Acessibilidade / Reportar erro

Equilíbrio e retração muscular em jovens estudantes usuárias de calçado de salto alto

Equilibrium and muscle retraction in young female students users of high-heeled shoes

Resumos

Verifica-se precocidade na utilização de calçado de salto alto, mas não há muitos estudos identificando suas conseqüências. O objetivo deste trabalho foi verificar alterações de equilíbrio e eventual retração muscular em estudantes universitárias habituadas a utilizar salto alto diariamente. Foram avaliadas 30 jovens (média de 20 anos de idade) que anotaram, durante duas semanas, o tempo diário em que permaneciam com o calçado. Foram avaliadas quanto a desvios posturais, quanto às retrações musculares da cadeia posterior, pelo teste de alcance horizontal, e quanto ao equilíbrio, pelo teste de Romberg. Os resultados foram analisados estatisticamente. A média de estatura foi 1,63 m e a de massa corporal, 58,5 kg. O tempo médio de uso dos sapatos de salto alto foi de 34 h por semana. Ao relacionar o alcance horizontal com o tempo semanal de uso do salto alto, verificou-se forte correlação negativa (r=-0,8692; p<0,0001). Não houve correlação entre o alcance horizontal e o tempo de uso de salto alto em anos. O teste de 17 das 30 voluntárias foi positivo para perda de equilíbrio quando descalças, de olhos fechados. A correlação foi negativa com o tempo de uso semanal de salto alto (r=-0,4178; p=0,0216). Foi encontrada correlação positiva moderada entre o alcance horizontal e o tempo de equilíbrio (r=0,6078; p<0,0004). Conclui-se que o uso de calçado de salto alto por mais de 4 horas diárias pode promover alterações de equilíbrio em mulheres jovens, além de retração muscular.

Equilíbrio musculoesquelético; Postura; Sapatos


Precocity has been noticed in the use of high-heeled shoes. However, there are not many studies on its consequences. The aim of this work was to search for equilibrium alterations in young women used to daily wearing high-heeled shoes. Thirty female undergraduates (mean aged 20 years old) were asked to write down, for two weeks, the number of hours per day they remained with the shoes on. They were then assessed as to posture deviations, as to muscle retractions of the posterior chain by means of the sit and reach test, and as to equilibrium by the Romberg test. Results were statistically analysed. Mean volunteers' height was 1.63 m and mean body mass, 58.5 kg. A negative, strong correlation (r=-0.8692; p<0.0001) was noticed between reach range and weekly time (in hours) of high-heeled shoe wearing. No correlation was found between reach range and time of high-heel use in years. Seventeen out of the 30 volunteers presented positive test for loss of equilibrium when barefoot with closed eyes. A weak, negative correlation (r=-0.4178; p=0.0216) was found between loss of equilibrium and weekly time of high-heel use. A positive moderate correlation was found between reach range and time of equilibrium (r=0.6078; p<0.0004). The use of high-heeled shoes for more than four hours per day can hence be said to cause equilibrium changes and muscle retraction in young women.

Musculoskeletal equilibrium; Posture; Shoes


PESQUISA ORIGINAL ORIGINAL RESEARCH

Equilíbrio e retração muscular em jovens estudantes usuárias de calçado de salto alto

Equilibrium and muscle retraction in young female students users of high-heeled shoes

Dernival BertoncelloI; Cristina dos Santos Cardoso de SáII; Anna Helena CalapodópulosIII; Vanessa Linhares LemosIII

IProf. Dr. adjunto do Curso de Fisioterapia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Unidade Urbano Salomão, Uberaba, MG

IIProfa. Dra. adjunta do Curso de Fisioterapia da Universidade Federal de São Paulo, Santos, SP

IIIFisioterapeutas

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Prof. Dr. Dernival Bertoncello Av. Getúlio Guarita 159 Abadia 38025-440 Uberaba MG e-mail: bertoncello@fisioterapia.uftm.edu.br

RESUMO

Verifica-se precocidade na utilização de calçado de salto alto, mas não há muitos estudos identificando suas conseqüências. O objetivo deste trabalho foi verificar alterações de equilíbrio e eventual retração muscular em estudantes universitárias habituadas a utilizar salto alto diariamente. Foram avaliadas 30 jovens (média de 20 anos de idade) que anotaram, durante duas semanas, o tempo diário em que permaneciam com o calçado. Foram avaliadas quanto a desvios posturais, quanto às retrações musculares da cadeia posterior, pelo teste de alcance horizontal, e quanto ao equilíbrio, pelo teste de Romberg. Os resultados foram analisados estatisticamente. A média de estatura foi 1,63 m e a de massa corporal, 58,5 kg. O tempo médio de uso dos sapatos de salto alto foi de 34 h por semana. Ao relacionar o alcance horizontal com o tempo semanal de uso do salto alto, verificou-se forte correlação negativa (r=-0,8692; p<0,0001). Não houve correlação entre o alcance horizontal e o tempo de uso de salto alto em anos. O teste de 17 das 30 voluntárias foi positivo para perda de equilíbrio quando descalças, de olhos fechados. A correlação foi negativa com o tempo de uso semanal de salto alto (r=-0,4178; p=0,0216). Foi encontrada correlação positiva moderada entre o alcance horizontal e o tempo de equilíbrio (r=0,6078; p<0,0004). Conclui-se que o uso de calçado de salto alto por mais de 4 horas diárias pode promover alterações de equilíbrio em mulheres jovens, além de retração muscular.

Descritores: Equilíbrio musculoesquelético; Postura; Sapatos

ABSTRACT

Precocity has been noticed in the use of high-heeled shoes. However, there are not many studies on its consequences. The aim of this work was to search for equilibrium alterations in young women used to daily wearing high-heeled shoes. Thirty female undergraduates (mean aged 20 years old) were asked to write down, for two weeks, the number of hours per day they remained with the shoes on. They were then assessed as to posture deviations, as to muscle retractions of the posterior chain by means of the sit and reach test, and as to equilibrium by the Romberg test. Results were statistically analysed. Mean volunteers' height was 1.63 m and mean body mass, 58.5 kg. A negative, strong correlation (r=-0.8692; p<0.0001) was noticed between reach range and weekly time (in hours) of high-heeled shoe wearing. No correlation was found between reach range and time of high-heel use in years. Seventeen out of the 30 volunteers presented positive test for loss of equilibrium when barefoot with closed eyes. A weak, negative correlation (r=-0.4178; p=0.0216) was found between loss of equilibrium and weekly time of high-heel use. A positive moderate correlation was found between reach range and time of equilibrium (r=0.6078; p<0.0004). The use of high-heeled shoes for more than four hours per day can hence be said to cause equilibrium changes and muscle retraction in young women.

Key words: Musculoskeletal equilibrium; Posture; Shoes

INTRODUÇÃO

No corpo humano, uma série de ações desempenhadas pelo sistema fisiológico permite o movimento e a manutenção da bipedestação. Particularmente, os sistemas nervoso, muscular e esquelético assumem padrões peculiares em cada indivíduo, conforme a demanda imposta. A adaptação desses sistemas frente aos estímulos externos ao corpo é possível graças à propriedade de plasticidade dos tecidos 1,2.

O aparelho vestibular é o órgão que detecta as sensações de equilíbrio e responde a diversos estímulos, como visuais, sonoros, táteis e de posição corporal. Quando se altera o posicionamento corporal, o estiramento muscular excita os fusos musculares e, por via reflexa, os músculos entram em tensão, estimulando receptores proprioceptivos. Esses receptores, também chamados corpúsculos sensíveis à pressão, constituem provavelmente as principais fontes de informações no que concerne à posição e ao deslocamento dos diversos segmentos corpóreos. Por interconexões neurais, transmitem ao aparelho vestibular as informações necessárias para que haja resposta quanto a aumento ou diminuição de tônus muscular para manter o equilíbrio3,4.

Todos os mecanismos fisiológicos se modificam a fim de permitir a adaptação corporal conforme as condições impostas pelo meio, seja em relação a fatores ambientais ou a utensílios de vestimenta que acompanham o corpo, para corrigir deficiência física ou servir como complemento estético.

Um exemplo é o calçado com salto alto. À parte a utilização de salto alto para corrigir deficiência física, na maioria das vezes seu uso objetiva a correção da estatura da pessoa com intuito estético. No entanto, para manter-se sobre uma altura acima do nível do chão, são necessários ajustes corporais para evitar a queda do indivíduo. Assim, o equilíbrio deve ser redefinido e, para tanto, os sistemas muscular e esquelético sofrem alterações no que tange ao tônus muscular. Isso pode se refletir em desvios ou deslocamentos de estruturas ósseas e ligamentares, que determinam as compensações que levam às alterações da postura do indivíduo5,6.

Nota-se, na sociedade atual, grande número de mulheres que utilizam salto alto diariamente. Verifica-se também uma precocidade na utilização desse tipo de calçado, ou seja, cada vez mais, jovens fazem uso de sandálias ou sapatos com saltos elevados. Na literatura é descrito que a utilização constante pode levar a alterações posturais como, por exemplo, hálux valgo, pé cavo, hiperlordose lombar, hiperextensão de joelhos e retração dos músculos da cadeia posterior (tríceps sural, isquiotibiais e paravertebrais)7,8. No entanto, não há muitos estudos identificando os principais problemas que tal uso pode acarretar no que se refere à alteração do equilíbrio e modificação do tônus muscular, embora o teste de Romberg seja empregado por diferentes autores a fim de avaliar o equilíbrio em populações com disfunção motora ou em condições diferenciadas9-11.

O objetivo deste trabalho foi verificar eventuais alterações do equilíbrio e presença de retração muscular em estudantes universitárias habituadas a utilizar constantemente salto alto como parte de seu vestuário.

METODOLOGIA

Foram avaliadas 30 voluntárias, com idade entre 18 e 22 anos, que utilizam calçado com salto alto diariamente, com altura do salto maior do que 8 centímetros - sendo este um requisito imprescindível para a determinação da amostra. As voluntárias eram estudantes do 3º ao 5º período do curso de Fisioterapia. Este trabalho recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Uniube - Universidade de Uberaba. Todas as voluntárias assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, contendo um explicativo da pesquisa e a condição de livre arbítrio quanto à participação no estudo. Como critérios de exclusão, foram considerados: usar calçado de salto alto há menos de dois anos; apresentar qualquer alteração dos sistemas vestibular e/ou cerebelar; exercer trabalho remunerado que exigisse uso de traje padrão (para evitar especificidade da amostra); usar medicamento controlado.

Análise do perfil de uso de calçado com salto alto: cada voluntária preencheu, de próprio punho, um questionário sobre suas atividades de vida diária referentes ao uso de sapato de salto alto, contendo itens que contemplavam, entre outros, o tempo aproximado de uso diário, bem como o tempo pregresso (em anos) de uso. Cada voluntária foi orientada a anotar, durante duas semanas, o tempo diário em que permaneceu com o calçado. A média de horas semanais foi calculada da somatória das duas semanas.

Avaliação física: as voluntárias foram avaliadas pelo exame físico simplificado no que se refere aos desvios posturais. Foram ainda avaliadas quanto à retração muscular da cadeia posterior pelo teste de alcance horizontal, verificado pelo posicionamento no banco de Wells12, seguindo padrões de análise para os músculos semitendinoso, semimembranoso, bíceps femoral, gastrocnêmio, sóleo e paravertebrais13. O ponto zero foi demarcado na ponta dos dedos do pé, mantendo os tornozelos em posição neutra e sentada sobre as tuberosidades isquiáticas. Assim, a distância (em cm) para alcançar o ponto inicial foi considerada negativa; a distância a partir desse ponto foi considerada positiva. A voluntária foi instruída a flexionar o tronco e estender os braços aproximando as mãos dos pés e, após o comando "já", efetuava o alcance. O escore zero indica que a pessoa alcança com a ponta dos dedos da mão os do pé, ou seja, flexibilidade regular; alcance horizontal negativo indica pouca flexibilidade. Para evitar vieses decorrentes da análise qualitativa, em cada parâmetro as voluntárias foram analisadas por um mesmo avaliador.

Avaliação de equilíbrio: para avaliação de equilíbrio das voluntárias, foi utilizado o teste de Romberg9,10,14 adaptado. Este é um teste comumente utilizado para avaliação do equilíbrio em pessoas com disfunções nos sistemas vestibular ou cerebelar; assim, precisou ser adaptado, pois não foi encontrado na literatura um teste para tal finalidade em indivíduos sem qualquer alteração ou disfunção motora. Solicitou-se a cada voluntária que permanecesse com os pés juntos, descalços, com olhos abertos por aproximadamente 30 segundos e, depois, com olhos fechados durante também 30 segundos. Cronometrou-se o tempo de permanência na posição em pé sem perda de equilíbrio e considerou-se positivo o teste quando a voluntária não conseguia passar mais de 10 segundos de olhos fechados sem oscilações corporais, analisadas pelas variações verificadas frente a um simetrógrafo. Foi registrado o tempo que cada uma demorou para ter a primeira oscilação, aqui considerado tempo de equilíbrio, ou seja, em que cada voluntária permaneceu sem oscilação corporal. A avaliação do tempo foi um determinante neste estudo, considerado um parâmetro além do que é prescrito pelo teste de Romberg.

Análise dos resultados: foram analisados de forma a correlacioná-los quanto à flexibilidade, equilíbrio e tempo de uso de sapato de salto alto. Foi utilizado o teste de correlação linear de Pearson para avaliar o nível de correlação entre as variáveis. Correlações foram consideradas fortes se r>0,70 e fraca se r<0,70; na faixa intermediária, foi considerada moderada.

RESULTADOS

A média de estatura e massa corporal das voluntárias avaliadas foi de 1,63 m e 58,5 kg, respectivamente. Os valores médios referentes às variáveis analisadas com base nas respostas ao questionário e nas avaliações física e do equilíbrio são apresentados na Tabela 1. Ressalta-se que o valor negativo do alcance horizontal é devido à distância das mãos ao antepé, na posição sentada, ou seja, sem conseguir alcançar os pés.

Em relação à avaliação postural, 24 voluntárias (80%) apresentam cristas ilíacas esquerdas mais elevadas do que no lado direito; 17 (56,7%) têm joelhos valgos e 3 (10%), joelhos varos; 25 (83,4%) apresentam anteversão pélvica.

Quando se procurou relacionar o alcance horizontal com o tempo semanal (em horas) de uso de calçado com salto alto, verificou-se correlação negativa, ou seja, quanto maior o tempo de uso do calçado, menor o alcance horizontal (Gráfico 1). Não houve correlação com o tempo de uso de salto alto em anos; e todas as voluntárias indicaram mais de quatro anos utilizando o calçado.


De todas as voluntárias participantes, 17 apresentaram teste positivo para perda de equilíbrio com olhos fechados, ou seja, mantiveram a postura em pé sem oscilações por apenas 10 segundos ou menos. A correlação foi negativa com o tempo de uso semanal de salto alto (quanto maior o tempo de uso, menor o tempo de equilíbrio em pé - Gráfico 2).


A correlação foi positiva entre os parâmetros alcance horizontal e tempo de equilíbrio, ou seja, aquelas que tinham maior alcance também apresentavam melhor tempo de equilíbrio (Gráfico 3).


Não foram encontradas correlações entre os parâmetros acima descritos e o tempo em anos de uso do calçado.

DISCUSSÃO

Este estudo avaliou jovens que fazem uso contínuo de calçado com salto alto, sendo este parte de sua vestimenta diária. Cada voluntária ficou responsável por sua análise diária de uso, inclusive marcando os intervalos em que permanecia com outro tipo de calçado mais baixo. Se considerado o tempo médio semanal de uso de 34 horas, a média por dia é de 4 horas e 51 minutos.

No que se refere ao equilíbrio, alguns estudos utilizaram outros testes para avaliação de perda de equilíbrio dos indivíduos15,16. Aqui, optou-se pelo teste de Romberg devido à sua facilidade de aplicação clínica e também pelo caráter qualitativo que apresenta. A adaptação para a forma quantitativa permitiu correlacionar o parâmetro equilíbrio com o tempo de uso de salto alto.

Quando não se permite que sinais oculares direcionem a postura, o sistema vestibular se encarrega de comandar a distribuição do peso corporal, o que pode ser modificado pela alteração do centro de gravidade corporal. Na ausência de informação visual, pode ocorrer aumento da oscilação do corpo, embora alguns autores afirmem que essas informações não são imprescindíveis para a manutenção da postura corporal17,18. Pode-se inferir que, de fato, a manutenção da postura corporal sem oscilações não é totalmente prejudicada quando a pessoa se encontra com olhos fechados. Os resultados indicaram que pouco mais de 50% das voluntárias apresentaram resultado positivo no teste de Romberg, ou seja, não conseguiram ficar em pé sem oscilação corporal por mais de dez segundos. No entanto, a correlação negativa entre tempo de equilíbrio e tempo de uso semanal do calçado indica que pode haver readaptações corporais e, possivelmente, perda do equilíbrio por outros fatores que não a informação visual.

Na postura ereta ocorre controle do equilíbrio para a manutenção do corpo no espaço. Se considerada a postura sem qualquer interferência de desequilíbrio muscular, o centro de gravidade corporal mantém-se geralmente na altura de S2, conforme indicado na literatura19-21. Com o uso de calçado de salto alto, ocorre flexão plantar de tornozelo proporcionalmente à altura do salto. Essa posição remeteria para o deslocamento anterior do corpo. A fim de se manter em equilíbrio, a pessoa faz anteversão pélvica. No presente estudo, os resultados apontam para isso, uma vez que a grande maioria das voluntárias (83,4%) apresenta essa variação postural. A anteversão pélvica, associada à flexão plantar acentuada, resulta em hiperlordose lombar. Assim, a retração muscular da cadeia posterior torna-se mais evidente e possível de ocorrer, o que se reflete no menor alcance horizontal na posição sentada. Quanto maior o tempo semanal de uso de calçado com salto alto, possivelmente ocorrem maiores adaptações estruturais de tecidos moles e rígidos a fim de manter o equilíbrio da usuária e, portanto, mais retrações e menor alcance horizontal, conforme os resultados aqui encontrados.

Iunes e Santos22 não encontraram alterações musculares lombares durante a marcha de crianças utilizando calçado com salto alto, por meio de testes eletromiográficos, quando compararam com uso de salto baixo ou marcha descalça. Outros autores23 já tinham avaliado possíveis alterações no joelho de adolescentes, na postura estática, com ou sem calçado com salto alto, mas não encontraram diferenças significativas para desvios. Provavelmente, devido à faixa etária das voluntárias aqui estudadas e ao tempo (no mínimo quatro anos) há que usavam salto alto, a musculatura da região inferior do tronco já tenha alterações necessárias para adaptação ao calçado na postura estática.

Ao correlacionar o alcance horizontal com o tempo de equilíbrio, também se verificaram valores proporcionais, ou de correlação positiva. É possível perceber inter-relações entre estes e os demais parâmetros avaliados. Uma vez que o indivíduo apresenta retração muscular de cadeia posterior (que pode ou não ser decorrente do uso demasiado de calçado com salto alto), as modificações corporais poderiam alterar o centro gravitacional do corpo e, portanto, o equilíbrio passaria a ser prejudicado quando a pessoa estivesse sem o calçado. Segundo Hansen e Childress24, alguns calçados, devido à disposição do salto e à área de contato com o chão, não permitem adaptações corporais, principalmente na articulação do tornozelo, o que determinaria ajustes em outras articulações a fim de compensar essa não-adaptação local. Tedeschi Filho et al.25 ainda encontraram diminuição da ação de bomba muscular, que contribui para o retorno venoso, em usuárias de salto alto, o que poderia causar doença venosa.

O uso de calçado com salto alto, ao modificar a estatura da usuária e permitir arranjos estéticos, poderia interferir em sua qualidade de vida. Hong et al.26 procuraram analisar a percepção de conforto de mulheres jovens caminhando com salto alto. Verificaram que há diminuição do conforto à medida que se diminui o contato do pé com o chão, o que ocorre de acordo com o aumento da altura do salto. Neste trabalho, as voluntárias se mostraram aparentemente à vontade com o uso do calçado, embora não tenhamos aplicado um questionário referente à qualidade de vida.

O fato de não haver correlação entre os parâmetros analisados e o tempo, em anos, de uso de salto alto, pode ser devido à dificuldade em fazer a análise retrospectiva sobre o total de meses em que a pessoa utiliza o calçado. O tempo foi considerado em anos, sendo praticamente igual para todas as voluntárias. No entanto, verificaram-se modificações corporais que demandam alteração do centro de equilíbrio, possivelmente com alteração do tônus muscular devido à ausência de alongamentos musculares diários27-30.

Diante dos resultados aqui encontrados, embora com uma população pequena, é preocupante verificar que há aparente diminuição de equilíbrio quando a voluntária não está com o calçado de salto alto mas faz uso diário dele. Os ajustes corporais decorrentes desse uso podem determinar outras disfunções aqui não identificadas. Portanto, estudos direcionados para outras análises são importantes a fim de demonstrar possíveis riscos de lesões à população.

CONCLUSÃO

Conclui-se que o uso de calçado de salto alto por mais de 4 horas diárias pode promover alterações de equilíbrio em mulheres jovens (quando descalças), provavelmente devido ao arranjo muscular decorrente da alteração postural que se segue à alteração do centro de gravidade corporal.

Apresentação: set. 2008

Aceito para publicação: maio 2009

O estudo recebeu apoio do Pape - Programa de Apoio à Pesquisa da Uniube.

Estudo desenvolvido no Curso de Fisioterapia da Uniube - Universidade de Uberaba, Uberaba, MG, Brasil

  • 1 Ferrari EAM, Toyoda MSS, Faleiros L. Plasticidade neural: relações com o comportamento e abordagens experimentais. Psicol Teor Pesq, Brasília. 2001;17(2):187-94.
  • 2 Holterman CE, Rudnicki MA. Molecular regulation of satellite cell function. Semin Cell Dev Biol. 2005;16:575-84.
  • 3 Berne RM, Levy MN. Fisiologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1993.
  • 4 Kanashiro AMK, Pereira CB, Melo ACP, Scaff M. Diagnóstico e tratamento das principais síndromes vestibulares. Arq Neuropsiquiatr. 2005;63:140-4.
  • 5 Ruwer SL, Rossi AG, Simon LF. Equilíbrio no idoso. Rev Bras Otorrinolaringol. 2005;71(3):298-303.
  • 6 Alexandre NMC, Moraes MAA. Modelo de avaliação físico-funcional da coluna vertebral. Rev Latino-am Enfermagem. 2001;9(2):67-75.
  • 7 Kapandji AI. Fisiologia articular: membros inferiores. São Paulo: Manole; 2000. v.2.
  • 8 Gross DK, Niu J, Zhang YQ, Felson DT, McLennan C, Hannan MT, Holt KG, et al. Varus foot alignment and hip conditions in older adults. Arthritis Rheum. 2007; 56(9):2293-8.
  • 9 Moran CA, Carvalho LBC, Prado LBF, Prado GF. Sleep disorders and starting time to school impair balance in 5-year-old children. Arq Neuropsiquiatr. 2005;63(3a):571-6.
  • 10 Baraúna MA, Duarte F, Sanchez HM, Canto RST, Malusá S, Campelo-Silva CD, et al. Avaliação do equilíbrio estático em indivíduos amputados de membros inferiores através da biofotogrametria computadorizada. Rev Bras Fisioter. 2006;10(1):83-90.
  • 11 Volpi FS, Navarro FM. Um estudo de caso da reabilitação vestibular em pacientes idosos com VPPB e doença de Parkinson associada. Fisioter Mov. 2006;19(2):83-90.
  • 12 Wells KF, Dillon EK. The sit and reach: a test of back and leg flexibility. Res Q Exerc Sport. 1952;23:115-8.
  • 13 Rosário JLP, Sousa A, Cabral CMN, João SMA, Marques AP. Reeducação postural global e alongamento estático segmentar na melhora da flexibilidade, força muscular e amplitude de movimento: um estudo comparativo. Fisioter Pesq. 2008;15(1):14-23.
  • 14 Reese N. Testes de função muscular e sensorial. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000.
  • 15 Aragão FA, Navarro FM. Análise da correlação entre os distúrbios do equilíbrio e a propensão a quedas em uma população parkinsoniana. Fisioter Mov. 2006;19(3):47-54.
  • 16 Fabrício SCC, Rodrigues RAP, Costa Jr ML. Causas e conseqüências de quedas de idosos atendidos em hospital público. Rev Saude Publica. 2004;38(1):93-9.
  • 17 Horak FB, Shupert C. The role of the vestibular system in postural control. In: Hudman, S. editor. Vestibular rehabilitation. New York: F.A. Davis; 1994.
  • 18 Collins JJ, De Luca CJ, Burrows A, Lipsitz LA. Age-related changes in open-loop and closed-loop postural control mechanisms. Exp Brain Res. 1995;104:480-92.
  • 19 Bréder VF, Oliveira DF, Silva MAG. Atividade física e lombalgia. Fisioter Bras. 2005;6(2):157-62.
  • 20 Watson AWS, Mac Donncha C. A reliable technique for the assessment of posture: assessment criteria for aspects of posture. J Sports Med Phys Fitness. 2000;40:260-70.
  • 21 Marty-Poumarat C, Scattin L, Marpeau M, Garreau L, Aegerler P. Natural history of progressive adult scoliosis. Spine. 2007;32(11):1227-34.
  • 22 Iunes DH, Santos CBA, Freitas FP, Gonçalves AR. Análise eletromiográfica da atividade muscular durante a marcha em crianças, utilizando diferentes tipos de calçados. Fisioter Bras. 2005;6(5):328-31.
  • 23 Aguiar Jr AS, Freitas TM. Biomecânica da marcha e da postura com calçado de salto alto. Fisioter Bras. 2004;5(3):183-7.
  • 24 Hansen AH, Childress DS. Effects of shoe heel height on biologic rollover characteristics during walking. J Rehabil Res Dev. 2004;41(4):547-54.
  • 25 Tedeschi Filho W, Piccinato CE, Moriya T, Joviliano EE, Dezotti NRA. Influência da altura do salto de sapatos na função venosa da mulher jovem. J Vasc Bras. 2007;6(4):352-8.
  • 26 Hong WH, Lee YH, Chen HC, Pei YC, Wu CY. Influence of heel height and shoe insert on comfort perception and biomechanical performance of young female adults during walking. Foot Ankle Int. 2005;26(12):1042-8.
  • 27 Durigon OFS. O alongamento muscular, parte 1: a interação neuromuscular. Rev Fisioter Univ São Paulo. 1995;2(1)40-4.
  • 28 Durigon OFS. Alongamento muscular, parte II: a interação mecânica. Rev Fisioter Univ São Paulo. 1995;2(2):72-8.
  • 29 De Lauter BJ, Giaconi RM, Questad K, Ko M, Lehmann JF. Footwear and posture: compensatory strategies for heel height. Am J Phys Med Rehabil. 1991;70(5):246-54.
  • 30 Resende SM, Rassi CM Efeitos da hidroterapia na recuperação do equilíbrio e prevenção de quedas em idosas. Rev Bras Fisioter. 2008;12(1):57-63.
  • Endereço para correspondência:

    Prof. Dr. Dernival Bertoncello
    Av. Getúlio Guarita 159 Abadia
    38025-440 Uberaba MG
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Aceito
      Maio 2009
    • Recebido
      Set 2008
    Universidade de São Paulo Rua Ovídio Pires de Campos, 225 2° andar. , 05403-010 São Paulo SP / Brasil, Tel: 55 11 2661-7703, Fax 55 11 3743-7462 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revfisio@usp.br