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A aplicação do cuidado transpessoal e a assistência espiritual a pacientes idosos em cuidados paliativos

Resumo

Objetivo

: Compreender a percepção dos enfermeiros sobre a assistência espiritual a pacientes idosos em cuidados paliativos.

Método

: Estudo descritivo com abordagem qualitativa, realizada com 27 enfermeiros assistenciais no Hospital Universitário de Brasília, Brasil, em 2018. As entrevistas foram conduzidas por meio de roteiro semiestruturado e submetidas à análise de conteúdo. Foi realizada a técnica de estruturação do discurso do sujeito coletivo.

Resultados

: Foi possível a construção de cinco discursos do sujeito coletivo e agrupadas em duas categorias denominadas: Cuidado espiritual ofertado pelos enfermeiros assistenciais e Fatores favoráveis e desfavoráveis à oferta do cuidado espiritual a pacientes idosos. A partir dos núcleos centrais presentes nos relatos, os entrevistados consideram importante a assistência espiritual e a participação dos familiares nos cuidados paliativos. Porém, atribuem a função de intervir na espiritualidade principalmente aos voluntários religiosos e a família.

Conclusão

: O estudo evidencia que mesmo diante de dificuldades para prestar um cuidado espiritual, o apoio familiar, os momentos da escuta e as execuções de atividades que motivam a paz interior são significativos para uma resposta maior da espiritualidade do paciente idoso.

Palavras-chaves:
Cuidados de Enfermagem; Cuidados Paliativos; Espiritualidade; Saúde do idoso

Abstract

Objective

: To identify the perception of nurses regarding spiritual care for older patients undergoing palliative care.

Methods

: A descriptive study with a qualitative approach was carried out with 27 care nurses at the Hospital Universitário de Brasília, Brazil, in 2018. The interviews were conducted through a semi-structured script and submitted to content analysis. The discourse structuring for the collective subject technique was applied.

Results

: Five discourses of the collective subject were constructed and grouped into two categories entitled Spiritual Care Provided By Nurses, and Favorable and Unfavorable Factors For the Provision of Spiritual Care For Older Patients. From the central nuclei contained in the reports, the respondents considered spiritual care and family participation in palliative care important. However, they mainly attributed the role of intervening in spirituality to religious volunteers and the family.

Conclusion

: The study shows that despite the difficulties in providing spiritual care, family support, moments of listening and the carrying out of activities that motivate inner peace are significant for an improved response to the spirituality of older patients.

Keywords:
Nursing Care; Palliative Care; Spirituality; Health of the elderly

INTRODUÇÃO

Envelhecer é um processo natural que caracteriza uma etapa da vida do ser humano. Com os avanços tecnológicos, diminuição dos índices de mortalidade decorrentes do aprimoramento das condições sanitárias e a diminuição das taxas de fecundidade devido à possibilidade do controle de natalidade, o Brasil segue no processo de inversão da pirâmide etária demonstrando assim o aumento do envelhecimento populacional. No entanto, o envelhecimento é também um dos fatores de risco para o desenvolvimento de doenças crônicas, incluindo o câncer11 Cervelin AF, Kruse MHL. Spirituality and religiosity in palliative care: learning to govern. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2014;18(1):136-42..

Com o desenvolvimento da capacidade de pensar de forma racional e lógica, surgiu também uma necessidade de tentar entender o sentido da vida e da morte, principalmente para os indivíduos fora de possibilidades terapêuticas de cura, visto que necessitam de cuidados diferenciados daqueles que buscam um tratamento curativista11 Cervelin AF, Kruse MHL. Spirituality and religiosity in palliative care: learning to govern. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2014;18(1):136-42..

O cuidado paliativo consiste em uma modalidade assistencial concedida ao paciente e sua família frente a uma doença ou condição clínica que ameace a continuidade da vida. Essas intervenções são prestadas por uma equipe multidisciplinar que observam o paciente em seus aspectos físicos, sociais, psicológicos e espirituais, com o propósito de melhorar a qualidade de vida, realizar a prevenção e identificação dos agravos, além de aliviar o sofrimento e a dor, permeados por uma comunicação efetiva. Nesse sentido, essa nova abordagem é imprescindível quando as intervenções clínicas e terapêuticas de cura não são eficazes22 Morais E, Conrad D, Mattos E, Cruz S, Machado G, Abreu M. Palliative care: coping nurses in a private hospital in the city of Rio de Janeiro - RJ. Rev Pesqui Cuid Fundam. 2018;10(2):318-25..

Em 2015, o Brasil ocupava a 42ª posição no ranking do Índice de Qualidade de Morte onde foram avaliados os cuidados paliativos prestados por oitenta países, através de análise dos relatos de profissionais de saúde, presença de políticas nacionais e investimentos voltados ao atendimento paliativo33 Kelly D. Politics and palliative nursing. Int J Palliat Nurs. 2018;24(1):3-8.. Apesar de o Brasil apresentar um crescimento em relação ao índice divulgado nos anos anteriores (2009 a 2014) e possuir uma legislação que assegure o direito de acesso dos cidadãos a esse tipo de terapêutica, o país segue com dificuldades na implantação da qualidade da assistência44 Luiz MM, Netto JJM, Vasconcelos AKB, Brito MCC. Palliative nursing care in the elderly in UCI: an integrative review. Rev Pesqui Cuid Fundam. 2018;10(2):585-92..

Os termos espiritualidade e religiosidade para muitos possuem o mesmo significado, porém são processos distintos. A espiritualidade corresponde a um saber único de cada indivíduo que busca explicações que vão além de seu entendimento a respeito do processo existencial. Ela possui papel essencial no processo de cuidado e tratamento de doenças, pois não se baseia exclusivamente na religião, mas em princípios ligados a valores próprios, podendo assim ser inclusos nas várias etapas e contextos11 Cervelin AF, Kruse MHL. Spirituality and religiosity in palliative care: learning to govern. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2014;18(1):136-42.,55 Gomes NS, Farina M, Forno CD. Spirituality, religion and religion: concepts reflection in psychological articles. Rev Psicol IMED. 2014;6(2):107-12.,66 Arrieira ICD, Thofehrn MB, Milbrath VM, Schwonke CRGB, Cardoso DH, Fripp JC. The meaning of spirituality in the transience of life. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2017;21(1):e20170012 [6 p.]..

Em contrapartida, a religiosidade refere-se a uma prática baseada na crença e que aproximam o crente a divindades específicas. Nesse sentido, as atividades religiosas regem um comportamento coletivo e modo de viver podendo ser compartilhadas entre pessoas da mesma religião11 Cervelin AF, Kruse MHL. Spirituality and religiosity in palliative care: learning to govern. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2014;18(1):136-42.,55 Gomes NS, Farina M, Forno CD. Spirituality, religion and religion: concepts reflection in psychological articles. Rev Psicol IMED. 2014;6(2):107-12.,66 Arrieira ICD, Thofehrn MB, Milbrath VM, Schwonke CRGB, Cardoso DH, Fripp JC. The meaning of spirituality in the transience of life. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2017;21(1):e20170012 [6 p.]..

Dentro da prática de enfermagem, a teorista Jean Watson se tornou uma referência, pois, no decorrer de suas vivências profissionais, atribuiu um novo sentido à prática assistencial, defendendo uma abordagem que permitisse ir além do conhecimento científico e considerar os aspectos humanísticos para suprir as necessidades do paciente, família e comunidade. Diante disso, a Teoria do Cuidado Humano Transpessoal é definida como um marco que contempla o cuidado em diferentes cenários e com uma maior interação entre o profissional e o paciente77 Tonin L, Nascimento JD, Lacerda MR, Favero L, Gomes IM, Denipote AGM. Guide to deliver the elements of the Clinical Caritas Process. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2017;21(4):e20170034 [7 p.].,88 Savieto RM, Leão ER. Nursing assistance and Jean Watson: a reflection on empathy. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2016;20(1):198-202..

O Cuidado Transpessoal defende a promoção de uma abordagem espiritual no processo de cuidar. A enfermagem não deve ser baseada no modelo tradicional biomédico, que foca apenas na cura das doenças por meio de uma série de protocolos estabelecidos, mas atribui à espiritualidade um aspecto importante na atenção integral do paciente. Além de incluir uma dimensão espiritual no cuidado, Watson expõe que através da interação do enfermeiro com o paciente, podem-se explorar as emoções e a subjetividade de ambos e analisar a sua relação no processo de cuidar99 Santos KH. Nursing care in people with sickle cell anemia: application of Jean Watson's theory in the nurse-individual relationship. Saúde rev. 2016;16(44):55-61..

O cuidado paliativo vem se tornando cada vez mais presente nas intervenções de enfermagem aos pacientes idosos. Nesse cenário, faz-se necessário compreender a percepção dos enfermeiros, a importância e o significado que a espiritualidade possui na assistência. Uma vez que esses profissionais passam mais tempo ao lado dos pacientes e familiares durante a internação, muitas vezes, percebem mais facilmente as suas particularidades. Nesse sentido, apreender a sua percepção é indispensável para ampliar os debates acerca deste tema.

Diante de tantos desafios envolvendo a dimensão espiritual nos cuidados paliativos, este estudo firma-se na seguinte questão norteadora: Como os enfermeiros percebem a importância da assistência espiritual a pacientes idosos em cuidados paliativos? Dessa maneira, o estudo tem por objetivo compreender a percepção dos enfermeiros sobre a assistência espiritual a pacientes idosos em cuidados paliativos.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa descritiva com abordagem qualitativa. Para compreender melhor os pensamentos do sujeito, grupo ou coletividade, devem-se explorar suas ideias por meio de um saber qualitativo, que visa avaliar a qualidade de forma subjetiva1010 Wadams M, Park T. Qualitative research in correctional settings: researcher bias, west ern ideological influences, and social justice. J Forensic Nurs. 2018;14(2):72-9..

O estudo foi desenvolvido com 27 enfermeiros assistenciais do Hospital Universitário de Brasília (HUB) no período de julho a novembro ano de 2018. Utilizaram-se como critério de inclusão profissionais enfermeiros que atuassem no setor da Clínica Médica no HUB por um período mínimo de um ano, uma vez que, esse tempo foi estabelecido para que as experiências com cuidados paliativos desses profissionais fossem suficientes para alcançar os objetivos da pesquisa. E como critérios de excusão usaram-se enfermeiros que estavam de férias ou licença no período da coleta de dados e ainda aqueles que não realizavam atividades assistenciais, isto é, atuavam somente em funções administrativas.

Subsequentemente a isso, os dados foram coletados por meio de entrevista conduzida por roteiro semiestruturado, registrada através de gravação de áudio em local privado, afirmando o direito de confidencialidade dos dados.

As entrevistas foram transcritas em sua totalidade e analisadas seguindo a técnica de análise de conteúdo, onde as ideias são descritas como uma união de metodologias distintas que tem por função examinar diversas formas de argumentos, com o propósito de observar todos os dados obtidos, sejam eles verbais ou não-verbais1111 Carlomagno MC, Rocha LC. Como criar e classificar categorias para fazer análise de conteúdo: uma questão metodológica. Rev Eletr Ciênc Política. 2016;7(1):173-88.. O corpus textual foi submetido à técnica de análise de conteúdo.

Por meio da análise dos extratos das falas dos participantes foi possível identificar os núcleos centrais encontrados nos relatos, e isso permitiu a formação do DSC. Nesse sentido, priorizaram-se as principais abordagens e significados do cuidado espiritual e organizadas para realizar a aplicação da Teoria do Cuidado Transpessoal de Jean Watson.

A técnica de estruturação do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) retoma as representações sociais, vinculando as interpretações individuais com as coletivas, ou seja, agrupam-se as ideias particulares com lógicas semelhantes, para se construir um discurso que exprime o conceito do ponto de vista coletivo1212 Lefevre F, Lefevre AMC. Discourse of the collective subject: social representations and communication interventions. Texto & Context Enferm. 2014;23(2):502-07.. Dessa forma, não há uma identificação individual dos participantes da pesquisa, uma vez que as falas apresentam uma ideia coletiva. Atenderam-se às recomendações éticas, sendo a pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Ceilândia (FCE), da Universidade de Brasília, com o parecer número 2.642.997 em 08/03/2018.

RESULTADOS

A amostra estudada foi composta por 27 enfermeiros que atuam na assistência direta em cuidados paliativos a pacientes idosos fora de possibilidades terapêuticas de cura, conforme descrito na tabela 1.

Tabela 1
Distribuição das características sociodemográficas dos participantes. Brasília, DF, 2019.

Dentre os participantes, 74% eram do sexo feminino. Quando questionados sobre o tempo de formação na enfermagem, 37% possuíam menos de 5 anos de formação, 37% possuíam de 5 a 10 anos de formação, e 26% possuíam mais de 10 anos de formação.

Em relação ao tempo de atuação com cuidados paliativos, todos osparticipantes possuíam menos de cinco anos e 51,5% relataram ter realizado no mínimo um capacitação voltada para o tema de cuidados paliativos e terminalidade da vida.

A técnica de análise de conteúdo e a estruturação do discurso do sujeito coletivo possibilitou emegir duas categorias denominadas: Cuidado espiritual ofertado pelos enfermeiros assistenciais, e Fatores favoráveis e desfavoráveis à oferta do cuidado espiritual.

Cuidado espiritual ofertado pelos enfermeiros assistenciais.

Ao nos depararmos com uma assistência de enfermagem baseada em modelos biomédicos e focados apenas na cura da doença, torna-se necessário uma abordagem que valorize o paciente integralmente, tratando cada indivíduo de acordo com suas especificidades e necessidades diversas, como observamos no DSC 1.

O cuidado não consiste só em dar aquela assistência de enfermagem. Tudo isso envolve aspectos psicológicos, espirituais, religiosos, porque todo mundo é diferente, cada um tem sua crença. A gente tem que saber respeitar a opinião do indivíduo. É muito importante a parte espiritual. Saber que dessa vida a gente não leva nada. Então, a gente dá aquele trabalho de controle da dor, trabalho psicológico, o conforto, de um modo geral, para que ele chegue até numa melhor na fase de aceitação da própria morte, principalmente aquele paciente idoso. Porém, mais importante do que a técnica, do que os procedimentos técnicos, eu acho que é essa abordagem mais humanista, assim, de ver o paciente como um ser, que pensa, com necessidades, que tem a sua religião, que tem as suas crenças, os seus valores.

Por meio do discurso, evidenciou-se que os participantes consideram que abordar aspectos espirituais melhora a aceitação dos pacientes idosos em cuidados paliativos no processo de finitude da vida. Além de assegurar as opiniões dos indivíduos e manter o respeito perante suas crenças religiosas, os profissionais colocam como prioridade o alívio da dor.

Devido ao grande número de pacientes, a sobrecarga de trabalho e o excesso de procedimentos técnicos, a equipe assistencial limita-se em promover um cuidado voltado a parte biológica e relegam o cuidado nas demais dimensões a um patamar secundário, não proporcionando um apoio espiritual adequado ao paciente, à família e à própria equipe de enfermagem.

No DCS 2, percebe-se que a grande parte dos participantes delegam a função de prestar os cuidados espirituais à outras classes profissionais, entidades religiosas e até mesmo os familiares.

Na realidade, não era função nossa. Não é mesmo? Estar trabalhando esses aspectos psicossociais, espirituais, mas como dentro da internação, a enfermagem está mais envolvida do que qualquer outro profissional aí a gente tenta um pouco. Um cuidado voltado para a espiritualidade sendo oferecida pela enfermagem de forma contínua, isso não acontece. A gente tem também as visitas, porque aqui é um hospital aberto a todas as crenças e religiões e credos, então assim, cada credo, crença, tem o seu apoio espiritual. Então, essa parte espiritual fica mais por conta dos voluntários. A gente promove o momento de escuta e está mais voltado para prescrição. É o que está ali escrito, é o cuidado. Sendo que em alguns momentos, o paciente só quer uma palavra de conforto, uma palavra amiga e, pela nossa rotina, a gente, às vezes, fica impossibilitado de fazer isso. Aí, às vezes, a família também assume esse papel importantíssimo.

Conforme os relatos, os representantes de diversas religiões são recebidos para fornecer o apoio espiritual, e de acordo com os participantes, equivocadamente, essa função não é vista como uma atribuição dos profissionais de enfermagem.

Percebe-se a presença de conceitos contraditórios e isso nos mostra que os participantes confundem o significado de espiritualidade com religiosidade, podendo prejudicar nas escolhas das intervenções a serem prestadas durante o cuidado espiritual, já que a religião supre apenas uma parte da dimensão espiritual.

Os participantes, apesar de atribuir a abordagem espiritual aos voluntários religiosos, promovem e estimulam a escuta terapêutica que é um dos principais métodos utilizados no cuidado espiritual. Nesse sentido, os enfermeiros participantes não percebem que esse é um momento terapêutico do processo de cuidar.

Observa-se no DSC 3, a importância da inclusão da família no processo de cuidar. Uma família instruída sobre as condutas dentro da assistência paliativista atua como um auxílio à equipe. Todavia, uma família desinformada e pouco participativa assume o papel de sujeito a ser cuidado junto ao paciente.

Se a família não participa, o paciente se sente rejeitado, se sente mais revoltado, muitas vezes já aceitou que não adianta cuidar e que vai morrer mesmo, então se ele percebe que a família está mais presente, ele aceita mais porque ele sabe que a família está ali e está sendo cuidado, que existe ainda uma perspectiva de melhora, que ele pode ir pra casa. Então, tudo isso influencia. A família é um antidepressivo, a família, muitas vezes, é melhor que o remédio. A medicação ameniza a dor deles, dor interna, aquela dor sofrida, mas para a mente, só a família mesmo. A aproximação da família é essencial. Assim, família não somente esposa, filhos e netos, sabe? Família é quem o paciente considera como família, seja um amigo, seja a companheira, seja um primo, seja um vizinho ou até mesmo um animal de estimação. Eu acho muito importante a participação de alguém. Ninguém quer morrer sozinho, não é mesmo?

Na assistência, é notório a importância da família, pois os pacientes acompanhados de seus familiares apresentam uma resposta maior em meio ao tratamento prestado, ou seja, muitas vezes o que alivia a dor e o desconforto não são apenas os medicamentos, mas o apoio dos familiares. Em contrapartida, aqueles que permanecem sozinhos, além de sentir o abandono, não exprimem expectativas de progresso e melhora dos sintomas.

É possível observar os benefícios à medida que a equipe inclui os familiares no processo, todavia é necessário destacar que o profissional deve considerar como familiar quem o paciente julga ser.

Fatores favoráveis e desfavoráveis à oferta do cuidado espiritual a pacientes idosos

Observa-se no DSC 4 que, quando os profissionais atuam de forma coesa e focada nas necessidades do paciente e familiares, a assistência torna-se qualificada e os pacientes vivenciam um cuidado humanizado.

O que mais facilita? Realmente é a equipe, porque aqui a equipe é bastante unida, organizada, a gente vê esse comprometimento, com os pacientes. Aqui, a equipe é muito humana. É importante tentar respeitar a autonomia do paciente. O paciente idoso tem vontade de fazer alguma atividade para se distrair, uma pintura, um artesanato ou alguma coisa que ele sempre fez em casa, a gente detectando essa vontade, se o paciente tem condições, a gente oferece. Tivemos uma paciente que ela pintava. Ela tinha sido professora e fazia vários desenhos durante o dia e ela dava para os outros pacientes. Então, a gente colocava na cabeceira e ficava muito legal. Ela se sentia bem pintando. Acabava transmitindo que ela estava satisfeita. Quando ela estava fazendo isso toda a equipe estava envolvida, estimulando.

Percebe-se que as intervenções podem evoluir e ir além de uma simples conversa, atribuindo assim um novo significado ao cuidado espiritual, amenizando suas angústias e possibilitando melhoria da qualidade de vida. Quando a equipe é unida e a comunicação flui entre os profissionais de forma efetiva, até mesmo as práticas mais simples resultam em um acolhimento diversificado e individualizado.

Com base nos relatos, a promoção de atividades que estimulam a felicidade, prazer e satisfação, amenizam as incapacidades que os pacientes idosos vivenciam durante a internação. Essas dinâmicas permitem o crescente desejo de viver e a busca por sentimentos de utilidade e funcionalidade durante os cuidados paliativos.

No DSC 5, pode-se inferir que os profissionais não se sentem preparados para proporcionar apoio espiritual, apresentando obstáculos como a falta de tempo devido a demanda hospitalar, não dispor de ambiente com privacidade para a realização dessa aproximação, a dificuldade de conversar sobre assuntos religiosos, a falta de confiança do paciente no profissional, e também por não possuírem conhecimento ou preparo adequado.

E tinha que ter um treinamento também, não é mesmo? Eu acho isso muito essencial porque, às vezes, a gente não sabe como lidar com o paciente, como lidar com a família. O familiar é muito instável, porque para eles, não sei se não é bem explicado ou não aceitam o estado do paciente. Eles ficam bastante abalados. Por mais que saibam que é paliativo, eles querem que façam intervenções, muitas vezes desnecessárias, até o último momento. Tem também a questão da sobrecarga do trabalho, eu considero como o principal fator que dificulta. Às vezes, você até quer dar uma assistência boa, mas devido ao grande contingente de pacientes, você não consegue prestar essa assistência como gostaria. Ninguém aceita a morte, isso dificulta muito. Hoje, a formação profissional de todo mundo é para cuidar de quem vai sobreviver. Você sai da faculdade pensando que você vai salvar vidas. É bem complicado. Outra coisa que eu acho que dificulta também é a falta de comunicação, a falta de diálogo entre as diferentes profissões. Eu quase não consigo, por exemplo, conversar com o psicólogo ou com o médico. Isso é um problema.

Os enfermeiros esclarecem durante a entrevista, que a família pode interferir na assistência pela não compreensão do estado de saúde do paciente. Logo, os profissionais devem ser capazes de prestar um cuidado espiritual para esse grupo, frente a limitações como o luto, a busca constante pela vida e interferências mediante os cuidados prestados pela equipe.

DISCUSSÃO

A análise da dualidade entre vida e morte e a percepção clara sobre a proximidade do fim da vida, permite emegir sentimentos variados, muitas vezes conflitantes, como ansiedade, pesar, medo, paz, aceitação, todos percebidos na busca e vivência da espiritualidade. Cada paciente que é submetido à prática de cuidados paliativos percebe de modo único e pessoal esse momento de ampla complexibilidade1313 Benites AC, Neme CMB, Santos MA. Significance of spirituality for patients with cancer receiving palliative care. Estud Psicol. 2017;34(2):269-79..

A dificuldade em lidar com a morte, o apego à luta constante pela manutenção da vida o medo e a busca pela prevenção e alívio da dor e do sofrimento são aspectos significativos no viver dos pacientes idosos que se encontram em condições vulneráveis. Aos pacientes é importante nesse momento, evidenciar sentimentos como a relevância da fé e o sentido da vida, e que podem contribuir no alívio de diversos sintomas1414 Evangelista CB, Lopes MEL, Costa SFG, Abrão FMS. Spirituality in patient care under palliative care: a study with nurses. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2016;20(1):176-82..

A Teoria do Cuidado Transpessoal insere o estímulo fé-esperança e correlaciona-o à assistência de enfermagem na promoção da estabilidade do paciente. Ao respeitar as crenças e limitações de cada paciente, o cuidado transpessoal nortea-se além das necessidades humanas e do processo de recuperação da saúde99 Santos KH. Nursing care in people with sickle cell anemia: application of Jean Watson's theory in the nurse-individual relationship. Saúde rev. 2016;16(44):55-61.. A inclusão do cuidado espiritual é essencial na assistência paliativa, dado que o suporte familiar, amor, esperança e fé são características fundamentais para atender as necessidades dos clientes durante as intervenções da equipe88 Savieto RM, Leão ER. Nursing assistance and Jean Watson: a reflection on empathy. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2016;20(1):198-202..

As práticas em saúde, em grande parte, ainda se limitam no que se refere ao cuidado da dimensão espiritual. Muitas vezes por falta de competências e habilidades dos profissionais, cuidar dos aspectos que envolvem corpo, mente e espírito, ainda tem sido um grande desafio. Assim, é importante perceber a relevância do cuidado integral a fim de superar paradigmas que podem repercutir na terapêutica e em todo o processo de assistência33 Kelly D. Politics and palliative nursing. Int J Palliat Nurs. 2018;24(1):3-8..

Ao considerar-se os pressupostos do Cuidado Humano Transpessoal, observamos que a Jean Watson torna evidente a necessidade de promover incentivos que incluam o cuidado integral às famílias. Desse modo, tais condições devem permear sempre o cuidado espiritual tanto para o paciente idoso durante a vivência do processo de terminalidade da vida, como para a família até o final do período de vivência do luto1515 Guerrero-Ramírez R, Meneses-La Riva ME, de La Cruz-Ruiz M. Humanized care of nursing according to the theory of Jean Watson, medical service of the hospital Daniel Alcides Carrión. Rev Enferm Herediana. 2016;9(2):133-42..

A família é uma das fontes mais importantes de apoio ao paciente idoso nas intervenções paliativas. Ela possibilita e facilita o cuidado espiritual ao permitir que a equipe tenha acesso às histórias de vida do paciente, suas crenças, expectativas e relutâncias. Nesse sentido, cabe aos profissionais promover a inclusão de pessoas que representam um vínculo afetivo para o paciente, de modo a auxiliar na assistência e contribuir com a atuação do enfermeiro. Esses familiares e amigos também sofrem pelo adoecimento do paciente e é papel da equipe acolher e atenuar o sofrimento de todos os envolvidos1616 Lima MP, Oliveira MC. Meanings of nursing care for the family of patients in palliative care. Rev Rene. 2015;16(4):593-602.,1717 Matos JC, Borges MS. The family as a member of palliative care assistance. J Nurs UFPE online. 2018;12(9):680-85..

Um dos eixos centrais apresentados pela teoria do Cuidado Humano Transpessoal, consiste no desenvolvimento de uma relação de ajuda e confiança que enriquece o crescimento individual do enfermeiro e do paciente, garantindo uma relação sem impasses terapêuticos e que possibilita o estabelecimento de novas metas a serem alcançadas no processo de cuidar1515 Guerrero-Ramírez R, Meneses-La Riva ME, de La Cruz-Ruiz M. Humanized care of nursing according to the theory of Jean Watson, medical service of the hospital Daniel Alcides Carrión. Rev Enferm Herediana. 2016;9(2):133-42.,1818 Izquierdo ME. Enfermería: teoría de Jean Watson y la inteligencia emocional, una visión humana. Rev Cuba Enferm. 2015;31(3):1-11..

A atuação dos profissionais de enfermagem envolvidos no trabalho em equipe, é uma prática que possibilita um atendimento humanizado ao paciente e seus familiares. Uma abordagem espiritual não se limita apenas a teorias e protocolos, sendo assim, faz-se necessário promover momentos de escuta, atentar-se às preferências do paciente e proporcionar momentos que valorizem seu conforto e bem-estar1414 Evangelista CB, Lopes MEL, Costa SFG, Abrão FMS. Spirituality in patient care under palliative care: a study with nurses. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2016;20(1):176-82..

É relevante analisar como o tratamento a pacientes idosos em cuidados paliativos, ainda é um obstáculo para a enfermagem. Para que se construa uma relação transpessoal, é necessário que o enfermeiro se desconecte de princípios previamente determinados, e esteja disposto a envolver-se no cuidado integral. Isso significa que é imprescindível um envolvimento emocional com o paciente99 Santos KH. Nursing care in people with sickle cell anemia: application of Jean Watson's theory in the nurse-individual relationship. Saúde rev. 2016;16(44):55-61.,1414 Evangelista CB, Lopes MEL, Costa SFG, Abrão FMS. Spirituality in patient care under palliative care: a study with nurses. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2016;20(1):176-82..

O processo de finitude da vida estimula diversas reações emocionais, na qual envolve o profissional, o paciente e a família, uma vez que obriga a todos uma análise da própria finitude. Propor à equipe de enfermagem que sua atuação seja humanizada mesmo diante de tantas vulnerabilidades, torna-se complexo em razão do fato de que muitos profissionais, em sua formação acadêmica, foram instruídos a priorizarem sempre a proteção e a preservação da vida, tornando-se assim, despreparados para lidar com a morte1414 Evangelista CB, Lopes MEL, Costa SFG, Abrão FMS. Spirituality in patient care under palliative care: a study with nurses. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2016;20(1):176-82..

Devido a dificuldade do enfermeiro em abordar os cuidados espirituais nos atendimentos, da falta de preparo e inserção dessa prática na rotina da equipe de enfermagem, torna-se crucial motivar as buscas sobre esse assunto, com a finalidade de colaborar com a assistência e agregar novos conhecimentos a respeito dos cuidados paliativos e espiritualidade.

Nesse sentido, percebeu-se que o restrito número de literaturas a respeito da espiritualidade e o desconhecimento dos participantes quanto ao cuidado espiritual, foram os principais fatores que limitaram a pesquisa.

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos nos permitem compreender a percepção dos enfermeiros sobre a assistência espiritual em cuidados paliativos. Foi possível ainda analisar a perspectiva dos enfermeiros sobre o significado e importância da assistência espiritual nos cuidados paliativos por intermédio de uma abordagem integral, o que é primordial para desenvolver práticas que além de favorecer a fé e a espiritualidade, a perseverança e as expectativas sobre o final da vida, vislumbre os diversos aspectos da existência humana.

O maior desafio para os participantes da pesquisa, foi visualizar como as dimensões espirituais deveriam ter maior relevância no cotidiano do ser que cuida e do ser cuidado. Por vezes, o que dificultou a assistência espiritual, foi a ausência de conhecimentos sobre conceitos como religiosidade e espiritualidade, a demanda da rotina de trabalho exaustivo, um cuidado centrado nos aspectos físico-biológicos e com isso a falta de tempo para abordagem espiritual, carência de apoio emocional à equipe e até mesmo uma fragmentada formação do profissional que pouco contribuiu para a inserção dessa prática nos cuidados paliativos.

Ao longo do desenvolvimento do estudo, foi possível evidenciar que o apoio familiar, os momentos da escuta e as execuções de atividades que motivam a paz interior são significativos para os enfermeiros. Todavia, lidar com a espiritualidade do paciente em cuidados paliativos, nos revela aspectos que vão além do olhar assistido, atualmente centrados principalmente no alívio da dor e promoção do conforto. Visto isso, é fundamental toda a equipe assistencial olhar o paciente de forma holística, tratando o ser humano em suas dimensões biopsicossocial e espiritual.

Desse modo, uma nova proposta de pesquisa acerca deste tema, poderia envolver a compreensão de outros profissionais da equipe multidisciplinar, além de abranger outros setores hospitalares envolvidos no processo para acrescentar e otimizar o atendimento espiritual em todas as dimensões do cuidado e identificar estratégias de enfrentamento em outros contextos.

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  • Não houve financiamento na execução deste trabalho.

Editado por

Editor:

Tamires Carneiro Oliveira Mendes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2019
  • Aceito
    16 Jan 2020
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