-laringectomia total: um estudo prospectivo randomizado Como citar este artigo: Gürbüz D, Kesimli MC, Bilgili AM, Durmaz HÖ. Olfactory rehabilitation and olfactory bulb volume changes in patients after total laryngectomy: a prospective randomized study. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:607–12.

Resumo

Introdução:

Após a laringectomia total, foi relatada a ocorrência de diminuição da função olfatória e redução do volume do bulbo olfatório devido à privação olfatória causada pela interrupção do fluxo aéreo nasal. Há evidências de que o sistema olfatório pode ser modulado pela exposição repetida a odores em um procedimento denominado treinamento olfatório. Entretanto, não se sabe se qualquer grau de recuperação do volume perdido do bulbo olfatório é possível ao eliminar a privação olfatória através de reabilitação muito tempo depois da laringectomia.

Objetivo:

Este estudo avaliou a recuperação da função olfatória e a mudança no volume do bulbo olfatório através da reabilitação olfatória de longo prazo após a laringectomia total.

Métodos:

As possíveis causas de disfunção olfatória nos participantes do estudo foram avaliadas através da anamnese detalhada. Como testes olfatórios, foram feitos os testes de limiar de butanol ortonasal e de discriminação de odores. Os volumes tridimensionais do bulbo olfatório foram calculados com segmentação manual em imagens de ressonância magnética coronal ponderadas em T2. Na reabilitação olfatória, quatro odores diferentes foram aplicados a todos os pacientes ortonasalmente com uma técnica de bypass laríngeo por 30 minutos por dia durante 6 meses. Os testes olfatórios foram feitos antes da reabilitação e 6 meses após a reabilitação e as medidas do volume do bulbo olfatório foram feitas por imagens de ressonância magnética.

Resultados:

Foram incluídos no estudo 11 pacientes com diagnóstico de câncer de laringe avançado, submetidos à laringectomia total e radioterapia pós-operatória em um seguimento de 5 a 10 anos. Todos os pacientes eram do sexo masculino e a média de idade foi de 58,18 ± 4,17 anos. Em pacientes com laringectomia total, os volumes do bulbo olfatório medidos por imagens de ressonância magnética foram de 42,25 ± 12,8 mm3 antes e 55,5 ± 11,22 mm3 após a reabilitação e esse aumento foi altamente significante. Os escores dos testes olfatórios foram 2,3 ± 1,27 antes e 4,39 ± 0,86 após a reabilitação e esse aumento também foi altamente significante.

Conclusão:

Como resultado da reabilitação olfatória aplicada através do fornecimento de fluxo de ar ortonasal, a função olfatória perdida após a laringectomia total melhorou consideravelmente e o volume bulbo olfatório mostrou aumento significativo. O aumento no volume do bulbo olfatório em pacientes submetidos a laringectomia total através da reabilitação olfatória para eliminar a privação olfatória devido à interrupção do fluxo aéreo nasal foi demonstrado pela primeira vez neste estudo longitudinal prospectivo.

PALAVRAS-CHAVE
Olfatório; Laringectomia; Ortonasal; Reabilitação; Treinamento

Abstract

Introduction:

After total laryngectomy, decreased olfactory function and olfactory bulb volume shrinkage have been reported to occur due to olfactory deprivation caused by nasal airflow interruption. There is evidence that the olfactory system can be modulated by repeated exposure to odors in a procedure called olfactory training. However, it is not known whether any recovery of the lost olfactory bulb volume is possible by eliminating olfactory deprivation via olfactory rehabilitation long after laryngectomy.

Objective:

This study examined the recovery of olfactory function and the change in olfactory bulb volume via long-term olfactory rehabilitation after total laryngectomy.

Methods:

Possible causes of olfactory dysfunction in the study participants were evaluated by collecting detailed anamnesis. As olfactory tests, orthonasal butanol threshold and odor discrimination tests were performed. Three-dimensional olfactory bulb volumes were calculated using manual segmentation on T2-weighted coronal magnetic resonance images. In olfactory rehabilitation, four different odors were applied to all patients orthonasally, using a larynx bypass technique for 30 min per day for 6 months. Olfactory tests were performed before the rehabilitation and after 6 months of rehabilitation, and olfactory bulb volume measurements were performed using magnetic resonance images.

Results:

Eleven patients diagnosed with advanced laryngeal cancer who underwent total laryngectomy and postoperative radiotherapy with a follow-up of 5–10 years were included in the study. All patients were male, and the mean age was 58.18 ±4.17 years. In total laryngectomized patients, the olfactory bulb volumes measured on magnetic resonance images were 42.25 ± 12.8 mm3 before and 55.5 ± 11.22 mm3 after rehabilitation, and this increase was highly significant. Olfactory test scores were 2.3 ± 1.27 before and 4.39 ± 0.86 after rehabilitation, and this increase was also highly significant.

Conclusion:

As a result of the olfactory rehabilitation applied by providing orthonasal air flow, the olfactory function lost after total laryngectomy was improved considerably, and the olfactory bulb volume was significantly increased. The increase in olfactory bulb volume in total laryngectomy patients via olfactory rehabilitation to eliminate olfactory deprivation due to nasal airflow interruption was demonstrated for the first time in this prospective longitudinal study.

Keywords
Olfactory; Laryngectomy; Orthonasal; Rehabilitation; Training

Introdução

A perda olfatória não somente afeta negativamente a qualidade de vida, mas pode até mesmo colocar em risco a segurança pessoal do paciente, devido à incapacidade de detectar fumaça ou outros sinais olfatórios de alerta de perigo.11 Goektas O, Fleiner F, Frieler K, Scherer H, Paschen C. The scentdiffusing ventilator for rehabilitation of olfactory function after laryngectomy. Am J Rhinology. 2008;22:487–90.

O nervo olfatório é um nervo envolvido na função sensorial do olfato, somente. O sistema olfatório consiste no epitélio, bulbo e nos tratos associados à área olfatória cortical, também conhecida como rinencéfalo. O bulbo olfatório (BO) consiste nos aferentes sensoriais das células receptoras olfatórias localizadas no neuroepitélio olfatório. O BO é considerado o sítio mais importante das vias olfatórias que conectam as estruturas periféricas e corticais e reflete o nível de atividade neural aferente, mantém um grau de plasticidade ao longo da vida adulta.22 Ackerstaf AH, Hilgers FJM, Aarson NK, Balm AJM. Communication, functional disorders, and lifestyle changes after total laryngectomy. Clin Otolaryngol. 1994;19:295–300.

Após a laringectomia total, o fluxo aéreo não atinge a mucosa olfatória devido à interrupção do fluxo aéreo nasal; como resultado, o centro olfatório é privado de estímulos olfatórios. Frequentemente, essa privação rapidamente leva à hiposmia e anosmia graves. Apesar de ser relatada em pacientes laringectomizados, essa perda olfatória foi amplamente negligenciada em estudos anteriores.11 Goektas O, Fleiner F, Frieler K, Scherer H, Paschen C. The scentdiffusing ventilator for rehabilitation of olfactory function after laryngectomy. Am J Rhinology. 2008;22:487–90.,22 Ackerstaf AH, Hilgers FJM, Aarson NK, Balm AJM. Communication, functional disorders, and lifestyle changes after total laryngectomy. Clin Otolaryngol. 1994;19:295–300.,33 Fujii M, Fukazawa K, Hatta C, Yasuno H, Sakagami M. Olfactory acuity after total laryngectomy. Chem Senses. 2002;27:117–21. Como resultado da privação do estímulo olfatório, o volume de BO diminui devido à redução do número de células ao longo do tempo.44 Cummings DM, Knab BR, Brunjes PC. Effects of unilateral olfactory deprivation in the developing opossum, Monodelphis domestica. J Neurobiol. 1997;33:429–38. A respiração nasal interrompida em decorrência da traqueostomia após a laringectomia leva a uma perda olfatória significativa nos pacientes. A capacidade olfatória significativamente deficiente foi observada em pacientes laringectomizados.55 Veyseller B, Ozucer B, Aksoy F, Yıldırım YS, Gürbüz D, Balıkçı HH, et al. Reduced olfactory bulb volume and diminished olfactory function in total laryngectomy patients: a prospective longitudinal study. Am J Rhinol Allergy. 2012;26:191–3.,66 Veyseller B, Aksoy F, Yildirim YS, Bayraktar FGI, Gurbuz D, Savas D, et al. Reduced olfactory bulb volume in total laryngectomy patients: a magnetic resonance imaging study. Rhinology. 2011;49:112–6.

Imagens obtidas por ressonância magnética (RM) são confiáveis e ideais para medidas do volume do BO. O volume do BO também reflete o estado funcional dessa estrutura no sistema olfatório humano, devido à sua plasticidade. Com relação às medidas de volume do BO, a disfunção olfatória pós-traumática e doenças neurodegenerativas têm sido avaliadas em pacientes submetidos a laringectomia total e em indivíduos com olfato normal.77 Yousem DM, Geckle RJ, Doty RL. Evaluation of olfactory deficits in neurodegenerative disorders. In: The Radiological Society of North America Scientific Program. Chicago, Illionis; 1995p. Abstract 271.,88 Yousem DM, Geckle RJ, Bilker WB, Doty RL. Olfactory bulb and tract and temporal lobe volumes: normative data across decades. Ann N Y Acad Sci. 1998;855:546–55.,99 Mueller A, Rodewald A, Reden J, Gerber J, von Kummer R, Hummel T. Reduced olfactory bulb volume in posttraumatic and postinfectious olfactory dysfunction. Neuroreport. 2005;16:475–8. Veyseller et al. demonstraram, em estudos transversais e longitudinais, que a disfunção olfatória e a redução do volume do BO ocorrem em pacientes laringectomizados.55 Veyseller B, Ozucer B, Aksoy F, Yıldırım YS, Gürbüz D, Balıkçı HH, et al. Reduced olfactory bulb volume and diminished olfactory function in total laryngectomy patients: a prospective longitudinal study. Am J Rhinol Allergy. 2012;26:191–3.,66 Veyseller B, Aksoy F, Yildirim YS, Bayraktar FGI, Gurbuz D, Savas D, et al. Reduced olfactory bulb volume in total laryngectomy patients: a magnetic resonance imaging study. Rhinology. 2011;49:112–6.

Até o momento, nenhum método eficaz é universalmente aceito para o tratamento da disfunção olfatória. A reabilitação olfatória através do treinamento olfatório consiste em modular o processo de regeneração sistêmica, ao expor repetidamente o sistema olfatório a odores específicos.1010 Hummel T, Rissom K, Reden J, Hahner A, Weidenbecher M, Huttenbrink KB. Effects of olfactory training in patients with olfactory loss. Laryngoscope. 2009;119:496–9.

Foram relatadas melhorias significativas nos resultados do teste olfatório em pacientes com disfunção olfatória pós-traumática e pós-infecciosa após o treinamento olfatório.1111 Konstantinidis I, Tsakiropoulou E, Bekiaridou P, Kazantzidou C, Constantinidis J. Use of olfactory training in post-traumatic and postinfectious olfactory dysfunction. Laryngoscope. 2013;123:E85–90. O treinamento é feito uma vez ao dia com quatro odores: álcool feniletílico (rosa), eucaliptol (eucalipto), citronelal (limão) e eugenol (cravo-da-índia).1212 Konstantinidis I, Tsakiropoulou E, Constantinidis J. Long term effects of olfactory training in patients with post-infectious olfactory loss. Rhinology. 2016;54:170–5.,1313 Pellegrino R, Han P, Reither N, Hummel T. Effectiveness of olfactory training on different severities of posttraumatic loss of smell. Laryngoscope. 2019;129:1737–43. Também existem estudos sobre a melhoria da função olfatória em pacientes laringectomizados através da reabilitação olfatória.11 Goektas O, Fleiner F, Frieler K, Scherer H, Paschen C. The scentdiffusing ventilator for rehabilitation of olfactory function after laryngectomy. Am J Rhinology. 2008;22:487–90.,1414 Göktas O, Fleiner F, Paschen C, Lammert I, Schrom T. Rehabilitation of the olfactory sense after laryngectomy: long-term use of the larynx bypass. Ear Nose Throat J. 2008;87:528–30.,1515 Moor JW, Rafferty A, Sood S. Can laryngectomees smell? Considerations regarding olfactory rehabilitation following total laryngectomy. J Laryngol Otol. 2010;124:361–5.

Este estudo foi conduzido prospectivamente e longitudinalmente em pacientes após laringectomia para demonstrar melhorias na função olfatória e mudanças nos volumes do BO através da reabilitação olfatória obtida pela restauração do fluxo de ar nasal.

Método

Este estudo prospectivo foi feito em pacientes internados no setor de otorrinolaringologia e cirurgia de cabeça e pescoço com auxílio do departamento de radiologia. O estudo foi feito de acordo com a Declaração de Helsinque (WMA1997). A aprovação foi obtida do comitê de ética e os participantes deram seu consentimento por escrito após serem informados sobre o estudo (número de aprovação do comitê de ética: 2017-KAEK-120)/2/2020.G-068).

Foram excluídos pacientes com história de polipose nasal, doenças neurológicas ou psiquiátricas, traumatismo cranioencefálico ou cirurgia nasal que pudesse causar comprometimento olfatório antes da laringectomia. Exames otorrinolaringológicos de rotina, tomografia computadorizada dos seios paranasais, testes olfatórios ortonasais e ressonância magnética do crânio foram feitos para medir o volume do BO em todos os pacientes. Ressonância magnética (RM) do crânio e testes olfatórios ortonasais foram feitos antes e 6 meses após a laringectomia. Além disso, um exame neurológico completo e testes de avaliação mini-mental, bem como a RM do crânio, foram feitos para excluir possíveis distúrbios cognitivos ou doenças neurodegenerativas.

O teste olfatório ortonasal desenvolvido pelo Connecticut Chemosensory Clinical Research Center (CCCRC) foi usado.1616 Cain WS, Gent JF, Goodspeed RB, Leonard G. Evaluation of olfactory dysfunction in the Connecticut Chemosensory Clinical Research Center. Laryngoscope. 1988;98:83–8.,1717 Leon EA, Catalanotto FA, Werning JW. Retronasal and orthonasal olfactory ability after laryngectomy. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2007;133:32–6. As possíveis faixas de escore obtidas nos testes ortonasais do CCCRC são mostradas na tabela 1.

Tabela 1
Variação dos escores do teste olfatório CCCRC

As medidas de volume do BO foram feitas por meio de imagens de RM (fig. 1) com o dispositivo 1.5T General Electric Signa Excite por avaliação tridimensional em seções coronais Turbo Spin Echo (TSE) ponderadas em T2, com um método de segmentação manual. As seções tinham uma espessura de corte de 2 mm sem gaps de intersecção (gap = 0). Todas as medidas foram feitas por um mesmo radiologista experiente, separadamente dos dois lados, sem saber se as imagens foram obtidas antes ou após o tratamento. As medidas de volume do BO foram calculadas em mm3 (figs. 1 e 2).1111 Konstantinidis I, Tsakiropoulou E, Bekiaridou P, Kazantzidou C, Constantinidis J. Use of olfactory training in post-traumatic and postinfectious olfactory dysfunction. Laryngoscope. 2013;123:E85–90.,1212 Konstantinidis I, Tsakiropoulou E, Constantinidis J. Long term effects of olfactory training in patients with post-infectious olfactory loss. Rhinology. 2016;54:170–5.

Figura 1
Medidas tridimensionais do volume do bulbo olfatório (BO) direito em um paciente do sexo masculino de 66 anos, em imagens de ressonância magnética ponderada em T2 coronal (a, primeira linha), axial (b, linha do meio) e sagital (c, linha inferior). O volume do BO direito do paciente era de 76 mm3 após a reabilitação olfatória.

Figura 2
Alterações na medida do volume tridimensional do BO esquerdo em um paciente laringectomizado total em imagens de ressonância magnética, antes da reabilitação olfatória (a, b, c, linha superior) e após a reabilitação olfatória (d, e, f, linha inferior), em imagens de RM coronal (a, d), axial (b, e) e sagital (c, f), respectivamente. O volume do BO esquerdo era de 35 mm3 e 44 mm3 antes e depois da reabilitação olfatória.

Pacientes com acúmulo de hemossiderina parenquimatosa ou meníngea pós-traumática em tecidos cerebrais nas seções de RM Gradient Echo Sequence (GRE) ponderadas em T2 foram excluídos do estudo. Além disso, as sequências convencionais de RM do crânio foram submetidas à triagem para outros distúrbios orgânicos cerebrais e os indivíduos com qualquer doença foram excluídos do estudo.

Para a reabilitação olfatória, fluxo de ar foi oferecido à mucosa olfatória nasal e o acesso das partículas de odor para a região olfatória foi obtido através de uma técnica de bypass laríngeo. Durante a reabilitação olfatória, o treinamento foi feito por 30 minutos por dia durante 6 meses com quatro odores: álcool feniletílico (rosa), eucaliptol (eucalipto), citronelal (limão) e eugenol (cravo-da-índia).

Nesta seção, fizemos uma análise estatística para investigar se a reabilitação ajuda a compensar a redução nos escores do teste CCCRC e volumes do BO devido à laringectomia (ou seja, os escores do teste CCCRC e volumes do BO são maiores após 6 meses de reabilitação pós-operatória em comparação com o período imediatamente após a laringectomia?). Os resultados com valor de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significantes.

As estatísticas descritivas são apresentadas na tabela 2. A maioria dos pacientes é de meia-idade (variação: 52 a 66 anos). A análise do teste Ancova revelou que a ‟idade” não teve um efeito estatisticamente significante na diferença nos escores do teste CCCRC e volumes do BO pré/pós-reabilitação e, portanto, puderam ser eliminados com segurança de análises posteriores.

Tabela 2
Estatísticas descritivas

De acordo com os gráficos do tipo box-plot na figura 1, os escores do teste CCCRC e os volumes do BO foram visivelmente maiores como resultado da reabilitação, de acordo com a nossa opinião anterior de que a reabilitação ajuda a aumentar os escores do teste CCCRC e os volumes do BO. O teste de Wilcoxon para amostras pareadas também confirmou que os escores do teste CCCRC pós-reabilitação e os volumes do BO eram maiores do que os valores pré-reabilitação medidos com 6 meses de intervalo (altamente significante estatisticamente, com p-valores de 0,001) (fig. 3).

Figura 3
Gráficos do tipo box-plot para escores do teste olfatório do CCCRC e volumes do BO pré/pós-reabilitação.

Resultados

Foram incluídos 11 pacientes com diagnóstico de câncer de laringe avançado. Todos os pacientes eram do sexo masculino. O paciente mais jovem e o mais velho tinham 52 e 66 anos, com média de 58,18 ±4,17 anos. Todos os pacientes tinham história de tabagismo – média de 25 (variação de 10 a 40) cigarros/dia.

Em todos os 11 pacientes laringectomizados, o volume médio do BO antes da reabilitação foi de 42,5 (com um desvio-padrão de 12,8 e variação de 28,5–62,5) mm3 (tabela 2), enquanto o volume médio do BO medido após 6 meses de reabilitação olfatória foi de 55,5 (com um desvio-padrão de 11,22 e variação de 39,5–77,5) mm3. O volume do BO foi significantemente maior após, em comparação com antes da reabilitação olfatória (p < 0,001) (fig. 1).

Os escores médios do CCCRC (limiar de butanol e os escores de identificação de odor) foram 2,3 ± 1,27 (variação de 0,50–3,25) e 4,39 ±0,86 (variação de 2,50–5,25) (de 7) antes e após a reabilitação olfatória de 6 meses, respectivamente. O aumento do escore após a reabilitação (no fim de 6 meses) foi estatisticamente significante (p < 0,001) (fig. 1). De acordo com o sistema de pontuação do teste CCCRC, o escore de 2,3 em pacientes antes da reabilitação indicou hiposmia grave, enquanto o escore de 4,39 após a reabilitação demonstrou hiposmia moderada.

De acordo com os escores do teste CCCRC antes da reabilitação, um paciente tinha hiposmia moderada, três hiposmia grave e seis anosmia. Após a reabilitação, três pacientes tinham hiposmia leve, cinco hiposmia moderada e dois hiposmia grave (tabela 3).

Tabela 3
Distribuição dos pacientes entre as categorias de escores do teste olfatório CCCRC

Discussão

Devido à traqueostomia feita após a laringectomia total, a via aérea nasal é interrompida e o neuroepitélio especializado na olfação é privado de partículas de odor.66 Veyseller B, Aksoy F, Yildirim YS, Bayraktar FGI, Gurbuz D, Savas D, et al. Reduced olfactory bulb volume in total laryngectomy patients: a magnetic resonance imaging study. Rhinology. 2011;49:112–6. Dois mecanismos que podem explicar potencialmente a perda olfatória após a laringectomia são a interrupção do fluxo de ar nasal após a laringectomia e o comprometimento dos mecanismos de feedback neurossensorial após múltiplas lesões de nervos periféricos durante a cirurgia.55 Veyseller B, Ozucer B, Aksoy F, Yıldırım YS, Gürbüz D, Balıkçı HH, et al. Reduced olfactory bulb volume and diminished olfactory function in total laryngectomy patients: a prospective longitudinal study. Am J Rhinol Allergy. 2012;26:191–3. O BO exibe plasticidade ao longo da vida adulta, com base em dois mecanismos neurobiológicos principais; um está relacionado à continuidade da neurogênese a partir da zona subventricular e o outro está relacionado à continuidade da sinaptogênese.1818 Curtis MA, Kam M, Nannmark U, Anderson MF, Axell MZ, Wikkelso C, et al. Human neuroblasts migrate to the olfactory bulb via a lateral ventricular extension. Science. 2007;315:1243–9.

Foi demonstrado que uma redução nos volumes do BO, que resultou em hipoplasia, é o efeito mais importante da privação de estímulos olfatórios em animais.44 Cummings DM, Knab BR, Brunjes PC. Effects of unilateral olfactory deprivation in the developing opossum, Monodelphis domestica. J Neurobiol. 1997;33:429–38. A continuidade no fluxo de neuroblastos do BO da zona subventricular em humanos é descrita no SNC (sistema nervoso central).1818 Curtis MA, Kam M, Nannmark U, Anderson MF, Axell MZ, Wikkelso C, et al. Human neuroblasts migrate to the olfactory bulb via a lateral ventricular extension. Science. 2007;315:1243–9.

A neuroplasticidade bulbar está associada à entrada de neurônios receptores olfatórios.1919 Lledo PM, Gheusi G. Olfactory processing in a changing brain. Neuroreport. 2003;14:1655–63. A continuidade da neurogênese, que é sensível a fatores e estímulos ambientais, resulta em recrutamento neural e a sensibilidade melhora o volume do BO.1919 Lledo PM, Gheusi G. Olfactory processing in a changing brain. Neuroreport. 2003;14:1655–63.

Shehata et al. demonstraram que, em pacientes com rinossinusite crônica com polipose nasal, a melhoria pós-operatória da função olfatória e um aumento nos volumes do BO ocorreram 6 meses após a remoção do bloqueio nasal.2020 Shehata EM, Tomoum MO, Amer MA, Alarabawy RA, Eltomey MA. Olfactory bulb neuroplasticity: a prospective cohort study in patients with chronic rhinosinusitis with nasal polyps. Clin Otolaryngol. 2018;43:1528–34.

Embora os problemas pulmonares e vocais após a laringectomia total tenham sido amplamente abordados na literatura, há poucos estudos sobre a deterioração da função olfatória.11 Goektas O, Fleiner F, Frieler K, Scherer H, Paschen C. The scentdiffusing ventilator for rehabilitation of olfactory function after laryngectomy. Am J Rhinology. 2008;22:487–90. Os volumes do BO medidos no pós-operatório em pacientes laringectomizados foram relatados como menores do que aqueles em um grupo controle de idade semelhante.55 Veyseller B, Ozucer B, Aksoy F, Yıldırım YS, Gürbüz D, Balıkçı HH, et al. Reduced olfactory bulb volume and diminished olfactory function in total laryngectomy patients: a prospective longitudinal study. Am J Rhinol Allergy. 2012;26:191–3.,66 Veyseller B, Aksoy F, Yildirim YS, Bayraktar FGI, Gurbuz D, Savas D, et al. Reduced olfactory bulb volume in total laryngectomy patients: a magnetic resonance imaging study. Rhinology. 2011;49:112–6. A atrofia do neuroepitélio olfatório ou do BO pode desempenhar um papel no aparecimento de problemas olfatórios em pacientes após a laringectomia.66 Veyseller B, Aksoy F, Yildirim YS, Bayraktar FGI, Gurbuz D, Savas D, et al. Reduced olfactory bulb volume in total laryngectomy patients: a magnetic resonance imaging study. Rhinology. 2011;49:112–6.,1818 Curtis MA, Kam M, Nannmark U, Anderson MF, Axell MZ, Wikkelso C, et al. Human neuroblasts migrate to the olfactory bulb via a lateral ventricular extension. Science. 2007;315:1243–9.,1919 Lledo PM, Gheusi G. Olfactory processing in a changing brain. Neuroreport. 2003;14:1655–63.,2121 Maruniak JA. Deprivation and olfactory system. In: Doty RL, editor. Hand book of olfaction and gustation. New York, NY: Marcel Dekker Inc.; 1995. p. 455–69.

A fisiopatologia da redução olfatória em pacientes laringectomizados não é totalmente compreendida e várias teorias já foram propostas. A interrupção do fluxo de ar nasopulmonar em pacientes laringectomizados interrompe automaticamente o mecanismo de aspiração passiva. Miani et al. sugeriram que a degeneração do epitélio olfatório pode resultar de atrofia, inflamação ou desuso. Pacientes submetidos a laringectomia apresentam degeneração grave do epitélio olfatório.2222 Miani C, Ortolani F, Bracale AM, Petrelli L, Staffieri A, Marchini M. Olfactory mucosa histological findings in laryngectomees. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2003;260:529–35.

Em nosso estudo, embora mais de 5 anos tenham se passado desde a laringectomia e a perda olfatória, os pacientes responderam à reabilitação olfatória e tanto a percepção do odor quanto os volumes do BO aumentaram. Isso demonstra que, após sua ativação, o sistema olfatório pode recuperar suas funções e estrutura anteriores devido à sua plasticidade.

Nosso estudo é importante porque mostrou aumentos nos escores do teste olfatório CCCRC e nos volumes do BO como resultado da reabilitação olfatória após a laringectomia.

Conclusão

A função olfatória pode ser recuperada mesmo vários anos depois da laringectomia com a reabilitação olfatória e, consequentemente, os volumes do BO podem aumentar.

Agradecimentos

A aprovação da ética foi obtida do comitê de ética em pesquisa local antes do estudo. Cada paciente participante foi informado de forma abrangente sobre o estudo e o consentimento informado foi obtido de cada um deles. Este estudo foi conduzido de acordo com os princípios da declaração de Helsinque. Todos os autores fizeram contribuições substanciais para a concepção e desenho do estudo, aquisição de dados ou análise e interpretação dos dados. Todos os autores participaram da redação do manuscrito ou da revisão crítica de conteúdo intelectual importante. Todos os autores deram sua aprovação final à versão a ser publicada. Todos os autores concordaram em ser responsáveis por todos os aspectos do trabalho.

  • Como citar este artigo: Gürbüz D, Kesimli MC, Bilgili AM, Durmaz HÖ. Olfactory rehabilitation and olfactory bulb volume changes in patients after total laryngectomy: a prospective randomized study. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:607–12.
  • A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    16 Set 2020
  • Aceito
    28 Fev 2021
  • Publicado
    20 Mar 2021
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